TIPO DE AÇÃO: Superendividamento
RELATOR | : Desembargador AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI |
AGRAVANTE | : BANCO DAYCOVAL S.A. |
ADVOGADO(A) | : RONALDO GOIS ALMEIDA (OAB RS056646) |
AGRAVADO | : ANGELA DA ROSA |
ADVOGADO(A) | : NATALIA PERONI LEONARDELI (OAB SP497604) |
INTERESSADO | : FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITORIOS NAO PADRONIZADOS NPL II |
ADVOGADO(A) | : Thiago Mahfuz Vezzi |
INTERESSADO | : CREFAZ SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR E A EMPRESA DE PEQUENO PORTE S.A. |
ADVOGADO(A) | : FELIPE ANDRE DE CARVALHO LIMA |
INTERESSADO | : BANCOSEGURO S.A. |
ADVOGADO(A) | : EDUARDO CHALFIN |
INTERESSADO | : PICPAY BANK - BANCO MULTIPLO S.A. |
ADVOGADO(A) | : GUILHERME KASCHNY BASTIAN |
INTERESSADO | : BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. |
ADVOGADO(A) | : FLAVIO NEVES COSTA |
INTERESSADO | : BANCO BMG S.A |
ADVOGADO(A) | : LEONARDO FIALHO PINTO |
INTERESSADO | : FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO |
ADVOGADO(A) | : DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA |
INTERESSADO | : PARANÁ BANCO S/A |
ADVOGADO(A) | : Marissol Jesus Filla |
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE Repactuação de dívidas. Superendividamento.
1. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. É CABÍVEL O JULGAMENTO MONOCRÁTICO DE RECURSOS CUJA MATÉRIA POSSUI JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES E NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NA FORMA DO ART. 932, VIII, DO CPC, COMBINADO COM O ARTIGO 206, XXXVI DO REGIMENTO INTERNO E NA FORMA PRECONIZADA NA SÚMULA 568 DO STJ.
2. não conheço dos pedidos finais elencados nos itens 'b' e 'g' do presente agravo de instrumento. Isto porque, inexiste no escopo argumentativo do recurso, fundamentação. Assim, não há como analisar as solicitações.
3. O SUPERENDIVIDAMENTO RESTA CONFIGURADO QUANDO RECONHECIDA A IMPOSSIBILIDADE DE O CONSUMIDOR DE BOA-FÉ ADIMPLIR TODAS AS DÍVIDAS QUE CONTRAIU, SEM COMPROMETER O MÍNIMO EXISTENCIAL ASSEGURADO PARA SUA SOBREVIVÊNCIA. LEI N.º 14.181/2021.
4. CASO CONCRETO EM QUE A SOMA DOS DESCONTOS LEGAIS, DOS DESCONTOS CONSIGNADOS AUTORIZADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE BANCÁRIA ULTRAPASSAM O LIMITE RAZOÁVEL PARA QUE O AUTOR-AGRAVADO MANTENHA SUA SUBSISTÊNCIA, CARACTERIZANDO INEQUÍVOCA SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO.
5. A LEI FEDERAL 14.181/2021 INTRODUZ NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR FERRAMENTAS PARA PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO. CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA QUE, NO CASO CONCRETO, E COM SUPORTE NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DESTA CORTE, VISA ASSEGURAR A DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E FAMILIAR DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. GARANTIA DE ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS PARA O CUSTEIO DAS DESPESAS MAIS ELEMENTARES DA SUBSISTÊNCIA, TAIS COMO ALIMENTAÇÃO HABITAÇÃO E SAÚDE.
6. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E DE LANÇAMENTOS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE NO PERCENTUAL DE 35% INCIDENTES SOBRE A REMUNERAÇÃO BRUTA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO, DESCONTADOS APENAS OS LANÇAMENTOS RELATIVOS À PREVIDÊNCIA OFICIAL, IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE, quando houver e pensão alimentícia. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, POIS AMPARADA EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE PRESERVAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E GARANTIA DE ACESSO AO MÍNIMO EXISTENCIAL PARA SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO STJ.
7. ASTREINTES. O ART. 537 DO CPC AUTORIZA A FIXAÇÃO DE MULTA COERCITIVA PARA FORÇAR O DEVEDOR A CUMPRIR A OBRIGAÇÃO DE FAZER OU DE NÃO FAZER, MESMO NA FASE DE CONHECIMENTO.
FIXAÇÃO DE MULTA por ato de descumprimento, COM LIMITAÇÃO AO VALOR DA DÍVIDA EM ABERTO, CONFORME DECISÃO RECORRIDA, ASSEGURA A PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA PENA DE MULTA APLICADA. MANUTENÇÃO DA MULTA, NOS TERMOS DA DECISÃO RECORRIDA.
RECURSO parcialmente conhecido e desPROVIDO.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por BANCO DAYCOVAL S.A. contra a decisão que deferiu parcialmente a antecipação de tutela (evento 13, DESPADEC1 - origem), proferida nos autos da ação de repactuação de dívidas – lei do superendividamento, manejada por ANGELA DA ROSA, perante o Projeto de Gestão de Superendividamento.
Nas razões de recurso (evento 1, INIC1), o corréu-agravante sustenta a necessidade de concessão de efeito suspensivo, "diante da inexistência dos requisitos previstos no artigo 84 do CDC e no art. 300, caput, do CPC, assim como pelo demonstrado perigo de irreversibilidade da medida, a teor do artigo 300, §3º, do CPC". Tece considerações da presunção de constitucionalidade a partir do Decreto 11.150/2022 e inobservância do Tema 1.085 do STJ. Fala da ausência dos requisitos do art. 300 do CPC e da "inaplicabilidade da Lei do Superendividamento aos Empréstimos Consignados e Cartões de Crédito Consignados". Aduz que "não há efetiva prova de que a parte autora esteja, de fato, em situação de superendividamento e impossibilidade manifesta em pagar a totalidade de suas dívidas, tampouco prova de que o Banco Daycoval tenha violado os ditames da Lei do Superendividamento no fornecimento de crédito à parte demandante". Argumenta questões sobre o mínimo existencial, do limite consignável e da multa fixada em excesso. Requer:
A. Seja recebido o presente agravo de instrumento, eis que tempestivo e devidamente regular, deferindo-lhe o efeito suspensivo na forma pleiteada, suspendendo os efeitos da decisão a quo até seu final julgamento;
B. Seja conhecido e provido o presente recurso para o fim anular a decisão agravada, por ser ultra petita e por violação ao princípio da não surpresa;
C. Caso não acolhida a nulidade ou entenda este Tribunal passar diretamente à análise das questões de fundo, que seja declarada a constitucionalidade do Decreto 11.150/2022, respeitando-se a regra da Cláusula de Reserva de Plenário (art. 97 da Constituição Federal), além da força vinculante de julgado de recurso repetitivo (Tema 1.085) pelo Superior Tribunal de Justiça
D. Reformar a decisão que concedeu a tutela provisória por ausência dos requisitos do art. 300 do CPC, determinando-se o RESTABELECIMENTO DOS DESCONTOS EM FOLHA NA FORMA CONVENCIONADA NOS CONTRATOS OBJETO DA LIDE.
