Crefisa Sa Credito Financiamento E Investimentos x Alvaro Jose Gil

Número do Processo: 5076505-87.2024.8.24.0930

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJSC
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Última atualização encontrada em 30 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 30/06/2025 - Intimação
    Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes | Classe: APELAçãO CíVEL
    Apelação Nº 5076505-87.2024.8.24.0930/SC
    APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)
    ADVOGADO(A): MILTON LUIZ CLEVE KUSTER (OAB SC017605)
    APELADO: ALVARO JOSE GIL (AUTOR)
    ADVOGADO(A): FERNANDO HIDEAKI ZAVAN YAMAGURO (OAB SC059520)

    DESPACHO/DECISÃO

    Trata-se de apelação cível interposta por CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS em face de sentença que, em ação de revisão de taxas de juros c/c restituição de valores, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, nos seguintes termos:

    Isso posto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por ALVARO JOSE GIL em face de CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS para: 

    a) limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil acrescida de 10% em relação ao(s) contrato(s) impugnado(s) nos autos, nos termos da fundamentação; b) deferir a descaracterização da mora; e c) determinar a repetição simples de eventual indébito ou compensação pela instituição financeira, conforme o capítulo anterior desta sentença, os quais deverão ser corrigidos pelo INPC desde o desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. A partir de 30.08.2024, os valores deverão ser atualizados pelo IPCA e acrescidos da taxa legal de juros, isto é, taxa referencial SELIC deduzido o IPCA (CC, art. 406, § 1º).

    Reconheço a prescrição da pretensão do autor em relação aos contratos n. 032320008158 (25.11) e 03220008159 (25.10). Por conseguinte, JULGO EXTINTO o feito em relação a eles, com resolução de mérito, na forma do art. 487, II, do CPC.

    Diante da sucumbência recíproca, arbitra-se os honorários em 15% do valor atualizado da condenação, cabendo à parte autora o adimplemento de 30% e à parte ré o pagamento de 70% dessa verba (art. 86 do CPC).

    As custas devem ser rateadas entre as partes na mesma proporção supramencionada. 

    A condenação em custas e honorários da parte autora ficará suspensa por força da Justiça Gratuita.

    Publique-se. Registre-se. Intimem-se. 

    Oportunamente, arquivem-se.

    Houve a rejeição dos embargos de declaração opostos pela parte ré e o  acolhimento dos aclaratórios opostos pela parte autora, para acréscimo de contratos revisados à fundamentação (evento 50.1).

    Irresignada, a parte ré apelou. Alegou, em suma, que: a) a pretensão de revisão dos contratos encontra-se prescrita; b) a sentença é nula por ausência de fundamentação; c) no mérito, a instituição financeira atua em seguimento específico de mercado; d) os altos riscos de inadimplência decorrentes das particularidades das negociações justificam as taxas de juros remuneratórios previstas nas avenças; e) não há limitação legal na cobrança de juros compensatórios e as taxas pactuadas não são abusivas; f) as taxas médias divulgadas pelo Banco Central do Brasil "consolidam contratos com características muito diferentes, no que tange, por exemplo, ao perfil de risco de cada cliente"; g) a sentença encontra-se em dissonância com o julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial 1.061.530/RS; h) nos termos do entendimento firmado pela Corte Superior no Recurso Especial n. 1.821.182/RS "a utilização somente das taxas divulgadas pelo Banco Central do Brasil como parâmetro único para a indicação da prática de juros abusivos não pode ser aceita”; i) "o ordenamento pátrio é regido pelos princípios da livre iniciativa e da intervenção mínima do Estado, esta última admitida apenas em situações excepcionais, certamente não verificáveis no presente caso"; j) a parte autora não logrou êxito em comprovar a abusividade dos juros remuneratórios ônus que lhe incumbia; l) eventualmente, mantida a limitação da taxa de juros, "que sejam limitados a uma vez e meia a média de mercado, tendo em vista os riscos do negócio exemplificados, pormenorizadamente, no presente recurso, que não condizem com a média de mercado"; l) não há justificativa para devolução de valores à parte autora, porquanto as cobranças foram realizadas em consonância com o pactuado.

    Intimada, a parte apelada apresentou contrarrazões (evento 65.1).

    Os autos vieram conclusos para apreciação.

    Julgamento monocrático

    O julgamento monocrático é admissível na forma do artigo 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil, cumulado com o artigo 132, inciso XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

    Admissibilidade

    O recurso foi interposto tempestivamente, devidamente acompanhado do preparo.

