TIPO DE AÇÃO: Superendividamento
RELATOR | : Desembargador JOSE VINICIUS ANDRADE JAPPUR |
AGRAVANTE | : BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL |
AGRAVADO | : DOUGLAS DE QUADROS GARCIA |
ADVOGADO(A) | : JULIANA SIROTSKY SORIA (OAB RS104333) |
INTERESSADO | : ATIVOS S.A. SECURITIZADORA DE CREDITOS FINANCEIROS |
ADVOGADO(A) | : JOSE CARLOS SKRZYSZOWSKI JUNIOR |
INTERESSADO | : FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO |
ADVOGADO(A) | : PAULO EDUARDO SILVA RAMOS |
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS POR SUPERENDIVIDAMENTO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. TUTELA DE URGÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. DÍVIDAS CONSIGNADAS E DÉBITOS EM CONTA CORRENTE. POSSIBILIDADE PARCIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Agravo de instrumento interposto por instituição financeira contra decisão que, em ação de repactuação de dívidas fundada na Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), deferiu parcialmente tutela de urgência para limitar os descontos mensais em folha de pagamento e em conta corrente da parte autora a 35% de sua renda líquida, bem como suspender inclusão em cadastros de inadimplentes. A parte agravante sustenta a nulidade da decisão, a ausência de pressupostos para o superendividamento e a legalidade dos descontos praticados.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) se a decisão agravada é nula por ausência de fundamentação; (ii) se estavam presentes os requisitos legais para a concessão da tutela de urgência com base na Lei do Superendividamento; (iii) se é possível limitar judicialmente os descontos relativos a empréstimos consignados e a débitos em conta corrente de servidor público estadual.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A decisão agravada está suficientemente fundamentada, atendendo ao art. 93, IX, da CF/1988 e ao art. 489, §1º, do CPC, não havendo nulidade a ser reconhecida pelo simples descontentamento da parte recorrente com o teor da decisão.
4. A concessão da tutela de urgência encontra respaldo no art. 300 do CPC e no art. 104-A do CDC, incluído pela Lei nº 14.181/2021, quando evidenciada situação de comprometimento da renda capaz de afetar o mínimo existencial do consumidor superendividado, sendo desnecessária a realização prévia de audiência de conciliação para esse fim.
5. Tratando-se de servidor público estadual, a legislação local (Decreto nº 43.337/2004) estabelece que os descontos totais em folha, obrigatórios e facultativos, podem alcançar até 70% da remuneração bruta, razão pela qual deve ser reformada a decisão para adequar esse limite legal.
6. Em relação aos descontos realizados diretamente em conta corrente (empréstimos não consignados), inexiste fundamento legal para limitação judicial, consoante entendimento pacificado do STJ (Tema Repetitivo nº 1.085), desde que previamente autorizados e enquanto vigente tal autorização.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recurso parcialmente provido.
Tese de julgamento:
1. A decisão que defere tutela de urgência em ação de superendividamento, desde que suficientemente fundamentada, não é nula pelo simples inconformismo da parte.
2. A tutela de urgência pode ser concedida antes da audiência conciliatória, quando comprovada situação que comprometa a subsistência do consumidor superendividado.
3. Para servidores públicos estaduais, os descontos em folha devem observar o limite legal local de 70% da remuneração bruta.
4. Os descontos em conta corrente autorizados contratualmente não se submetem à limitação imposta à margem consignável, conforme entendimento do STJ no Tema nº. 1.085.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CPC, arts. 93, 489, §1º, e 300; CDC, arts. 54-A, 54-D, 104-A; Decreto Estadual/RS nº 43.337/2004.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1584831/CE, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 21.06.2016; STJ, REsp 1586910/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 03.10.2017; STJ, AgInt no AREsp 1427803/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 26.04.2019; TJRS, AI nº 51650629420238217000, Rel. Des. Fernando Flores Cabral Junior, j. 27.09.2023; TJRS, AI nº 52592285520228217000, Rel. Des. Oyama Assis Brasil de Moraes, j. 03.02.2023.
