RELATOR | : Desembargador Federal LUIZ NORTON BAPTISTA DE MATTOS |
APELANTE | : FLAVIA NASTARI DA FONSECA (AUTOR) |
ADVOGADO(A) | : ANTONIO JORGE MARINHO JUNIOR (OAB RJ158241) |
ADVOGADO(A) | : LUIZ OCTAVIO MARTINS MENDONCA (OAB RJ170121) |
APELADO | : BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : EDUARDO FRANCISCO VAZ (OAB RJ126409) |
ADVOGADO(A) | : MARCELA DAIANE DOS SANTOS RODRIGUES (OAB RJ167506) |
APELADO | : BANCO BMG S.A (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : GUSTAVO ANTONIO FERES PAIXAO (OAB RJ095502) |
APELADO | : BANCO DO BRASIL SA (RÉU) |
APELADO | : BANCO PAN S.A. (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : EDUARDO CHALFIN (OAB RJ053588) |
APELADO | : SABEMI SEGURADORA SA (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : JULIANO MARTINS MANSUR (OAB RJ113786) |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. APELAÇÃO DA AUTORA. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS PRIVADAS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. CONTRARRAZÕES INTEMPESTIVAS. PRECLUSÃO. EX-SERVIDORA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INCAPACIDADE PSÍQUICA. ESTELIONATO. REGULARIDADE NA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. OBSERVÂNCIA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCABIMENTO. DANOS MORAIS. IMPERTINÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Trata-se de apelação interposta por FLÁVIA NASTARI DA FONSECA, da sentença proferida pela 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que julgou improcedentes os pedidos de condenação dos réus BANCO BMG S.A., UNIÃO, BANCO BRADESCO S.A., BANCO DO BRASIL S.A., BANCO PAN S.A. e SABEMI SEGURADORA S.A. a ressarcirem à autora o valor total de R$ 356.901,44 descontado de seus contracheques, entre 2015 e 2019 a título de empréstimos consignados, e pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 20.000,00. O juízo de origem julgou, ainda, extinto o processo sem resolução do mérito, na forma do art. 485, IV, do CPC, em relação ao réu BANCO ITAÚ CONSIGNADO S.A. A sentença recorrida condenou a autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa.
2. A autora é aposentada como Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil e, em outubro de 2013, passou a sofrer descontos em seu contracheque de empréstimo consignado com o BANCO DO BRASIL. Em maio de 2014, um segundo empréstimo passou a ser descontado, com a SABEMI SEGURADORA. Afirma que ambos eram de sua anuência. Aduziu que foi levada por fraudadoras a contrair novos empréstimos consignados, com o objetivo de quitar aqueles anteriores. Afirmou que as acusadas sacavam os valores e não quitavam os empréstimos prévios. Arguiu a responsabilidade da UNIÃO na autorização dos descontos e a participação das instituições financeiras na celebração dos contratos que seriam indevidos.
3. O juízo de origem defendeu a legitimidade passiva da UNIÃO, com embasamento na teoria da asserção. Por sua vez, a UNIÃO em suas contrarrazões suscitou a sua ilegitimidade passiva. Porém, o recurso é intempestivo. Mesmo que seja matéria de ordem pública e pudesse ser analisada de ofício, uma vez que já foi objeto de análise na instância de origem, aquela decisão sujeita-se à preclusão, pois não foi devidamente atacada em sede de recurso. Precedente: (STJ - AgInt no AREsp: 2063954 SC 2022/0036385-9, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 01/07/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/07/2024).
4. De acordo com os relatos trazidos pelos bancos e pela autora, os empréstimos foram contratados nas próprias agências bancárias. Há apenas menção pela demandante de um alerta feito pelo gerente do BANCO DO BRASIL de que ela poderia estar a ser vítima de um golpe, mas sem qualquer comprovação ou aprofundamento. Não há nos autos documentos médicos que comprovem um estado de saúde mental anterior às contratações que exigisse uma conduta diversa do banco na liberação das operações. Os laudos são datados de 2019, depois que a autora já se dera conta da vultuosidade do que ocorria e começara a tomar providências.