    Contudo, deve ser conhecido apenas em parte.

    Isso porque, a pretensão sucessiva da parte apelante ré, de que os juros sejam limitados a uma vez e meia a média de mercado,  não foi arguida em contestação, o que impossibilita sua análise nessa instância recursal sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição.

    As demais questões arguidas no recurso combatem especificamente a fundamentação da sentença de modo que a preliminar de ausência de dialeticidade arguida em contrarrazões não merece amparo.

    Preliminares

    Nulidade da sentença por ausência de fundamentação

    Afirma a parte apelante ré que a sentença é nula pois proferida sem a análise pormenorizada dos argumentos aduzidos em contestação e em dissonância com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.061.530/RS e no Recurso Especial n. 1.821.182/RS.

    Mais uma vez, a tese deve ser rejeitada. 

    A sentença apresenta de forma clara e fundamentada as razões pelas quais o juízo de origem julgou procedentes os pedidos exordiais, de forma que não há razões para a pretendida decretação de nulidade.

    Não custa lembrar que é desnecessária a apreciação de todos os argumentos abordados pelos litigantes quando não são capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador (artigo 489, §1º, inciso IV, do Código de Processo Civil)1.

    Ademais, quando do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.061.530/RS, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento quanto a possibilidade de revisão das taxas de juros remuneratórios "em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto".

    No caso em apreço, depreende-se da sentença que o juízo sentenciante analisou o caso concreto e entendeu que a taxa de juros foi firmada em percentual capaz de colocar a parte autora (consumidora) em desvantagem exagerada motivo pelo qual julgou o pleito exordial parcialmente procedente.

    Logo, não há dissonância com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recursos repetitivos.

    A ausência de menção expressa ao julgamento do Recurso Especial n. 1.821.182 também não é capaz de ensejar a pretendida decretação de nulidade uma vez que o juízo sentenciante registrou de forma pormenorizada os fundamentos que conduziram a formação de seu convencimento.

    Afasto, pois, a nulidade arguida.

    Prescrição

    Pretende a parte apelante a extinção do feito ante o reconhecimento da prescrição.

    O Superior Tribunal de Justiça, assim como o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, possuem entendimento firme do sentido de aplicar às ações de revisão contratual o prazo prescricional de 10 (dez) anos previsto no artigo 205 do Código Civil:

    PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE MÚTUO. PRESCRIÇÃO DECENAL. TERMO INICIAL. DATA DA ASSINATURA DO CONTRATO. REPACTUAÇÃO DOS CONTRATOS. ASSINATURA DO ÚLTIMO CONTRATO RENOVADO. SUCESSÃO NEGOCIAL.1. Ação revisional de contratos.2. A jurisprudência desta Corte é firme em determinar que o termo inicial do prazo prescricional decenal nas ações de revisão de contrato bancário, em que se discute a legalidade das cláusulas pactuadas, é a data da assinatura do contrato.3. Havendo sucessão negocial com a novação das dívidas mediante contratação de créditos sucessivos, com renegociação do contrato preexistente, é a data do último contrato avençado que deve contar como prazo prescricional.4. Agravo interno não provido.2

    E ainda:

    APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL NÃO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRELIMINAR ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES. PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL EM SE TRATANDO DE REVISIONAIS DE CONTRATO. RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES FUNDADA EM DIREITO PESSOAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL. LAPSO TEMPORAL NÃO DECORRIDO. PROEMIAL REFUTADA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. BENESSE CONCEDIDA E NÃO REVOGADA PELO JUÍZO A QUO. DESNECESSÁRIO NOVO REQUERIMENTO.JUROS REMUNERATÓRIOS. PRETENSA ALTERAÇÃO DA MODALIDADE DE CONTRATO DE CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO (SÉRIE 20742) PARA CRÉDITO PESSOAL NÃO CONSIGNADO VINCULADO À COMPOSIÇÃO DE DÍVIDA (SÉRIE 20743). PLEITO INACOLHIDO. CONTRATO OMISSO QUANTO À COMPOSIÇÃO DE DÍVIDAS. MODALIDADE ENQUADRADA NA SENTENÇA A DESMERECER CENSURA. SUSCITADA OMISSÃO QUANTO AO PEDIDO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PELA CASA BANCÁRIA. INACOLHIMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INVERTE O ÔNUS DA PROVA E DETERMINA À INSTITUIÇÃO A JUNTADA DE TODOS OS PACTOS FIRMADOS ENTRE AS PARTES. APLICAÇÃO DO ART. 400, I DO CPC AO CONTRATO NÃO ACOSTADO AOS AUTOS, ADEMAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.3