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DECISÃO MONOCRÁTICA
Com fundamento no art. 206, inc. XXXVI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, e Súmula n.º 568, do STJ, procedo ao julgamento de forma monocrática.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A., em face da decisão no evento 11, DOC1 que, nos autos da ação de repactuação de dívidas por superendividamento, deferiu, em parte, o pedido de tutela de urgência, nos seguintes termos:
"...
Em vista disso, com base no artigo 300, do Código de Processo Civil DEFIRO parcialmente a tutela de urgência a fim de determinar que:
a) A parte ré LIMITE os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de 35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta; dividindo-se o percentual de forma igualitária entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo;
b) A limitação aqui determinada é aplicável, inclusive, em se tratando de portabilidade salarial;
c) No caso em discussão, pelas razões já expostas, esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
d) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
A esse respeito, a determinação não se aplica ao Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, o qual, conforme a Resolução CMN n° 5.037 de 29/9/2022, em seu artigo 2º, possui duas finalidades:
Art. 2º O SCR é administrado pelo Banco Central do Brasil e tem por finalidades:
I - prover informações ao Banco Central do Brasil, para fins de monitoramento do crédito no sistema financeiro e para o exercício de suas atividades de fiscalização; e
II - propiciar o intercâmbio de informações entre instituições financeiras e entre demais entidades, conforme definido no art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sobre o montante de responsabilidades de clientes em operações de crédito.
Conforme destacou a respeitável Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do Recurso Especial Nº 1.365.284 - SC (2011/0263949-3), ambas as finalidades do sistema dizem com interesse público:
(...) o interesse público primário, direto, imediato, de viabilizar a supervisão do Sistema Financeiro pelo Banco Central (inciso I do art 2º da Resolução 3658/2008) e o interesse público indireto, consistente em detectar e evitar operações financeiras arriscadas, causadoras de risco bancário sistêmico, protegendo os recursos depositados, tudo consultando o interesse do consumidor bom pagador de obter melhores taxas de juros (inciso II) do art 2º da Resolução 3658/2008 (...)".
Observadas as finalidades supra e considerando as disposições sobre a prevenção do superendividamento trazidas pela Lei 14.181/21, entendo que se trata de ferramenta protetiva, em verdade, que auxilia no controle da concessão de crédito sem capacidade de reembolso, evitando o agravamento da situação do superendividamento da parte consumidora.
Atua como ferramenta consultiva de relevância, visando ao controle das operações de crédito existentes e comprometimento de renda, evitando a concessão de crédito desmedida, penalizada pela legislação protetiva:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas: (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Sobre a importância das informações disponibilizadas pelo sistema SCR, ponderou referida Ministra:
Trata-se, como visto, de cadastro público, de consulta restrita, necessário à atividade do BACEN, o qual ficaria seriamente comprometido com sua equiparação à regência legal e jurisprudencial dos cadastros de inadimplentes e mesmo de centrais de risco de crédito privadas.
Não pode, portanto, ser considerado como cadastro restritivo comum, exigindo tratamento diferenciado dos demais cadastros de inadimplentes como SPC e Serasa.
Dessa forma, a exclusão dos dados em relação aos débitos em repactuação não se aplica ao sistema SCR do Banco Central.
ADVIRTO, TAMBÉM a ambas as partes:
1. A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra. Daí por que NÃO abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
2. Em preservação à cooperação das partes e boa-fé dos contrantes, NÃO podem ser abrangidos na presente repactuação, os contratos celebrados após o ajuizamento da ação, em razão da vedação, ao consumidor, da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, artigo 104-A, § 4º, IV, do CDC.
A esse respeito, pondero que o consumidor que adota tal prática enquadra-se na definição de superendividado ativo, conceito que, conforme a doutrina, pode ser dividido em ativo consciente, assim considerado aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar ou fraudar seu credor (consumidor de má-fé), ou, ativo inconsciente, o qual, ou age de forma impulsiva ou sem formular o cálculo correto no momento da contratação de novas dívidas (consumidor imprevidente e sem malícia).1
3. Fica a parte demandada, ainda, ADVERTIDA de que a concessão irresponsável de crédito após o ajuizamento da presente ação, será igualmente valorada na decisão final, acarretando, inclusive, a aplicação das penalidades definidas pela lei.
