RÉU | : BANCO DIGIMAIS S.A. |
ADVOGADO(A) | : CARLOS EDUARDO COIMBRA DONEGATTI (OAB SP290089) |
PROPOSTA DE SENTENÇA
Vistos.
DENI JOSUE VARGAS BELEM ajuizou ação em face da empresa BANCO DIGIMAIS S.A..
Dispensado relatório nos termos do artigo 38, da Lei nº 9.099/95.
Preliminarmente.
Da suposta inépcia da inicial.
Inicialmente, cumpre desacolher preliminar de inépcia da inicial.
A inicial se encontra em total consonância com o artigo 14 da Lei 9099\95. Possível destacar o fato, a causa de pedir e pedido. Portanto, não há que se falar em indeferimento da inicial.
Até porque, ante a permissão legal da parte postular em juízo desacompanhada de procurador, incabível a exigência de rigorismo formal aplicável ao rito ordinário.
Superada a preliminar suscitada passo a análise do mérito.
O caso em tela trata-se de uma relação jurídica de consumo, sendo esta definida como a relação que apresenta em um dos pólos o consumidor, que à luz do artigo 2º da lei 8078/90, é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final.” Por sua vez, no outro pólo da relação encontra-se o fornecedor “que é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” conforme o art. 3º da lei 8078/90. Como se observa pelos conceitos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, é imprescindível que se tenha como entes formadores da relação de consumo essas duas figuras em pólos distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo da relação e o fornecedor em outro.
Assim, sobre a relação jurídica existente entre parte autora e parte ré incide o Código de Defesa do Consumidor, com o seu regramento legal e seus princípios, com destaque para o princípio da boa-fé objetiva, que “... pode ser definida, grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças.”[1]
Tratando-se de relação de consumo, tem-se aplicação ao caso em apreço, as disposições do CDC.
O consumidor é a parte vulnerável na relação jurídica com o fornecedor, pois se sujeita às práticas de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo (art. 4º, inciso I, da Lei 8.078/90). E, por essa razão, estabelece-se a regra da responsabilidade objetiva do fornecedor, que deve arcar com a reparação do dano patrimonial pelo simples fato de explorar uma atividade de risco no mercado de consumo.
Em face da inversão do ônus da prova previsto na legislação consumerista, cabia a demandada, a teor do que preceitua o art. 373, II do CPC, comprovar suas teses defensivas, o que inocorreu.
A ré alega que tentou efetuar o pagamento conforme se comprometeu no Termo de Entrega de Bem Alienado Fiduciariamente e Autorização Pra Venda de Evento 1 COMP4, entretanto os dados fornecidos pelo autor estavam incorretos.
Da documentação acostada se verifica que o contrato foi firmado em 31.1.2023 com prazo de 5 dias úteis para pagamento a contar da data da transferência do veículo para o CNPJ da empresa.
Entretanto, o documento de tentativa de transferência de valor ao autor está datado de 2.6.2023, ou seja, em data superior ao aprazado, o que já comprova o descumprimento contratual por parte da demandada.
Dessa forma, deve tal valor ser pago ao autor, devidamente corrigido e atualizado.
Entretanto, no que tange ao dano moral, entendo indevido, pois não há qualquer indício de ocorrência deste no caso em tela.
O dano moral, que, à luz da Constituição Federal, é a agressão à dignidade da pessoa humana, de modo que, para configurar dita agressão, não basta qualquer contrariedade, não entendo presente no caso em comento.
Na lição de CAVALIERI:
“(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são consequências, e não causa. Assim, como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém (...).”[2]
Tal instituto também está também previsto no Código do Consumidor (Lei n°8.078/1990), em seu artigo 6°, VI, ao tratar sobre os direitos básicos do consumidor, como segue: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Ora, conforme previsão expressa no Código Civil, em seu artigo 186, o qual refere que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, está claro que o agir da demandada não constitui ato ilícito, não sendo portanto, indenizável.
A tendência atual da doutrina e da jurisprudência é uma análise restritiva da definição de dano moral, exatamente para evitar a banalização desse nobre instituto, que demorou décadas para obter sua consagração definitiva no direito brasileiro.
Desta maneira, consoante entendimento já consolidado da jurisprudência, não haveria admitir a ocorrência de abalo psíquico ou de forte constrangimento quando, na verdade, está-se frente a meros dissabores da vida cotidiana, aos quais, infelizmente, estamos todos sujeitos.
Assim, dos fatos apresentados nos autos, não se conclui que tenha a parte autora sofrido dor, vexame, sofrimento ou humilhação de tal forma a perturbar o seu comportamento psicológico. Tem-se apenas um contratempo, ao qual todos nós podemos estar sujeitos, o que não autoriza formular pretensão indenizatória. Permitir isso seria instalar a indústria do dano moral, onde qualquer irregularidade no cotidiano poderia gerar uma indenização.
Diante do exposto, a sugestão de decisão é pela PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO formulado DENI JOSUE VARGAS BELEM em face da empresa BANCO DIGIMAIS S.A. para o fim de condenar a demandada a pagar ao autor a quantia de R$ 1.000,00 com aplicação da taxa SELIC a contar da data do desembolso.
Fica a parte requerida ciente de que deverá cumprir com sua obrigação no prazo de até 15 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de multa no percentual de 10% sobre o valor da condenação nos termos do art. 523 e §1º do CPC.
Sem custas e honorários advocatícios, de acordo com o artigo 55 da Lei nº 9.099/95.
À consideração da Excelentíssima Senhora Doutora Juíza de Direito Presidente.
[1] NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p.118.
[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 83-4.
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95, homologo a proposta de decisão, para que produza efeitos como sentença.
Sem custas e honorários, na forma da Lei.
As partes consideram-se intimadas a partir da publicação da decisão, caso tenha ocorrido no prazo assinado; do contrário, a intimação terá de ser formal.
Interposto recurso inominado, em conformidade com o disposto no art. 42 do referido diploma legal, intime-se o recorrido para contrarrazões. Com a juntada, ou decorrido o prazo, remetam-se os autos à Turma Recursal, em atendimento ao art. 1010, § 3º, do CPC.