Processo nº 52984187320228090011
Número do Processo:
5298418-73.2022.8.09.0011
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJGO
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Câmara Cível
Última atualização encontrada em
23 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
23/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Câmara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete Desembargador Carlos França Apelação nº 5298418-73.2022.8.09.0011 Comarca de Aparecida de GoiâniaApelante: Erinalda Ibiapina da Silva Apelado: Banco BMG S/ARelator: Desclieux Ferreira da Silva Júnior – Juiz Substituto em 2º Grau EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO PARA SAQUES COMPLEMENTARES. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA MODALIDADE CONTRATADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 63 DO TJGO. RECURSO DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Apelação interposta por consumidora em face de sentença de improcedência em ação declaratória cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais, fundada na alegação de que teria contratado empréstimo consignado tradicional, mas foi surpreendida com a contratação de cartão de crédito consignado. Sustenta a abusividade da modalidade contratual e pleiteia a conversão do contrato em empréstimo consignado comum, bem como a devolução de valores e a condenação em danos morais.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a contratação de cartão de crédito consignado, com desconto em folha a título de pagamento mínimo (RCM), deve ser considerada abusiva e nula por se tratar de empréstimo disfarçado; (ii) verificar se, diante da efetiva utilização da função crédito do cartão, é aplicável a Súmula nº 63 do TJGO à hipótese.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A relação jurídica entre as partes tem natureza consumerista, nos termos dos arts. 2º e 3º do CDC, sendo aplicáveis suas normas, inclusive o art. 47, que estabelece a interpretação mais favorável ao consumidor em caso de dúvida sobre cláusulas contratuais.4. A Súmula nº 63 do TJGO aplica-se às hipóteses em que o consumidor é induzido a contratar cartão de crédito consignado pensando tratar-se de empréstimo consignado tradicional, sem jamais utilizar a função crédito do cartão.5. Na espécie, restou demonstrado que a autora utilizou voluntária e reiteradamente a função crédito do cartão para realizar saques complementares, o que evidencia sua ciência inequívoca da modalidade contratada.6. A análise das faturas indica informações claras sobre saldo devedor, valor mínimo descontado, encargos incidentes e demais condições, afastando alegação de omissão de informações relevantes.7. Verificada a efetiva utilização da função cartão de crédito, inexiste ilicitude contratual, não sendo aplicável o entendimento consolidado na Súmula nº 63 do TJGO, conforme precedentes que reconhecem o distinguishing com base na conduta do consumidor.8. Não comprovada a existência de vício na formação do negócio jurídico, tampouco de dano moral indenizável, inviável a procedência dos pedidos de repetição de indébito, conversão do contrato ou reparação por danos extrapatrimoniais.IV. DISPOSITIVO E TESE9. Recurso desprovido.Tese de julgamento: 1. A utilização voluntária e reiterada da função crédito do cartão consignado afasta a alegação de desconhecimento da natureza contratual e impede o reconhecimento de abusividade com fundamento na Súmula nº 63 do TJGO. 2. Quando comprovada a ciência do consumidor sobre a modalidade contratada, não há nulidade do contrato, tampouco restituição de valores ou reparação por danos morais. 3. A aplicação da Súmula nº 63 do TJGO exige demonstração de que o consumidor jamais utilizou o cartão para saques ou compras, entendendo tratar-se de empréstimo consignado comum. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, III, e 47; CPC, art. 932, IV, "a". Jurisprudência relevante citada: TJGO, Apelação Cível 5135480-45.2021.8.09.0051, Rel. Des. Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível, j. 15.07.2024; TJGO, Apelação Cível 5855178-46.2023.8.09.0044, Rel. Des. Ricardo Silveira Dourado, 1ª Câmara Cível, j. 15.07.2024; TJGO, Apelação Cível 5251912-16.2022.8.09.0051, Rel. Des. Kisleu Dias Maciel Filho, 4ª Câmara Cível, j. 08.07.2024; TJGO, Apelação Cível 5624228-85.2021.8.09.0051, Rel. Des. Átila Naves Amaral, 2ª Câmara Cível, j. 13.07.2023. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de apelação interposta por Erinalda Ibiapina da Silva contra sentença proferida pela Juíza de Direito da Comarca de Aparecida de Goiânia, Drª. Marina Cardoso Buchdid, nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c nulidade contratual, repetição de indébito e indenização por danos morais ajuizada pela apelante em desfavor de Banco BMG S/A.Na petição inicial, a autora relatou que celebrou contrato de empréstimo consignado com a instituição financeira demandada, prevendo a quitação da dívida mediante descontos em seu benefício previdenciário. Contudo, posteriormente verificou que, em realidade, foi-lhe concedido um empréstimo na modalidade de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem de Crédito, diferente do que inicialmente pretendia contratar. Aduziu que sua intenção era formalizar um empréstimo consignado com parcelas fixas e que não foi devidamente informada acerca das condições específicas do contrato firmado. Diante disso, requereu a declaração de inexistência do débito, arguindo a nulidade do contrato, além da devolução em dobro dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário e a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais.Após regular o trâmite processual, foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos (evento 50): (…) A parte autora alega ter sido induzida a erro ao contratar cartão de crédito com RMC, quando, na verdade, pretendia obter um empréstimo consignado tradicional. Por sua vez, o banco réu sustenta a regularidade da contratação, alegando que a autora agiu de livre e espontânea vontade.Analisando detidamente os autos, constato que não assiste razão à parte autora. Os documentos apresentados pelo réu, especialmente o Termo de