Ademacir Freitas Rezende x Banco Santander (Brasil) S.A.

Número do Processo: 5010404-68.2025.8.21.0008

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJRS
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Secretaria da 14ª Câmara Cível
Última atualização encontrada em 18 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 18/06/2025 - Intimação
    Órgão: Secretaria da 14ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVEL
    Apelação Cível Nº 5010404-68.2025.8.21.0008/RS

    TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

    RELATOR: Desembargador ROBERTO SBRAVATI
    APELANTE: ADEMACIR FREITAS REZENDE (AUTOR)
    ADVOGADO(A): ECINELE PENTEADO BOEIRA (OAB RS046096)
    APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. (RÉU)
    ADVOGADO(A): Janaine Longhi Castaldello (OAB RS083261)
    ADVOGADO(A): ZAIRO FRANCISCO CASTALDELLO (OAB RS030019)

    EMENTA

    APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REVISÃO DE CONTRATO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 932, V, ‘A’ e ‘B’, DO CPC. 

    JUROS REMUNERATÓRIOS. Limitação dos juros ao percentual da taxa média do mercado, quando forem abusivos, tal como publicado pelo BACEN em seu site. Posição do STJ consubstanciada no acórdão paradigma - RESP 1.061.530/RS. inEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE NO CASO CONCRETO.

    CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. A incidência da capitalização de juros é permitida, mas desde que conste sua pactuação de forma expressa no instrumento contratual, nos termos do Resp nº 973.827-RS, de relatoria da Min. Maria Isabel Gallotti. Como este é o caso dos autos, a capitalização é mantida.

    COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, e tarifa de cadastro. NO CONTRATO JUNTADO NOS AUTOS, NÃO HÁ PREVISÃO DOs REFERIDOs ENCARGOs. ASSIM, NÃO DEVE SER CONHECIDO O PEDIDO NESTA PARTE POR FALTA DE INTERESSE EM RECORRER.

    TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO SEDIMENTADO NO RESP. REPETITIVO Nº 1.578.553/SP – TEMA 958/STJ. ACOSTADO LAUDO DE AVALIAÇÃO DO BEM, RESTA COMPROVADA A EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, DEVENDO SER MANTIDA A COBRANÇA DA RESPECTIVA TARIFA.

    SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO EXARADO NOS RESP N. 1.639.259/SP E RESP N. 1.639.320/SP – TEMA 972/STJ. “NOS CONTRATOS BANCÁRIOS EM GERAL, O CONSUMIDOR NÃO PODE SER COMPELIDO A CONTRATAR SEGURO COM A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OU COM SEGURADORA POR ELA INDICADA.” VENDA CASADA CONFIGURADA, AFASTADA SUA PACTUAÇÃO.

    COMPENSAÇÃO DE VALORES E REPETIÇÃO DO INDÉBITO.  A fim de evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes, a compensação de valores e a repetição do indébito são devidas, respeitando o disposto nos artigos 369 e 876, ambos do CC. A restituição deve ocorrer de forma simples, e como consequência lógica do julgado.

    DA MORA E DA TUTELA ANTECIPADA. Ausente a abusividade nos encargos previstos para a normalidade contratual, a tutela antecipada deve ser indeferida.

    APELO PARCIALMENTE CONHECIDO, E NESTA PARCIALMENTE PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.

    DECISÃO MONOCRÁTICA

    Trata-se de apelação interposta por ADEMACIR FREITAS REZENDEcontra sentença de improcedência proferida nos autos da ação de revisão contratual que litiga com BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

    Apela a parte autora (evento 27), requerendo o provimento do recurso para a reforma da sentença a fim de possibilitar a revisão das quantias cobradas em excesso, pleiteando pela limitação da taxa de juros remuneratórios; pelo afastamento da capitalização de juros; pela exclusão da comissão de permanência, e das tarifas de cadastro, avaliação do bem, e do seguro prestamista; pela declaração da inexistência da mora; pela permissão da compensação de valores, repetição do indébito; e pelo deferimento da tutela antecipada. Por fim, pede a condenação do réu ao pagamento da integralidade dos ônus sucumbenciais.

    Embora intimado, o apelado não apresentou as contrarrazões. 

    Subiram os autos a este Tribunal.

    É o relatório.

     

    Decido.

    Na forma do art. 932, V, alíneas ‘a’ e ‘b’, do CPC, conheço, em parte, do apelo, e na parte conhecida, dou-lhe parcial provimento, tendo em vista que a decisão profligada encontra-se em dissonância parcial com as Súmulas e o entendimento firmado em recursos repetitivos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao tema, senão vejamos.

