Processo nº 51051667620248240930

Número do Processo: 5105166-76.2024.8.24.0930

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJSC
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Última atualização encontrada em 27 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 27/06/2025 - Intimação
    Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes | Classe: APELAçãO CíVEL
    Apelação Nº 5105166-76.2024.8.24.0930/SC
    APELANTE: IVONE CASAGRANDE (AUTOR)
    ADVOGADO(A): ROMULO GUILHERME FONTANA KOENIG (OAB RS095538)
    ADVOGADO(A): CASSIO AUGUSTO FERRARINI (OAB RS095421)
    APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)
    ADVOGADO(A): MILTON LUIZ CLEVE KUSTER (OAB SC017605)

    DESPACHO/DECISÃO

    Tratam os autos de recursos de apelação interpostos em face de sentença (evento 28, SENT1) que, nos autos de ação revisional, julgou parcialmente procedentes os pedidos consubstanciados em peça inicial.

    Em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, adota-se o relatório da sentença, transcrito na íntegra, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:

    Vistos etc.

    Trata-se de ação revisional de taxa de juros ajuizada por IVONE CASAGRANDE em face de CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS.

    Alegou a parte autora, em síntese, que celebrou com a parte ré contrato(s) de empréstimo pessoal, no(s) qual(is) foram incluídas cláusulas abusivas e que merecem revisão. Pleiteia a adequação da(s) avença(s) aos parâmetros permitidos pela lei, com a revisão das cláusulas abusivas, especialmente aquelas relacionadas aos juros remuneratórios. Requereu a procedência dos pedidos. Juntou documentos. 

    Citada, a parte ré apresentou contestação, na qual alegou, em preliminar, a existência de conexão, o abuso do direito de demandar, a existência de advocacia predatória e a irregularidade da representação. No mérito, defendeu a legalidade do(s) contrato(s) firmado(s) entre as partes e a inexistência de abusividade dos encargos.

    Houve réplica.

    Os autos vieram conclusos. 

    O dispositivo da decisão restou assim redigido: 

    Isso posto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por IVONE CASAGRANDE em face de CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS para: 

    a) limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil acrescida de 10% em relação ao(s) contrato(s) impugnado(s) nos autos, nos termos da fundamentação; b) deferir a descaracterização da mora; e c) determinar a repetição simples de eventual indébito ou compensação pela instituição financeira, conforme o capítulo anterior desta sentença, os quais deverão ser corrigidos pelo INPC desde o desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. A partir de 30.08.2024, os valores deverão ser atualizados pelo IPCA e acrescidos da taxa legal de juros, isto é, taxa referencial SELIC deduzido o IPCA (CC, art. 406, § 1º).

    CONDENO a parte ré ao pagamento integral das custas e dos honorários, os quais fixo, por apreciação equitativa, em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em razão do valor atribuído à causa, ex vi do prescrito no art. 85, §8º, do CPC.

    Publique-se. Registre-se. Intimem-se. 

    Oportunamente, arquivem-se.

    Irresignada, a parte autora interpôs recurso (evento 42, APELAÇÃO1) sustentando, em apertada síntese, a) necessária limitação dos juros sem qualquer acréscimo; b) correção monetária pelo IGPM; c) modificação dos ônus sucumbenciais e majoração dos honorários ao patamar de R$ 4.000,00.

    Por sua vez, a instituição financeira interpôs recurso (evento 54, APELAÇÃO2) aduzindo, em suma, a) cerceamento de defesa; b) ausência de fundamentação; c) regularidade dos juros remuneratórios; d) impossibilidade de devolução de valores; e) minoração dos honorários.

    As contrarrazões ao apelo foram oferecidas nos eventos evento 56, CONTRAZAP1 e evento 68, CONTRAZAP1.

    Este é o relatório.

    DECIDO. 

    Antes de adentrar o mérito, destaco que não há impeditivo de que a análise e o julgamento do recurso possa ocorrer de forma monocrática pelo relator nos casos em que a temática esteja pacificada por Súmulas, Recursos Repetitivos, IRDR, Assunção de Competência ou jurisprudência pacífica emanadas pelas Cortes Superiores e até mesmo deste Tribunal, nos termos do art. 932, IV e V, do Código de Ritos replicados nos arts. 132, XV e XVI, do RITJSC.

    Nesse sentido, colhe-se:

    "Esta Corte de Justiça consagra orientação no sentido de ser permitido ao relator decidir monocraticamente o recurso, quando amparado em jurisprudência dominante ou Súmula de Tribunal Superior, consoante exegese do art. 932, IV e V, do CPC/2015" (STJ, AgInt no AREsp n. 1.931.639/SP, rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. em 29-11-2021, DJe de 1º-12-2021).

     

    CERCEAMENTO DE DEFESA

    Cediço que o ordenamento processual confere ao julgador a qualidade de destinatário da prova, cumprindo ao Magistrado o indeferimento das diligências desnecessárias à composição da controvérsia, em observância ao princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 371 do CPC: "O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento".

    Segundo ensinamento do professor Humberto Theodoro Júnior, "por se tratar de garantia fundamental, não pode agir o juiz de maneira excessivamente rígida no indeferimento de pedido de prova", e, portanto, apenas "quando se evidenciar o descabimento ou a inutilidade da prova, é que sua inadmissão será legítima", concluindo que, além "desse quadro, configura-se o cerceamento do direito à ampla defesa, cuja consequência refletirá sobre a decisão que resolver o mérito da causa, acarretando-lhe a nulidade" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 58ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 876).

    No caso em tela, não há que se acolher a tese de nulidade da sentença por cerceamento de defesa em decorrência do julgamento antecipado da lide; isso porque todas as provas existentes nos autos são suficientes para a correta compreensão e deslinde do feito.

    Nessa linha:

    APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO BANCO EMBARGADO. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA A SER DISCUTIDA UNICAMENTE DE DIREITO. PROVAS SUFICIENTES PARA JULGAMENTO DO FEITO. SENTENÇA MANTIDA. PLEITO EM CONTRARRAZÕES. CONDENAÇÃO DA PARTE APELANTE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO ACOLHIMENTO. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE RECORRER. HIPÓTESES DO ART. 80 DO CPC NÃO VERIFICADAS NO CASO CONCRETO.RECURSO NÃO PROVIDO.(TJSC, Apelação n. 0300730-28.2019.8.24.0001, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Roberto Lucas Pacheco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. em 2-6-2022, grifou-se).

    Rechaça-se, assim, a proemial aventada.

    AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO

    Aduz a instituição financeira que a sentença é nula "por ter sido proferida sem fundamentação mínima e sem análise pormenorizada do caso, conforme entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Recursos Especiais n.º 1.061.530/RS (repetitivo) e 1.821.182/RS".