    O Superior Tribunal de Justiça admite a fundamentação per relationem:

    PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. 1. Inexiste ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022, II, do CPC/2015 quando o Tribunal de origem se manifesta de modo fundamentado acerca das questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, porquanto julgamento desfavorável ao interesse da parte não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. 2. Esta Corte admite a adoção da fundamentação per relationem, hipótese em que o ato decisório se reporta a outra decisão ou manifestação existente nos autos e as adota como razão de decidir. Precedentes do STJ e do STF. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 2.029.485/MA, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 19-4-2023)

    Isto posto, transcrevo trecho da decisão interlocutória do MM. Juiz de origem, Cyd Carlos da Silveira, que bem analisou o feito:

    Com relação aos contratos n. 032320003835, 032320003836, 032320004006, 032320004636, 032320004641, 032320004642, 032320005063, 032320006163, 032320006166, 032320006866 e 032320007070, firmados respectivamente em 15/03/2013, 15/03/2013, 12/04/2013, 18/07/2013, 18/07/2013, 18/07/2013, 12/09/2013, 13/01/2014, 13/01/2014, 01/04/2014 e 15/04/2014, afirma a parte ré que estão prescritos, ao argumento de que foram firmados há mais de 10 anos do ajuizamento da ação, a qual operou-se em 26/07/2024.

    Contudo, a parte ré deixou de exibir referidos termos nos autos, apesar de ter sido intimada para tal finalidade na decisão do evento 19, DOC1, com a ressalva de que " [...] a análise da ocorrência ou não da prescrição do(s) aludido(s) contrato(s) depende da juntada do(s) referido(s) termo(s) nos autos, a qual não pode ser suprida por informações obtidas do sistema interno da instituição." 

    No que diz respeito aos contratos n. 032320011520, celebrado em 13/04/2015, n. 032320013220, celebrado em 19/08/2015, n. 032320013485, celebrado em 09/09/2015, n. 032320013583, celebrado em 17/09/2015, n. 032320015004, celebrado em 22/12/2015, n. 033220001780, celebrado em 23/03/2016, n. 033220002080, celebrado em 09/05/2016 e n. 033220002732, celebrado em 14/09/2016, não há se falar em prescrição, uma vez que não transcorreu o prazo de 10 (dez) anos entre a data da assinatura e o ajuizamento da ação, em 26/07/2024.

    Por outro lado, os contratos n. 032320008158, celebrado em 14/07/2014, n. 032320008159, celebrado em 14/07/2014 encontram-se fulminados pela prescrição, uma vez que entre a assinatura dos referidos termos e o ajuizamento da ação transcorreu mais de 10 (dez) anos. Outrossim, a parte autora não comprovou eventual causa de suspensão ou interrupção do prazo prescricional em relação a eles.  

    Rejeito, pois, a tese deduzida nesse particular. 

    Assim, a tese de prescrição dos demais contratos deve ser afastada.

    Mérito

    Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

    A relação entabulada pelas partes está sujeita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, questão já pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

    Como cediço, o diploma consumerista autoriza expressamente a mitigação do princípio do pacta sunt servanda quando houver desvantagem excessiva ao consumidor, mormente tratando-se de contrato de adesão, como na hipótese em apreço.

     Destaco:

     Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
    (...)
    V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

    Quanto a matéria, merece destaque trecho do voto proferido pelo eminente Desembargador Guilherme Nunes Born nos autos da apelação cível n. 5010474-82.2021.8.24.0092, que bem esclarece a questão:

    A tese defendida pela parte apelante se esteia no fato de que o contrato deve ser mantido conforme pactuado.
    Entendido como aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, fica valendo aqui a regra prevista no art. 6º, V, do CDC que prevê como direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".
    Comentando a proteção contratual do CDC, Nelson Nery Júnior aponta: 
    No que respeita aos aspectos contratuais da proteção do consumidor, o CDC rompe com a tradição do Direito Privado, cujas bases estão assentadas no liberalismo que reinava na época das grandes codificações européias do século XIX, para: a) relativizar o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, alterando sobremodo a regra milenar expressa pelo brocardo pacta sunt servanda, e enfatizar o princípio da conservação do contrato (art. 6º, n. V). (GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 444).
    Entendido que o "pacta sunt servanda" não deve prevalecer em todas as situações indiscriminadamente e, no caso, tratando-se de relação de consumo, possível a análise das cláusulas contratuais, revisando-se-as no que forem abusivas, tornando dispensável a discussão sobre sua natureza adesiva ou não.
    Em razão disso, a revisão contratual se presta com fulcro nos princípios expostos nos art. 6º, V, do CDC e arts. 421 e 422 do Código Civil, posto que o contrato deve pautar-se de acordo com a boa-fé, probidade e atendendo sua função social, visando o relativo equilíbrio das prestações durante a execução e sua conclusão.4

