Deonice Alfredo x Banco Bmg S/A
Número do Processo:
1081445-77.2024.8.26.0100
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJSP
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Foro Central Cível - 37ª Vara Cível
Última atualização encontrada em
24 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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24/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Foro Central Cível - 37ª Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELProcesso 1081445-77.2024.8.26.0100 - Procedimento Comum Cível - Cláusulas Abusivas - Deonice Alfredo - Banco BMG S/A - Trata-se de ação de revisão de contrato bancário que DEONICE ALFREDO move em face de BANCO BMG S.A., alegando ter celebrado, em 22/10/2019, contrato de empréstimo pessoal não consignado, sob nº 1446472, no valor de R$ 2.777,48, a ser quitado em 15 parcelas mensais de R$ 598,80, totalizando R$ 8.982,00, sustentando que houve a incidência de juros remuneratórios de 18% ao mês e 649,04% ao ano, montante que excede em 559% a taxa média anual de 98,55% divulgada pelo Banco Central. A autora aponta como valor incontroverso R$ 4.256,10 e como valor controverso R$ 4.725,90, postulando a limitação dos encargos remuneratórios à taxa média de mercado, conforme divulgado pelo BACEN, bem como a descaracterização da mora ante o caráter de adesão do contrato, cujas cláusulas teriam sido unilateralmente impostas, requerendo, assim, a revisão judicial do pacto, com repetição em dobro dos valores pagos, no montante total de R$ 9.451,80, além da inversão do ônus da prova. Pleiteia, ainda, a gratuidade da justiça, bem como a fixação de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, atribuindo-se à causa o valor de R$ 14.451,80. Foi deferida a gratuidade de justiça (fls. 83). Em contestação (fls. 144/164), o réu alega inépcia da petição inicial e falta de interesse processual. Defende a legalidade dos juros pactuados, a legitimidade dos encargos contratuais, impugna a descaracterização da mora, afasta a possibilidade de repetição de indébito por ausência de má-fé e nega a ocorrência de danos morais por inexistência de ato ilícito. Por fim, questiona a inversão do ônus da prova, os cálculos apresentados, e se opõe à condenação em honorários advocatícios, pela total improcedência dos pedidos. Houve réplica (fls. 201/225). Instadas a especificar as provas (fl. 226), as partes não se interessaram, requerendo o julgamento antecipado da lide (fls. 228/233). RELATEI.DECIDO. A controvérsia cinge-se à alegação de cobrança de juros abusivos em contrato de empréstimo bancário firmado entre as partes, bem como à pretensão de revisão contratual para adequação dos encargos à média de mercado, com devolução dos valores pagos a maior. Inicialmente, cumpre analisar as questões preliminares suscitadas pelo réu. No que tange à ausência de tentativa de solução administrativa, a exigência de prévia tentativa de solução administrativa do conflito não encontra respaldo legal como condição para o regular exercício do direito de ação, especialmente em demandas que envolvem relação de consumo, nas quais o acesso ao Judiciário é assegurado independentemente de exaurimento da via administrativa. Afasto, pois, a preliminar. Quanto à alegada inépcia da inicial e carência de interesse processual, a petição inicial expõe de forma clara os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, identifica a obrigação controvertida (taxa de juros aplicada no contrato de empréstimo) e quantifica o valor objeto da demanda, preenchendo os requisitos do art. 330, §2º, do CPC. A falta de comprovante de residência não leva à inépcia da inicial, não sendo documento essencial à propositura da ação. O interesse de agir está presente, tendo em vista a resistência manifestada pelo banco à pretensão da autora. Rejeito, portanto, as preliminares. No mérito, é incontroverso que a relação entre as partes é de consumo, nos termos dos arts. 2º e 3º do CDC, sendo a autora destinatária final do serviço bancário e o réu fornecedor de crédito. Aplica-se, portanto, o Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto à possibilidade de revisão de cláusulas abusivas. Primeiramente, a autora demonstrou de forma inequívoca a abusividade dos encargos pactuados no contrato de empréstimo firmado com a instituição financeira demandada. A taxa de juros contratada (18% ao mês, anual de 649,04%) supera em muito a média de mercado para operações de crédito pessoal. Tal discrepância, aproximadamente 3,06 vezes a média do mercado, configura onerosidade excessiva e vantagem manifestamente indevida, em flagrante afronta ao disposto no artigo 39, inciso V, e o artigo 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O STJ pacificou a tese em torno do tema da abusividade dos juros (REsp nº 1.061.530/RS), ao estabelecer que a manifesta abusividade estaria caracterizada quando os juros praticados no caso concreto fossem superiores a "uma vez e meia" (50%) o valor da média de mercado divulgada pelo BACEN. No caso dos autos, observa-se que a autora percebe benefício de prestação continuada para pessoa com deficiência, de um salário mínimo, e foi submetida a contrato com taxa de juros manifestamente superior à média de mercado, comprometendo de forma desproporcional sua renda e dignidade, em afronta aos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da proteção ao consumidor hipervulnerável. A alegação do banco, de que a taxa praticada decorre do risco da operação e da ausência de