    Prevê o art. 93, inc. IX, da Constituição Federal que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação"; no mesmo sentido, o art. 11, do Código de Ritos prevê que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade".

    A fundamentação possibilita a parte vencida a compreender os motivos pelos quais sucumbiu, para, querendo, interpor o recurso adequado a fim de modificar o provimento jurisdicional que lhe foi dado; outrossim, permite que o órgão colegiado assimile os fundamentos que levaram o magistrado a quo a acolher, ou não, a pretensão autoral.

    In casu, ainda que sucinta a fundamentação, o juízo singular expôs suficientemente os motivos pelos quais compreende que os juros remuneratórios devem ser limitados à média de mercado; concordando ou não com a fundamentação, a decisão deu o exato norte da sua orientação, não se podendo falar em ausência de fundamentação.

    A propósito, anoto que o julgador não se está obrigado a fundamentar e afastar cada acórdão apontado pelas partes, bastando demonstrar, fundamentadamente, as razões que o levam a decidir em determinada direção; no mais, os acórdãos suscitados pela instituição sequer tem caráter vinculante ou são de observância obrigatória, restando totalmente desarrazoada a manifestação recursal.

    Vale citar:

    "O acórdão não violou o disposto pelo artigo 489, §1º, inciso IV, do Código de Processo Civil, tampouco se omitiu na apreciação dos pontos suscitados pela parte ora recorrente, devendo ser analisado, na interpretação do alcance do citado dispositivo, justamente o que reza na sua parte final: não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Ora, os argumentos deduzidos pela parte, reproduzidos nestes embargos, não se mostraram capazes de infirmarem a conclusão expendida no julgamento (o que não significa não tivessem sido ponderados), não sendo o caso, o que seria caótico, de o acórdão se debruçar sobre todos os temas trazidos como apoio à tese sufragada, sob pena de o julgamento se tornar incompreensível, perdendo-se na essência do que seria dado enfrentar. 2. Com relação ao alegado descumprimento do artigo 489, §1º, inciso VI, do Código de Processo Civil, por não ter sido feita a devida distinção da hipótese em liça daquela do precedente citado, advindo do STJ, cumpre ressaltar que o órgão julgador (no caso presente, o colegiado) não está obrigado a se manifestar a respeito de toda a jurisprudência colacionada pelas partes, ainda mais considerando que o citado precedente não se enquadra dentre aqueles previstos nos artigos 927 e 332, inciso IV, do já referido diploma legal. Conforme entendimento unívoco desta Corte, não há possibilidade de acolhimento do recurso para fins de reapreciação da matéria já enfrentada, se inexistente alguma das situações previstas no art. 1.022 do Código de Processo Civil" (Embargos de Declaração, Nº 70078682226, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em: 09-10-2018).

    Afasta-se, assim, a proemial aventada.

    JUROS REMUNERATÓRIOS

    Antes de adentrar o mérito da quaestio, necessário verdadeiro introito.

    A partir das discussões havidas na sessão deste Fracionário em 31.08.2023, em especial das considerações expostas pelos Des. Roberto Lepper e Soraya Nunes Lins, este relator revolveu a matéria relacionada à revisão dos contratos envolvendo taxas de juros remuneratórios, seja em ações revisionais propriamente ditas, ou a partir dos pleitos de revisão ventilados em embargos à execução.

    Resta consabido que boa parte da jurisprudência ainda estabelece percentual fixo como parâmetro para verificação da abusividade na taxa de juros praticada no sistema financeiro, isso em razão da média divulgada pelo BACEN; a evolução da discussão, todavia, principalmente perante a Corte da Cidadania, impõe a discordância quanto à fixação de um estipêndio rígido, sem considerar as circunstâncias específicas do caso concreto.

    Explico!

    Pois bem! A parte ré se insurge com a limitação imposta na sentença por conta do reconhecimento de excessos na estipulação da taxa de juros remuneratórios incidentes na avença quando confrontados com a taxa média de mercado revelada pelo BACEN.

    Frisa-se, de plano, que a circunstância dos juros remuneratórios serem superiores a 12% (doze por cento) ao ano não importa abusividade, sendo a matéria já bem pacificada nos Tribunais.

    Súmula 648 do STF: "A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".

    Súmula Vinculante n. 7 do STF: "A norma do §3º do artigo 192 da constituição, revogada pela emenda constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar".

    Súmula 382 do STJ: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade".

    Por sua vez, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial deste Tribunal de Justiça aprovou os Enunciados I e IV envolvendo o tema:

    I - "Nos contratos bancários, com exceção das cédulas e notas de crédito rural, comercial e industrial, não é abusiva a taxa de juros remuneratórios superior a 12% (doze por cento) ao ano, desde que não ultrapassada a taxa média de mercado à época do pacto, divulgada pelo Banco Central do Brasil".

    IV - "Na aplicação da taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, serão observados os princípios da menor onerosidade ao consumidor, da razoabilidade e da proporcionalidade".

    O Superior Tribunal de Justiça, em formação do tema em Recurso Repetitivo, firmou a seguinte orientação:

    1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

    a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

    b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

    c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

    d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto (STJ, REsp n. 1.061.530/RS, rela. Mina. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22-10-2008).

    Frente às diretrizes citadas, e em aplicação ao caso concreto, tem-se que “Para que se reconheça abusividade no percentual de juros, não basta o fato de a taxa contratada suplantar a média de mercado, devendo-se observar uma tolerância a partir daquele patamar, de modo que a vantagem exagerada, justificadora da limitação judicial, deve ficar cabalmente demonstrada em cada caso (...)” (STJ, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 1.454.960/MS, Quarta Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. em 29-10-2019, grifou-se).

    O Ministro Moura Ribeiro, em voto asseverou:

    Portanto, não há óbice à revisão contratual, com fundamento no CDC (Súmula n. 297/STJ), nas hipóteses em que, após dilação probatória, ficar cabalmente demonstrada a abusividade da cláusula de juros, sendo insuficiente o fato de o índice estipulado ultrapassar 12% ao ano (Súmula nº. 382 do STJ) ou de haver estabilidade inflacionária no período. A taxa média de mercado, apurada pelo Banco Central para operações similares na mesma época do empréstimo, pode ser utilizada como referência no exame do desequilíbrio contratual, mas não constitui valor absoluto, a ser adotado em todos os casos. Com efeito, a variação dos juros praticados pelas instituições financeiras decorre de diversos aspectos e especificidades das múltiplas relações contratuais existentes (tipo de operação, prazo, reputação do tomador, garantias, políticas de captação e empréstimo, aplicações da própria entidade financeira, etc.). Em seu voto, a eminente Ministra Relatora destacou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tinha considerado abusivas, diante do caso concreto, taxas superiores a uma vez e meia, ao dobro ou ao triplo da média.” (STJ, Agravo em Recurso Especial n. 1.611.216/RS, rel. Ministro Moura Ribeiro, j. em 3-2-2020).