    Em 11/2023 as partes ajustaram contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária, cédula de crédito bancário referente a um automóvel VW - VOLKSWAGEN VOYAGE 1.0. Os juros remuneratórios foram fixados em 36,92% ao ano.

    JUROS REMUNERATÓRIOS

    No que pertine com a questão dos juros remuneratórios, o colendo STJ já pacificou o tema, preconizando que é livre a pactuação da taxa de juros entre os contratantes, exceto em havendo excesso manifestamente comprovado (na forma do decisório tornado paradigma – RESP 1.061.530/RS, rela. Min. Nancy Andrighi, j. 22/10/08), ocasião em que se limitam os juros.

    Decidiu-se, à ocasião, o que segue:

    a) que as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

    b) que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

    c) que são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

    d) que vai admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto.

    Como asseverado no voto pela eminente relatora, quanto à limitação dos juros remuneratórios, “a dificuldade do tema, que envolve o controle do preço do dinheiro é enorme. Isso não é, entretanto, suficiente para revogar o art. 39, V, CDC, que veda ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas, “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”, e o art. 51, IV, do mesmo diploma, que torna nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

    Então, cumpre dizer que os juros serão limitados, a um patamar razoável, para expungir abusividade, e que a diretriz que se adota para fixar tal patamar é a taxa média do mercado, tal como fornecida pelo BACEN em seu site, consoante estipulado no acórdão paradigma suso mencionado. Os juros são limitados, então, em hipótese excepcional, qual seja, quando ultrapassada a taxa média de mercado.

    No mesmo sentido, num dos precedentes que deu esteio ao decisório paradigma antes mencionado, o Min. João Otávio de Noronha decidiu que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado” (AgRg no REsp 939.242/RS, Quarta Turma, DJe de 14.04.2008).  Neste mesmo tom, o Min. Fernando Gonçalves sustentou que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal da sua abusividade em relação à taxa média de mercado” (AgRg no REsp 1.041.086/RS, Quarta Turma, DJe de 01.09.2008).

    Ou seja, os juros remuneratórios não estão limitados pelos lindes legais – CCB ou Lei de Usura -, mas tampouco estão de todo liberados, devendo estar em harmonia com a taxa média do mercado divulgada pelo BACEN.

    Quanto ao critério para fins de aferição da abusividade, colaciono precedentes deste Tribunal:

    APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. Código de Defesa do Consumidor. Aplicável às operações de concessão de crédito e financiamento. Súmula n. 297 do STJ. Juros remuneratórios. São abusivos apenas se fixados em valor expressivamente superior à taxa média do mercado divulgada pelo BACEN para o período da contratação (REsp n. 1.061.530/RS). Compensação e/ou repetição simples. Cabível caso verificada a cobrança de valores indevidos. Da tutela provisória. A concessão da tutela provisória está condicionada, cumulativamente: a) à existência de ação fundada em questionamento integral ou parcial do débito; b) à demonstração da cobrança indevida, com fundamento na aparência do bom direito e na jurisprudência consolidada do STF ou do STJ; c) ao depósito do valor incontroverso das parcelas ou à prestação de caução idônea. Do prequestionamento. Desnecessária a indicação expressa de todos os fundamentos legais eventualmente incidentes no caso, sendo suficiente prequestionamento implícito. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083416776, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miriam A. Fernandes, Julgado em: 19-12-2019)

    APELAÇÃO CIVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO REVISIONAL. 1. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às operações de concessão de crédito e financiamento. Súmula n. 297 do STJ. 2. Os juros remuneratórios são abusivos apenas se fixados em valor manifestamente excedente à taxa média de mercado. 3. Possibilidade de incidência de capitalização mensal de juros após a edição da Medida Provisória nº 2.170/2001 e desde que expressamente pactuada no contrato. “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (Recurso Especial n. 973827/RS, j. 27/06/2012). 4. A cobrança dos encargos moratórios não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios estabelecidos no contrato. Súmulas 30 e 472 do STJ e Recurso Especial Repetitivo n. 1.580.114. 5. É legítima a cobrança da tarifa de cadastro desde que expressamente prevista no contrato e, mediante análise do caso concreto e cotejo dos preços no mercado (valor médio de mercado divulgado pelo BACEN), não reste caracterizado abuso no valor cobrado. Precedente do STJ. Tarifa de emissão de carnê. Ausente cobrança no caso concreto. 6. Cabível a compensação e/ou repetição simples, caso verificada a cobrança de valores indevidos. RECURSO DO CONSUMIDOR IMPROVIDO. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083352278, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em: 12-12-2019)

    APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR AFASTADA. TAXA DE JUROS. EXCEPCIONALIDADE DA ABUSIVIDADE CONFIGURADA NO CASO CONCRETO. FIXAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. SENTENÇA MANTIDA. Conforme entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp 1.061.530/RS, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, faz-se admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade, capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto, hipótese dos autos. APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 50486605120238210008, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Julgado em: 12-09-2024)

    APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. 1. Os negócios jurídicos bancários estão sujeitos às normas inscritas no CDC (Súmula n. 297 do Egrégio STJ). Assim, mostra-se possível a revisão das cláusulas abusivas, com consequente relativização do ato jurídico perfeito e do princípio pacta sunt servanda. 2. Verificando-se que os juros remuneratórios foram pactuados em montante consideravelmente superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares no período da contratação, impõe-se a sua limitação a este índice. 3. Insuficiente a mera alegação genérica no sentido da nulidade da cobrança de tarifas administrativas, encontrando óbice, o pedido do seu afastamento, no entendimento consolidado na Súmula n. 381 do STJ. 4. Flagrada abusividade no período de normalidade do contrato (taxa de juros remuneratórios significativamente superior à média de mercado), impõe-se a descaracterização da mora debendi e, por conseguinte, o deferimento dos pedidos de vedação da inscrição do nome da parte demandante em cadastros de inadimplentes e de sua manutenção na posse do bem objeto do contrato. Tais medidas restam condicionadas ao depósito das parcelas vencidas e vincendas, quando exigíveis, observados os parâmetros definidos no presente julgado. 5. Cabível a compensação dos valores pagos a maior com o débito remanescente após a revisão do pacto, bem como a repetição simples do saldo apurado em favor da mutuária, na forma do artigo 884 do Código Civil. 6. Ônus sucumbenciais redistribuídos e redimensionados. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70083295949, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em: 12-12-2019)

    Assim, consoante acórdão paradigma - Resp. 1.061.530/RS, é cabível a limitação dos juros ao percentual da taxa média do mercado, quando forem abusivos, tal como publicado pelo Bacen em seu site. E, in casu, estão sendo observadas todas as suas peculiaridades quando da contratação. Em especial diversos fatores para a revisão da taxa de juros, tais como o custo de captação dos recursos, o spread da operação, a análise do risco de crédito do contratante, ponderando-se a caracterização da relação de consumo e eventual desvantagem exagerada do consumidor (REsp n. 2.009.614/SC, DJe de 30/9/2022).

    Logo, no caso, como o pacto prevê juros remuneratórios em 36,92% ao ano, vão mantidos os juros tal qual avençados, pois na esteira de recentes decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Colenda Corte, não percebo abusividade nesta variação dos juros em relação à taxa média de mercado apurada para o período em que se deu a celebração, que era de 25,98% ao ano, em face a espécie de contratação (financiamento com cláusula de alienação fiduciária, cédula de crédito bancário referente a um automóvel VW - VOLKSWAGEN VOYAGE 1.0). Se assim não fosse, fixar-se-ia, desde logo, a taxa média como padrão nos contratos de financiamentos, provocando resultados imprevisíveis no sempre sensível mercado financeiro, que poderia aumentar a taxa de juros em detrimento do tomador do empréstimo. Destarte, mantenho os juros contratados.

    CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

    A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual tem suporte na Medida Provisória n. 2.170-36/2001, art. 5º, que é norma especial em relação ao art. 591 do novo Código Civil. E, neste sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento pela legalidade da pactuação de capitalização inferior à anual dos contratos bancários não previstos em lei especial.

    É importante frisar que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp n. 602.068/RS, entendeu que a partir de 31.03.2000, data de publicação da MP n. 1.963-17, também é admissível a referida capitalização mensal dos juros.

    No que tange à Medida Provisória n. 1.963-17 (2.170-36), igualmente, por se direcionar às "operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional", especificidade que a faz prevalente sobre a lei substantiva atual, que não a revogou expressamente e não é com ela incompatível, porque é possível a coexistência por aplicável o novo Código Civil substantivo aos contratos civis em geral (art. 2º, parágrafo 2º, da LINDB), não tratados na aludida Medida Provisória.