E. Requer seja afastada ou, subsidiariamente, reduzida a multa aplicada para que incidam, se for o caso, por evento ou de forma mensal e não diária;
F. Acaso mantida a multa aplicada, seja consolidada a um valor proporcional ao caso concreto, sob pena de enriquecimento ilícito de uma das partes;
G. Alternativamente, requer sejam tomadas medidas para que a tutela possa ser cumprida de forma justa, determinando-se que a parte agravada SE ABSTENHA DE CONTRATAR NOVOS SERVIÇOS FINANCEIROS, até o final da ação movida.
É o relatório.
Passo a decidir.
1. Recebo o recurso, porque atendidos os requisitos de admissibilidade.
2. Inicialmente, cumpre referir que a decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:
Defiro a gratuidade judiciária.
Anoto, todavia, que a concessão da benesse é modulada e restrita a determinados atos processuais, na forma do permissivo legal disposto no parágrafo 5º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
A esse respeito, adianto que a vedação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor poderá ser relativizada, em caso de violação do dever de cooperação e lealdade processual, permitindo-se eventual oneração do credor com relação às despesas necessárias ao procedimento de repactuação, as quais poderão ser incluídas na sucumbência em ação de procedência.
Recebo a inicial com base na tutela legal prevista na Lei 14.181/21, tendo em vista que a causa de pedir noticiando o superendividamento do consumidor.
DA FASE CONCILIATÓRIA:
Observado que a fase conciliatória não ocorreu anteriormente ao ajuizamento da ação, SUSPENDO o feito, após o cumprimento da tutela de urgência deferida, se deferida, para DETERMINAR a remessa dos autos ao CEJUSC, determinando seja aprazada audiência de conciliação/mediação, porquanto fase obrigatória da Lei 14.181/21, artigo 104-A.
Registro que, de fato, a fase consensual do procedimento é compulsória e prévia, de acordo com o artigo 104-A do CDC.
Excepcionalmente, evidenciada a necessidade, este Juízo tem analisado a tutela de urgência como forma de assegurar a preservação do mínimo existencial.
Por essa razão, consigno que É OBRIGATÓRIA A PRESENÇA DO CONSUMIDOR NA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO/MEDIAÇÃO, pela aplicação do princípio da cooperação, notadamente, porque fase compulsória do procedimento, sob pena de possibilidade da reapreciação da tutela de urgência, uma vez que esta se submete ao "condicionamento de seu efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento " (art. 104-A,§ 4.º, IV, do CDC).
A ausência deverá ser justificada comprovadamente e de forma prévia ao ato, salvo situação excepcional a ser apreciada.
A ausência injustificada da parte autora importará na revogação da tutela de urgência.
Outrossim, FICAM OS CREDORES ADVERTIDOS, desde já, que a ausência injustificada, bem como o comparecimento do representante do credor sem poderes reais e plenos para transigir ou, ainda, a falta de proposta ou de proposta inviável dos credores, contrariam a finalidade da norma e podem autorizar a aplicação de sanção, em especial e por analogia, do art. 104-A, § 2.º, do CDC, nos termos dos Enunciados n. 361, n. 372, n.º383 e n. 394 todos do FONAMEC (Fórum Nacional da Mediação e Conciliação).
Para composição, saliento às partes que:
1) A modificação da forma de pagamento pactuada no acordo, com a previsão de desconto em conta-corrente de débitos que foram contratados de forma originária mediante pagamento por consignação em folha de pagamento, altera o equilíbrio da relação originariamente pactuada, ante a possibilidade da incidência do Tema 1085 do STJ.
No entanto, com a concordância expressa o consumidor, na ausência de margem consignável em folha de pagamento, fica autorizado, TEMPORARIAMENTE, o pagamento mediante desconto em conta-corrente, desde que mantida a natureza da obrigação originária.
Outrossim, independente da natureza dos débitos que compuserem a renegociação, acordada/mantida a consignação como meio de pagamento, será preservado o percentual de comprometimento da margem já utilizada pelos demais credores nas pactuações pretéritas já averbadas até decisão final, percentual este que não pode ser afetado/absorvido pela negociação celebrada com apenas um dos credores.
2) A pactuação deve observar as informações trazidas pela parte demandante no plano preliminar apresentado, especialmente, a parcela disponível para pagamento dos credores, observado o mínimo existencial. Eventual modificação nas possibilidades deverá ser justificada nos autos, sempre que possível, de forma prévia à audiência, com retificação do plano preliminar.
3) Na hipótese de acordo sem a globalidade dos credores dos empréstimos consignados em folha de pagamento, o limite da consignação renegociada deverá observar o percentual do contrato originário, fins de evitar modificação nas obrigações anteriormente contratadas com outros credores, sem prejuízo de eventual utilização de margem ainda disponível, que não decorrente de diminuição por tutela de urgência.
Cite-se a parte demandada para comparecer à audiência de conciliação/mediação.
Não havendo entendimento, deverá apresentar contestação em 15 dias, contados da data da audiência.
Daí porque, o requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, notadamente porque a demora no recebimento da citação e consequente espera na designação de audiência de conciliação não pode atuar em prejuízo à parte demandante.
Ademais, ao exame dos documentos colacionados com a inicial (evento 9, CHEQ2), verifico que parte significativa da renda da parte requerente está comprometida com os descontos praticados pelos empréstimos concedidos pela parte demandada, seja na forma consignada, seja mediante débito direto em conta-corrente.
A probabilidade do afirmado direito decorre dos argumentos expostos pela parte autora que, em sede de cognição sumária, verificam-se coerentes, na medida em que a continuidade dos descontos vinculados à conta bancária e à renda, na proporção efetuada atualmente, prejudica a sua própria subsistência, porque correspondentes a mais de 50% da renda livre auferida (renda bruta - 35%).
Neste sentido, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, art.6o, XII, in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet.