    Recentemente se deixou bem claro, para averiguação sobre a existência de abusividade nas taxas de juros remuneratórios, que não se apresenta mais suficiente o simples e único comparativo entre a taxa firmada quando da assinatura do contrato com a instituição financeira e aquela ditada pelo BACEN em mesmo período (média de mercado). É que sobre a possibilidade de revisão das taxas de juros remuneratórios, asseverou-se no REsp n. 1.061.530/RS de relatoria Ministra Nancy Andrighi, que "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."

    Prevaleceu, assim, o entendimento de que "a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ, REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. em 23-6-2022, DJe de 29-6-2022 - grifei).

    Sobre essa questão, restaram assentados os seguintes critérios (que merecem nossa atenção, sem dúvida alguma) no julgamento do REsp n. 2.009.614/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022 (grifei):

    16. De fato, nos termos do que ficou decidido no julgamento do REsp n. 1.061.530/RS, a interferência do Poder Judiciário nos contratos de mútuo, com a redução das taxas de juros pactuadas, exige fundamentação adequada que considere as peculiaridades de cada negócio jurídico.

    17. Não é suficiente, portanto, (I) a menção genérica às supostas “circunstâncias da causa” não descritas na decisão, (II) acompanhada ou não do simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média praticada no mercado ou (III) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.522.043/RS, Quarta Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 10/3/2021; REsp n. 1.821.182/RS, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022; AgInt no AREsp n. 1.493.171/RS, Quarta Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 10/3/2021.

    18. Em síntese, deve-se observar os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas, revelando-se insuficiente, portanto, (I) a menção genérica às “circunstâncias da causa” – ou outra expressão equivalente -, (II) o simples cotejo entre a taxa de juros prevista no contrato e a média de mercado divulgada pelo BACEN e (III) a aplicação de algum limite adotado, aprioristicamente, pelo próprio Tribunal estadual.

    Logo, a averiguação das taxas de juros remuneratórios contratados deve ocorrer de forma detalhada a subsidiar a intervenção estatal com segurança, atendendo-se a proteção dos direitos dos litigantes. Há, assim, diversas variáveis a serem consideradas para se ter a certeza da proclamação de um juízo de patente abusividade.

    Sintetizados os fatores que possam impactar na estipulação das taxas de juros remuneratórios, por meio dos requisitos a serem observados para fins de interferência do Poder Judiciário, há que se buscar:

    a) Se caracterizada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação;

    b) Se a taxa de juros remuneratórios avençada excede a taxa média de mercado, razão essa que faz comprovar a abusividade necessária a colocar o consumidor em desvantagem exagerada;

    c) Realizar um exame pormenorizado na causa para fins de identificar circunstâncias peculiares que possam justificar o afastamento da taxa de juros contratado por alegação de abusividade, valendo-se, para tanto, de informações cabais a serem apresentadas frente os interesses em disputa, envolvendo o valor e o prazo do financiamento, a situação da economia na época da contratação, as fontes de renda, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas, o custo para captação dos recursos, os riscos envolvidos na operação, e o perfil de risco de crédito do tomador.

    Assim, sob essa nova diretriz, em não subtraindo a presença dos requisitos ora enunciados, o reconhecimento da abusividade das taxas de juros remuneratórios, ou não, estará intrisecamente ligado à sua satisfação; afasta-se, com isso, a análise pura e simples da taxa contratada frente o delimitado pelo Bacen ou com incidências de tetos criados por este Tribunal para aferição de excessos.

    Não se discute que as instituições financeiras são livres para pactuar a taxa de juros que pretendem praticar no mercado, porquanto não há, conforme destacado, qualquer dispositivo legal que a limite. Há de se observar, todavia, os limites daquilo que é razoável, não se permitindo o estabelecimento de taxa que seja flagrantemente desproporcional à negociação entabulada, os riscos envolvidos, as garantias prestadas, o custo da captação do numerário, etc., colocando o consumidor em situação de evidente desvantagem desmedida, considerando sempre as particularidades do caso concreto.

    Repisa-se: as taxas de mercados ditadas pelo Bacen não constituem um teto, mas referência para aferição de eventual abusividade, jamais impositivas ao caso concreto. Logo, em havendo razoabilidade dos índices contratados livremente pelas partes frente às especificidades que envolvem o caso, em especial a situação econômica da pessoa do consumidor, o tipo de contratação e garantias, ou ainda o spread bancário, tudo a justificar o valor dos juros incidentes na transação negocial contraída, não se verifica, em tese, abusividade.

    A análise, portanto, é sempre do caso em concreto, já que a taxa média do BACEN é referencial útil, mas não o único a ser considerado na verificação da abusividade. Nestes termos, "O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos." (REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022).

    E, ainda: "(...) A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos” (REsp n. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe de 10/3/2009).

    Há de se distinguir, nesses termos, a ocorrência de duas situações distintas.

    Primeiro, os casos mais recorrentes nesta Câmara em que se verifica mínima disparidade entre a taxa contratada frente à média de mercado divulgada pelo BACEN. Nesses casos, há que se ter uma interpretação mais textual envolvendo a aplicação do princípio do pacta sunt servanda, em que há bilateralidade de vontades que deve ser respeitada pelo Judiciário; a intervenção, portanto, deve ser mínima, já que, conforme citado alhuresa simples fixação de taxa de juros pouco acima da média divulgada pelo BACEN, de per si, não configura o desequilíbrio contratual, a que se refere o art. 51, §1, II do CDC, a merecer intervenção estatal.

    Segundo, há situações que, diferentemente da primeiro caso, a taxa de juros aplicada no contrato diverge substancialmente da média divulgada pelo BACEN, representando 5, 8 ou até mesmo 10 vezes mais; ainda que o simples cotejo entre as duas taxas (contratada e divulgada) não seja critério estanque para verificação da abusividade, é um dos requisitos para formação daquilo que se pode dizer como abusivo, conforme precedentes da Corte Cidadã. Nessas situações, é como se houvesse "o acendimento de uma luz amarela" a expressar uma necessidade de redobrada atenção sobre a formação da taxa.

    Neste cenário, convém anotar que o caso em deslinde atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, porquanto parte autora e ré enquadram-se, de forma precisa, nos conceitos de consumidor e fornecedor estampados nos arts. 2º e 3º, estes da legislação de regência. E do teor da Súmula 297 do STJ, extrai-se: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

    Logo, não há margens a entendimentos diversos de que a relação está regida pela Lei Consumerista; por conta disso, a inversão do ônus da prova em prol da parte autora se apresenta plausível, embora não seja ela automática, mas autorizada quando demonstrada a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas alegações (art. 6º, VIII, do CDC).

