Maria Elizabete Machado x Banco Mercantil Do Brasil Sa
Número do Processo:
1008462-63.2025.8.11.0003
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMT
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2º JUIZADO ESPECIAL DE RONDONÓPOLIS
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2º JUIZADO ESPECIAL DE RONDONÓPOLIS | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2º JUIZADO ESPECIAL DE RONDONÓPOLIS SENTENÇA Processo: 1008462-63.2025.8.11.0003. AUTOR: MARIA ELIZABETE MACHADO REU: BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA VISTOS. Dispenso o relatório, conforme dispõe o artigo 38, da Lei nº 9.099/95. FUNDAMENTO E DECIDO. Trata-se reclamação proposta por MARIA ELIZABETE MACHADO em desfavor de BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A. No caso, não havendo vício que possa obstar o regular prosseguimento do feito, preparado está o processo para julgamento antecipado, posto que as provas dos autos são suficientes para a solução da lide nos termos no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Importante registrar que a presente causa trata-se de relação consumerista, visto que as partes se enquadram no conceito de consumidor e fornecedor, conforme o disposto nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva vez que segundo consta nos autos os fatos descritos na inicial os empréstimos ocorreram através do banco-réu. Superado, passo a apreciação do mérito. Na presente demanda, a parte autora alega que foi vítima de fraude bancária, resultando no saque indevido de seu benefício previdenciário no valor de R$ 1.518,00 (mil, quinhentos e dezoito reais), bem como na contratação fraudulenta de um empréstimo em seu nome, no valor de R$ 2.100,00 (dois mil e cem reais), sem sua autorização. Relata que o ocorrido teve início no dia 15/03/2025, quando sua nora tentou sacar o benefício em caixa eletrônico, ocasião em que o cartão foi retido e, ao ligar para o número disponibilizado no terminal, foi induzida a fornecer dados sensíveis por pessoas que se passaram por atendentes do banco. Afirmou que o Banco limitou-se a orientar o registro de boletim de ocorrência e não adotou qualquer medida para solucionar o prejuízo, transferindo à autora a responsabilidade pelo contrato fraudulento. O Réu apresentou contestação, sustentando que as operações foram realizadas mediante uso de cartão e senha pessoal, presumindo-se a autorização da titular. Alega ausência de responsabilidade por se tratar de culpa exclusiva de terceiros ou da própria autora, por não guardar adequadamente seus dados bancários. Pois bem, a solução do presente litígio não exige grandes esforços, especialmente à luz do que dispõe o Código de Processo Civil (art. 373, I e II, do CPC), que estabelece que cabe à parte autora comprovar o fato constitutivo de seu direito, enquanto ao réu incumbe provar o fato modificativo, impeditivo ou extintivo desse direito. Por se tratar de uma relação de consumo e estando clara a hipossuficiência do consumidor, aplica-se ao caso o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que busca equilibrar as partes, proporcionando ao consumidor acesso facilitado aos instrumentos de defesa, conforme previsto no artigo 6º, VIII. Contudo, isso não implica que a parte autora esteja isenta de produzir as provas que estão ao seu alcance. A responsabilidade do fornecedor é excluída apenas quando comprovado que, apesar de ter prestado o serviço, não há defeito, ou quando a culpa for exclusivamente do consumidor ou de terceiro (§ 3º, inc. I e II, do art. 14, do CDC). A relação jurídica discutida na ação versa a respeito de contratação em nome do autor, da qual este alega desconhecer. Por conseguinte, cinge-se a controvérsia quanto à existência de efetiva contratação entre as partes. Nesse ponto, da detida análise dos autos, verifica-se que o autor, para fins de comprovar o seu direito, juntou aos autos o extrato do empréstimo (Id. 189360500). Os extratos bancários apresentados indicam que as operações suspeitas ocorreram logo após o episódio do cartão retido, e sem qualquer comprovação de que houve o consentimento ou anuência da Autora. Inclusive, chama atenção o fato de que o saque e a contratação ocorreram no mesmo dia e poucas horas após a tentativa frustrada de saque por meio do caixa eletrônico e ligação para o 0800 — revelando modus operandi típico de fraude por engenharia social, amplamente conhecida e previsível pelas instituições bancárias. Neste contexto, é evidente a falha na prestação do serviço bancário. O banco, como fornecedor de serviços essenciais, tem o dever de garantir a segurança das operações realizadas por seus clientes, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. A jurisprudência é pacífica ao responsabilizar objetivamente a instituição financeira por fraudes decorrentes de falhas em seus sistemas de segurança, especialmente quando se trata de cliente idoso e hipervulnerável. A alegação de que a senha teria sido utilizada por terceiro, familiar ou não, não é suficiente para elidir a responsabilidade da instituição ré, sobretudo quando demonstrado que houve manipulação fraudulenta a partir de dados obtidos por ligação a número indevidamente associado ao banco em seus próprios terminais. Conforme imagem acostada sob o Id. 189360497, verifica-se que o número 0800 utilizado pela nora da autora para solicitar auxílio após a retenção do cartão — 0800 883 6248 — é exatamente o mesmo que consta afixado no próprio terminal de autoatendimento da agência bancária do réu. Tal fato demonstra que o contato foi realizado de boa-fé, diante da confiança legítima na informação disponibilizada pelo próprio banco, reforçando a falha na prestação do serviço ao permitir que dados sensíveis fossem expostos por meio de canal fraudulento vinculado ao equipamento da instituição. Além disso, não há qualquer prova nos autos de que a Autora tenha de fato autorizado a contratação do empréstimo, tampouco recebeu qualquer valor referente a ele. A