TIPO DE AÇÃO: Inclusão Indevida em Cadastro de Inadimplentes
RELATOR | : Desembargador GELSON ROLIM STOCKER |
APELANTE | : TAIS SILVEIRA DE MORAES (AUTOR) |
ADVOGADO(A) | : ERNANI NICOLAU KORBES (OAB RS080039) |
APELADO | : SKY BRASIL SERVICOS LTDA (RÉU) |
ADVOGADO(A) | : DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA (OAB RS110803) |
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA. REJEITADA. SERASA LIMPA NOME. PRESENTE PROVA DA RELAÇÃO JURÍDICA EXISTENTE ENTRE AS PARTES. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZADO. INSCRIÇÃO NÃO COMPROVADA. SENTENÇA MANTIDA.
I. Caso em exame
1. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c reparação por danos morais, que, com a improcedência na origem, a parte autora pugna, neste grau recursal, a reforma da sentença para que seja dado provimento aos pedidos formulados na inicial.
II. Questões em discussão
2. As quatro questões em discussão consistem em: (i) saber se deve ser mantida a concessão do benefício da gratuidade de justiça à parte autora, diante da impugnação apresentada pela ré; (ii) saber se restou demonstrada a origem do débito; (iii) saber se houve a inscrição do nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito; e (iii) saber se o ocorrido com a parte autora é caracterizador de danos morais.
III. Razões de decidir
3. A concessão da gratuidade de justiça à parte autora foi devidamente fundamentada na origem e encontra respaldo na documentação apresentada, que demonstra a sua hipossuficiência. Inexistentes nos autos elementos que infirmem tal quadro, deve ser mantido o benefício.
4. No mérito, a parte ré comprova regularidade do débito existente em nome da parte autora, juntando documentos aptos a comprovar o direito que alega, restando demonstrada a contratação objeto da lide.
5. Ademais, a referência realizada na plataforma Serasa Limpa Nome não pode ser entendida como uma negativação do nome do consumidor nos órgãos de restrição ao crédito, na medida em que não impede a concessão de crédito ao autor, mas, tão somente, oferta a possibilidade de negociação dos valores em aberto. Assim, vai mantida a sentença de improcedência dos pedidos iniciais.
IV. Dispositivo
6. Apelo desprovido em decisão monocrática.
Dispositivos relevantes citados: artigos 2º, 3º, e 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor; artigo 927 do Código Civil.
Jurisprudência relevante citada: Súmula nº 297 do STJ.
DECISÃO MONOCRÁTICA
I- RELATÓRIO.
TAIS SILVEIRA DE MORAES interpõe recurso de apelação nos autos da Ação declaratória de inexistência de débito c/c reparação por danos morais ajuizada em desfavor de SKY BRASIL SERVICOS LTDA.
Adoto o relatório da sentença (evento 52, SENT1), que transcrevo:
TAIS SILVEIRA DE MORAES ajuizou ação declaratória de inexistência de débito c/c reparação por danos morais contra SKY BRASIL SERVIÇOS LTDA. Alegou, em síntese, que é vítima de cobrança indevida e da inscrição indevida nos órgãos de proteção ao crédito, tendo como objeto serviços/produtos que não tem conhecimento e não adquiriu. Disse que procurou a via administrativa da empresa demandada para obter mais informações, mas não obteve êxito. Discorreu sobre a ocorrência de danos morais. Pediu, liminarmente, a exclusão do seu nome de órgão de proteção de crédito e, ao final, a desconstituição de todo e qualquer débito, a declaração de inexistência de débito, o cancelamento do contrato vinculado ao CPF da autora e a procedência da ação para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Postulou o benefício da assistência judiciária gratuita. Juntou documentos (18/26).
A ré compareceu espontaneamente nos autos e juntou documentos (p.39/134).
Foi concedida a gratuidade de justiça, indeferida a tutela de urgência e determinada a remessa dos autos ao CEJUSC.
A ré apresentou contestação (p.151/166). Arguiu a incompetência do juízo, ao argumento de que não houve juntada de comprovante de residência da parte autora. Impugnou o pedido de concessão de gratuidade de justiça. Defendeu a ausência de pretensão resistida, ao argumento de que não houve tentativa de resolução do conflito na via extrajudicial, e a perda de objeto, ao argumento de que cancelou o contrato e isentou os valores devidos pela ré. Disse que não houve prejuízo ao score da parte autora. Discorreu sobre a plataforma SERASA Limpa Nome. Sustentou que a cobrança realizada era legítima. Pontuou ausência de prova mínima acerca do alegado pela autora. Afastou a pretensão de indenização. Requereu a improcedência da ação.
Houve réplica (p.174/178).