    Na situação, como dito acima, essa verossimilhança exsurge indiscutível quando se evidencia taxa de juros tão superior à média apontada; "a luz amarela" é, justamente, esse requisito a impor a necessária inversão.

    A Jurisprudência do STJ é assente que: "A inversão do ônus da prova não ocorre em todas as situações em que a relação jurídica é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, nos termos do art. 6º, VIII, do referido Códex, a facilitação da defesa somente ocorre nos casos em que as alegações sejam verossímeis ou a parte seja hipossuficiente." (AgInt no REsp 1533169/SC, Min. Lázaro Guimarães).

    Para além, ainda que não se retire da parte autora o ônus da prova mínima de suas alegações, nos termos do que dispõe a Súmula 55 do Órgão Especial deste Sodalício: "A inversão do ônus da prova não exime o consumidor de trazer aos autos indícios mínimos de direito alegado na inicial quando a prova lhe diga respeito", passa a ser do banco o ônus de provar documentalmente nos autos as motivações que levaram a impor taxas de juros que ultrapassam substancialmente a média de mercado para aquele período aquisitivo, envolvendo singularidades próprias e especificidades da contratação.

    A propósito, pertinente colacionar os ensinamentos do prof. Humberto Theodoro Júnior:

    O mecanismo da inversão do ônus da prova se insere na Política Nacional das Relações de Consumo, com o objetivo de tutelar o consumidor, e deve ser aplicado até quando seja necessário para superar a vulnerabilidade do consumidor e estabelecer seu equilíbrio processual em face do fornecedor. Não pode, evidentemente, ser um meio de impor um novo desequilíbrio na relação entre as partes, a tal ponto de atribuir ao fornecedor um encargo absurdo e insuscetível de desempenho. Ressalte-se que não pode resultar da inversão o ônus para o fornecedor de provar o fato constitutivo do direito pretendido pelo consumidor. O que se impõe ao fornecedor é a prova dos fatos que, segundo sua defesa, excluiriam a responsabilidade que o demandante lhe imputa. Fatos esses que normalmente não se teriam de ser provados, se não existisse nem mesmo o começo de prova das alegações do demandante. Se a inicial nada demonstra que, pela verossimilhança ou pela experiência da vida, se pode ter como indícios da veracidade dos fatos constitutivos do direito, nenhum sentido teria a inversão de que cogita o CDC. O consumidor sucumbirá pela completa ausência de suporte fático-jurídico capaz de sustentar sua pretensão. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direitos do Consumidor. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 59).

    Nestes termos, “os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF, de forma que a abusividade da pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos. 2. A verificação da abusividade dos juros não é taxativa, não observa critérios genérico e universais, de modo que o fato de a taxa de juros remuneratórios contratada ser o dobro ou triplo ou outro múltiplo da taxa apurada pelo Banco Central não determina o reconhecimento de abusividade" (STJ, AgInt no REsp n. 1.949.441/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 23-8-2022, DJe de 9-9-2022).

    E tal se justifica, pois o crescimento exponencial das taxas de juros está diretamente ligado à segurança da instituição financeira em ver devolvido o numerário cedido à empréstimos; pois quanto maiores os riscos envolvendo o negócio, associados à deficiência econômica aferível a cada consumidor, impõe-se um olhar distinto nas taxas de juros. Se assim não fosse, a adoção paritária de juros remuneratórios sem análise dos requisitos pessoais do consumidor imporia uma vantagem desmedida ao mal pagador, único responsável pela elevação do spread bancário que afeta diretamente nas taxas ofertadas.

    Colhe-se do site do Banco Central do Brasil sobre os critérios de formação das taxas de juros:

    [...] taxas de juros representam o custo efetivo médio das operações de crédito para os clientes, composto pelas taxas de juros efetivamente praticadas pelas instituições financeiras em suas operações de crédito, acrescidas dos encargos fiscais e operacionais incidentes sobre as operações.

    As taxas de juros apresentadas correspondem à média das taxas praticadas nas diversas operações realizadas pelas instituições financeiras em cada modalidade de crédito. Em uma mesma modalidade, as taxas de juros diferem entre clientes de uma mesma instituição financeira e variam de acordo com diversos fatores de risco envolvidos nas operações, tais como o valor e a qualidade das garantias apresentadas na contratação do crédito, o valor do pagamento dado como entrada da operação, o histórico e a situação cadastral de cada cliente, o prazo da operação, entre outros. (extraído do site: https://dadosabertos.bcb.gov.br/dataset/taxas-de-juros-de-operacoes-de-credito#:~:text=Em%20uma%20mesma%20modalidade%2C%20as,como%20entrada%20da%20opera%C3%A7%C3%A3o%2C%20o, visualizado em 4-9-2023, grifou-se).

    Logo, cabe às partes, na medida de seus interesses no sucesso da ação, apresentarem um mínimo de prova envolvendo os fatores de formação das taxas, assim sintetizados pelo STJ: "valor requerido pelo cliente; rating do cliente/risco; valor e fontes de renda do cliente; histórico de negativação/protesto em nome do cliente; relacionamento com a instituição financeira; prazo de amortização da dívida; existência ou não de garantias para a operação; qualidade (recuperabilidade) das garantias eventualmente aportadas; existência ou não de pagamento de parcela do bem a ser financiado (entrada) e em qual proporção; forma de pagamento da operação" (REsp n. 1.821.182/RS). Enfim, subsídios que ajudarão o magistrado aferir se a taxa de juros remuneratórios contratada, e substancialmente excedente à média de mercado ditada pelo BACEN, se apresenta (ou não!) excessiva a ponto de colocar o contratante em desvantagem exagerada, nos termos do art. 51, § 1º, do CDC.

    Por oportuno, em recursos interpostos em face de acórdãos proferidos por esta Quinta Câmara de Direito Comercial, a Corte da Cidadania em mais de uma oportunidade confirmou a utilização dos aludidos parâmetros para aferição de verificação da abusividade (ou não!) da taxa de juros remuneratórios. Vide: AREsp n. 2.572.484, Ministro João Otávio de Noronha, DJe de 11/04/2024; AREsp n. 2.558.190, Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 24/05/2024; AREsp n. 2.577.748, Ministro João Otávio de Noronha, DJe de 12/06/2024; AREsp n. 2.588.760, Ministro Humberto Martins, DJe de 01/07/2024.

    Definidos, assim, os critérios a serem observados pelo Judiciário para verificação da abusividade (ou não!) da taxa de juros remuneratórios pactuada na espécie, necessária verdadeira análise do caso concreto.