    Portanto, a partir de 31.03.2000 foi facultado às instituições financeiras, em contratos sem regulação em lei específica, desde que expressamente contratado, cobrar a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, direito que não foi abolido com o advento da Lei n. 10.406/2002.

    A Segunda Seção, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp nº 973.827/RS, através do voto condutor da insigne Ministra Maria Isabel Gallotti, estabeleceu a distinção entre a capitalização de juros e o regime de juros compostos, formadores da taxa efetiva e nominal de juros.  Este acórdão paradigma deixou claro de que “a capitalização de juros diz respeito às vicissitudes concretamente ocorridas ao longo da evolução do contrato. Se os juros pactuados vencerem e não forem pagos, haverá capitalização”. Diante deste contexto, a capitalização deixaria de ser tratada como encargo da normalidade, passando a ter sua vinculação à inadimplência do devedor. No entanto, em decisões posteriores ao paradigma, a E. Ministra Galotti e outros preclaros Ministros, adotaram o entendimento ou clarificaram o anterior de que o afastamento da mora contratual ocorreria somente quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, incluindo nestes a capitalização.1 Transcrevo parte do corpo do acórdão: “...revendo posicionamento anterior no tocante à mora contratual, adoto a orientação do STJ, no sentido de afastamento da mora contratual apenas quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, ou seja, juros remuneratórios e capitalização, consoante precedente do REsp nº 1.061.530 RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22.10.2008...”

    No mesmo sentido, a posição do E. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino2, Raul Araújo3, para citar alguns.

    Ainda, tratando-se de uma cédula de crédito bancário, que segue os ditames da Lei nº 10.931/04, a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual é permitida, se expressamente pactuada, e encontra respaldo no art. 28, §1º, I, da Lei nº 10.931/04:

    “Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º.

    § 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:

     I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação;”

    Assim, seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, entendo que a capitalização de juros em período mensal é permitida, mas desde que conste sua pactuação de forma expressa no instrumento contratual, que pode ser tanto pela constatação do termo “capitalização de juros”, ou, tão somente, pela análise das taxas anual e mensal de juros, verificando-se que aquela é superior ao duodécuplo desta.

    Como este é o caso dos autos, a capitalização deve ser mantida.

    COMISSÃO DE PERMANÊNCIA

    Requer o apelante, autor da revisional, o afastamento da cobrança de comissão de permanência. Ocorre que, no contrato juntado nos autos, não há previsão do referido encargo no período moratório.

    Assim, não deve ser conhecido o pedido nesta parte por falta de interesse em recorrer.

    TARIFA DE CADASTRO

    Consoante sedimentado no Resp paradigmático nº 1.251.331-RS, da relatoria da Eminente Min. Maria Isabel Gallotti, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, a tarifa de cadastro possui como fato gerador a remuneração do serviço de “pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao início de relacionamento decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou  de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, não podendo ser cobrada cumulativamente”.

    Nesta esteira, segundo a conclusão daquele Sodalício, a Tarifa de Cadastro “somente pode incidir no início do relacionamento entre o cliente e instituição financeira, e se justifica pela necessidade de ressarcir custos com realização de pesquisas em cadastros, bancos de dados e sistemas”.

    Ainda, a Súmula nº 566 do STJ assim orienta:

    “Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira."

    Portanto, tem-se que a cobrança de referida tarifa mostra-se passível de contratação, desde que a instituição financeira limite a sua incidência somente na primeira relação contratual com o consumidor, ou seja, no início do relacionamento entre consumidor – fornecedor, não sendo permitida sua cobrança a cada novo contrato firmado entre as partes.

    Ainda, convém salientar que embora permitida a sua cobrança, desde que pactuada de forma clara e objetiva, o fato é que se mostra cabível a análise, caso a caso, de eventual excessiva onerosidade em sua contratação, mediante comparativo a ser feito pela média mensal divulgada pelo BACEN.

    Nesse sentido, transcrevo o trecho do voto da Eminente Min. Maria Isabel Gallotti, no Resp paradigmático nº 1.251.331 – RS:

    “Reafirmo o entendimento acima exposto, no sentido da legalidade das tarifas bancárias, desde pactuadas de forma clara no contrato e atendida a regulamentação expedida pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central, ressalvado abuso devidamente comprovado, caso a caso, em comparação com os preços cobrados no mercado.