Adesão e as demais CCB todas devidamente assinadas e documentadas, evidenciam que a contratação foi realizada de forma lícita e regular, com plena ciência da modalidade contratual.Verifica-se que consta expressamente na titulação do instrumento contratual sua modalidade (Cartão de Crédito Consignado), sendo destacadas de forma clara as limitações da prestação, como número de parcelas, valor e prazo fixos. Tais elementos afastam a alegação de perenidade da dívida, refinanciamento mensal, pagamento ad eternum de apenas juros e falta de ciência do consumidor.Importante ressaltar que o contrato entabulado, não obstante o nomen juris de cartão de crédito consignado, expressa verdadeiro contrato de empréstimo consignado simples, não lhe faltando transparência ou informação. Assim, não se vislumbra qualquer prática abusiva por parte da instituição financeira ré que pudesse configurar violação aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.Ademais, verifico ser incontroverso a contratação de empréstimo e a disponibilização em prol da requerente referente aos valores de R$ 1.491,50 (mil quatrocentos e noventa e um reais e cinquenta centavos), bem como sucessivos saques complementares nos valores de R$ 242,52 (duzentos e quarenta e dois reais e cinquenta e dois centavos), R$ 76,29 (setenta e seis reais e vinte e nove centavos), R$ 82,80 (oitenta e dois reais e oitenta centavos), R$ 92,32 (noventa e dois reais e trinta e dois centavos) e R$ 208,33 (duzentos e oito reais e trinta e três centavos). Tal fato corrobora a tese defensiva de que a contratação foi regular e consentida pela consumidora.Cumpre, assim, fazer a distinção (distinguishing) do presente caso com aqueles que levaram à edição da Súmula n° 63 do E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que se destinou aos casos em que os clientes das instituições financeiras não sabiam que aderiam a contrato de cartão consignado, não utilizando-o de forma alguma, sendo, no entanto, debitado a fatura mínima, situação diversa da que acontece nos autos, já que a autora usou os serviços bancários em saque complementar.(…)No caso em análise, a parte autora não logrou êxito em demonstrar qualquer vício de consentimento, abusividade ou falta de informação na contratação. Ao contrário, o banco réu comprovou a regularidade do negócio jurídico, apresentando documentos que evidenciam a plena ciência da autora quanto à natureza e às condições do contrato firmado.Quanto à alegação de danos morais, entendo que não restou configurada qualquer lesão aos direitos de personalidade da autora que ensejasse reparação. O mero descumprimento contratual, sem maiores repercussões na esfera extrapatrimonial, não é suficiente para caracterizar dano moral indenizável.Por fim, acerca do pleito do requerido de litigância de má-fé em face da autora, observo que não houve constatação de qualquer prática ilícita, pelo simples fato de propor ação a fim de buscar direito que se julgava detentora, visto que é necessária a comprovação do dolo específico para caracterizá-la e, na espécie, não me afigura delineada nenhuma das hipóteses previstas no artigo 80, do CPC, diante da ausência de provas que a caracterizem.Nesse contexto, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe.Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade ficará suspensa em razão da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, §3º, do mesmo diploma legal. (…) Irresignada, a autora interpõe o recurso de apelação (evento 53).Nas razões recursais, a apelante afirma que contratou empréstimo consignado com a instituição financeira apelada, Banco BMG S/A, com a expectativa de que as parcelas fossem descontadas regularmente de seu benefício previdenciário. Contudo, ao consultar seu extrato, constatou a realização de descontos relativos a um contrato de “Reserva de Margem para Cartão de Crédito Consignado (RMC)”, o qual, segundo sustenta, jamais foi por ela solicitado ou autorizado.Sustenta que a sentença proferida pelo juízo a quo julgou improcedentes todos os pedidos iniciais, o que reputa como decisão equivocada, e requer sua reforma integral. Ressalta, nesse aspecto, que não houve qualquer informação prévia ou consentimento expresso quanto à contratação do referido cartão de crédito, o que viola frontalmente o disposto no art. 3º, III, da Instrução Normativa INSS nº 28/2008 (alterada pela IN nº 39/2009), bem como os artigos 4º e 6º, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor.Aponta que a apelada agiu com má-fé ao firmar contrato de cartão de crédito sem transparência, induzindo a consumidora em erro, ao fazê-la crer que se tratava de um simples empréstimo consignado. Denuncia, ainda, que não houve autorização formal para a constituição da RMC, conforme exigido pelo art. 15, §1º, da mesma Instrução Normativa do INSS, o que revela a irregularidade da prática e sua abusividade, especialmente diante da hipervulnerabilidade da autora, idosa e com problemas de saúde.Reitera que a prática realizada pela instituição financeira enseja o reconhecimento de relação de consumo e, por conseguinte, impõe-lhe responsabilidade civil objetiva, nos moldes dos artigos 12 e 14 do CDC. Defende, assim, que a simples comprovação da conduta da ré e do nexo causal com os danos sofridos enseja o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa.Enfatiza que, além da declaração de nulidade da contratação, faz jus à repetição em dobro dos valores indevidamente cobrados, em virtude da má-fé evidenciada pela ausência de consentimento e transparência no negócio jurídico, conforme previsão do art. 42, parágrafo único, do CDC.Salienta que o dano moral é presumido (in re ipsa) em casos dessa natureza, consoante o entendimento consolidado pelo STJ e a jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, bem como por súmulas como a nº 532 do STJ e nº 63 do TJGO, que reconhecem a abusividade da prática de cartão de crédito consignado sem autorização, por tornar a dívida impagável e promover descontos sem previsão contratual clara.Defende que os descontos mensais realizados sem autorização e a reserva da margem consignável por longo período, sem prazo de término, causaram-lhe sérios