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados integralmente para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu mínimo existencial. (...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante a limitação dos descontos ao percentual de 35% da renda. Neste sentido:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO EM JULGAMENTO MONOCRÁTICO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. EMPRÉSTIMOS PESSOAIS CONSIGNADOS PARA BENEFICIÁRIOS DO INSS. EMPRÉSTIMOS PESSOAIS NÃO CONSIGNADOS. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADA. 1. MARGEM CONSIGNÁVEL EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO VINCULADO AO INSS. A MARGEM CONSIGNÁVEL DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS VINCULADOS AO INSS É DE 35% PARA CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO, NA FORMA DA RECENTE LEI FEDERAL N° 14.131/2021 ("LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CIDADÃO"). 2. TUTELA DE URGÊNCIA. A PRETENSÃO FUNDAMENTADA NA SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR NÃO IMPLICA EM ÓBICE À CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA PELA PREVISÃO LEGAL SOBRE A POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO DE CONCILIAÇÃO PARA REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. 3. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. A PESSOA NATURAL SUPERENDIVIDADA É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA E A DE SUA FAMÍLIA. 4. PROCEDIMENTALIZADOS, NA FORMA DA LEI, OS DESCONTOS MENSAIS CONSIGNADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE CONSUMIDORA SUPERENDIVIDADA, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL DA DEVEDORA SUPERENDIVIDADA À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA. 5. NA ESPÉCIE, OS DESCONTOS MENSAIS DE TODOS OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS E NÃO CONSIGNADOS DEVIDOS PELA CONSUMIDORA SUPERENDIVIDADA CONSOMEM A INTEGRALIDADE DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA, COMPROMETENDO A SUA DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E VEDANDO-LHE O ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS CONSIGNADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO A 35% E LANÇAMENTOS A DÉBITO DIRETO DE EMPRÉSTIMOS NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE DA AUTORA-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA. REFORMA PARCIAL DA DECISÃO RECORRIDA, COM RESTRIÇÃO DOS SEUS EFEITOS, ATINGINDO TAMBÉM OS DÉBITOS NÃO CONSIGNADOS, COM LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DA AUTORA-AGRAVADA. 6. NO CASO CONCRETO, PORTANTO, IMPENDE MANTER A DECISÃO RECORRIDA QUANTO À LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS CONSIGNADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS CONSIGNADOS, E TAMBÉM AMPLIAR OS SEUS EFEITOS, PARA ESTABELECER A LIMITAÇÃO DOS DÉBITOS LANÇADOS EM CONTA-CORRENTE A 30% DA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO NÃO CONSIGNADO. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS. 7. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO DE PLANO, COM FUNDAMENTO NO ART. 932, INC. VIII, DO CPC, COMBINADO COM O ART. 206, INC. XXXVI, DO RITJRS. RECURSO DESPROVIDO.M/AG 5.095 – S 24.03.2023 – P 126.(Agravo de Instrumento, Nº 51553675320228217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 24-03-2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA. REVOGAÇÃO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS CONSIGNADOS EM 40% DA REMUNERAÇÃO BRUTA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS. MEDIDA PROVISÓRIA 1.006/2020, CONVERTIDA NA LEI Nº 14.131 DE 30.03.2021. CONFORME ENTENDIMENTO PACIFICADO PELO STJ, OS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DEVEM OBEDECER AO PATAMAR DE 30% SOBRE A REMUNERAÇÃO BRUTA DO CONSUMIDOR, INCLUSIVE SOBRE PROVENTOS DE PENSÃO E APOSENTADORIA. A LIMITAÇÃO PREVISTA NO ORDENAMENTO JURÍDICO TEM COMO FINALIDADE EVITAR O ENDIVIDAMENTO DESENFREADO E GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL AO SERVIDOR, ASSEGURANDO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA E A DA SUA FAMÍLIA, COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NO CASO DE CONSIGNAÇÕES EFETUADAS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS, APÓS 30.03.2021, OS DESCONTOS CONSIGNADOS NÃO PODEM ULTRAPASSAR O LIMITE DE 40% DA RENDA MENSAL DO BENEFÍCIO DA PARTE SEGURADA, SENDO ATÉ 35% PARA AS OPERAÇÕES DE EMPRÉSTIMO PESSOAL, E ATÉ 5% PARA AS OPERAÇÕES DE CARTÃO DE CRÉDITO, CONFORME A MEDIDA PROVISÓRIA 1.006/2020, CONVERTIDA NA LEI Nº 14.131 DE 30.03.2021. NA ESPÉCIE, OS DESCONTOS CONSIGNADOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO INSS NÃO ULTRAPASSAM O LIMITE LEGAL DE 40% DA REMUNERAÇÃO BRUTA. TUTELA DE URGÊNCIA REVOGADA. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 50005771420228217000, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Vescia Corssac, Julgado em: 30-03-2022)
Com efeito, a Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento). Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Todavia, importa consignar que tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/20211, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim, consignações de até 40% quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no inciso VI do caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, no § 1º do art. 1º e no § 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, e no § 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n.11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.5 Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6o, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5o , parágrafo 1o da CF/88.6
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Pelo exposto, passo à análise do caso concreto, sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
DA NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1085 DO STJ:
O fato narrado na inicial apresenta descontos em folha de pagamento, com subsunção aos limites contidos na Lei 10.820/03, assim como descontos realizados diretamente na conta-corrente do consumidor, por força da possível pactuação como forma de pagamento decorrente de cláusula contratual. No ponto, esta última modalidade de desconto foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, resultando na formação da tese repetitiva n. 1085, com reconhecimento da ausência de analogia capaz de limitar o percentual de desconto em conta-corrente preponderando a autonomia da vontade das partes.
Contudo, o suporte fático descrito não apresenta, salvo melhor juízo, identidade de fundamentos com aquele que motivou a formação da tese repetitiva em comento, porquanto evidenciado que a globalidade das obrigações existentes apresentam como pano de fundo o superendividamento do consumidor, comprometendo o mínimo existencial, direito básico tutelado pelo artigo 6o, XI e XII, ambos do Código de Defesa do Consumidor, como outrora tivemos a oportunidade de diferenciar:
“A tese repetitiva proferida pelo STJ foi ao encontro da teoria dos contratos, no berço da autonomia da vontade, na pacta sunt servanda, aplicando todo o arcabouço de uma relação contratual sadia, celebrada e executada dentro da normalidade, sem patologia ou necessidade especial das partes envolvidas; é o desconto de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente de correntistas/consumidores saudáveis, os quais se encontram em condições de manter o pagamento das suas contas básicas, como luz, água e alimentação.
Situação diametralmente oposta são dos correntistas/consumidores superendividados, que buscam no Poder Judiciário a reorganização dos descontos efetuados tanto no contracheque como na conta-corrente sob o fundamento do excesso de descontos em detrimento da preservação do mínimo existencial. Neste cenário vem demonstrados descontos acima do limite legal e extrato bancário com saldo negativo, pois todo o valor líquido depositado em sua conta-corrente está sendo utilizado para pagamento de empréstimos bancários comuns, juros do cheque especial, seguro, entre outros. Nas hipóteses relatadas, verifica-se a diversidade do suporte fático daquele submetido à apreciação no julgado que ensejou a formação do convencimento na tese repetitiva nº. 1085, uma vez que não se estava diante de consumidor superendividado, sujeito destinatário da norma que introduziu no país a concreção da dignidade da pessoa com a preservação do mínimo existencial. Aliás, insta destacar, mínimo existencial já assegurado na fase da formação do contrato, quando da análise da capacidade de reembolso pelo concedente de crédito, de acordo com a inteligência do artigo 54-D do Código atualizado. Daí a interpretação sobre a necessidade de limitação dos descontos em conta-corrente quando evidenciada situação de superendividamento do consumidor.” (A repactuação de dívidas do consumidor superendividado e os descontos bancários em conta-corrente, BERTONCELLO, Káren R. D.; RANGEL, Andréia Fernandes de Almeida. Extrato texto encaminhado para publicação no CONJUR, novembro/2022)
Em vista disso, com base no artigo 300, do Código de Processo Civil, DEFIRO parcialmente a tutela de urgência a fim de determinar que:
a) A parte ré LIMITE os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de 35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta;
b) No caso em discussão, esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
c) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
Advirto que:
A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra. Daí por que NÃO abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
Ademais, saliento que a presente decisão NÃO abrange contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
Ainda, INDEFIRO a suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças de forma abusiva.
Fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora.
DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Ainda, ficam intimadas as requeridas a juntar aos autos cópia dos contratos firmados entre as partes e extratos bancários em formato XLS, caso ainda não o tenham feito, em face da inversão do ônus da prova em favor da parte autora que, desde já determino, uma vez verossímeis as alegações daquela, bem como o disposto no artigo 6°, inciso VIII do CDC.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual.
DEPÓSITO JUDICIAL
O rito adotado pela Lei n. 14.181/2021 tem natureza especial e pressupõe a valorização da fase consensual oportunizando a construção do plano de pagamento com foco na globalidade das obrigações do consumidor. Nesta medida, a ausência de previsão da possibilidade de consignação de valores, corresponde ausência de possibilidade de afirmação do montante do valor incontroverso em cognição sumária, notadamente porque a repactuação que ocorrerá ao final da ação pressupõe a aplicação das consequências previstas no artigo 54-D, parágrafo único do CDC (análise das condições de concessão do crédito) e elaboração do plano de pagamento frente às obrigações e ao orçamento do consumidor.
Tratando-se de Juízo 100% Digital e em atenção aos princípios da celeridade e eficiência, as respostas remetidas por carta não serão anexadas ao processo.
Por fim, cabe ressaltar que o sistema E-proc disponibiliza, no menu principal, a opção substabelecimento com reserva ou sem reserva, viabilizando ao procurador a atualização do cadastro de advogados, para recebimento de intimações, sendo de responsabilidade do procurador tal gerenciamento e cadastro dos profissionais, na forma do art. 2º da Lei 11.419/2006.
Sendo a parte Entidade, a retificação/alteração dos procuradores cabe apenas à própria, em atualização cadastral, ou ao procurador.
Para maiores informações sobre o rito da Lei n. 14.181/2021, destaco a leitura da Cartilha sobre Superendividamento do Conselho Nacional de Justiça - CARTILHA SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
3. Adiante, registro que o relator está autorizado a julgar monocraticamente o recurso quando houver jurisprudência dominante sobre a matéria em discussão, seja no âmbito do STF, do STJ e mesmo do próprio Tribunal de Justiça. A este respeito, o art. 932, VIII, do CPC dispõe:
"Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.".
Neste sentido, o Regimento Interno do Tribunal prevê em seu art. 206, XXXVI:
"Art. 206. Compete ao Relator:
(...)
XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;".
Ainda neste sentido, o STJ editou a Súmula n° 568 e consolidou a possibilidade de julgamento monocrático quando a matéria em debate está consolidada na jurisprudência, como se vê:
"Súmula 568. O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.".
Passo ao exame do recurso, monocraticamente.
4. Inicialmente, não conheço dos pedidos finais elencados nos itens 'b' e 'g' do presente agravo de instrumento. Isto porque, inexiste no escopo argumentativo do recurso, fundamentação. Assim, não há como analisar as solicitações.
5. A presente demanda versa sobre pedido de repactuação de dívidas, sob os fundamentos da denominada Lei do Superendividamento (Lei Federal n° 14.181/2021) que alterou o Código de Defesa do Consumidor. A parte autora-agravada ANGELA DA ROSA é aposentada pelo INSS, auferindo renda mensal bruta total de R$1.700,18 (evento 1, CHEQ4). Foi deduzido pedido de limitação de descontos em folha de pagamento e de débito em conta em 30% de sua renda líquida.
O Juízo de origem acolheu em parte o pedido de tutela de urgência e determinou a limitação nos seguintes termos:
a) A parte ré LIMITE os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de 35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta;
b) No caso em discussão, esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
6. Na questão de fundo, o corréu-agravante sustenta que deve ser reformada a decisão que determinou a limitação dos descontos em folha de pagamento e em débito em conta.
A autora-agravada juntou aos autos cópia de seu contracheque (evento 1, CHEQ4) e demais documentos acostados no Evento 1 da ação originária, demonstrando todos os descontos em folha de pagamento e os débitos em conta-corrente e demais pagamentos relacionados a contratos bancários, submetidos ao processo de repactuação de dívidas.
O comprometimento total de sua renda com empréstimos bancários discricionados na folha de pagamento junto ao INSS é de 43,45%. Ainda, conforme plano de repactuação de dívidas apresentado, bem como dívidas não pagas e inscritas juntos ao SPC/Serasa, demontra a sua situação de superendividamento.
Sobre a caracterização da situação de superendividamento, BRUNO MIRAGEM refere que, "Por superendividamento entenda-se a incapacidade do consumidor de pagamento de suas dívidas exigíveis, em face de descontrole financeiro decorrente de abuso de crédito ou situações imprevistas em sua vida pessoal".1
Assim, no caso concreto, está caracterizada a situação de superendividamento do autor-agravado, o que impõe o processamento da ação pelo rito próprio estabelecido no CDC e autoriza a concessão da tutela de urgência sediada nos termos do art. 300 do CPC. A verossimilhança das alegações está comprovada pela juntada de provas de que não há sobra mensal de recursos para o autor e o risco de demora no provimento judicial, igualmente, está demonstrado já que inviabilizado o custeio das despesas mais elementares, como alimentação, habitação e saúde.
Friso, no ponto, que nos autos da ação de repactuação de dívidas sob fundamento do superendividamento, não se discute a mera (in)observância da margem consignável do consumidor por parte das instituições financeiras credoras, mas se examinam a situação de superendividamento do consumidor e a necessidade de preservação de uma renda mínima para prover a subsistência do consumidor.
7. Inaplicabilidade do Decreto n° 11.150/2022.
Passo seguinte, quanto ao mínimo existencial, adianto que entendo inaplicável o disposto no Decreto n° 11.150/2022 e atualizações. O Decreto foi publicado no Diário Oficial da União de 27/07/2022, com vigência a partir de 60 dias contados de sua publicação. O Decreto "Regulamenta a preservação e o não comprometimento do mínimo existencial para fins de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento em dívidas de consumo, nos termos do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor".
Os artigos 3º e 4º estabelecem a definição do conceito de mínimo existencial e excluem diversos compromissos financeiros dos consumidores da base de cálculo para o cômputo de seu comprometimento de renda, para fins de reconhecimento de sua situação de superendividamento, respectivamente. Assim definem os citados artigos:
Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.
§ 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.
§ 2º O reajustamento anual do salário mínimo não implicará a atualização do valor de que trata o caput.
§ 3º Compete ao Conselho Monetário Nacional a atualização do valor de que trata o caput.
Art. 4º Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo.
Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial:
I - as parcelas das dívidas:
a) relativas a financiamento e refinanciamento imobiliário;
b) decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais;
c) decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval;
d) decorrentes de operações de crédito rural;
e) contratadas para o financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES;
f) anteriormente renegociadas na forma do disposto no Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990;
g) de tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor;
h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e
i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos;
II - os limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga; e
III - os limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas."