    Esse abuso há de ser objetivamente demonstrado, por meio da invocação de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não bastando a mera remissão a conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva do magistrado.

    Anoto que o Banco Central do Brasil divulga os valores mínimo, máximo, a periodicidade de cobrança, e a média das diversas tarifas cobradas pelos bancos, o que permite, a exemplo do que já ocorre com os juros remuneratórios, e em conjunto com as demais circunstâncias de cada caso concreto, notadamente o tipo de operação e o canal de contratação, aferir a eventual abusividade, em relação às práticas de mercado, das tarifas cobradas.”

    Desta forma, a cobrança da Tarifa de Cadastro não está limitada pelos lindes legais, mas tampouco está de todo liberada, devendo estar em harmonia com a média do mercado divulgada pelo BACEN, e sem resultar em vantagem exagerada por parte da instituição financeira.

    No entanto, analisando o contrato não se extrai a contratação da referida tarifa, restando prejudicado o apelo, neste ponto.

    TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM

    No que se refere à tarifa de avaliação do bem, embora sua incidência não conflita com a regulação bancária vigente, a questão que se destaca é a comprovação da efetiva prestação de tal serviço contratado.

    A cobrança jamais deve preceder um serviço que poderá ou não ser realizado pela instituição financeira. Logo, cabe ao credor demonstrar, através de laudo que, de fato, ocorreu a realização da avaliação do veículo.

    Ainda assim, o valor contratado deve ser objeto de exame, a fim de manter os princípios da boa-fé e da transparência nas relações de consumo, bem como evitar eventual onerosidade excessiva.

    Tais entendimentos foram sedimentados pelo julgamento do REsp. repetitivo n. 1.578.553/SP – Tema 958/STJ ao fixar as seguintes teses:

    2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a:

    2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a

    2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto.

    Compulsando o contrato acostado aos autos, verifico a existência do laudo de avaliação do bem (evento 15.03). No caso, o montante pactuado (R$ 599,00) não se mostra excessivo, razão pela qual vai mantido conforme ajustado.

    SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA

    Conforme restou definido no julgamento dos Recursos Especiais representativos de controvérsia nºs 1.639.259/SP e 1.639.320/SP – Tema 972/STJ: “Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada.”

    Portanto, tanto a contratação de seguro pelo consumidor, quanto com qual seguradora contratar, devem ser uma opção a ele oferecida, sob pena de configurar-se venda casada, prática esta vedada pelo disposto no art. 39, I, do CDC.

    No caso em comento, verifica-se que foi oportunizado ao consumidor que optasse pela contratação do seguro, porém tal contratação restou vinculada a uma seguradora pré-determinada pelo credor fiduciário, conforme se constata no evento 15.02. Assim, verificada a venda casada, deve ser afastada sua pactuação.

    COMPENSAÇÃO DE VALORES E REPETIÇÃO DO INDÉBITO

    A fim de evitar o enriquecimento ilícito de uma das partes, a compensação de valores e a repetição do indébito são devidas, respeitando o disposto nos artigos 369 e 876, ambos do CC. Mesmo porque, o Superior Tribunal de Justiça já possui sólida jurisprudência em admitir sua ocorrência nos casos de cobranças indevidas de valores:

    RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA - ARTIGO 1036 E SEGUINTES DO CPC/2015 - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATOS BANCÁRIOS - PROCEDÊNCIA DA DEMANDA ANTE A ABUSIVIDADE DE COBRANÇA DE ENCARGOS - INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA VOLTADA À PRETENSÃO DE COBRANÇA DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 1. Para fins dos arts. 1036 e seguintes do CPC/2015. (...) 2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ (...). (REsp 1388972/SC, Rel. Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 08/02/2017, DJe 13/03/2017)

    Assim, apurados os valores devidos, a compensação deve ser feita através dos pagamentos já efetuados caso exista saldo devedor, bem como deve ocorrer a repetição do indébito para os casos de pagamento a maior pelo consumidor.

    Por fim, afasto desde já a incidência do parágrafo único do art. 42 do CDC, pois entendo que a restituição deve ocorrer de forma simples, e como consequência lógica do julgado. Sobre o saldo a ser restituído, deverão incidir os encargos previstos no art. 389 do CC a partir do pagamento de cada parcela e, a contar da citação, aqueles do disposto no art. 406 do CC. 