4 Ademais, saliento que a presente decisão NÃO abrange contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
5. Ainda, INDEFIRO a suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
6. Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças de forma abusiva, bem como, PRATICAR CONDUTAS que importem no agravamento da situação de superendividamento da parte demandante.
7. Por fim, fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA PARCIAL AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora de forma pessoal aos credores réus, fins de atender a exigência da Súmula 410 do STJ.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual.
..."
Em suas razões (evento 1, INIC1), o banco requerido sustenta a nulidade da decisão recorrida por ausência de fundamentação. Refere a inexistência de dano irreparável em razão da ausência de condição de superendividamento. Defende a aplicação do Decreto Estadual n.º 43.334/2004, asseverando tratar-se de servidor público estadual. Sustenta a legalidade dos descontos efetuados em conta corrente, sem limitação. Postula a concessão de efeito suspensivo. Requer o provimento do recurso.
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório
Decido.
1. Da alegada nulidade da decisão agravada por ausência de fundamentação
Diferentemente do que foi alegado pela parte recorrente, a decisão agravada encontra-se devidamente fundamentada, atendendo o disposto pelo art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, não sendo o caso de declarar-se a sua nulidade, apenas por não ter atingido o desfecho almejado pela parte.
Nessa linha, cumpre salientar que, “Se os fundamentos do acórdão recorrido não se mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam. Não se pode confundir ausência de motivação com fundamentação contrária aos interesses da parte, como ocorreu na espécie. Violação do art. 489, § 1º, do CPC/2015 não configurada” (AgInt no REsp 1584831/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 21-06-2016).
Desta forma, rejeito a preliminar de nulidade da decisão agravada.
2. Da alegada ausência do pressuposto processual para o superendividamento do autor
Notadamente, o princípio norteador da norma acrescentada ao Código de Defesa do Consumidor, que tem por escopo a preservação dos direitos básicos dos cidadãos visados pela norma.
A partir disso, não pode ser esquecido o poder de cautela do Magistrado quando se depara com situação que poderá ser tornar irreversível se não estancada desde o início, quando esta denotar poder de concretizar dano irreparável, ou de difícil reparação, seja imediato, seja em futuro próximo.
Nesse sentido jurisprudência desta Corte:
"AGRAVOS DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. TUTELA DE URGÊNCIA. 1. TUTELA DE URGÊNCIA. DE ACORDO COM O ARTIGO 104-A DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, INCLUÍDO PELA LEI Nº 14.181/2021 (LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO), PODERÁ SER INSTAURADO PELO JUIZ O PROCESSO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS, COM VISTAS À REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO COM A PRESENÇA DOS CREDORES E APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE PLANO DE PAGAMENTO, NO PRAZO DE 5 DIAS, EM CASO DE REQUERIMENTO DO CONSUMIDOR. NO CASO, AO CONTRÁRIO DO ALEGADO PELA PARTE RECORRENTE, NÃO HÁ QUALQUER ÓBICE AO DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA ANTES DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. 2. (...) AGRAVOS DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME." (AGRAVO DE INSTRUMENTO, Nº 51650629420238217000, VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR, JULGADO EM: 27-09-2023)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. TUTELA DE URGÊNCIA. MANTIDA. BASE DE CÁLCULO. MANUTENÇÃO. OBSERVÂNCIA DA ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONTRATAÇÕES. MULTA. 