responsabilidade civil do banco decorre, nesse caso, da ausência de cautela no trato com os dados bancários da cliente e na verificação de regularidade das operações realizadas, inclusive a concessão de crédito à pessoa vulnerável, sem assinatura presencial ou digital válida. Considerando que as transações foram realizadas de forma digital, incumbia à parte ré apresentar documentação que comprovasse a assinatura eletrônica com biometria facial, contendo data e hora, ou, ao menos, dados que demonstrassem a legitimidade dos empréstimos. É entendimento pacífico na jurisprudência de que a ação fraudulenta de terceiro não elide a responsabilidade do fornecedor, posto tratar-se de fortuito interno conforme verbete da Súmula 479, do STJ, in verbis: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. É esperado da parte ré, no exercício de sua atividade empresarial, ser cautelosa na contratação de serviços, diligenciando para garantir sua regularidade e, ainda, aperfeiçoar os meios de que dispõe para afastar a atuação de criminosos. Assim a postura da requerida, deveria ter sido identificar a fraude, visto que o empréstimo se mostrou manifestamente suspeito. Se assim não agiu suficientemente a ponto de evitar a fraude demonstrada nos autos, deve assumir os riscos de sua atividade empresarial e, destarte, reparar o dano dela advindo a terceiro, ou seja, à parte autora, uma vez que teve descontos não autorizados. Dessa forma, deve o banco requerido ser condenado a devolver o valor descontado na conta do requerente, porém de forma simples, pois a restituição em dobro somente é autorizada quando houver má-fé na cobrança, hipótese está não vislumbrada no caso em comento. Sobre o tema, já se posicionou do nosso o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso: AÇÃO DECLARATÓRIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - CONTRATANTE IDOSO, INDÍGENA E ANALFABETA - NÃO OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS - CONTRATO NULO - RESTITUIÇÃO DOS VALORES - INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES - COMPENSAÇÃO DE VALORES - AUSÊNCIA DE PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO DO NUMERÁRIO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO DE AMBOS PARCIALMENTE PROVIDO. O Código Civil exige que os contratos de prestação de serviço firmados por analfabetos sejam assinados a rogo e na presença de duas testemunhas (art. 595, CC), o que não ocorreu in casu. Não havendo prova da má-fé ou erro injustificável, não é possível a aplicação do artigo 42 do CDC, fazendo surgir apenas a obrigação de devolver a importância recebida, indevidamente, de forma simples. Quanto a compensação, impossível no presente caso, porquanto o banco promovido não logrou êxito em comprovar a disponibilização do valor do suposto empréstimo a consumidora. (TJ-MT - AC: 10018321020208110021, Relator: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 24/05/2023, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/06/2023). Assim, imprescindível decretação da nulidade do contrato de nº 000901148826, com consequente restituição dos valores descontados até a data da efetiva restituição, bem como a restituição do benefício que fora sacado pelos golpistas no valor de R$ 1.518,00 (mil, quinhentos e dezoito reais). Quanto ao pedido de indenização por danos morais, entendo que os fatos reconhecidos extrapolam o mero aborrecimento, configurando dano moral indenizável. Verifica-se a ocorrência de abalo moral, uma vez que os juros abusivos — que excedem, e muito, as taxas médias praticadas no mercado — comprometeram de forma significativa a renda mensal do autor. Em relação ao quantum indenizatório do dano moral, este deve atender a uma dupla finalidade: compensação e repressão. Portanto, sopesando estes critérios e considerando as peculiaridades do caso concreto, entendo como razoável e suficiente para a reparação do dano moral a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), que certamente satisfaz ao caráter reparatório e serve como desincentivo à repetição da conduta ilícita. Ante o exposto, opino pela PARCIAL PROCEDÊNCIA da pretensão inicial, para DECLARAR a nulidade do contrato de nº 000901148826, bem como CONDENAR a requerida a restituir os valores descontados até a data da efetiva restituição, a ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a partir do efetivo prejuízo, acrescido de juros correspondente à taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária, a partir da citação; CONDENAR a requerida a restituir p valor de R$ 1.518,00 (mil, quinhentos e dezoito reais) referente ao benefício da autora; a ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a partir do efetivo prejuízo, acrescido de juros correspondente à taxa Selic, deduzido o índice de atualização monetária, a partir da citação; indenizar os DANOS MORAIS, no montante de R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a partir desta data, acrescido de juros correspondente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária, a partir da citação; e declaro extinto o feito, com resolução do mérito, a teor do disposto no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem custas processuais e honorários advocatícios conforme o disposto nos artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/95. Submeto o presente projeto de sentença ao MM. Juiz Togado para homologação, na forma do art. 40 da Lei nº 9.099/95 e art. 8º, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 270/2007. Thaylane Benevides da Silva Juíza Leiga __________________________________________________________________________ Vistos. HOMOLOGO o projeto de sentença retro, na forma do art. 40 da Lei nº 9.099/95 e art. 8º, parágrafo único da Lei Complementar Estadual nº 270/2007. Preclusa a via recursal e nada sendo requerido, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo. Publique-se. Intime-se. Rondonópolis-MT, datado e assinado digitalmente. Wagner Plaza Machado Junior Juiz de Direito