prejuízos financeiros e morais, motivo pelo qual pugna pela fixação de indenização no valor de R$ 20.000,00, como forma de compensar os danos suportados e desestimular a reiteração de condutas abusivas por parte das instituições financeiras.Acrescenta que o juízo de origem, ao considerar os prejuízos como “meros aborrecimentos”, incorreu em erro de julgamento, desconsiderando a gravidade da prática ilícita perpetrada, sobretudo diante da situação de vulnerabilidade da apelante.Por fim, requer o provimento integral do recurso, com a reforma da sentença para declarar a nulidade do contrato de RMC, determinar a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, fixar indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00, condenar a parte apelada ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 2.500,00, conceder os benefícios da justiça gratuita e impor à recorrida o pagamento das custas processuais. Preparo dispensado, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita.Nas contrarrazões apresentadas no evento 56, o apelado requer o desprovimento do apelo. É o relatório. Decido.Verificados os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo decidi-lo monocraticamente, com fundamento no art. 932, IV, alínea “a”, do Código de Processo Civil.Cumpre ressaltar que a relação jurídica existente entre as partes possui natureza consumerista, de modo que se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor, nos termos de seus arts. 2º e 3º.Ademais, o enunciado da súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.Outrossim, o art. 6º, III, do CDC assegura a obrigação do prestador de serviço de fornecer “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de suas características, tributos incidentes e preço, bem como os riscos que apresentem”.Nessa esteira, se houver omissão de informação relevante ao consumidor em cláusula contratual, prevalece a norma expressa pelo art. 47 do CDC, que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.Argumenta a apelante/autora, em síntese, que a modalidade contratual pactuada é abusiva e deve ser descaracterizada para empréstimo consignado comum, bem como que restaram configurados danos morais indenizáveis. Pois bem. Extrai-se dos autos eletrônicos que as partes pactuaram contrato de cartão de crédito consignado, em 08/05/2017, por meio do qual foram disponibilizados inicialmente R$ 1.491,50 (mil quatrocentos e noventa e um reais e cinquenta centavos), com desconto em folha a título de RCM.No caso em testilha, denota-se que a autora não nega a contratação com a instituição financeira requerida, todavia, afirma que acreditava se tratar de um empréstimo consignado nos moldes tradicionais. Porém, verifica-se que a autora/apelante fez uso do cartão de crédito para a realização de saques complementares, conforme de vê das faturas coligidas no evento 22, arquivos 03, 06 e 08.Observa-se ainda que nas referidas faturas, estão indicados o dia do vencimento, o saldo anterior do débito, o montante previsto (valor mínimo) para desconto em folha de pagamento e o saldo restante para pagamento, bem como os encargos financeiros do período.Em referidas circunstâncias, haja vista a utilização do crédito como cartão convencional, isto é, para realização de saques complementares sucessivos, a conduta da contratante/autora não se amolda ao disposto na Súmula nº 63, editada pela Corte Especial deste Tribunal de Justiça em 17/09/2018, in verbis: Súmula 63. Os empréstimos concedidos na modalidade ‘Cartão de Crédito Consignado’ são revestidos de abusividade, em ofensa ao CDC, por tornarem a dívida impagável em virtude do refinanciamento mensal, pelo desconto apenas da parcela mínima devendo receber o tratamento de crédito pessoal consignado, com taxa de juros que represente a média do mercado de tais operações, ensejando o abatimento no valor devido, declaração de quitação do contrato ou a necessidade de devolução do excedente, de forma simples ou em dobro, podendo haver condenação em reparação por danos morais, conforme o caso concreto, a permitir ser a operação interpretada ou confundida com contrato de crédito pessoal consignado. Com efeito, ao analisar os precedentes judiciais que alicerçaram o referido enunciado sumular, verifica-se que todos tratam de situações em que os consumidores acreditaram haver contratado tão somente empréstimo consignado, o que era evidenciado pelo fato de jamais terem utilizado o cartão para compras a crédito e/ou transações diversas.Nesses casos, demonstrou-se que os contratantes foram ludibriados pela instituição financeira, que lhes ofereceram um mútuo feneratício disfarçado sob a forma de cartão de crédito. Por esse motivo, e em atenção à máxima do “in dubio pro consumidor” prevista no art. 47 da Lei 8.078/1.990, os contratos foram interpretados como de “crédito pessoal consignado” e, por consequência, foram declaradas nulas as dívidas deles decorrentes.Entretanto, na espécie, não há como reconhecer a alegada abusividade ou nulidade na celebração do negócio jurídico, por ter restado evidenciado o uso voluntário da função cartão de crédito para saques complementares. Por consequência, a dívida jamais será paga se a apelante/autora continuar a efetuar saques complementares e a realizar o pagamento mínimo da fatura do cartão do crédito. Deste modo, na situação em voga, porque comprovado que a apelante/autora contratou cartão de crédito consignado, conforme faturas entregues em seu endereço, e inexistiu irregularidade nos descontos realizados em sua folha de pagamento, não há falar em nulidade do contrato e alteração de sua natureza jurídica para empréstimo consignado, nem em alteração das cláusulas contratuais, restituição de valores pagos, quer simples, quer em dobro, visto que não houve prática de ato ilícito pelo réu/apelado. Sobre o tema colaciono precedentes desta Corte de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVA. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTO DE PARCELA MÍNIMA SOBRE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONTRATUAL. SAQUE COMPLEMENTAR. NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. DISTINGUISHING DA SÚMULA N. 63 DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS INVERTIDOS.1.A inequívoca ciência da natureza do cartão de crédito consignado, mediante sua utilização para saques complementares devidamente autorizados, torna inafastável o reconhecimento de regularidade e validade da contratação e afasta a possibilidade de reparação material ou moral.2.Constatada a ciência do consumidor acerca da modalidade contratual pactuada e afastado o ilícito por parte do Banco, não há que se falar em aplicabilidade do entendimento firmado na Súmula n. 63 deste egrégio Tribunal de Justiça.3.A inversão do resultado da demanda impõe a redistribuição dos ônus sucumbenciais, sem acréscimo de honorários recursais, e ressalvada a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO ADESIVA CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5135480-45.2021.8.09.0051, Rel. Des(a). Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível, julgado em 15/07/2024, DJe de 15/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. SAQUES COMPLEMENTARES. SÚMULA 63 DO TJGO. INAPLICÁVEL. JUÍZO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING). IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTADA. 1. Não há falar em violação ao princípio da dialeticidade se a recorrente impugnou de maneira clara e específica as questões decididas na sentença fustigada. 2. Carece de amparo jurídico a alegação de desconhecimento da modalidade de crédito contratada junto à instituição financeira quando a relação resta comprovada por contrato assinado e existem saques complementares.3. Consumidor que contrata empréstimo na forma de cartão de crédito consignado (RMC) e faz uso do limite de crédito disponível por meio de saques/TED em conta bancária de sua titularidade, tem ciência de seus termos, tornando-se, pois, inafastável a sua regularidade e validade.4. Embora a súmula deste tribunal consubstancie precedente qualificado e, portanto, de cumprimento obrigatório, consoante artigo 927 do CPC, é possível que o julgador deixe de aplicá-la quando verificar que a situação particularizada por hipótese fática é distinta da ratio decidendi (razão de decidir) que originou o padrão decisório fixado (distinguishing).5. Quando não demonstrado o dolo processual da parte requerente a fim de reconhecer a litigância de má-fé, deve ser afastada a condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5855178-46.2023.8.09.0044, Rel. Des(a). RICARDO SILVEIRA DOURADO, 1ª Câmara Cível, julgado em 15/07/2024, DJe de 15/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE ATO JURÍDICO C/C DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTO DE PARCELA MÍNIMA SOBRE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONTRATUAL. EFETIVA E REITERADA UTILIZAÇÃO DA TARJETA DE CRÉDITO. SAQUES COMPLEMENTARES. DISTINGUISHING DA SÚMULA Nº 63 DO TJGO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A presente demanda não atrai a aplicabilidade do entendimento firmado na Súmula nº 63 deste egrégio Tribunal de Justiça, no sentido de que a modalidade contratual de empréstimo mediante cartão de crédito consignado é revestida de abusividade, uma vez que, no caso sub examine, restou devidamente comprovado que a parte consumidora teve plena ciência da modalidade contratual pactuada, tanto assim que utilizou, por diversas vezes, o cartão de crédito fornecido pela instituição financeira para a realização de saques complementares, situação completamente estranha a um mero e padrão contrato de empréstimo consignado. 2. Uma vez demonstrada a contratação e a efetiva utilização do cartão de crédito, deve ser declarada legal a retenção de margem consignável para pagamento do valor mínimo da fatura, não havendo, pois, que se falar em nulidade ou abusividade do negócio jurídico firmado. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5251912-16.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR KISLEU DIAS MACIEL FILHO, 4ª Câmara Cível, julgado em 08/07/2024, DJe de 08/07/2024) No mesmo sentido, o entendimento da 2ª Câmara Cível: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO PARA COMPRAS. CONTRATAÇÃO. DISTINGUISHING DA SÚMULA 63 DESTE TRIBUNAL. DESPROVIMENTO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES EXORDIAIS. 1. No caso versado, constata-se que a instituição financeira apresentou prova documental demonstrando a modalidade contratada e que a requerente/consumidora efetivamente utilizou o cartão para compras (como cartão de crédito), em diversos estabelecimentos comerciais (CPC, art. 373, II). 2. Nesse cenário, o caso sub examine não se amolda ao enunciado da Súmula 63 deste Tribunal (distinguishing), porquanto tal enunciado sumular contempla situações nas quais os consumidores desconhecem a adesão a contrato de ?cartão de crédito consignado?, pois não utilizam o cartão para compras, apenas para empréstimo pessoal consignado, situação diversa da retratada nestes autos em que o apelante utilizou o cartão de crédito para compras e saques, demonstrando ciência da natureza do contrato firmado com a instituição financeira requerida. 3. Nesse contexto, conforme se verifica, o contrato firmado entre as partes concretizou-se de forma livre e consciente, não havendo, portanto, que se falar em prejuízos causados ao apelante/autor, quer de ordem material, quer moral, conforme entendimento adotado na sentença recorrida. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.(Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,5624228-85.2021.8.09.0051,ÁTILA NAVES AMARAL,2ª Câmara Cível, Publicado em 13/07/2023, destacado). Assim sendo, no caso em análise, os saques complementares realizados com o uso do cartão, torna inafastável a regularidade e validade da contratação, não merecendo reparos a sentença atacada de improcedência do pedido exordial.Ante o exposto, conheço do recurso de apelação e nego-lhe provimento, mantendo inalterada a sentença recursada. Majoro os honorários advocatícios arbitrados na instância de origem para 12% sobre o valor atualizado da causa, mantendo suspensa sua exigibilidade, em razão do deferimento da gratuidade da justiça à parte autora/apelante. Intimem-se.Goiânia, data da assinatura eletrônica. Desclieux Ferreira da Silva JúniorJuiz Substituto em 2º Grau – Relator /C70