1. DESCABIDA A REVOGAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA PELA DELICADA SITUAÇÃO FINANCEIRA DA AGRAVADA, ESTANDO EMBASADA NA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO E DA NECESSIDADE DE GARANTIR A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E PRESERVAR UM MÍNIMO EXISTENCIAL. 2. INVIÁVEL A LIMITAÇÃO EM 35% DA RENDA BRUTA TOTAL, IMPONDO-SE SUBTRAIR OS DESCONTOS OBRIGATÓRIOS (PREVIDÊNCIA E IMPOSTO DE RENDA). 3. NECESSÁRIO OBSERVAR A ORDEM CRONOLÓGICA DAS CONTRATAÇÕES NA LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. 4. A FIXAÇÃO DE MULTA, NA TUTELA DE URGÊNCIA, TEM POR FINALIDADE GARANTIR A EFETIVIDADE DO PROCESSO E IMPEDIR O DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL, NÃO COMPORTANDO AFASTAMENTO, TAMPOUCO REDUÇÃO OU ALTERAÇÃO DA PERIODICIDADE. RECURSO DESPROVIDO."(AGRAVO DE INSTRUMENTO, Nº 52362781820238217000, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JUCELANA LURDES PEREIRA DOS SANTOS, JULGADO EM: 28-09-2023) (GRIFEI)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. TUTELA DE URGÊNCIA PARCIALMENTE DEFERIDA. LIMITAÇÃO DE TODOS OS DESCONTOS EM 35%. RECURSO INTERPOSTO PELO CORRÉU BANCO DAYCOVAL S/A. MÉRITO. CABIMENTO DA LIMINAR, AINDA QUE SE TRATE DE AUTOR SERVIDOR MILITAR. SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. PROCESSO MOVIDO SOB O RITO DA LEI 14.181/2021. POSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA MEDIDA LIMINAR EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EM CONTA CORRENTE, DE FORMA EXCEPCIONAL. PRINCÍPIOS DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 300 DO NCPC. FIXAÇÃO DE ASTREINTES EM RELAÇÃO À TOTALIDADE DOS COMANDOS DA DECISÃO AGRAVADA. ART. 536, §1°, DO NCPC. CARÁTER UNICAMENTE PREVENTIVO. INOCORRÊNCIA DE EXCESSO. REQUERIMENTOS ALTERNATIVOS DE QUE O DEMANDANTE SE ABSTENHA DE CONTRATAR NOVOS SERVIÇOS FINANCEIROS E DE QUE O PERCENTUAL MANTIDO CONSIGNADO SEJA DIVIDIDO DE FORMA CRONOLÓGICA E PROPORCIONAL. TÓPICOS NÃO ABARCADOS PELO DECISUM GUERREADO. INVIABILIDADE DE MANIFESTAÇÃO DESTA CORTE QUANTO AOS PONTOS, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO DESPROVIDO."(AGRAVO DE INSTRUMENTO, Nº 50943828420238217000, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER, JULGADO EM: 28-09-2023) (GRIFEI)
Destarte, correta a limitação determinada na decisão recorrida, pois refere-se a todos os contratos de empréstimo da parte requerida, cujos descontos das parcelas atinentes aos empréstimos objeto de discussão na lide podem comprometer a manutenção da subsistência digna da parte demandante.
3. Da limitação dos descontos de servidor público estadual - Decreto nº 43.334/2004
No que diz respeito aos descontos em folha de pagamento, tratando-se de servidor público estadual, a margem consignável não se limita a 35%, mas sim, a 70% da remuneração mensal bruta.
Nesse sentido, dispõe o art. 15 do Decreto n.º 43.337/04 (com a redação dos Decretos n.º 43.480/04 e n.º 43.574/05), regulamentando a Lei Complementar n.º 10.098/03:
"Art. 15 - A soma mensal das consignações facultativas e obrigatórias de cada servidor não poderá exceder a setenta por cento (70%) do valor de sua remuneração mensal bruta."
Este Tribunal de Justiça já se pronunciou acerca da validade dos descontos em até 70% da remuneração mensal bruta do servidor ou pensionista do Estado, referentes a empréstimos consignados, conforme julgados que seguem:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE CONHECIMENTO COM PEDIDO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. PLEITO DE TUTELA ANTECIPADA QUE TEM POR OBJETO A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS REALIZADOS NA FOLHA DE PAGAMENTO. MARGEM CONSIGNÁVEL DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS QUE SE LIMITA A 70% DE SUA REMUNERAÇÃO MENSAL BRUTA. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NOS DECRETOS ESTADUAIS 43.337/04 E 43.574/2005 QUE REGULAMENTOU A LEI ESTADUAL 10.098/1994. DECISÃO MODIFICADA EM RELAÇÃO À PARTE AGRAVANTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 52592285520228217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Oyama Assis Brasil de Moraes, Julgado em: 03-02-2023)."
