AUTOR | : ORIDIMO LACERDA MARTINS |
ADVOGADO(A) | : CECILIO LACERDA MARTINS (OAB RS043475) |
RÉU | : BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. |
ADVOGADO(A) | : DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA (OAB RS110803) |
PROPOSTA DE SENTENÇA
Dispensado o relatório por força do art. 38, caput, da Lei 9.099/95, reforçado pelo Enunciado n.º 162 do FONAJE[1].
Trata-se de demanda intitulada como “AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO, CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS” onde o demandante alega falha na prestação dos serviços por parte da demandada sustentando que houve facilitação da utilização de sua conta bancária por terceiro, o que lhe traz prejuízos morais e materiais.
Este juízo, em razão do demandante ter negado ser sua a voz do áudio anexado pela parte demandada, decidiu pela extinção do feito ante a necessidade da realização de perícia.
Irresignado, o demandante apresentou recurso inominado e, na sede recursal, passou a reconhecer que a voz no áudio é sua, de modo que a Turma Recursal decidiu por desnecessária a identificação pretendida com a prova pericial e determinou que o feito retornasse à origem para prolação de nova decisão, em observância ao duplo grau de jurisdição.
Pois bem.
Inicialmente, cumpre referir que a presente lide rege-se pelas normas protecionistas do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Nesta seara, à parte demandada incumbe o onus probandi, no intuito de desconstituir o direito da parte demandante, nos moldes do que preceitua o art. 6º, inc. VIII, da legislação consumerista, aliado ao art. 373, inc. II, do CPC.
No entanto, ainda que se trate de relação de consumo, tal fato, por si só, não desonera o consumidor da mínima produção de prova, a fim de corroborar as alegações trazidas na inicial.
Desse modo, impõe-se ao demandante fazer prova dos fatos constitutivos do seu direito, a teor do disposto no art. 373, inciso I, do CPC, ainda que minimamente.
Importante salientar que a inversão do ônus da prova se dá apenas para aquelas provas que não estão ao alcance do consumidor, não englobando aquelas que a parte hipossuficiente pode produzir, não estando o demandante desobrigado de comprovar suas alegações.
No caso em tela, o demandante restou por reconhecer que a voz do áudio apresentado pela demandada no Evento 13, CONT1, Página 5 é sua e percebe-se, na referida ligação, que este, juntamente com a Sr.ª Liziane Padilha Ferreira, em uma conversa longa ,com sua participação, autorizou a habilitação de serviços em aparelho telefônico, contratou serviços e, também, confirmou que realizava transações com valores elevados, de modo que cai por terra sua alegação de que desconhecia as transações realizadas e que o banco demandado teria permitido a instalação do aplicativo no telefone celular de Liziane sem as presença.
Dessarte, o Código de Defesa do Consumidor adota a Teoria do Risco do Empreendimento, consoante a qual todo aquele que fornece produto ou serviço no mercado de consumo auferindo lucro (proveito) responde por eventuais danos, independentemente da comprovação de dolo ou culpa (risco da atividade). Daí deriva a responsabilidade objetiva do fornecedor pelos riscos de sua atividade, bastando ao consumidor demonstrar o ato lesivo praticado, o prejuízo experimentado e o nexo causal entre ambos.
Nessa perspectiva, o fornecedor só se exime da responsabilidade por vícios ou falhas dos produtos ou serviços postos à disposição dos consumidores se provar a inexistência de defeito no serviço, a culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro, conforme a inteligência do artigo 14, § 3º, I e II, do Código de Defesa do Consumidor.
Da prova produzida nos autos, restou incontroverso que o demandante, juntamente com a Sr.ª Liziane Padilha Ferreira, telefonou para o banco demandado e requereu a habilitação do telefone para a realização de operações bancárias e, também, contratou outros serviços.
Conquanto, não há como imputar à instituição financeira a responsabilidade pelo alegado estelionato cometido, uma vez que o próprio demandante refere que o incidente foi realizado pela Sr.ª Liziane, com quem tinha relação e com quem realizou a ligação telefônica.
Cabe ao demandante buscar a reparação/responsabilização junto à Sr.ª Liziane.
É incontroversa a responsabilidade objetiva do banco ao promover a segurança e o bem-estar dos consumidores. Contudo, é dever da parte demandante zelar por seus dados e tomar as devidas precauções de segurança, sendo essa negligente em confiar em terceira pessoa.
Assim, não tendo o banco demandado praticado qualquer ato ilícito, e, tendo ficado demonstrada a culpa exclusiva da vítima e, talvez, da Sr.ª Liziane, não há falar em responsabilização da parte demandada.
RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARTE AUTORA QUE DEU ACESSO REMOTO DO SEU APARELHO CELULAR A TERCEIRO. EMPRÉSTIMO E TRANSFERÊNCIAS REALIZADAS. FRAUDE VERIFICADA. FALTA DE CAUTELA DA CONSUMIDORA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DO BANCO NÃO IDENTIFICADA. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FORTUITO INTERNO NÃO CARACTERIZADO. DANOS MORAIS INOCORRENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE ANONIMAÇÃO E BLOQUEIO DE DADOS COM BASE NA LEI 13.709/2018. 1. É de se salientar que a parte autora confessa que efetuou procedimentos no seu celular, o que acabou permitindo o acesso remoto de fraudadores ao seu aparelho, que realizaram um crédito automático da conta no valor de R$ 22.200,00, bem como transferências, pagamento de boleto e PIX de diversos valores. 2. Assim, sendo efetuadas transações com a senha pessoal e secreta da autora, entende-se que os prejuízos daí advindos não podem ser imputados à instituição financeira, já que não evidenciada a falha ou defeito dos serviços bancários, não merecendo prosperar a alegação de fortuito interno, visto que não ocorreu no ambiente virtual do banco, nem em suas agências, nem por funcionário seu ou máquina ou sistema que tenha desenvolvido falha inerente. 3. Em verdade, a demandante foi mais uma vítima de golpes bancários, não sendo possível imputar à parte ré tal responsabilidade – tendo em vista que a própria parte autora, induzida a erro, acabou dando acesso ao seu aparelho celular, bem como fornecendo sua senha aos golpistas. 4. Deste modo, embora seja objetiva a responsabilidade dos bancos em face de danos decorrentes de falhas na prestação de seus serviços, no presente caso, verifica-se rompido o nexo de causalidade entre a ação da instituição ré e o dano da autora, configurandose a excludente de responsabilidade prevista no art. 14, § 3º, II do Código de Defesa do Consumidor. 5. Não restou demonstrado que os réus tenham praticado qualquer ato a desrespeitar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) - Lei nº 13.709/2018 ou, ainda, fornecido os dados da autora que pudessem ter facilitado a ocorrência da fraude, já que foi a própria demandante que forneceu seus dados e senha pessoal, os quais deveriam ser mantidos sob sigilo. 6.Outrossim, o pedido de anonimação realizado na inicial seria inépto porquanto a parte autora somente requereu genericamente à pg. 15, item c, da inicial " a imediata anonimização e bloqueio dos dados ", sem esclarecer especificadamente quais os dados que os requeridos deveriam anonimizar. 6. Reformada a sentença para ser julgada improcedente a ação. RECURSO DA AUTORA IMPROVIDO. RECURSO DO RÉU PROVIDO COM EXTENSÃO À CORRÉ NÃO RECORRENTE, NOS TERMOS DO ART. 1.005 DO CPC. SENTENÇA REFORMADA.(Recurso Inominado, Nº 50064527920218215001, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fabiana Zilles, Julgado em: 11-10-2022)
RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. GOLPE DO FALSO FUNCIONÁRIO. PIX E ULILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO NÃO RECONHECIDOS PELA PARTE AUTORA, ORA RECORRENTE. NÃO PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NO EVENTO DANOSO. SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E DE TERCEIRO (CASO FORTUITO EXTERNO). RECORRENTE QUE ADMITIU TER MANTIDO LIGAÇÃO TELEFÔNICA COM PESSOA QUE SE DIZIA FUNCIONÁRIO DO BANCO. OPERAÇÃO REALIZADA POR CONTA DE DADOS FORNECIDOS PELA AUTORA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INCABÍVEL A REPETIÇÃO DO INDÉBITO OU O PAGAMENTO DE DANO MORAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 479 DO STJ. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. I. CASO EM EXAME A parte autora interpôs recurso inominado contra sentença de improcedência prolatada em ação judicial que objetivou a suspensão de cobranças em cartão de crédito, o estorno do seu limite e o cancelamento do cartão de crédito com o encerramento de sua conta, por não reconhecer a operação realizada no dia 23/02/2024, a partir de telefonema de terceira pessoa que se fez passar por funcionário do banco demandado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Determinar se a parte recorrente comprovou, minimamente, a verossimilhança de suas alegações de modo a autorizar eventual inversão do ônus da prova e, ainda, se houve falha imputável à instituição financeira ré ou, de outra forma, se foi o recorrente, por culpa exclusiva sua, vítima do golpe do falso funcionário, verificando-se, a partir daí, a aplicabilidade ou não da Súmula 479 do STJ ao caso concreto. III. RAZÕES DE DECIDIR 1. A despeito das disposições do artigo 6º, VIII, do CDC, a parte autora deixou de demonstrar a verossimilhança das alegações trazidas na inicial, inexistindo prova mínima de falha na prestação do serviço bancário, ônus que lhe recaía, conforme artigo 373, inciso I, do CPC, não sendo possível imputar ao banco demandado a produção de prova negativa. Conforme já decidiu o STJ, em situação análoga, ausente participação de funcionários 'na fraude ou falha na segurança do sistema bancário, descabe a responsabilização da apelada, não se cogitando, ademais, de inversão do ônus da prova para demonstração, pela instituição financeira, da regularidade de sua atuação, pois não se verifica, no caso, verossimilhança