    Desse modo, havendo pedido expresso do consumidor, é plenamente possível a revisão das cláusulas do contrato de empréstimo pessoal para afastamento de eventuais abusividades perpetradas pela instituição financeira.

    Taxas de juros remuneratórios

    A discussão relacionada a revisão das taxas de juros remuneratórios previstas nos contratos bancários é antiga e  já foi submetida diversas vezes à análise do Superior Tribunal de Justiça que em sede de recursos repetitivos fixou as seguintes premissas:

    As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade. São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora. A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor. Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção. Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.5

    Posteriormente a Corte Superior reiterou a possibilidade de revisão das taxas de juros previstas nos contratos bancários e enfatizou que as taxas médias de mercado divulgadas pelo Banco Central não podem servir como o único critério balizador de eventual abusividade, de modo que necessária a análise das demais circunstâncias envolvidas no caso concreto:

    [...] 2. De acordo com a orientação adotada no julgamento do REsp.
    1.061.530/RS, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto."
    3. Prevaleceu o entendimento de que a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média.
    4. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos.
    5. Inexistência de interesse individual homogêneo a ser tutelado por meio de ação coletiva, o que conduz à extinção do processo sem exame do mérito por inadequação da via eleita.
    6. Recurso especial provido. [...]6

    Conforme se verifica, partindo-se das premissas estabelecidas pelo Superior Tribunal de Justiça, para aferição da abusividade das taxas de juros remuneratórios previstas no contrato bancário é necessária, além do cotejo com a média de mercado, a análise das circunstâncias envolvidas em cada negociação, em especial no que se refere "o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos".

    Necessário asseverar que a utilização das taxas médias de mercado como um dos parâmetros a serem utilizados para fins de verificação de eventual abusividade não foi vedada pelo Superior Tribunal de Justiça, que apenas destacou a necessidade de verificação conjunta de outras circunstâncias capazes de influenciar no estabelecimento da taxa de juros remuneratórios prevista no contrato.

    Desse modo, na análise do caso concreto, uma vez verificada a prática de taxas de juros remuneratórios que excedem a média de mercado e colocam o consumidor em desvantagem exagerada, deverão ser sopesadas as demais circunstâncias envolvidas na negociação.

    Como já visto, a relação em apreço está sujeita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor o que não desonera a parte autora de fazer prova mínima dos fatos que alega, contudo, atribui a instituição financeira o ônus de trazer aos autos provas das condições envolvidas na negociação que estão em sua posse.

    No caso em apreço, tendo em vista a não apresentação dos contratos pela instituição financeira, a parte autora logrou êxito em comprovar que as taxas de juros remuneratórios previstas na avença ultrapassam sobejamente a média de mercado e a colocam em desvantagem excessiva, conforme se infere da sentença:

    ​Como já dito, a parte ré deixou de exibir nos autos os contratos ns. 032320003835, 032320003836, 032320004006, 032320004636, 032320004641, 032320004642, 032320005063, 032320006163, 032320006166, 032320006866 e 032320007070, apesar de ter sido intimada para tal finalidade (evento n. 19). 

    Desse modo, considerando que a taxa de juros remuneratórios não foi previamente demonstrada, só resta limitá-la à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen à época da contratação, em conformidade com o entendimento do STJ após o julgamento de recurso especial n. 1.112.879/PR [...].

    Ainda, a instituição financeira não trouxe aos autos provas dos custos da captação dos recursos à época do contrato, do resultado da análise do perfil de risco de crédito, das fontes de renda da parte autora consideradas quando da contratação ou qualquer outra circunstância especial capaz de justificar a prática de taxas de juros remuneratórios sobejamente distante das médias de mercado.