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LIMITAÇÃO. DESCONTOS. ORDEM CRONOLÓGICA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Nos termos do art. 300 do CPC, a concessão da tutela de urgência pressupõe que os elementos acostados aos autos evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Na linha da posição do Superior Tribunal de Justiça, os descontos dos servidores estaduais devem observar tanto o limite previsto na legislação local, em 70% do rendimento bruto (considerando os descontos facultativos e obrigatórios), quanto aquele estabelecido na legislação federal, em que as parcelas dos empréstimos bancários não podem ultrapassar 30% da remuneração do servidor. Outrossim, a limitação dos descontos deve observar a ordem cronológica de contratação dos empréstimos, já que os mais antigos possuem preferência de liquidação. No caso em apreço, devidamente comprovado pela parte autora/agravante o preenchimento dos requisitos previstos no art. 300 do Código de Processo Civil, deve ser concedida a tutela de urgência. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50429506020228217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em: 28-06-2022)."
4. Legalidade dos descontos em conta corrente
Quanto aos descontos diretamente na conta corrente da parte autora, referentes a empréstimos não consignados, não há limitação de percentual. O entendimento do STJ é no sentido de não ser isonômico aplicar a limitação prevista aos empréstimos consignados em folha às hipóteses em que os abatimentos das prestações de obrigações firmadas ocorrem posteriormente ao recebimento de proventos, portanto, em débito de conta-corrente (REsp 1586910/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29/08/2017, DJe 03/10/2017; (AgInt no AREsp 1427803/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019).
Assim, não há amparo legal para a extensão da limitação do empréstimo consignado em folha de pagamento aos contratos de empréstimos firmados livremente, cujo pagamento se dá mediante desconto em conta-corrente.
Nesse sentido:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS EMPRÉSTIMO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA CORRENTE. IMPOSSIBILIDADE. A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS PACTUADOS POR SERVIDORES ESTADUAIS, PREVISTA LEI 8.112/90 E DECRETO Nº 8.690/2016 SOMENTE ABARCA OS VALORES DESCONTADOS DIRETAMENTE EM FOLHA DE PAGAMENTO. OS CONTRATOS NOS QUAIS O DESCONTO É FEITO NA CONTA CORRENTE DO MUTUÁRIO NÃO SOFREM LIMITAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO"
(Agravo de Instrumento, Nº 52184634220228217000, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luis Gustavo Pedroso Lacerda, Julgado em: 16-03-2023).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO. LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA CORRENTE. ASTREINTES. Da limitação dos descontos dos empréstimos debitados em conta-corrente. Regra que limita o desconto das parcelas do empréstimo bancário em folha de pagamento que não se aplica à hipótese em que a dívida é debitada diretamente em conta corrente do devedor. Ausência de supedâneo legal à pretensão recursal. Precedentes do STJ e deste Tribunal. Assim, merece reforma a decisão proferida pelo magistrado de origem, no ponto. Das astreintes. Não há falar em afastamento da multa diária, mormente porque esta cumpre sua função precípua, qual seja, a de compelir o devedor da obrigação de fazer/não fazer a cumpri-la, conferindo efetividade à decisão judicial. As peculiaridades do caso concreto, no entanto, recomendam a redução das astreintes, com base no art. 537, §1º, do CPC, e a sua limitação, inclusive a fim de evitar locupletamento indevido da parte demandante. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA."
(Agravo de Instrumento, Nº 51653819620228217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosana Broglio Garbin, Julgado em: 04-10-2022).
Assim, estabeleceu a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob o tema de recursos repetitivos, (Tema n.º 1.085): "são lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento"
Logo, inviável a limitação dos descontos decorrentes de empréstimos em conta corrente.
Pelo exposto, rejeito as preliminares e dou parcial provimento ao agravo de instrumento para autorizar os descontos decorrentes dos empréstimos consignados em até 70% da remuneração mensal bruta, no caso de servidor do Estado (abatidos os valores da previdência e do IRPF) e excluir os descontos em conta corrente da limitação imposta pelo julgador de primeiro grau.
Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, dê-se baixa.