Posteriormente, em 20/06/2023, foi publicado o Decreto n° 11.567/23 que alterou o art. 3º do Decreto 11.150/22 e aumentou o patamar mínimo considerado como mínimo existencial para R$600,00. Ainda assim, analisando detidamente a redação do Decreto 11.150/22, observo que seu propósito é neutralizar todo o aparato legislativo e o complexo de normas de prevenção, proteção, apoio e tratamento da situação de superendividamento do consumidor, na forma prevista na Lei n° 14.181/2021.
Como já analisado, a alteração promovida pela Lei n° 14.181/2021 no Código de Defesa do Consumidor introduziu diversas disposições legais visando a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento.
Neste norte, o Código de Defesa do Consumidor ampliou os direitos dos consumidores e, neste ponto, impôs aos fornecedores diversos deveres de cuidados na prestação de serviços e de produtos, visando inibir situações de superendividamento. Também foram diversas as disposições acrescidas ao CDC para o tratamento de situações de superendividamento já consolidadas.
Na contramão das disposições do CDC, o Decreto n° 11.150/22, sob pretexto de regulamentar a preservação da situação de superendividamento e o não comprometimento do mínimo existencial, restringe a aplicação da Lei do Superendividamento, no campo prático, a situações remotas.
Além disso, ao regulamentar a Lei n° 14.181/2021, o faz criando restrições não contempladas na própria lei regulamentada e viola seus princípios norteadores. Dessa forma, sua aplicabilidade está comprometida no caso concreto, pois representa verdadeiro retrocesso aos direitos assegurados pela Lei n° 14.181/2021.
8. Neste norte, cito as principais inovações legislativas introduzidas no CDC, de modo a alcançar a prevenção e o tratamento das situações de superendividamento:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
[...]
X - prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
........................................................................................................................................
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
XI - a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida, entre outras medidas; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021) -
A primeira garantia estabelecida pelo inciso XI do art. 6º, retro citado, prevê a prática de crédito responsável, com nítido objetivo de assegurar o mínimo existencial ao consumidor, como forma de prevenção à situação de superendividamento. Neste particular, de modo a que se alcance a concessão de crédito responsável ao segmento de consumidores endividados, é de rigor que se aplique a interpretação mais restritiva e protetiva dos interesses da parte mais vulnerável, exposta aos riscos da situação de superendividamento.
Além do mais, o CDC passou a dispor expressamente sobre prevenção e tratamento de situações de superendividamento em seu art. 54-A:
"Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021
§ 2º As dívidas referidas no § 1º deste artigo englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º O disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
9. Especificamente sobre a limitação dos descontos em folha de pagamento e dos lançamentos a débito em conta-corrente, embora exista discussão sobre o teto de endividamento voluntário em folha de pagamento de servidores públicos estaduais, servidores públicos federais, militares, aposentados e pensionistas do INSS e mesmo os trabalhadores da iniciativa privada, bem como seja eventualmente suscitada a inexistência de limitação para débitos lançados em conta-corrente, entendo possível, sob a ótica da prevenção e tratamento de situação de superendividamento, a limitação tanto dos descontos em folha de pagamento como dos débitos em conta corrente a 35% dos rendimentos brutos, descontados apenas os lançamentos a título de imposto de renda, de contribuição previdenciária e de pensão alimentícia, como constou da decisão recorrida. Assim, adianto que a estou mantendo.
A jurisprudência do STJ admite, de longa data, a possibilidade de limitação de descontos em conta-corrente como mecanismo de proteção e tratamento do consumidor em situação de superendividamento.
É o que se extrai do julgamento do REsp n° 1.584.501/SP, sob a relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, no qual a Terceira Turma do STJ, sob fundamentos de proteção de princípios da dignidade da pessoa humana e de garantia do mínimo existencial de devedor em situação de superendividamento afirmou a possibilidade de limitação de descontos realizados em conta-corrente do devedor a 30% da remuneração líquida. O objetivo da limitação é a preservação de valores mínimos para a garantia de subsistência pessoal e familiar, como se vê da ementa do julgado:
"RECURSO ESPECIAL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A 30% DA REMUNERAÇÃO DO DEVEDOR. SUPERENDIVIDAMENTO. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL VIOLADO. ÓBICE DA SÚMULA 284/STF.
1. Validade da cláusula autorizadora de desconto em conta-corrente para pagamento das prestações do contrato de empréstimo, ainda que se trate de conta utilizada para recebimento de salário.
2. Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta porcento) da remuneração líquida percebida pelo devedor, após deduzidos os descontos obrigatórios (Previdência e Imposto de Renda).
3. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. Doutrina sobre o tema.
4. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ.
5. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO."
(REsp n° 1.584.501/SP, TERCEIRA TURMA, STJ, Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe: 13/10/2016).
No corpo do voto, o Ministro invocou importantes fundamentos constitucionais para fundamentar a decisão:
"Eminentes colegas, o recurso especial não merece ser provido.
Inicialmente, esclareço que o juízo de admissibilidade do presente recurso será realizado com base nas normas do CPC/1973, por ser a lei processual vigente na data de publicação do decisum ora impugnado (cf. Enunciado Administrativo n. 2/STJ).
Relatam os autos que a parte demandante, ora recorrida, pactuou com o banco ora recorrente uma confissão e renegociação de dívida no valor de R$ 122.209,21, na modalidade empréstimo consignado, a ser quitado mediante o desconto de 72 parcelas mensais no valor de R$ 1.697,35 (cf. fls. 16/20). Esse montante, contudo, equivale à quase totalidade dos proventos de aposentadoria percebidos pela ora recorrida, no valor de R$ 1.673,91 (cf. fl. 22), nada lhe restando para garantir a subsistência.
Ante esse fato, a ora recorrida ajuizou ação de revisão contratual, pretendendo a limitação dos descontos a 30% de seus proventos líquidos, dentre outros pedidos. O pedido de limitação dos descontos foi julgado procedente pelo juízo a quo, em sentença mantida pelo Tribunal de origem. Daí a interposição do presente recurso especial, em que o banco pretende, essencialmente, o restabelecimento do valor integral dos descontos.
A questão devolvida ao conhecimento desta instância especial deve ser abordada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, relacionando-se com o fenômeno do superendividamento, que tem sido uma preocupação atual do Direito do Consumidor em todo o mundo, decorrente da imensa facilidade de acesso ao crédito nos dias de hoje.
CLÁUDIA LIMA MARQUES, em seu Contratos no Código de Defesa do Consumidor ( São Paulo: Ed. RT, 2002. pp. 590-591), ao tecer considerações acerca da oferta em massa de produtos e serviços diante da hipossuficiência do consumidor, refere: "Uma vontade protegida pelo direito, vontade liberta das pressões e dos desejos impostos pela publicidade e por outros métodos agressivos de venda, em suma, uma vontade racional. Não há como negar que o consumo massificado de hoje, pós-industrial, está ligado faticamente a uma série de perigos para o consumidor, vale lembrar os fenômenos atuais de superendividamento, de práticas comerciais abusivas, de abusos contratuais, da existência de monopólios naturais dos serviços públicos concedidos ou privatizados, de falhas na concorrência, no mercado, na informação e na liberdade material do contratante mais fraco na elaboração e conclusão dos contratos. Apesar de todos estes perigos e dificuldades, o novo direito contratual visa concretizar a função social dos contratos, impondo parâmetros de transparência e boa-fé.