garantias, não se sustenta diante do evidente desequilíbrio contratual e da ausência de informação clara e adequada à consumidora, circunstâncias que impõem a intervenção judicial para adequação dos encargos ao patamar médio de mercado, conforme tabela do Banco Central à época da contratação. Há de se salientar que o contrato firmado entre as partes é de crédito pessoal não consignado, e deve ser levada em consideração a taxa média desse seguimento para a revisão contratual. Assim, impõe-se a revisão do contrato para limitar a taxa de juros remuneratórios à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações de crédito pessoal não consignado, vigente à época da contratação. Demonstrada a cobrança de encargos abusivos, a autora faz jus à restituição dos valores pagos a maior, a título de danos materiais, acrescidos de correção monetária desde cada desembolso e juros legais a partir da citação. A repetição em dobro, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, exige a comprovação de má-fé do fornecedor, o que não restou evidenciado nos autos, razão pela qual a devolução deverá ocorrer na forma simples, permitida a compensação de valores. No que tange ao pedido de indenização pordanosmorais, verifica-se que a conduta da instituição financeira ultrapassa o mero inadimplemento contratual, atingindo a dignidade da parte autora, que foi compelida a arcar com encargos excessivos, comprometendo sua subsistência. O dano moral, nesse contexto, deve cumprir uma dupla função: compensatória e punitiva, a fim de inibir a repetição da prática abusiva. TJSC - RECURSO CÍVEL - Ementa: RECURSO INOMINADO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PORDANOSMORAIS- AÇÃO REVISIONAL PRETÉRITA, EM QUE DETERMINOU-SE A LIMITAÇÃO DO JUROS REMUNERATÓRIOS ÀS TAXAS MÉDIAS DE MERCADO DIVULGADAS PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL - CONTRATO DE RENEGOCIAÇÃO - COBRANÇA DE JUROS ABUSIVOS EVIDENCIADA EM PATAMAR MAIOR QUE O DOBRO DA LIMITAÇÃO DETERMINADA EM SENTENÇA - DANO MORAL CONFIGURADO - AUTORA QUE FICOU NEGATIVADA EM SUA CONTA CORRENTE DEVIDO AOS DESCONTOS DE VALORES ABUSIVOS - GENITORA DE 04 QUATRO FILHOS QUE VIVEM SOB SUA DEPENDÊNCIA, COM BAIXA RENDA - EVIDÊNCIA DE QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO ULTRAPASSAM A ESFERA DO MERO DISSABOR POR DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM ADEQUADAMENTE FIXADO - PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS - IRRESIGNAÇÃO DO BANCO RÉU - TÉSE DEFENSIVA ARGÜINDO O PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANTA - REJEITADA - LIDE APRECIADA SOB A ÉGIDE DO CDC - INTELIGÊNCIA DO ART. 51, INCISO IV, DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA - NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE "ESTABELEÇAM OBRIGAÇÕES CONSIDERADAS INÍQUAS, ABUSIVAS, QUE COLOQUEM O CONSUMIDOR EM DESVANTAGEM EXAGERADA, OU SEJAM INCOMPATÍVEIS COM A BOA-FÉ OU A EQUIDADE" - INSURGÊNCIA QUANTO AO TERMO INICIAL DE JUROS MORATÓRIOS - INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS - RECURSO CONHECIDO E DEPROVIDO. (TJSC, RECURSO CÍVEL n. XXXXX-23.2020.8.24.0090, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Adriana Mendes Bertoncini, Terceira Turma Recursal, j. Qua 10 ago 00:00:00 GMT-03:00 2022). Ultrapassada ainda a demonstração quanto à necessidade de imposição do dano moral em sua função tríplice, insta salientar que, em se tratando dedanosmoraissubjetivos, salienta-se que nossos Tribunais entendem que estes são presumidos e não necessitam de comprovação, já que se referem ao interior e sentimentos íntimos da pessoa. Nesse sentido transcrevemos: Verificado o evento danoso, surge à necessidade de reparação, não havendo que se cogitar da prova de prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa) (STJ - 4ª T. - Resp. 23.575 - DF - Rel. Min. César Asfor Rocha - j. 09.06.1997 - DJU 01.09.1997). Por fim, considerando a gravidade da conduta do réu e os danos suportados pela parte autora, mostra-se cabível a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização pordanosmorais, que arbitro em R$ 5.000,00, valor suficiente para compensar o sofrimento experimentado e coibir a reiteração da prática abusiva. DISPOSITIVO: resolvo o mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC, e ACOLHO o pedido formulado para determinar a revisão do contrato de empréstimo objeto dos autos, limitando a taxa de juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações de crédito pessoal não consignado, vigente à época da contratação; Condenar o réu ao ressarcimento, em favor da autora, dos valores pagos a maior em razão da cobrança de juros abusivos, a serem apurados em liquidação de sentença, acrescidos de correção monetária desde cada desembolso e juros legais a partir da citação, na forma simples, permitida a compensação de valores. Ademais, CONDENO o réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00, com correção monetária e juros de mora desde a data do arbitramento. SUCUMBÊNCIA: Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, que se corrigem monetariamente desde o dia em que foram desembolsadas, anotando-se que, sobre elas, não há incidência de juros. Paga, ainda, os honorários advocatícios do patrono da parte adversa, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação. Incumbirá ao réu recolher as custas iniciais, que não foram pagas pela autora em razão da gratuidade que lhe havia sido concedida. - ADV: MARCO ANTONIO GOULART LANES (OAB 41977/BA), HELVECIO MACEDO TEODORO (OAB 38771/MG)