    DA MORA E DAS TUTELAS ANTECIPATÓRIAS

    Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor, e o consequente deferimento ou não da liminar. Assim, seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. 1.061.530/RS, a presença de juros remuneratórios abusivos, ou a ausência de capitalização expressa no contrato impossibilitariam a constituição em mora do devedor.

    A Segunda Seção, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o REsp nº 973.827/RS, através do voto condutor da insigne Ministra Maria Isabel Gallotti, estabeleceu a distinção entre a capitalização de juros e o regime de juros compostos, formadores da taxa efetiva e nominal de juros.  Este acórdão paradigma deixou claro de que “a capitalização de juros diz respeito às vicissitudes concretamente ocorridas ao longo da evolução do contrato. Se os juros pactuados venerem e não forem pagos, haverá capitalização”. Diante deste contexto, a capitalização deixaria de ser tratada como encargo da normalidade, passando a ter sua vinculação à inadimplência do devedor. No entanto, em decisões posteriores ao paradigma, a E. Ministra Gallotti e outros preclaros Ministros, adotaram o entendimento ou clarificaram o anterior de que o afastamento da mora contratual ocorreria somente quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, incluindo nestes a capitalização.4 Transcrevo parte do corpo do acórdão: “...revendo posicionamento anterior no tocante à mora contratual, adoto a orientação do STJ, no sentido de afastamento da mora contratual apenas quando constatada a exigência de encargos abusivos durante o período da normalidade contratual, ou seja, juros remuneratórios e capitalização, consoante precedente do REsp nº 1.061.530 RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 22.10.2008...”

    No mesmo sentido, a posição do E. Ministro Paulo de Tarso 5Sanseverino, Raul Araújo6, para citar alguns.

    Portanto, entendo que apenas descaracterizaria a mora o reconhecimento da abusividade em relação aos encargos cobrados no período da normalidade contratual – i.é., juros remuneratórios e capitalização. Quando, no período da normalidade, o credor está a exigir do devedor mais do que o correto, mais do que o devido, a mora não resta configurada. É a constatação da existência de abusividade no período da normalidade contratual que tem o condão de afastar a mora do devedor.

    Tudo na esteira do acórdão paradigma acima referido (voto da relatora, p. 22):

    “(...) o eventual abuso em algum dos encargos moratórios não descaracteriza a mora. Esse abuso deve ser extirpado ou decotado sem que haja interferência ou reflexo na caracterização da mora em que o consumidor tenha eventualmente incidido, pois a configuração dessa é condição para incidência dos encargos relativos ao período da inadimplência, e não o contrário. - Os encargos abusivos que possuem potencial para descaracterizar a mora são, portanto, aqueles relativos ao chamado “período da normalidade”, ou seja, aqueles encargos que naturalmente incidem antes mesmo de configurada a mora”.

    Portanto, não encontrando nenhuma ilegalidade ou abusividade dentro da normalidade contratual, é possível a constituição em mora do devedor e, não estando presentes nenhum dos requisitos necessários ao deferimento das liminares de antecipação de tutela, segundo o Superior Tribunal de Justiça em seu entendimento pacificado pelo acórdão paradigma (REsp 1.061.530/RS), deve ser indeferido o pedido referente às tutelas postuladas.

    Pelo exposto, conheço em parte do apelo, e nesta dou parcial provimento, para:

    1. Afastar a contratação de seguro prestamista;

    2. Determinar a repetição do indébito e compensação de valores, se após a apuração em liquidação de sentença sobejar saldo em favor do devedor, com incidência dos encargos previstos no art. 389 do CC a partir do pagamento de cada parcela e, a contar da citação, aqueles do disposto no art. 406 do CC. 

    Quanto aos honorários advocatícios, deixo de majorá-los, em razão da jurisprudência consolidada pelo Egrégio STJ a respeito do tema 1059. Em razão da reforma ora efetivada, determino a redistribuição das custas processuais e dos honorários advocatícios, no valor fixado pela sentença, em 20% ao encargo do Réu, e em 80% ao encargo do Autor. Suspensa a exigibilidade do autor em razão da AJG deferida.

    Intimem-se.

    Dil. Legais.

     


    1. Conforme se extrai da decisão proferida no AREsp 065768, DJE de 15/02/2013.
    2. REsp nº 1318955, DJe 13/02/2013
    3. REsp nº 1246616, DJe 19/03/2013
    4. Conforme se extrai da decisão proferida no AREsp 065768, DJE de 15/02/2013.
    5. REsp nº 1318955, DJe 13/02/2013
    6. REsp nº 1246616, DJe 19/03/2013