    Na situação destes autos, considerou o magistrado a quo que a abusividade ocorre nos casos em que a taxa pactuada supera em 50% a média divulgada pelo BACEN. Não é esse, data venia, o melhor critério!

    Conforme já salientado, o simples cotejo da média de mercado com a taxa pactuada, aplicando-se percentual rígidos e fixos, não indica (por si só) a abusividade, sem considerar as circunstâncias específicas do negócio celebrado. Muito embora a parte recorrente afirme que atua em nicho de mercado específico, emprestando dinheiro especialmente a negativados, com risco maior envolvido na operação, é evidente que, tal situação, unicamente, não justifica a adoção de taxas que se aproximam de 1.000% (mil por cento) acima da média de mercado.

    Nos termos do que definido pela Corte Cidadã, incumbe à instituição financeira, nesta situação específica de flagrante excessividade, apresentar elementos fáticos capazes de justificar a adoção da taxa pactuada. No caso presente, verifica-se que os juros remuneratórios foram contratados pelos seguintes índices:

    Número do contrato032350041610 - Evento n. 17 - contrato 4
    Tipo de contrato25464 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado
    20742- Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal não consignado
    Juros Pactuados (%)22% ao mês (com redutor) e 23% ao mês (sem redutor)

    987,22% ao ano (com redutor) e 1.099,12% ao ano (sem redutor)

    Data do Contrato25/05/2021
    Juros BACEN na data (%)5,05% ao mês e 80,70% ao ano 

    Bem se vê que a taxa praticada é muito (mas muito mesmo!!!!) superior à média de mercado; não há nos autos qualquer elemento de prova juntado envolvendo os custos da captação dos recursos à época do contrato, as fontes de renda da parte autora que teriam sido consideradas quando da contratação, o resultado da análise do perfil de risco de crédito pertinente à instituição financeira. Numa síntese vulgar: não se sabe como o banco chegou a esse número!

    Nesses termos, a instituição financeira não se desincumbiu do ônus que lhe competia de demonstrar o resultado da análise de perfil do mutuário capaz de justificar a adoção da taxa praticada; é certo que, diante da total ausência de elementos fáticos sobre a negociação entabulada, não há como modificar a conclusão do magistrado a quo pela abusividade, ainda que necessário se afastar do mero cotejo entre a taxa praticada e a média divulgada. Se o recorrente afirma que a sentença está equivocada, deveria ter demonstrado, com base em elementos de prova anexados aos autos e levados ao conhecimento do julgador, que os juros remuneratórios contratados seriam, em tese, razoáveis, considerando as especificidades do seu cliente, a justificar a elevada taxa de juros defendida.

    Se não bastasse, também a recorrente não faz nenhum comparativo entre a taxa praticada e o Certificado de Depósito Bancário (CDI), critério esse que mede os custos envolvidos nas operações financeiras; frisa-se ainda, que na situação específica destes autos, os pagamentos são, em grande medida, realizados mediante débito em conta, o que atenua, indiscutivelmente, o risco envolvido na operação.

    Destaco, para além, que a instituição financeira também não trouxe aos autos qualquer informação específica sobre o mutuário, como seu SCORE financeiro, negativações anteriores, cadastro em órgão de proteção ao crédito, eventual inadimplência etc., tudo a justificar a adoção de percentual de juros remuneratórios tão elevado.

    Reconhecida a abusividade frente a todo o exposto, outra não pode ser a solução senão a aplicação aos contratos celebrados da taxa média de mercado. Isso porque é o referencial que mais se aproxima do equilíbrio contratual, já que calculada com base nas informações prestadas pelas instituições financeiras. Nestes termos, considerando a ocorrência de abusividade, anulando-se a taxa praticada nas contratações, impõe-se a sua adoção em razão da inexistência de outros elementos capazes de formar o convencimento deste magistrado, em analogia ao que disposto no verbete sumular n. 530 do STJ: "Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor."

    REPETIÇÃO DE INDÉBITO

    O Banco não se conforma com a devolução de valores à parte autora, por entender faltar prova de pagamento indevido ou de que pago de forma involuntária. Tal pretensão deve ser rechaçada.

    Discorrendo sobre o instituto da repetição do indébito, essa Câmara ponderou:

    "O instituto tem por fundamento vedar o enriquecimento sem causa, de maneira que aquele que cobrado em quantia indevida possui direito à repetição dos valores pagos a maior. Assim, caso apurado eventual pagamento indevido, será dever da instituição financeira promover a devolução de valores eventualmente cobrados a maior, na forma simples, ou sua compensação, uma vez que não restou demonstrada a má-fé ou o dolo por parte daquela, não sendo necessário, ainda, a comprovação de erro" (TJSC, Apelação n. 0318255-70.2017.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cláudio Barreto Dutra, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. em 18-8-2022).

    Estabelece-se o art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/1990, que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à devolução.

    É o que se abstrai:

    Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

    Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

    Logo, em se apurando eventual pagamento indevido, nasce à instituição financeira obrigação de promover repetição do numerário de forma simples, por não se aceitar, pela legislação aplicável, o locupletamento ilícito, especialmente quando não comprovada má-fé ou dolo por parte do consumidor.

    Nesses termos, é que deve ser rechaçada a pretensão voltada a vedar a repetição de indébito.

    CONSECTÁRIOS LEGAIS

    Até pouco tempo esta Câmara de Direito Comercial vinha se posicionando no sentido de que, em se reconhecendo a cobrança de valores indevidos, a repetição do indébito se daria na forma simples, com devida compensação, devidamente "atualizados monetariamente pelo INPC/IBGE (Provimento CGJ n. 13/95) a partir do desembolso e acrescidos de juros de mora à taxa de 1% (um por cento) ao mês, desde a citação judicial, conforme a orientação que vem do Superior Tribunal de Justiça: agravo regimental no agravo em recurso especial n. 421.788/PR, relatora a ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 26.8.2014" (TJSC, Apelação Cível n. 0300404-91.2016.8.24.0092, Des. Jânio Machado).

    Da jurisprudência:

    APELAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PÚBLICO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. AVENTADA APLICAÇÃO DA TAXA SELIC SOBRE OS VALORES EVENTUALMENTE DEVOLVIDOS. TESE QUE NÃO MERECE PROSPERAR. JUROS DE MORA DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS A CONTAR DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA A CONTAR DO DESEMBOLSO PELOS ÍNDICES DIVULGADOS PELA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA (INPC). PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA NO PONTO (TJSC, Apelação n. 5015652-92.2021.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. em 15-12-2022).

    Recentemente, todavia, a Lei 14.905/24 promoveu alterações no Código Civil no que tange à correção monetária e aos juros legais incidentes sobre os valores a serem restituídos, nos seguintes termos:

    Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.