As partes foram instadas a dizer sobre provas (p.180).
As partes informaram não ter provas a produzir (p.182 e 184).
E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:
Diante do exposto, com base no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por TAIS SILVEIRA DE MORAES em face de SKY BRASIL SERVICOS LTDA, nos termos da fundamentação supra.
Condeno o autor a arcar com as custas processuais e com honorários ao patrono do réu, que arbitro em 20% sobre o valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, do CPC, corrigidos monetariamente pela variação do IPCA a contar da data da fixação da verba e acrescidos de juros de mora de 1% a.m a contar do trânsito em julgado. Suspensa a exigibilidade da verba a seu encargo em face da gratuidade de justiça deferida (evento 8, DOC1).
A parte autora recorre no evento 58, APELAÇÃO1. Em suas razões, sustenta que é clara a responsabilidade da apelada quanto à cobrança indevida, e que esta realizou o cancelamento do contrato e do registro junto aos órgãos de proteção ao crédito. Alega que a apelante não contratou os serviços e desconhece a origem dos débitos. Afirma que não há nenhum contrato assinado pela autora. Reitera que o extrato anexado identifica a empresa que indicou o nome para registro nos órgãos de proteção ao crédito. Assim, resta necessária a confirmação da inexistência de contratação, não havendo justificativa para o apontamento da autora nos órgãos de proteção ao crédito. Requer provimento ao recurso para reformar a sentença, julgando os pedidos iniciais procedentes.
Dispensado de preparo o recurso, por litigar com o benefício da Gratuidade da Justiça.
O recurso foi contrarrazoado no evento 61, CONTRAZ1. A parte ré sustenta que a recorrente não juntou aos autos qualquer documento que ateste os seus rendimentos mensais, impugnando o pedido de justiça gratuita. Alega que a autora não vincula o comprovante de pagamento da dívida, nem as supostas cobranças indevidas, não havendo qualquer prova de cobrança. Aponta que o Serasa Limpa Nome não se confunde com os órgãos de proteção ao crédito, visto que não possui publicidade e não reduz a pontuação score do consumidor. Dessa forma, não havendo negativação, não é possível se falar em dano moral in re ipsa. Destaca que a recorrente possui outros apontamentos restritivos, não podendo alegar ter sofrido danos morais apenas em razão de um deles. Ainda, não lhe é devida qualquer indenização pela inexistência de nexo de causalidade, bem como em face da não demonstração de qualquer dano a sua imagem. Requer seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença na íntegra.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
II. DA POSSIBILIDADE DE PROLAÇÃO DE DECISÃO MONOCRÁTICA.
Em algumas situações específicas é possível o relator, por decisão monocrática, dar ou negar provimento a recurso manejado sem abrir vista dos autos a parte adversa. Senão, explico.
A Súmula 568 do STJ, dispondo sobre essa questão, estabeleceu o seguinte:
Súmula 568. O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
Inclusive, nesse mesmo caminho, o artigo 206 do Regimento Interno deste Tribunal autoriza o Relator negar ou dar provimento ao recurso quando há jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do próprio Tribunal:
Art. 206. Compete ao Relator: XXXVI – negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;
Nesses termos, o presente recurso comporta pronunciamento monocrático, tendo em vista que outro não seria o resultado alcançado em julgamento colegiado nesta 6ª Câmara Cível.
III. FUNDAMENTAÇÃO.
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Passo de imediato à análise das preliminares.
Da gratuidade de justiça.
Preliminarmente, alega a parte ré que a autora não teria demonstrado o atendimento dos requisitos necessários à concessão do benefício da gratuidade de justiça.
Não obstante, compulsando os autos, verifico que o preenchimento das condições legais foi objeto de decisão proferida pelo juízo a quo, em que se entendeu haver elementos que indiquem a insuficiência de recursos da autora para arcar com as custas do processo, bem como por não terem sido trazidos pela ré elementos de prova em sentido contrário, de modo que deferida a gratuidade de justiça à autora.
Portanto, não havendo evidências que demonstrem a modificação do estado financeiro da parte autora, não há de ser acolhido o pedido ora apresentado.
Ressalta-se haver entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, "quando a assistência judiciária gratuita for deferida, a eficácia da concessão do benefício prevalecerá, independentemente de renovação de seu pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo"1.
Preliminar rejeitada.
Mérito.
Trata-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débito c/c Reparação por Danos Morais, que, com a improcedência na origem, a parte autora pugna, neste grau recursal, a reforma da sentença para que seja dado provimento aos pedidos formulados na inicial.
Inicialmente, cabe destacar que a parte ré demonstrou, nos autos, que o contrato em questão não ensejou a inscrição do nome da autora nos órgãos de inadimplentes.