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23/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Câmara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete Desembargador Carlos França Apelação nº 5298418-73.2022.8.09.0011 Comarca de Aparecida de GoiâniaApelante: Erinalda Ibiapina da Silva Apelado: Banco BMG S/ARelator: Desclieux Ferreira da Silva Júnior – Juiz Substituto em 2º Grau EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO PARA SAQUES COMPLEMENTARES. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA MODALIDADE CONTRATADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 63 DO TJGO. RECURSO DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Apelação interposta por consumidora em face de sentença de improcedência em ação declaratória cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais, fundada na alegação de que teria contratado empréstimo consignado tradicional, mas foi surpreendida com a contratação de cartão de crédito consignado. Sustenta a abusividade da modalidade contratual e pleiteia a conversão do contrato em empréstimo consignado comum, bem como a devolução de valores e a condenação em danos morais.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a contratação de cartão de crédito consignado, com desconto em folha a título de pagamento mínimo (RCM), deve ser considerada abusiva e nula por se tratar de empréstimo disfarçado; (ii) verificar se, diante da efetiva utilização da função crédito do cartão, é aplicável a Súmula nº 63 do TJGO à hipótese.III. RAZÕES DE DECIDIR3. A relação jurídica entre as partes tem natureza consumerista, nos termos dos arts. 2º e 3º do CDC, sendo aplicáveis suas normas, inclusive o art. 47, que estabelece a interpretação mais favorável ao consumidor em caso de dúvida sobre cláusulas contratuais.4. A Súmula nº 63 do TJGO aplica-se às hipóteses em que o consumidor é induzido a contratar cartão de crédito consignado pensando tratar-se de empréstimo consignado tradicional, sem jamais utilizar a função crédito do cartão.5. Na espécie, restou demonstrado que a autora utilizou voluntária e reiteradamente a função crédito do cartão para realizar saques complementares, o que evidencia sua ciência inequívoca da modalidade contratada.6. A análise das faturas indica informações claras sobre saldo devedor, valor mínimo descontado, encargos incidentes e demais condições, afastando alegação de omissão de informações relevantes.7. Verificada a efetiva utilização da função cartão de crédito, inexiste ilicitude contratual, não sendo aplicável o entendimento consolidado na Súmula nº 63 do TJGO, conforme precedentes que reconhecem o distinguishing com base na conduta do consumidor.8. Não comprovada a existência de vício na formação do negócio jurídico, tampouco de dano moral indenizável, inviável a procedência dos pedidos de repetição de indébito, conversão do contrato ou reparação por danos extrapatrimoniais.IV. DISPOSITIVO E TESE9. Recurso desprovido.Tese de julgamento: 1. A utilização voluntária e reiterada da função crédito do cartão consignado afasta a alegação de desconhecimento da natureza contratual e impede o reconhecimento de abusividade com fundamento na Súmula nº 63 do TJGO. 2. Quando comprovada a ciência do consumidor sobre a modalidade contratada, não há nulidade do contrato, tampouco restituição de valores ou reparação por danos morais. 3. A aplicação da Súmula nº 63 do TJGO exige demonstração de que o consumidor jamais utilizou o cartão para saques ou compras, entendendo tratar-se de empréstimo consignado comum. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, III, e 47; CPC, art. 932, IV, "a". Jurisprudência relevante citada: TJGO, Apelação Cível 5135480-45.2021.8.09.0051, Rel. Des. Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível, j. 15.07.2024; TJGO, Apelação Cível 5855178-46.2023.8.09.0044, Rel. Des. Ricardo Silveira Dourado, 1ª Câmara Cível, j. 15.07.2024; TJGO, Apelação Cível 5251912-16.2022.8.09.0051, Rel. Des. Kisleu Dias Maciel Filho, 4ª Câmara Cível, j. 08.07.2024; TJGO, Apelação Cível 5624228-85.2021.8.09.0051, Rel. Des. Átila Naves Amaral, 2ª Câmara Cível, j. 13.07.2023. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de apelação interposta por Erinalda Ibiapina da Silva contra sentença proferida pela Juíza de Direito da Comarca de Aparecida de Goiânia, Drª. Marina Cardoso Buchdid, nos autos da ação declaratória de inexistência de débito c/c nulidade contratual, repetição de indébito e indenização por danos morais ajuizada pela apelante em desfavor de Banco BMG S/A.Na petição inicial, a autora relatou que celebrou contrato de empréstimo consignado com a instituição financeira demandada, prevendo a quitação da dívida mediante descontos em seu benefício previdenciário. Contudo, posteriormente verificou que, em realidade, foi-lhe concedido um empréstimo na modalidade de cartão de crédito consignado com Reserva de Margem de Crédito, diferente do que inicialmente pretendia contratar. Aduziu que sua intenção era formalizar um empréstimo consignado com parcelas fixas e que não foi devidamente informada acerca das condições específicas do contrato firmado. Diante disso, requereu a declaração de inexistência do débito, arguindo a nulidade do contrato, além da devolução em dobro dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário e a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais.Após regular o trâmite processual, foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais nos seguintes termos (evento 50): (…) A parte autora alega ter sido induzida a erro ao contratar cartão de crédito com RMC, quando, na verdade, pretendia obter um empréstimo consignado tradicional. Por sua vez, o banco réu sustenta a regularidade da contratação, alegando que a autora agiu de livre e espontânea vontade.Analisando detidamente os autos, constato que não assiste razão à parte autora. Os documentos apresentados pelo réu, especialmente o Termo de Adesão e as demais CCB todas devidamente assinadas e documentadas, evidenciam que a contratação foi realizada de forma lícita e regular, com plena ciência da modalidade contratual.Verifica-se que consta expressamente