    § 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.

    § 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.

    § 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência. (enlevou-se).

    Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.

    Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.

    Nesse trilhar, em 30/08/2024, 60 dias após a publicação da referida norma, "quando se tratar apenas da incidência de correção monetária, deverá ser observado o IPCA; noutro giro, quando estiver em causa a aplicação de juros de mora, isoladamente, deverão estes corresponder à taxa Selic, mas com dedução daquele parâmetro, posto já compreender ela, em si mesma, uma recomposição pela perda inflacionária. Se, porém, forem devidos os juros e a correção simultaneamente, será correto e suficiente aplicar o valor integral da Selic, que possui a função dupla de recompor o valor da moeda e sancionar o atraso do adimplemento" (TJSC, Apelação n. 0700618-35.2013.8.24.0023, rel. Juiz de Direito de Segundo Grau Silvio Franco, j. em 10.10.2024).

    Na hipótese dos autos, por ser cabível à hipótese a correção monetária bem como os juros de mora, deve incidir sobre eventuais valores a serem restituídos/compensados apenas a taxa SELIC, deduzida a correção monetária pelo INPC.

    ÔNUS SUCUMBENCIAIS

    No que concerne à distribuição dos ônus sucumbenciais, é imperioso observar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que "não pode levar em consideração apenas o número de pedidos formulados na inicial, devendo observar, de igual maneira, a repercussão econômica de cada um deles(STJ, AgInt no REsp n. 1.794.823/RN, rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 25-5-2020).

    Nesse caminhar:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR.SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DO BANCO DEMANDANTE. INOCORRÊNCIA. ACOLHIMENTO PARCIAL DOS PLEITOS DEDUZIDOS NA CONTESTAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA, PACTUADA EM 10%, PARA O LIMITE MÁXIMO DE 2%; DE LIMITAÇÃO DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA À TAXA DE MERCADO VIGENTE NO MOMENTO DA ASSINATURA DO CONTRATO; E DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA MANTIDA. DIVISÃO DOS ENCARGOS QUE DEVE LEVAR EM CONTA NÃO APENAS O NÚMERO DE PEDIDOS FORMULADOS E ATENDIDOS, MAS TAMBÉM A REPERCUSSÃO ECONÔMICA DE CADA UM PARA A DEMANDA. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CÂMARA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0011833-97.2005.8.24.0033, rela. Desa. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. em 8-8-2023, grifou-se).

    Nesse trilhar, a parcela sucumbencial da instituição representa maior repercussão econômica na avença celebrada, por abarcar os encargos da normalidade (juros remuneratórios); assim, nos termos do parágrafo único do art. 86 do Código de Ritos. é imperiosa a modificação dos ônus sucumbenciais, para que somente a casa bancária suporte o encargo.

    HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS

    Sobre a condenação em honorários sucumbenciais, o Superior Tribunal de Justiça, em voto da Ministra Nancy Andrighi, ressalvando seu entendimento pessoal, assentou: "[...] a 2ª Seção definiu que quanto à fixação dos honorários de sucumbência, temos a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)" (STJ, AgInt no AREsp n. 1.761.698/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 15-3-2021, DJe de 18-3-2021).

    É de se concluir, portanto, que há uma ordem de preferência a ser seguida ao momento da fixação de honorários sucumbenciais. A propósito, quanto aos honorários por apreciação equitativa, por meio do julgamento do REsp n. 1.850.512/SP, o STJ consolidou a seguinte tese (Tema 1076/STJ):

    i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
    ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

    In casu, muito embora exista condenação à repetição de valores, o montante não é apurável de imediato, situação que, por ora, obsta a aferição do proveito econômico obtido pela parte, sendo necessária a liquidação de sentença; outrossim, o valor da causa é ínfimo e inapto a servir de base de cálculo para honorários. Entendo, pois, ser necessária a apreciação equitativa, nos termos do art. 85, §8º do CPC.

    Eis a redação do §8-A: "Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior." (grifei)

    Com efeito, evidente que o artigo 85, § 8º-A, do CPC deve ser interpretado em conjunto com os demais parágrafos do citado dispositivo legal, sem se olvidar, até mesmo, os preceitos constitucionais que regem a independência da atividade jurisdicional (arts. 2º, 5º XXXV e XXXVII da CRFB/1988).

    Importante recordar que o arbitramento dos honorários advocatícios é atribuído por lei à prudente ponderação do Magistrado, que se dá motivadamente, com base nas circunstâncias examinadas e exige a análise da presença dos critérios tipificados nos incisos do artigo 85 , § 2º do CPC, ou seja: "o grau e o zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço."

    Por consequência lógica, vincular o magistrado à utilização dos valores indicados em tabela editada por órgão de classe, como é o caso da “Tabela de Honorários” da Ordem dos Advogados do Brasil, como critério unívoco mínimom(piso), suprime por completo o relavante exame das peculiaridades do caso concreto para melhor arbitramento da verba honorária. Frise-se que a referida "Tabela de Honorários da OAB" deve ser acolhida como fonte de referência criada com o objetivo de auxiliar o profissional associado a estimar o valor da cobrança de honorários contratuais. Nesse sentido, oportuno colacionar o artigo 12 inserido no documento confeccionado pelo Conselho Seccional de Santa Catarina: "A presente tabela busca levar ao Advogado valores referenciais, evitando o aviltamento profissional."

    Mudando o que deve ser mudado, é necessário se tecer uma crítica ao estabelecimento, na interpretação literal do dispositivo, enquanto "piso mínimo", de um raciocínio muito semelhante à imposição da pena mínima na seara do direito penal.

    O Ministério da Justiça fez publicar interessante trabalho coordenado pela professora Maíra Rocha Machado que redundou no artigo "A Complexidade do Problema e a Simplicidade da Solução: A questão das Penas Mínimas" publicado na série "Pensando o Direito".

    Dentro desta perspectiva conceitual, imperioso destacar que as normas, no sentido amplo da palavra, são distintas pelo nível (ou camada) que ocupam, conforme distinção estabelecida por Hart em seu trabalho de 1961 e referido pela professora Maíra. As normas independentes, ou seja, que não dependem de qualquer outra para sua aplicação são chamadas de 1º nível, enquanto que as normas dependentes de outras para serem interpretadas e aplicadas, são chamadas de 2º nível.

    Nesse sentido, "com efeito, como diz Hart, as normas do 1º nível "dizem respeito às ações que os indivíduos devem ou não devem fazer" (grifo nosso) enquanto que as normas do 2º nível "respeitam todas às próprias regras primárias [normas do 1º nível]" (1961, p. 119; 1986, p. 104). Retomamos aqui a bela e eloquente expressão de Hart que designa as normas de 2º nível como "normas parasitárias" com relação às normas situadas no 1º nível." (SÉRIE PENSANDO O DIREITO. Brasília: Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, n. 17, 2009, p. 17).