5. Embora os depoimentos das “corretoras” no inquérito policial indiquem uma situação de estelionato, esta é exterior à atuação bancária. Não há qualquer menção que no momento das contratações elas estiveram à frente do gerente, de forma que ele pudesse observar alguma conduta das acusadas.
6. Os bancos não teriam como saber que os valores creditados eram transferidos a pessoas aleatórias, uma vez que a realização se dava pela própria autora pelas vias normais. Não se verifica situação anômala que demandasse uma atuação distinta das instituições. Como as operações foram assinadas pela autora manualmente, não há como imputar responsabilidade da instituição ou de seu sistema de segurança, uma vez que se trata de ato presencial. A instituição financeira não teria como prever que a autora realizava as operações influenciada por agentes externos.
7. A conta corrente dos créditos era a mesma conta do BANCO DO BRASIL que a autora recebe a sua aposentadoria, a qual, por sua vez, sofre os descontos das parcelas consignadas. Como não se tem notícia de que a autora comunicou ao banco algum extravio do cartão, presume-se que somente a titular poderia realizar os saques, instituída da responsabilidade de sua guarda.
8. Uma vez constatada a regularidade dos empréstimos, a UNIÃO agiu dentro de seu dever legal de possibilitar os descontos de contratos válidos, dentro da margem consignável de uma servidora. Atuou com vistas a lhe valer seu direito – não podia presumir que a autora passava por alguma situação anômala externa. O entendimento do STJ é, inclusive, no sentido de afastar o ente ou a autarquia que procedeu aos descontos do polo passivo, uma vez constatada a regularidade da contratação. Precedente: (STJ - AgInt no REsp: 1386897 RS 2013/0155988-5, Relator.: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 24/08/2020, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2020).
9. Malgrado os depoimentos de comportamentos abusivos das corretoras em relação à autora, conforme confessado por elas no inquérito criminal, as instituições e a UNIÃO não podem se responsabilizar pelos danos de situações contratadas dentro da regularidade. As parcelas observavam o limite de margem consignável e as contratações eram compatíveis com o nível de renda da autora, o que dificulta o apontamento de qualquer suspeita. A autora deverá buscar a sua reparação, tanto na seara criminal quanto civil, em ações contra aqueles que lhe persuadiram a realizar as contratações e usufruíram de suas transferências. Precedente: (STJ - AgInt no AREsp: 1819064 SP 2021/0006945-1, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 21/06/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2021).
10. A inversão do ônus da prova que a demandante sustenta foi observada. As instituições colacionaram todos os documentos que efetivaram as contratações. Não se pode pedir que produzam provas não especificadas, que corroborem a interpretação autoral dos fatos, que não foi comprovada. Aqueles trazidos aos autos foram suficientes.
11. Deixa-se de discutir a repetição de indébito, uma vez que os descontos foram regulares – não houve quantia indevida cobrada na forma do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
12. A autora pleiteia compensação por danos morais pelos réus em virtude dos descontos sofridos. Os danos morais surgem da frustração, do constrangimento e da insegurança advindos de situação que se formou, a qual ultrapassa o limite do "mero aborrecimento". A reparação civil do dano moral, diversamente do que se verifica em relação ao dano patrimonial, não tem por cerne a recomposição da situação jurídico - patrimonial do lesado, mas sim a compensação pelos danos causados à pessoa física ou jurídica em razão de violações à sua dignidade, tais como: liberdade, integridade físico-psíquica, solidariedade, isonomia e crédito.
13. No caso, não há evidências de conduta considerada ilícita, negligente ou de má-fé por parte dos réus. Não lhe cabe compensação por danos morais.
14. Apelação desprovida. Majoração em 1% dos honorários advocatícios fixados na sentença em desfavor da autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. Majoro em 1% os honorários advocatícios fixados na sentença em desfavor da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2025.