Nesse sentido, verifica-se o documento juntado ao evento 27, OUT2, no qual constam apenas débitos referentes a outras empresas:
Da mesma forma, a imagem juntada pela parte autora no evento 1, EXTR5 não é suficiente para comprovar que a dívida foi efetivamente inscrita nos órgãos de restrição de crédito. Inclusive, no campo "valor da negativação", consta o valor de R$ 0,00, conforme colacionado a seguir:
Assim, percebe-se que o nome da autora não foi negativado, mas apenas incluído na plataforma de negociação chamada Serasa Limpa Nome, ferramenta tal que será explicada nos próximos tópicos.
Cumpre salientar que a plataforma do Serasa Limpa Nome é destinada à negociação de dívidas, facilitando a comunicação entre o consumidor e a empresa credora, com o objetivo de buscar um acordo para a quitação dos valores em aberto. Isso significa que não é uma plataforma usada para negativação do nome do consumidor, haja vista que os débitos apontados podem estar negativados ou não, conforme o próprio site do serviço explica.
A relação jurídica entre as partes é de consumo, enquadrando-se na condição de fornecedor e consumidor, nos termos dos artigos 2º e 3º, do Código de Defesa do Consumidor. Desse modo, aplicam-se ao caso vertente os institutos previstos no Estatuto Consumerista, dentre eles, a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, inclusive, com amparo na Súmula nº 297, do STJ.
Por isso, os fornecedores somente não serão responsabilizados por fato do serviço quando houver prova da inexistência do defeito ou da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, consoante art. 14, § 3º, do CDC, o qual transcrevo:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
A responsabilidade é objetiva, encontrando fundamento na Teoria do Risco do Empreendimento, pois a instituição financeira deve responder pelos defeitos resultantes do negócio independentemente de culpa.
Nestas circunstâncias, a demandada deve responder por eventuais danos causados ao cliente em decorrência de falhas administrativas e/ou fraudes praticadas por terceiros - Risco do Empreendimento -, salvo se provar inexistência do defeito ou culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Compulsando os autos, verifico que a parte ré logrou êxito em demonstrar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, colacionando aos autos o histórico de pagamento de faturas (evento 27, CONT1), o que comprova a origem do débito e a contratação do serviço. Ademais, constata-se que a parte autora não impugnou tal prova, o que lhe competia, sendo, portanto, presumida a sua autenticidade:
Dessa forma, não há de se falar na inexistência do débito ou na necessidade de exclusão do nome da autora dos órgãos de proteção ao crédito, sendo impositiva a improcedência de tais pedidos.
Em relação ao dano moral, destaco que, de acordo com o artigo 927 do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”, devendo-se entender por ato ilícito, nos termos do artigo 186 do mesmo diploma legal, a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
No caso dos autos, não restou comprovado que a parte autora teve seu nome inscrito nos cadastros restritivos de crédito por dívida decorrente de débito inexistente, visto que a plataforma "Serasa Limpa Nome" é meramente uma oportunidade para renegociação de dívidas, e não um órgão restritivo de crédito.
Os danos extrapatrimoniais, com efeito, têm como pressuposto a ofensa a algum direito da personalidade, impondo-se examinar, caso a caso, a possibilidade de o dano moral se configurar em casos nos quais a pessoa não sofre transtorno psicológico ou espiritual.
Segundo doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, em seu livro Programa de Responsabilidade Civil (fl. 37), “o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. ”
Ademais, deve ser observado que, em recente julgado, o Órgão Especial deste Tribunal de Justiça, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n.º 22, fixou as seguintes teses quanto à matéria:
1) Reconhecida a legalidade da inclusão, no serviço "Serasa Limpa Nome", de dívidas prescritas;
2) Ausente direito a indenização pelo alegado abalo moral sofrido pela parte devedora que teve sua dívida prescrita incluída na plataforma de negociação;
3) Declarada a ilegitimidade da empresa Serasa para responder demandas que envolvam a (in)existência ou validade do crédito prescrito incluído na referida plataforma.
Logo, não procede o pleito indenizatório veiculado pela autora. Outrossim, não há também qualquer outra comprovação de lesão aos atributos da personalidade tutelados pelo instituto da reparação por danos extrapatrimoniais que justifique sua fixação nesse momento.
À vista disso, tenho por negar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação acima.
Considerando o resultado do presente julgamento, deixo de arbitrar honorários recursais por já estarem fixados em seu percentual máximo na origem, conforme previsto pelo art. 85, § 2º, do CPC.
IV. DISPOSITIVO.
Diante do exposto, em decisão monocrática, nego provimento ao apelo.