    Na situação, tendo por base a distinção estabelecida por Hart em 1961, a obrigação de fixação dos honorários, enquanto resultado do princípio da causalidade, encontra amparo em norma de 1º nível (sucumbência e causalidade) esculpida no art. 85, caput e §2º do CPC. Enquanto isso, a norma que estabelece a possibilidade de fixação equitativa (nos casos de irrisoriedade) os os "critérios" é entendida como de 2º nível, ou seja, depende do estabelecimento dos critérios previstos na norma geral para sua aplicação.

    Nesse seguimento, como norma de "sanção", nos termos do trabalho desenvolvido pela professora Maíra, a fixação equitativa é estreitamente dependente da norma geral, de comportamento, qual seja, aquela que estabelece o dever de imposição da verba honorária. Não se pode pertimir, nestes termos, a aplicação do §8-A como se norma de 1º nível fosse.

    Veja-se que o próprio STJ, ainda que tratando de direito penal, estabeleceu importante interpretação sobre a desproporcionalidade de uma norma de sanção, isto ao entender inconstitucional o preceito secundário da norma do art. 273 do CP, dizendo que "A intervenção estatal por meio do Direito Penal deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade, incumbindo também ao legislador o dever de observar esse princípio como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. [...] É viável a fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa, examinando, como diz o Ministro Gilmar Mendes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais. [...] Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal" (AI no HC n. 239.363/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Corte Especial, julgado em 26/2/2015, DJe de 10/4/2015). (Grifo nosso)

    Pontuo que à arguição da possibilidade de "arbítrio" na fixação dos honorários em prejuízo do exercício da atividade da advocacia, com estabelecimento de honorários irrisórios (coisa que a norma, como estabelecida veio combater), responde-se com a adoção da tabela como critério de estabelecimento de proporcionalidade, sendo possível seu crivo recursal pelo Tribuinal local ou mesmo pelo STJ, porquanto a Corte Cidadã já estabeleceu sua competência para aferição de irrisoriedade ou exorbitância nos casos de fixação de indenização pelos juízos locais, não se podendo afastar a ratio decidendi na aferição dos honorários (AgRg no REsp n. 971.113/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 23/2/2010, DJe de 8/3/2010).

    Não se cogita, pois, a possibilidade de irrisoriedade mediante dois aspectos: a) a adoção da proporcionalidade tendo como base a Tabela da OAB; b) o controle realizado pelo Tribunal local ou pelo STJ. De todo modo, o estabelecimento de uma "pena mínima" (ou um "piso" para a fixação de honorários), limita de todo modo a atividade do magistrado ao impedir que a análise se dê com base nas particularidades do caso concreto.

    Tendo como base a ideia e o enunciado no trabalho da professora Maíra, pensar na atividade de fixação de honorários como mera reprodução do texto legal, a partir de um limite mínimo (piso), transfere toda a atividade discricionária que compete ao Magistrado para o legislador, criando um confortável paradigma decisório em que o julgador expressa a máxima do "juiz boca da lei". A moderna interpretação, diante das particularidades e especificidades do caso concreto, importa na consideração dos diversos aspectos atinentes à fixação dos honorários. Em paralelo à "pena mínima" prevista para o Direito Penal, tem-se que o estabelecimento de um patamar de piso, mínimo, para arbitramento dos honorários retira do Magistrado o poder decisório de estabelecer o montante mais adequado diante das particularidades do caso concreto.

    Nos termos do art. 85, §2º do CPC, deve-se verificar, à toda evidência, o caráter "individual" na fixação da verba honorária, com base nas especificidades do caso em concreto. Poder-se-ia dizer que, assim como no Direito Penal, há um direito da parte, e de seus procuradores, à fixação de honorários tendo como norte as caracteristicas individualizadas de cada processo. Ao pensar doutro modo, fixando-se um piso, a partir de tabela confeccionada e divulgada pelo conselho seccional, tolhe-se o direito dos envolvidos a uma verba honorária justa diante do contexto fático-processual.

    Trata-se, em verdade, de atuação mais cômoda ao fixador, já que o estabelecimento fica relegado ao próprio legislador, esvaziando o comando decisório previsto no art. 85, §2º do CPC, em mera reprodução literal do texto legal, sem a correta motivação que deve permear todas as decisões judiciais. A interpretação teleológica da norma, pois, permite o estabelecimento de verba honorária contextualizada e individualizada em relação às circunstâncias de cada processo.

    É certo que o legislador, nos termos do que aponta a professora Maíra, não pode "extrair do juiz sua liberdade de convicção no caso concreto"; não se trata de um conflito entre judiciário e legislativo, mas verdadeira simbiose em que ambos devem promover a devida colaboração para a fixação individualizada dos honorários no caso de equidade. Somente o magistrado pode exercer a individualização através de decisão devidamente fundamentada.

    Cumpre destacar que o próprio Código de Ética e Disciplina da OAB prevê, em seu art. 49, que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, levando em conta os diversos aspectos que orbitam as particularidades da contratação. O referido dispositivo estabelece alguns critérios para conferir maior objetividade à determinação da remuneração, considerando elementos como (Artigo 49 do Código de Ética e Disciplina da Advocacia –Resolução n. 02/2015):

    I – a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas; II – o trabalho e o tempo a ser empregados; III – a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, oude se desavir com outros clientes ou terceiros; IV – o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para este resultante do serviço profissional; V – o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente eventual, frequente ou constante; VI – o lugar da prestação dos serviços, conforme se trate do domicílio doadvogado ou de outro; VII – a competência do profissional; VIII – a praxe do foro sobre trabalhos análogos.

    Possível perceber, portanto, que a intenção ao estabelecer esses importantes critérios é de garantir que os honorários sejam assentados com razoabilidade, evitando que sejam módicos a ponto de aviltarem a nobre função advocatícia, nem tampouco serem exorbitantes de modo a permitirem o enriquecimento ilícito do patrocinador da causa.

    Nessa perspectiva, disciplina o artigo 50 do mesmo código que o advogado não pode receber remuneração maior ao benefício alcançado pela parte, o que, manifestamente, representaria o enriquecimento indevido e não mera recompensação pelo trabalho desenvolvido. Senão vejamos:

    Art. 50: "Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos honorários da sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas a favor do cliente."

    É sabido, outrossim, que inexistem critérios de observância obrigatória para a produção das tabelas fornecidas pelas diversas entidades representativas da OAB das unidades federativas! Dessa forma, considerando que cada Conselho Seccional possui sua própria tabela, a adoção indiscriminada dos valores indicados, como se piso fossem, acabaria por resultar na fixação de remunerações díspares pelos mesmos serviços prestados por diferentes advogados, a depender única e exclusivamente do foro de tramitação do processo.