Alguns sistemas jurídicos já alcançaram soluções legislativas para resolver a situação, como é o caso do Direito francês que já legislou acerca do superendividamento.
Assim, no Code de la consommation (Código do consumo) , artigo L.313-12 está disposto o seguinte: Article L313-12: L'exécution des obligations du débiteur peut être, notamment en cas de licenciement, suspendue par ordonnance du juge d'instance dans les conditions prévues aux articles 1244-1 à 1244-3 du code civil. L'ordonnance peut décider que, durant le délai de grâce, les sommes dues ne produiront point intérêt. En outre, le juge peut déterminer dans son ordonnance les modalités de paiement des sommes qui seront exigibles au terme du délai de suspension, sans que le dernier versement puisse excéder de plus de deux ans le terme initialement prévu pour le remboursement du prêt ; il peut cependant surseoir à statuer sur ces modalités jusqu'au terme du délai de suspension.
A execução do devedor pode, em particular, em caso de demissão, ser suspensa por ordem do juiz, nas condições previstas nos artigos 1244-1 a 1244-3 do Código Civil. A ordem pode decidir que, durante o período de graça, os valores devidos não terão juros cobrados. Além disso, o juiz pode determinar a seu modo as condições de pagamento dos montantes que serão devidos no final do período de suspensão, o pagamento final não pode exceder mais de dois anos o prazo inicialmente previsto para o reembolso do empréstimo e pode, contudo, ser adiado neste ponto dependendo da decisão sobre estes termos, até que o fim do período de suspensão. (tradução livre de autoria de Francelize Alves Morking, contida no artigo intitulado "O reconhecimento das diferenças na materialização de direitos fundamentais com relação aos direitos do consumidor superendividado", publicado na Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, ano XIX, n. 23, p. 17/40, jan./dez. 2014)
E, nos artigos 1244-1 ao 1244-3 do Code Civil , concede-se um período para que o devedor possa solver suas obrigações, podendo o julgador, diante das peculiaridades do caso concreto, conceder uma moratória com prazo de dois anos; período em que estarão suspensas as execuções contra o devedor, consoante o artigo 1244-3 do Code Civil, conforme explicita JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES, in Crédito ao consumidor e superendividamento – uma problemática geral, Revista do Direito do Consumidor nº 17, janeiro/ março de 1996, São Paulo: Ed. RT., p.60.
No Brasil, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 3.515/2015 (oriundo do Projeto de Lei do Senado n. 283/2012), dispondo acerca do superendividamento do consumidor e prevendo medidas judiciais para garantir o mínimo existencial ao consumidor endividado."
10. Nesta Corte estadual, também está consolidada a orientação de que possível a limitação de descontos em folha de pagamento e mesmo de débito em conta-corrente, como se vê dos seguintes julgados:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS POR SUPERENDIVIDAMENTO. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA PARA LIMITAR OS DESCONTOS EM 35% DA REMUNERAÇÃO DO AGRAVADO. SERVIDOR PÚBLICO. CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DO MÍNIMO ESSENCIAL À SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA, NOS TERMOS DO ART. 300 DO CPC. CASO EM QUE COMPROVADO QUE OS DESCONTOS REALIZADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO COMPROMETEM EXPRESSIVAMENTE OS RENDIMENTOS DO AGRAVADO NÃO PERMITINDO ASSEGURAR O MÍNIMO EXISTENCIAL PARA A SUA SOBREVIVÊNCIA. ASTREINTES FIXADAS EM R$ 500,00 QUE NÃO MERECEM REDUÇÃO, DEVENDO SER MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.
(Agravo de Instrumento, Nº 50144666420248217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva, Julgado em: 31-01-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ORDINÁRIA DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADO.
Limitação dos descontos em contracheque e/ou conta corrente. Embora o entendimento do STJ relativo ao Tema 1085, analisando a documentação juntada aos autos com a petição inicial, observa-se que a autora se encontra em flagrante situação de superendividamento. No caso, autorizar os descontos no patamar anterior, comprometeria a dignidade e a subsistência da recorrida, vedando-lhe o acesso ao mínimo existencial. Logo, de serem limitados os descontos em conta corrente a 35% dos seus proventos (abatidos os valores da previdência e do IRPF), dividindo-se o percentual entre todas as demandadas até elaboração do plano de pagamento ao final do processo, por analogia à Lei nº 10.820/2003, com redação acrescida pela Lei nº 14.131/2021.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.
(Agravo de Instrumento, Nº 52345945820238217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Maria Ines Claraz de Souza Linck, Julgado em: 26-01-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DIVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. TUTELA ANTECIPADA PARA LIMITAÇÃO DE DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS PARA 35% DA SUA REMUNERAÇÃO. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. TUTELA PARCIALMENTE CONCEDIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. PARCIAL CONHECIMENTO. MODIFICAÇÃO DO PERCENTUAL DE DESCONTOS MENSAIS. PRESENTES OS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA, NOS TERMOS DO ART. 300 DO CPC. HIPÓTESE EM QUE OS DESCONTOS REALIZADOS DE FORMA CONSIGNADA E EM CONTA-CORRENTE COMPROMETEM EXPRESSIVAMENTE OS RENDIMENTOS DA AGRAVADA. JULGAMENTO DO TEMA 1085, DO STJ, QUE NÃO IMPEDE A MANUTENÇÃO DA DECISÃO, POIS EMBORA O CONTEXTO DOS AUTOS SEJA SEMELHANTE À QUESTÃO AFETADA, COM ELA NÃO SE CONFUNDE. CASO QUE A TOTALIDADE OS DESCONTOS CONSIGNADOS EXTRAPOLAM O LIMITE PERMITIDO PELA LEGISLAÇÃO. UTILIZAÇÃO DA RENDA BRUTA DA AGRAVADA PARA BASE DE CÁLCULO DO PERCENTUAL DISPOSTO PELO JUÍZO DE CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA QUE NÃO CORRESPONDE À REALIDADE DO VALOR ALCANÇADO À AGRAVANTE. SITUAÇÃO QUE, CASO ACOLHIDA, ACENTUARIA A VULNERABILIDADE. PRETENSÃO PARA LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DE ACORDO COM A ORDEM CRONOLÓGICA DE PACTUAÇÃO DOS EMPRÉSTIMOS QUE NÃO PODE SER ACOLHIDO. MEDIDA QUE NÃO APLACARIA OU MODIFICARIA OS EFEITOS DOS DESCONTOS EM EXCESSO, MANTENDO A REDUÇÃO SUBSTANCIAL DOS RENDIMENTOS MENSAIS DA RECORRIDA. INVIABILIDADE DE AFASTAMENTO OU MODIFICAÇÃO DO VALOR MULTA. ASTREINTES QUE NÃO SOFREM LIMITAÇÃO VALOR. LIMITAÇÃO DO MONTANTE QUE MALFERE A TESE DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. REVISÃO DA PERIODICIDADE DA MULTA FIXADA POR DESCUMPRIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO COLEGIADO QUE PERMITEM A INCIDÊNCIA MENSAL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.