na titulação do instrumento contratual sua modalidade (Cartão de Crédito Consignado), sendo destacadas de forma clara as limitações da prestação, como número de parcelas, valor e prazo fixos. Tais elementos afastam a alegação de perenidade da dívida, refinanciamento mensal, pagamento ad eternum de apenas juros e falta de ciência do consumidor.Importante ressaltar que o contrato entabulado, não obstante o nomen juris de cartão de crédito consignado, expressa verdadeiro contrato de empréstimo consignado simples, não lhe faltando transparência ou informação. Assim, não se vislumbra qualquer prática abusiva por parte da instituição financeira ré que pudesse configurar violação aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.Ademais, verifico ser incontroverso a contratação de empréstimo e a disponibilização em prol da requerente referente aos valores de R$ 1.491,50 (mil quatrocentos e noventa e um reais e cinquenta centavos), bem como sucessivos saques complementares nos valores de R$ 242,52 (duzentos e quarenta e dois reais e cinquenta e dois centavos), R$ 76,29 (setenta e seis reais e vinte e nove centavos), R$ 82,80 (oitenta e dois reais e oitenta centavos), R$ 92,32 (noventa e dois reais e trinta e dois centavos) e R$ 208,33 (duzentos e oito reais e trinta e três centavos). Tal fato corrobora a tese defensiva de que a contratação foi regular e consentida pela consumidora.Cumpre, assim, fazer a distinção (distinguishing) do presente caso com aqueles que levaram à edição da Súmula n° 63 do E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, que se destinou aos casos em que os clientes das instituições financeiras não sabiam que aderiam a contrato de cartão consignado, não utilizando-o de forma alguma, sendo, no entanto, debitado a fatura mínima, situação diversa da que acontece nos autos, já que a autora usou os serviços bancários em saque complementar.(…)No caso em análise, a parte autora não logrou êxito em demonstrar qualquer vício de consentimento, abusividade ou falta de informação na contratação. Ao contrário, o banco réu comprovou a regularidade do negócio jurídico, apresentando documentos que evidenciam a plena ciência da autora quanto à natureza e às condições do contrato firmado.Quanto à alegação de danos morais, entendo que não restou configurada qualquer lesão aos direitos de personalidade da autora que ensejasse reparação. O mero descumprimento contratual, sem maiores repercussões na esfera extrapatrimonial, não é suficiente para caracterizar dano moral indenizável.Por fim, acerca do pleito do requerido de litigância de má-fé em face da autora, observo que não houve constatação de qualquer prática ilícita, pelo simples fato de propor ação a fim de buscar direito que se julgava detentora, visto que é necessária a comprovação do dolo específico para caracterizá-la e, na espécie, não me afigura delineada nenhuma das hipóteses previstas no artigo 80, do CPC, diante da ausência de provas que a caracterizem.Nesse contexto, a improcedência dos pedidos é medida que se impõe.Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade ficará suspensa em razão da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, §3º, do mesmo diploma legal. (…) Irresignada, a autora interpõe o recurso de apelação (evento 53).Nas razões recursais, a apelante afirma que contratou empréstimo consignado com a instituição financeira apelada, Banco BMG S/A, com a expectativa de que as parcelas fossem descontadas regularmente de seu benefício previdenciário. Contudo, ao consultar seu extrato, constatou a realização de descontos relativos a um contrato de “Reserva de Margem para Cartão de Crédito Consignado (RMC)”, o qual, segundo sustenta, jamais foi por ela solicitado ou autorizado.Sustenta que a sentença proferida pelo juízo a quo julgou improcedentes todos os pedidos iniciais, o que reputa como decisão equivocada, e requer sua reforma integral. Ressalta, nesse aspecto, que não houve qualquer informação prévia ou consentimento expresso quanto à contratação do referido cartão de crédito, o que viola frontalmente o disposto no art. 3º, III, da Instrução Normativa INSS nº 28/2008 (alterada pela IN nº 39/2009), bem como os artigos 4º e 6º, III e IV, do Código de Defesa do Consumidor.Aponta que a apelada agiu com má-fé ao firmar contrato de cartão de crédito sem transparência, induzindo a consumidora em erro, ao fazê-la crer que se tratava de um simples empréstimo consignado. Denuncia, ainda, que não houve autorização formal para a constituição da RMC, conforme exigido pelo art. 15, §1º, da mesma Instrução Normativa do INSS, o que revela a irregularidade da prática e sua abusividade, especialmente diante da hipervulnerabilidade da autora, idosa e com problemas de saúde.Reitera que a prática realizada pela instituição financeira enseja o reconhecimento de relação de consumo e, por conseguinte, impõe-lhe responsabilidade civil objetiva, nos moldes dos artigos 12 e 14 do CDC. Defende, assim, que a simples comprovação da conduta da ré e do nexo causal com os danos sofridos enseja o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa.Enfatiza que, além da declaração de nulidade da contratação, faz jus à repetição em dobro dos valores indevidamente cobrados, em virtude da má-fé evidenciada pela ausência de consentimento e transparência no negócio jurídico, conforme previsão do art. 42, parágrafo único, do CDC.Salienta que o dano moral é presumido (in re ipsa) em casos dessa natureza, consoante o entendimento consolidado pelo STJ e a jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, bem como por súmulas como a nº 532 do STJ e nº 63 do TJGO, que reconhecem a abusividade da prática de cartão de crédito consignado sem autorização, por tornar a dívida impagável e promover descontos sem previsão contratual clara.Defende que os descontos mensais realizados sem autorização e a reserva da margem consignável por longo período, sem prazo de término, causaram-lhe sérios prejuízos financeiros e morais, motivo pelo qual pugna pela fixação de indenização no valor de R$ 20.000,00, como forma de compensar os danos suportados e desestimular a reiteração de condutas abusivas por parte das instituições