    A propósito, o art. 1º, do CPC, impõe que o diploma instrumental seja interpretado à luz da Constituição Federal e de seus preceitos fundamentais, dentre os quais se destacam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido, deve ser privilegiada a intenção da regra jurídica, atribuindo-lhe uma interpretação teleológica, método hermenêutico, que, como define Carlos Maximiliano, busca a genuína razão ou espírito de uma lei ou preceito. Em outras palavras, apurando-se o fim de um dispositivo, descobre-se também as hipóteses que nele se enquadram (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 1993, 13ª ed.).

    Nessa linha, vê-se que a referida tabela deve servir apenas como referencial, possibilitando o exercício de proporcionalidade, sob pena de, em alguns casos, remunerar, com idêntico valor, advogados com diferentes dispêndios de tempo e labor. Perfilhando tal orientação, já houve pronunciamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo:

    Embargos de declaração. 1. Omissão. Inocorrência. Caráter infringente. Objetivode modificação do julgado e não de aclaramento. Recurso impróprio para correçãode apreciação dos fatos, da prova ou da aplicação do direito. 2. Despropositada,de toda sorte, a pretensão deduzida nos aclaratórios. Art. 85, § 8º-A, do CPC,introduzido pela Lei 14.365/22, não comportando a interpretação pretendida pela embargante, sob pena de se concluir o absurdo, isto é, que o arbitramento equitativo dos honorários, atribuído por lei ao prudente arbítrio do juiz, teria sido entregue a órgão de classe e, além disso, submetido à tabela predeterminada e alheia às circunstâncias do caso concreto. Tal entendimento, a toda evidência,esvaziaria por completo o próprio sentido do arbitramento equitativo, subtraindo do juiz a possibilidade de análise, no caso concreto, dos elementos previstos nos incisos do art. 85, § 2º, do CPC, para efeito de fixação dos honorários. Novo dispositivo, até diante da terminologia ali empregada, conduzindo à exegese de que os valores constantes da tabela editada pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil representam meras recomendações para os fins do arbitramento equitativo de que trata o § 8º do aludido art. 85. Recomendações essas que, obviamente, não vinculam o julgador. Rejeitaram os embargos de declaração" (Embargos de Declaração nº 1058457-70.2021.8.26.0002/50000, deSão Paulo, 19a Câmara de Direito Privado, v.u., Rel. Des. RICARDO PESSOA DEMELLO BELLI, j. em 7.10.2022).

    Desse julgado merece destaque o seguinte trecho do voto proferido pelo eminente relator:

    Ao exposto acrescento que o critério instituído pelo art. 85, § 8º-A, do CPC, para fixação equitativa de honorários sucumbenciais, não pode ser interpretado pela maneira como pretende a embargante, isto é, com base em valor fixo, definido por um órgão de classe. Fosse assim, forçoso seria concluir o absurdo, isto é, que o arbitramento em questão, em verdade, atribuído pela lei ao prudente arbítrio do juiz, teria sido entregue ao aludido órgão de classe e (...) o que se extrai do texto do novo dispositivo, até diante da terminologia ali empregada, é que os valores constantes da tabela editada pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil representam meras recomendações para os fins do arbitramento equitativo de que trata o § 8º do aludido art. 85. Tratando-se de recomendação,obviamente o juiz não está a ela vinculado.

    EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Inexistência de qualquer omissão, contradição, obscuridade ou erro material a permitir atribuição de efeito modificativo - Simples inconformismo com o julgado que visa a rediscussão da matéria - Impossibilidade -Celeuma devidamente examinada - Descabimento da fixação dos honorários advocatícios, com base na tabela emitida pelo Órgão de Classe da Advocacia - Utilização de tal parâmetro que não é admitida por trazer mera recomendação genérica, desprovida de caráter vinculante e não levar em conta as particularidades da demanda - Falta de justificativa para sua efetiva aplicação em causas de menor complexidade, como se revela o presente caso concreto - Embargos rejeitados. (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1016403-68.2022.8.26.0224; Relator (a): Mendes Pereira; Órgão Julgador: 15ª Câmara deDireito Privado; Foro de Guarulhos - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento:21/12/2022; Data de Registro: 21/12/2022).

    Embora não se queira aviltar a advocacia e a dignidade do seu exercício, o Poder Judiciário não pode aplicar critérios desarrazoados na fixação daquela verba, com base na subsunção pura e simples do § 8-A do art. 85, do CPC.

    Superadas essas questões, imperiosa a análise do caso concreto como determinante para a apreciação equitativa da verba honorária. Assim, sopesadas as circunstâncias acima expostas, a ação é de baixa complexidade; não ofereceu debate adicional ou instrução probatória; a atuação do procurador limitou-se na apresentação de contrarrazões ao recurso de apelo.

    Logo, considerando que o valor recomendado pelo Conselho Seccional da OAB para presente causa é de R$ 4.000,00 e se revela, na hipótese em comento, desproporcional, de modo que comporta limitação, com supedâneo nas balizas do art. 85, § 2º, do CPC (grau de zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado da parte vencedora e tempo exigido para o serviço), reputo como adequada a condenação em 50% sobre o valor indicado pela tabela.

    Inobstante, em atenção ao princípio do non reformatio in pejus, mantém-se o montante de R$ 2.000,00 arbitrados pelo juízo singular.

    Por fim, em razão do desprovimento da insurgência da instituição, tratando-se de recurso manejado à luz do CPC/2015, há que se fixar os honorários recursais, em face do art. 85, §§ 1º e 11, da novel codificação, além do disposto no Enunciado Administrativo n. 7 do STJ, in verbis: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC".

    Logo, considerando que a verba honorária foi fixada em R$ 2.000,00, com supedâneo nas balizas do art. 85, § 2º, do CPC, oportuno majorar os honorários advocatícios em R$ 200,00 (duzentos reais) totalizando, à hipótese, R$ 2.200,00.

    De outro vértice, em razão do parcial acolhimento do recurso da autora, não há que se falar em majoração dos honorários advocatícios.

    Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da instituição e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da parte autora para limitar os juros à média de mercado sem acréscimos, nos termos da fundamentação.

     


     

  2. 25/06/2025 - Lista de distribuição
    Órgão: Gab. 01 - 5ª Câmara de Direito Comercial | Classe: APELAçãO CíVEL
    Processo 5105166-76.2024.8.24.0930 distribuido para Gab. 01 - 5ª Câmara de Direito Comercial - 5ª Câmara de Direito Comercial na data de 23/06/2025.
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