(Agravo de Instrumento, Nº 52795194220238217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Fernando Antônio Jardim Porto, Julgado em: 26-12-2023)
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DAS PARCELAS DOS CONTRATOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO.
- Consoante entendimento do STJ, os descontos em folha de pagamento/conta corrente devem obedecer ao patamar de 30% sobre a remuneração líquida do consumidor, após deduzidos os descontos legais.
- O polo passivo da ação é composto por mais de um banco ou financeira, dessa forma o juízo de origem determinou que "os empréstimos com consignação em folha de pagamento devem ser limitados em 30% da remuneração da parte após os descontos obrigatórios, isto é 961,86, devendo as instituições bancárias providenciar na adequação dos descontos das parcelas, no limite de até 7,5% dos vencimentos brutos do autor, fechando o percentual total de 30%, somados os descontos".
- De acordo com as informações colacionadas, a financeira apelante Crediare não ultrapassa o valor dos descontos em folha de pagamento, conforme estabelecido pelo juízo a quo.
APELO PROVIDO."
(Apelação Cível, Nº 50022065120198210073, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Desª. Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 29-06-2021)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. REVISIONAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. POSSIBILIDADE NO CASO. AUTORA IDOSA E APOSENTADA SEM RENDA EXTRA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITO DA VEROSSIMILHANÇA.
1. Admissibilidade. O interesse recursal liga-se ao decaimento. Carece de interesse a parte que recorre a fim de obter o que a decisão lhe concedeu. No caso, a decisão determinou que a parte ré apresente os documentos relacionados pela autora na exordial.
2. Limitação de descontos em conta-corrente. Embora lícito o desconto de valores em conta-corrente, para pagamento de contratos firmados, a supressão em patamar quase integral dos valores recebidos a título de aposentadoria atenta contra a dignidade da pessoa, podendo conduzir a uma condição de penúria.
Caso em que a Autora, idosa e aposentada, aufere aproximadamente um salário mínimo mensal, e teve praticamente todo o benefício descontado para pagamento de mútuo firmado junto às instituições financeiras. Na hipótese, o elemento verossimilhança se mostrou presente. Limitação dos descontos em conta-corrente ao percentual de 30% da remuneração líquida da parte consumidora. Precedentes.
3. Contexto dos autos e princípio da dignidade humana.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, PROVIDO."
(Agravo de Instrumento, Nº 70080743396, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Alberto Delgado Neto, Julgado em: 28-05-2019)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. SUSPENSÃO DE DESCONTOS EM CONTA CORRENTE. SUPERENDIVIDAMENTO.
Desconto mensal promovido pela instituição financeira agravada em montante que compromete a integralidade dos rendimentos do agravante. Situação de superendividamento. Possibilidade de limitação em 30% da renda bruta (e não de simples suspensão/cancelamento, como pleiteado), excetuando-se os descontos obrigatórios.
Necessidade de assegurar ao devedor, à luz do princípio da dignidade humana, um mínimo existencial.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO."
(Agravo de Instrumento, Nº 70076087220, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Mylene Maria Michel, Julgado em: 07-06-2018) - (grifei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM PEDIDOS DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA E EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO E NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE BANCÁRIA DO CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO CARACTERIZADA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA DEFERIDA EM PARTE PELO JUÍZO A QUO, PARA ABRANGER OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DO AUTOR DEVEDOR SUPERENDIVIDADO. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL Nº 14.181/2021 AO CASO CONCRETO. INCLUSÃO CONCERTADA DE DÉBITOS NÃO CONSIGNADOS DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO, A FIM DE PRESERVAR OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL À SOBREVIVÊNCIA DO CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. A PESSOA NATURAL SUPERENDIVIDADA É AQUELA CUJA RENDA MENSAL ESTÁ SEVERAMENTE COMPROMETIDA, A PONTO DE PERDER A CAPACIDADE DE PAGAR AS SUAS DÍVIDAS, COLOCANDO EM RISCO A SUA PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA.
2. EMBORA ADMITIDO O LANÇAMENTO A DÉBITO DIRETO EM CONTA-CORRENTE DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO, A JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO TJRS SINALIZAM A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL DO DEVEDOR SUPERENDIVIDADO À SUA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA.
3. CASO CONCRETO EM QUE OS DESCONTOS DE EMPRÉSTIMOS MENSAIS NÃO CONSIGNADOS LANÇADOS NA CONTA-CORRENTE DO SERVIDOR PÚBLICO MILITAR ESTADUAL SUPERENDIVIDADO CONSOMEM TODA A SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA, COMPROMETENDO A SUA DIGNIDADE E SUBSISTÊNCIA PESSOAL E VEDANDO-LHE O ACESSO A VALORES INDISPENSÁVEIS À SUA SOBREVIVÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS LANÇAMENTOS A DÉBITO DIRETO DE EMPRÉSTIMOS NÃO CONSIGNADOS NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO MENSAL LÍQUIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, COM AMPLIAÇÃO DOS SEUS EFEITOS PARA OS DÉBITOS (NÃO CONSIGNADOS).
4. NESTA MOLDURA, A FARTA PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA NO CADERNO RECURSAL INTEGRADO EVIDENCIA A SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO DO AGRAVANTE, CONFERINDO PROBABILIDADE AO FUMUS BONIS JURIS E AO PERICULUM IN MORA, COM PERIGO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO E RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO DE ORIGEM, NAS ALEGAÇÕES DEDUZIDAS NO PROCESSO DE ORIGEM E NESTE RECURSO, QUE DEMONSTRAM, À SACIEDADE, OS DESCONTOS OPERADOS NA SUA CONTA-CORRENTE E COLOCAM EM RISCO A SUA DIGNIDADE, SUBSISTÊNCIA E MANUTENÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDOS NÃO SÓ PELAS CLÁUSULAS GERAIS DE TUTELA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, MAS, TAMBÉM, E MUITO ESPECIALMENTE, COM ALTERAÇÕES QUE LHE INTRODUZIRAM A LEI FEDERAL Nº 14.181/2021, DE 01/07/2021 (DOU DE 02/07/2021).
5. NO CASO CONCRETO E NO JULGAMENTO CONJUNTO DOS AGRAVOS DE INSTRUMENTO DE INTERESSES CONTRÁRIOS, PORTANTO, IMPENDE NÃO SÓ MANTER A DECISÃO RECORRIDA, MAS TAMBÉM ESTENDER OS SEUS EFEITOS, PARA ABRANGER OS DESCONTOS CONTRATUAIS MENSAIS LANÇADOS A DÉBITO NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR-AGRAVANTE A 30% DA SUA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA. PRECEDENTES DO STJ E DO TJRS.
6. A MULTA ARBITRADA NA ORIGEM É ADEQUADA E ATENDE À SUA FINALIDADE PROCESSUAL PREVENTIVA, SENDO DESCABIDA A SUA MAJORAÇÃO. NO CASO CONCRETO, OS SEUS EFEITOS TAMBÉM VÃO ESTENDIDOS AOS LANÇAMENTOS CONTRATUAIS MENSAIS A DÉBITO EM CONTA-CORRENTE.
7. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
M/AI 3.934 - S 22.10.2021 – P 37.
(Agravo de Instrumento, Nº 5163026-50.2021.8.21.7000/RS, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em: 29-10-2021)
Desta forma, no caso concreto, estando caracterizada a situação de superendividamento do autor-agravado é caso de manter a decisão recorrida quanto à limitação dos descontos em folha de pagamento e dos lançamentos a débito em conta-corrente do autor-agravado.
11. Astreintes.
No que se refere à fixação de multa por descumprimento, o corréu-agravante sustenta ter sido fixada em excesso.
Neste ponto, destaco que o art. 537 do CPC autoriza a fixação de multa como mecanismo coercitivo para forçar o devedor ao cumprimento de obrigação de fazer ou obrigação de não fazer que lhe tenha sido imposta pelo Juízo. Sua fixação está autorizada, inclusive, na fase de conhecimento, como se vê da redação do referido artigo:
“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.”
No caso, a multa foi fixada de modo a forçar os corréus ao cumprimento da ordem de limitação dos descontos consignados em folha de pagamento e de lançamentos a débito em conta-corrente do autor.
No caso concreto, a despeito da alegação do recorrente de fixação de multa diária, a decisão recorrida fixou multa em R$ 500,00 por cada desconto indevido e limitada ao valor do débito em aberto submetido ao processo de repactuação de dívidas. Assim, está assegurada a proporcionalidade e razoabilidade da fixação das astreintes, não se cogitando de sua redução.
Sobre a fixação de astreintes em casos similares, a jurisprudência desta Corte de Justiça orienta-se no mesmo sentido, verbis:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. MULTA FIXADA PELO JUÍZO DE ORIGEM PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. ASTREINTES MANTIDAS.
MULTA DIÁRIA QUE FOI FIXADA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE, BEM COMO LIMITADA AO VALOR DA DÍVIDA PENDENTE.
PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL A RESPEITO DA VIABILIDADE DO VALOR DA ASTREINTE FIXADA, NÃO COMPORTANDO ONEROSIDADE EXCESSIVA OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
HIPÓTESE QUE O CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO, NO PRAZO ATRIBUÍDO, AFASTA A INCIDÊNCIA DA MULTA.
INTELIGÊNCIA DO ART. 537, DO CPC.
AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.
(Agravo de Instrumento, Nº 51310392520238217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Fernando Antônio Jardim Porto, Julgado em: 16-05-2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. PROGRAM.
EXPEDIÇÃO DE OFICIO AO INSS. AUSÊNCIA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO. NÃO CONHECIMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL.
1. Deixa-se de conhecer os pontos referentes à expedição de ofício ao INSS e a ausência de pedido administrativo prévio, uma vez que estes tópicos não foram analisados pelo juízo a quo até o momento, hipótese que afronta ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, caracterizando-se como inovação recursal.
LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA-CORRENTE. DISTINGUISHING.
1. Inobstante a licitude da cláusula que prevê os descontos em folha de pagamento, acaso excedidos os limites legais, entende-se pela limitação da sua eficácia, em respeito ao princípio da dignidade humana. Tal limitação tem como finalidade evitar o endividamento desenfreado e garantir o mínimo existencial ao consumidor, assegurando a sua própria subsistência e a da sua família, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
2. Em razão destas premissas, o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a classificação das ações de repactuação de dívidas (superendividamento), com o objetivo principal de mapear e avaliar o número de processos judiciais com demandas semelhantes.
3.O COMAG (Conselho da Magistratura), aprovou a criação do Projeto de Gestão de Superendividamento, órgão fracionário na Justiça de Primeiro Grau, responsável pelo julgamento das demandas que versem especificamente sobre as situações representadas pela Lei de superendividamento.
4. As ações de repactuação de dívidas, objetivam retirar os consumidores do status de endividamento e garantir o pagamento dos débito de maneira menos onerosa.
5. As medidas liminares de limitação aplicadas as estas ações, possuem fulcro na Lei n° 10.820/2003, recentemente alterada pela Lei nº 14.431/2022, mais especificamente no §1º do art. 1º, bem como, em seu art. 6º, ambos dispõem sobre a autorização para descontos em prestações em folha de pagamento.
6. Em relação aos descontos realizados em conta-corrente, o entendimento esposado por este Colegiado, até então, era no sentido de aderir ao tema 1.085 do STJ, no qual, firmou-se a tese de ser inaplicável a limitação prevista na Lei 10.820/2003 para casos de empréstimo bancário com pagamento por débito em conta (REsp n. 1.863.973/SP).
7. Considerando que a presente ação busca a repactuação de dívidas, com base na Lei do Superendividamento, distingue-se esta das demandas abrangidas pelo Tema 1.085 do Superior Tribunal de Justiça (distinguishing) invocado pela casa bancária em seu recurso (art. 489, §1º, inc. VI, do CPC).
8. No caso concreto, realizado o exame dos vencimentos e descontos realizados no contracheque do consumidor, bem como, analisado todas as particularidades do caso, constata-se que a parte autora se encaixa no perfil de superendividada, sendo merecedora de direitos de proteção.
9. Urgência e evidência caracterizadas, cabível a medida de limitação de descontos em 35% sobre os rendimentos líquidos da parte consumidora, em ambas modalidades.
PARÂMETRO DE ORDEM PARA A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS.
1. O entendimento consolidado neste Tribunal de Justiça é de admitir a limitação dos descontos com base na ordem cronológica da contratação. Precedentes.
2. Esta metodologia visa limitar apenas aqueles descontos que efetivamente ultrapassaram o limite estipulado de 35%, sendo legítimos aqueles realizados antes da quebra desta margem.
MULTA POR DESCUMPRIMENTO.
1. A fixação de multa diária para o caso de descumprimento de ordem judicial, consoante o disposto no artigo 537 Código de Processo Civil, não constitui ato judicial suscetível de ocasionar lesão grave e de difícil reparação ao credor, considerando o fato de a penalidade ser imposta apenas se descumprida a medida.
2. Conforme assentado em Recurso Especial Representativo da Controvérsia (REsp nº 1.333.988), a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada, podendo seus valores ser revistos a qualquer tempo.
3. No presente caso, a multa no patamar em que estabelecido pelo juízo a quo apenas será cobrada em caso de descumprimento injustificável do comando judicial no prazo legalmente estabelecido, ou seja, a própria instituição financeira agravante é quem irá decidir se terá que pagar a multa ou não.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(Agravo de Instrumento, Nº 52511227020238217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Desª. Ana Paula Dalbosco, Julgado em: 21-11-2023)
Neste sentido, mantenho a multa por ato de descumprimento fixada para a hipótese de descumprimento da ordem judicial emanada pelo Juízo de origem, para inibir eventual desobediência quanto à obrigação atribuída ao corréu-agravante.
Assim, nego provimento ao recurso também neste ponto.
12. Diante do exposto, com fundamento no art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno, combinado com o art. 932, inc. VIII, do CPC, conheço parcialmente do recurso e nego provimento ao agravo de instrumento interposto, nos termos da fundamentação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligências legais.