financeiras.Acrescenta que o juízo de origem, ao considerar os prejuízos como “meros aborrecimentos”, incorreu em erro de julgamento, desconsiderando a gravidade da prática ilícita perpetrada, sobretudo diante da situação de vulnerabilidade da apelante.Por fim, requer o provimento integral do recurso, com a reforma da sentença para declarar a nulidade do contrato de RMC, determinar a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente, fixar indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00, condenar a parte apelada ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 2.500,00, conceder os benefícios da justiça gratuita e impor à recorrida o pagamento das custas processuais. Preparo dispensado, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita.Nas contrarrazões apresentadas no evento 56, o apelado requer o desprovimento do apelo. É o relatório. Decido.Verificados os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo decidi-lo monocraticamente, com fundamento no art. 932, IV, alínea “a”, do Código de Processo Civil.Cumpre ressaltar que a relação jurídica existente entre as partes possui natureza consumerista, de modo que se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor, nos termos de seus arts. 2º e 3º.Ademais, o enunciado da súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça, estabelece que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.Outrossim, o art. 6º, III, do CDC assegura a obrigação do prestador de serviço de fornecer “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de suas características, tributos incidentes e preço, bem como os riscos que apresentem”.Nessa esteira, se houver omissão de informação relevante ao consumidor em cláusula contratual, prevalece a norma expressa pelo art. 47 do CDC, que estabelece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.Argumenta a apelante/autora, em síntese, que a modalidade contratual pactuada é abusiva e deve ser descaracterizada para empréstimo consignado comum, bem como que restaram configurados danos morais indenizáveis. Pois bem. Extrai-se dos autos eletrônicos que as partes pactuaram contrato de cartão de crédito consignado, em 08/05/2017, por meio do qual foram disponibilizados inicialmente R$ 1.491,50 (mil quatrocentos e noventa e um reais e cinquenta centavos), com desconto em folha a título de RCM.No caso em testilha, denota-se que a autora não nega a contratação com a instituição financeira requerida, todavia, afirma que acreditava se tratar de um empréstimo consignado nos moldes tradicionais. Porém, verifica-se que a autora/apelante fez uso do cartão de crédito para a realização de saques complementares, conforme de vê das faturas coligidas no evento 22, arquivos 03, 06 e 08.Observa-se ainda que nas referidas faturas, estão indicados o dia do vencimento, o saldo anterior do débito, o montante previsto (valor mínimo) para desconto em folha de pagamento e o saldo restante para pagamento, bem como os encargos financeiros do período.Em referidas circunstâncias, haja vista a utilização do crédito como cartão convencional, isto é, para realização de saques complementares sucessivos, a conduta da contratante/autora não se amolda ao disposto na Súmula nº 63, editada pela Corte Especial deste Tribunal de Justiça em 17/09/2018, in verbis: Súmula 63. Os empréstimos concedidos na modalidade ‘Cartão de Crédito Consignado’ são revestidos de abusividade, em ofensa ao CDC, por tornarem a dívida impagável em virtude do refinanciamento mensal, pelo desconto apenas da parcela mínima devendo receber o tratamento de crédito pessoal consignado, com taxa de juros que represente a média do mercado de tais operações, ensejando o abatimento no valor devido, declaração de quitação do contrato ou a necessidade de devolução do excedente, de forma simples ou em dobro, podendo haver condenação em reparação por danos morais, conforme o caso concreto, a permitir ser a operação interpretada ou confundida com contrato de crédito pessoal consignado. Com efeito, ao analisar os precedentes judiciais que alicerçaram o referido enunciado sumular, verifica-se que todos tratam de situações em que os consumidores acreditaram haver contratado tão somente empréstimo consignado, o que era evidenciado pelo fato de jamais terem utilizado o cartão para compras a crédito e/ou transações diversas.Nesses casos, demonstrou-se que os contratantes foram ludibriados pela instituição financeira, que lhes ofereceram um mútuo feneratício disfarçado sob a forma de cartão de crédito. Por esse motivo, e em atenção à máxima do “in dubio pro consumidor” prevista no art. 47 da Lei 8.078/1.990, os contratos foram interpretados como de “crédito pessoal consignado” e, por consequência, foram declaradas nulas as dívidas deles decorrentes.Entretanto, na espécie, não há como reconhecer a alegada abusividade ou nulidade na celebração do negócio jurídico, por ter restado evidenciado o uso voluntário da função cartão de crédito para saques complementares. Por consequência, a dívida jamais será paga se a apelante/autora continuar a efetuar saques complementares e a realizar o pagamento mínimo da fatura do cartão do crédito. Deste modo, na situação em voga, porque comprovado que a apelante/autora contratou cartão de crédito consignado, conforme faturas entregues em seu endereço, e inexistiu irregularidade nos descontos realizados em sua folha de pagamento, não há falar em nulidade do contrato e alteração de sua natureza jurídica para empréstimo consignado, nem em alteração das cláusulas contratuais, restituição de valores pagos, quer simples, quer em dobro, visto que não houve prática de ato ilícito pelo réu/apelado. Sobre o tema colaciono precedentes desta Corte de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL E ADESIVA. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTO DE PARCELA MÍNIMA SOBRE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONTRATUAL. SAQUE COMPLEMENTAR. NULIDADE DO CONTRATO. INOCORRÊNCIA. DISTINGUISHING DA SÚMULA N. 63 DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS INVERTIDOS.1.A inequívoca ciência da natureza do cartão de crédito consignado, mediante sua utilização para saques complementares devidamente autorizados, torna inafastável o reconhecimento de regularidade e validade da contratação e afasta a possibilidade de reparação material ou moral.2.Constatada a ciência do consumidor acerca da modalidade contratual pactuada e afastado o ilícito por parte do Banco, não há que se falar em aplicabilidade do entendimento firmado na Súmula n. 63 deste egrégio Tribunal de Justiça.3.A inversão do resultado da demanda impõe a redistribuição dos ônus sucumbenciais, sem acréscimo de honorários recursais, e ressalvada a condição suspensiva de exigibilidade prevista no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO ADESIVA CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5135480-45.2021.8.09.0051, Rel. Des(a). Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível, julgado em 15/07/2024, DJe de 15/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. SAQUES COMPLEMENTARES. SÚMULA 63 DO TJGO. INAPLICÁVEL. JUÍZO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING). IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTADA. 1. Não há falar em violação ao princípio da dialeticidade se a recorrente impugnou de maneira clara e específica as questões decididas na sentença fustigada. 2. Carece de amparo jurídico a alegação de desconhecimento da modalidade de crédito contratada junto à instituição financeira quando a relação resta comprovada por contrato assinado e existem saques complementares.3. Consumidor que contrata empréstimo na forma de cartão de crédito consignado (RMC) e faz uso do limite de crédito disponível por meio de saques/TED em conta bancária de sua titularidade, tem ciência de seus termos, tornando-se, pois, inafastável a sua regularidade e validade.4. Embora a súmula deste tribunal consubstancie precedente qualificado e, portanto, de cumprimento obrigatório, consoante artigo 927 do CPC, é possível que o julgador deixe de aplicá-la quando verificar que a situação particularizada por hipótese fática é distinta da ratio decidendi (razão de decidir) que originou o padrão decisório fixado (distinguishing).5. Quando não demonstrado o dolo processual da parte requerente a fim de reconhecer a litigância de má-fé, deve ser afastada a condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé.APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5855178-46.2023.8.09.0044, Rel. Des(a). RICARDO SILVEIRA DOURADO, 1ª Câmara Cível, julgado em 15/07/2024, DJe de 15/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE ATO JURÍDICO C/C DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTO DE PARCELA MÍNIMA SOBRE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). EXPRESSA AUTORIZAÇÃO CONTRATUAL. EFETIVA E REITERADA UTILIZAÇÃO DA TARJETA DE CRÉDITO. SAQUES COMPLEMENTARES. DISTINGUISHING DA SÚMULA Nº 63 DO TJGO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A presente demanda não atrai a aplicabilidade do entendimento firmado na Súmula nº 63 deste egrégio Tribunal de Justiça, no sentido de que a modalidade contratual de empréstimo mediante cartão de crédito consignado é revestida de abusividade, uma vez que, no caso sub examine, restou devidamente comprovado que a parte consumidora teve plena ciência da modalidade contratual pactuada, tanto assim que utilizou, por diversas vezes, o cartão de crédito fornecido pela instituição financeira para a realização de saques complementares, situação completamente estranha a um mero e padrão contrato de empréstimo consignado. 2. Uma vez demonstrada a contratação e a efetiva utilização do cartão de crédito, deve ser declarada legal a retenção de margem consignável para pagamento do valor mínimo da fatura, não havendo, pois, que se falar em nulidade ou abusividade do negócio jurídico firmado. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5251912-16.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR KISLEU DIAS MACIEL FILHO, 4ª Câmara Cível, julgado em 08/07/2024, DJe de 08/07/2024) No mesmo sentido, o entendimento da 2ª Câmara Cível: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO PARA COMPRAS. CONTRATAÇÃO. DISTINGUISHING DA SÚMULA 63 DESTE TRIBUNAL. DESPROVIMENTO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES EXORDIAIS. 1. No caso versado, constata-se que a instituição financeira apresentou prova documental demonstrando a modalidade contratada e que a requerente/consumidora efetivamente utilizou o cartão para compras (como cartão de crédito), em diversos estabelecimentos comerciais (CPC, art. 373, II). 2. Nesse cenário, o caso sub examine não se amolda ao enunciado da Súmula 63 deste Tribunal (distinguishing), porquanto tal enunciado sumular contempla situações nas quais os consumidores desconhecem a adesão a contrato de ?cartão de crédito consignado?, pois não utilizam o cartão para compras, apenas para empréstimo pessoal consignado, situação diversa da retratada nestes autos em que o apelante utilizou o cartão de crédito para compras e saques, demonstrando ciência da natureza do contrato firmado com a instituição financeira requerida. 3. Nesse contexto, conforme se verifica, o contrato firmado entre as partes concretizou-se de forma livre e consciente, não havendo, portanto, que se falar em prejuízos causados ao apelante/autor, quer de ordem material, quer moral, conforme entendimento adotado na sentença recorrida. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.(Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,5624228-85.2021.8.09.0051,ÁTILA NAVES AMARAL,2ª Câmara Cível, Publicado em 13/07/2023, destacado). Assim sendo, no caso em análise, os saques complementares realizados com o uso do cartão, torna inafastável a regularidade e validade da contratação, não merecendo reparos a sentença atacada de improcedência do pedido exordial.Ante o exposto, conheço do recurso de apelação e nego-lhe provimento, mantendo inalterada a sentença recursada. Majoro os honorários advocatícios arbitrados na instância de origem para 12% sobre o valor atualizado da causa, mantendo suspensa sua exigibilidade, em razão do deferimento da gratuidade da justiça à parte autora/apelante. Intimem-se.Goiânia, data da assinatura eletrônica. Desclieux Ferreira da Silva JúniorJuiz Substituto em 2º Grau – Relator /C70