    A propósito, destaco parte de voto proferido pelo eminente Desembargador Rocha Cardoso quando da análise de caso semelhante pela Quinta Câmara de Direito Comercial:

    [...] Bem se vê que a taxa praticada é muito (mas muito mesmo!!!!) superior à média de mercado; não há nos autos qualquer elemento de prova juntado envolvendo os custos da captação dos recursos à época do contrato, as fontes de renda da parte autora que teriam sido consideradas quando da contratação, o resultado da análise do perfil de risco de crédito pertinente à instituição financeira. Numa síntese vulgar: não se sabe como o banco chegou a esse número!
    Nesses termos, a instituição financeira não se desincumbiu do ônus que lhe competia de demonstrar o resultado da análise de perfil do mutuário capaz de justificar a adoção da taxa praticada; é certo que, diante da total ausência de elementos fáticos sobre a negociação entabulada, não há como modificar a conclusão do magistrado a quo pela abusividade, ainda que necessário se afastar do mero cotejo entre a taxa praticada e a média divulgada. Se o recorrente afirma que a sentença está equivocada, deveria ter demonstrado, com base em elementos de prova anexados aos autos e levados ao conhecimento do julgador, que os juros remuneratórios contratados seriam, em tese, razoáveis, considerando as especificidades do seu cliente, a justificar a elevada taxa de juros defendida. [...].7

    Nesse mesmo sentido, vem decidindo esta Quarta Câmara de Direito Comercial, conforme se vê, por exemplo,  nos julgamentos das apelações cíveis n. 5015178-78.2023.8.24.0930, da relatoria do eminente Desembargador Túlio Pinheiro, julgada em 15-2-2024 e n. 5019512-58.2023.8.24.0930, da relatoria do eminente Desembargador Torres Marques, julgada em 6-2-2024. 

    Insta mencionar que a pesquisa de crédito da parte apelada juntada ao evento 13.7 não serve para fins de comprovação das circunstâncias envolvidas nas negociações das taxas de juros remuneratórios uma vez que a pesquisa foi realizada após as contratações.

    Ademais, "a média mensal divulgada pelo Banco Central do Brasil também considera no seu cálculo as taxas de juros pactuadas pelas instituições financeiras que concedem crédito para perfis diferenciados de mutuários [...]8

    Diante desse quadro, inviável o provimento do recurso da instituição financeira quanto a pretensão de reforma da sentença para manutenção das taxas de juros nos termos pactuados.

    Devolução de valores

    Verificada a abusividade das taxas de juros remuneratórios previstas no contrato de empréstimo pessoal em comento, a devolução dos valores indevidamente cobrados da parte apelada é medida impositiva diante da disposição contida no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor:

    Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

    Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

    Na hipótese em análise, vez que verificado engano justificável por parte da instituição financeira, a devolução deverá ocorrer na forma simples, assim como consignado na sentença.

    Honorários recursais

    O parágrafo 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente, considerando o trabalho adicional realizado.

    O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado pela Segunda Seção9, estabeleceu os requisitos a serem observados para o arbitramento dos honorários recursais.

    No caso estão preenchidos todos os requisitos estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 1539725, motivo pelo qual os honorários arbitrado em favor do patrono da parte autora serão majorados em 5% (cinco por cento) do valor da condenação.

    Dispositivo

     Ante o exposto, nos termos do artigo 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil e artigo 132, inciso XV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conheço parcialmente da apelação e, na parte conhecida, nego-lhe provimento; majoro os honorários advocatícios arbitrados em favor do patrono da parte autora em 5% (cinco por cento) do valor da condenação.

    Intimem-se. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos à origem.

     


    1. TJSC, Agravo de Instrumento n. 5012607-82.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-10-2021.
    2. AgInt no REsp n. 1.966.860/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 15-3-2023.
    3. TJSC, Apelação n. 5008160-71.2021.8.24.0058, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 15-06-2023
    4. TJSC, Apelação n. 5010474-82.2021.8.24.0092, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 04-05-2023.
    5. REsp 1.061.530/RS, DJe de 10-03-2009.
    6. REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29-6-2022.
    7. TJSC, Apelação n. 5028665-52.2022.8.24.0930, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rocha Cardoso, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 23-11-2023.
    8. AgInt no AREsp n. 2.219.456/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 24-2-2023.
    9. AgInt nos EREsp n. 1539725/DF, rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 19-10-2017

     

  2. 30/06/2025 - Lista de distribuição
    Órgão: Gab. 04 - 4ª Câmara de Direito Comercial | Classe: APELAçãO CíVEL
    Processo 5076505-87.2024.8.24.0930 distribuido para Gab. 04 - 4ª Câmara de Direito Comercial - 4ª Câmara de Direito Comercial na data de 27/06/2025.