nas alegações do consumidor, conforme exigido pelo artigo 6º, inciso VIII, da Lei 8078/9' (STJ - AREsp: 2467828, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: 05/02/2024). Por outro lado, a prova produzida revelou que a transação no valor de R$ 1.399,99 fora realizada com senha pessoal da autora, o que reforça a adesão dela ao golpe e a ausência de responsabilidade do banco réu. 2. Dessa forma, o conjunto probatório leva à conclusão de que a parte autora, por descuido seu, foi vítima de golpe que não contou com a interferência ou a participação da instituição ré (por si ou por seus prepostos), realizando a transferência bancária por sua conta e risco e, ao que tudo indica, cedendo a ardil de golpista que se dizia funcionário do banco demandado, com o que rompido o nexo causal necessário à responsabilidade objetiva do banco recorrido, pois operada a transferência por meio de credenciais legítimas e sem evidência de falha nos sistemas de segurança ou na prestação do serviço bancário, incidindo as disposições do art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 3. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento de que as instituições financeiras respondem objetivamente por danos gerados por fortuito interno e que envolvam, exclusivamente, fraudes vinculadas diretamente a operações bancárias e atreladas, necessariamente, a falhas no sistema operacional ou de segurança, o que não foi o caso, tanto que praticado o golpe sem qualquer participação da instituição ré, caracterizando-se, como já dito, o chamado fortuito externo, o que afasta a tese de repartição de prejuízos, especialmente quando ausente, no caso, culpa concorrente da instituição financeira. 4. Ademais, a jurisprudência das Turmas Recursais Cíveis é firme no sentido de afastar a falha na prestação de serviço bancário quando evidenciada culpa exclusiva do titular da conta ao prestar informações por telefone ou ao deixar seus dispositivos eletrônicos vulneráveis, facilitando a captação de dados pessoais e senhas e contribuindo, em grande medida, com a invasão de seus aplicativos bancários, do que são exemplos os julgados que seguem: Recurso Inominado, Nº 50028369320238210097, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Julgado em: 25-02-2025, e Apelação Cível, Nº 50055555120218215001, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ketlin Carla Pasa Casagrande, Julgado em: 21-02-2025. 5. Logo, constatada a falha no dever de cautela, por culpa exclusiva da parte autora/recorrente, não se aplica a Súmula 479 do STJ ao caso concreto, sendo a manutenção da sentença de improcedência medida que se impõe, com a consequente revogação da medida liminar concedida. IV. RECURSO DESPROVIDO.(Recurso Inominado, Nº 50073004520248210027, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luis Alberto Rotta, Julgado em: 08-05-2025)
Por conseguinte, a improcedência da demanda é medida que se impõe.
DIANTE DO EXPOSTO, em cumprimento ao artigo 40 da Lei 9.099/95, OPINO PELA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS formulados por ORIDIMO LACERDA MARTINS contra BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A..
Conforme artigos 54 e 55 da Lei nº. 9.099/95 descabe condenação em custas e honorários advocatícios.
Por fim, com escopo no princípio da cooperação insculpido no art. 6º do CPC/15[2], advirto que a matéria foi analisada em contexto único, eis que "o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos"[3], razão pela qual eventuais embargos declaratórios com a finalidade de apreciar determinado dispositivo legal ou constitucional, ou mesmo a afirmação de contradição externa[4], estarão sujeitos a eventual condenação à multa prevista no art. 1026, § 2º do CPC/15 e à pena por litigância de má-fé prevista no art. 81 do mesmo diploma.
João Batista Ricalde Gervasio
Juiz Leigo
[1] Enunciado n.º 162 do FONAJE. Não se aplica ao Sistema dos Juizados Especiais a regra do art. 489 do CPC/2015 diante da expressa previsão contida no art. 38, caput, da Lei 9.099/95.
[2] Art. 6º. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
[3] NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 44ª edição, Editora Saraiva, 2012, pág. 520.
[4] EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRADIÇÃO. INCORRÊNCIA. - A contradição que legitima a interposição de embargos declaratórios não se configura entre a decisão e os elementos dos autos (contradição externa), mas entre os elementos estruturais da decisão judicial (contradição interna). - Precedentes do STJ. EMBARGOS DECLARATÓRIOS DESACOLHIDOS. (Embargos de Declaração Nº 70065580037, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 08/07/2015)
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
Nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95, homologo a proposta de decisão, para que produza efeitos como sentença.
Sem custas e honorários, na forma da Lei.
As partes consideram-se intimadas a partir da publicação da decisão, caso tenha ocorrido no prazo assinado; do contrário, a intimação terá de ser formal.
Interposto recurso inominado, em conformidade com o disposto no art. 42 do referido diploma legal, intime-se o recorrido para contrarrazões. Com a juntada, ou decorrido o prazo, remetam-se os autos à Turma Recursal, em atendimento ao art. 1010, § 3º, do CPC.