Processo nº 08309978120238230010
Número do Processo:
0830997-81.2023.8.23.0010
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRR
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
2ª Vara Cível
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 2ª Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA COMARCA DE BOA VISTA 2ª VARA CÍVEL - PROJUDI Centro Cívico - Fórum Adv. Sobral Pinto, 666 - 2º andar - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-380 - Fone: (95) 3198-4755 - E-mail: 2civelresidual@tjrr.jus.br Proc. n.° 0830997-81.2023.8.23.0010 SENTENÇA Trata-se de ação declaratória de nulidade de cartão de crédito consignado (RMC), proposta por Valerio Damasio da Silva em face do Banco Agibank. A parte autora relatou, em síntese, que em 22/04/2022 buscou o Réu com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado, o qual possui taxa de juros inferiores às praticadas no mercado, sendo disponível para esta em razão de sua assistência ao portador de deficiência. Contudo, asseverou que restou nitidamente ludibriada com a realização de outra operação, qual seja, contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) sob o contrato de n° 90127019030000000001. Aduziu que, realizada a contratação mascarada, não houve o encaminhamento do aludido cartão de crédito à parte autora, tampouco as instruções para efetivar o pagamento da operação, a qual difere amplamente da modalidade de empréstimo intentada. Sustentou que sempre acreditou estar contraindo um empréstimo consignado, jamais adquirindo um cartão de crédito sem saber o que é, ainda mais com parcelas descontadas infinitamente, sem data de término. Diante do ludibriamento, não houve o pagamento integral do “empréstimo” por cartão de crédito, ensejando descontos mensais em seu benefício apenas do valor mínimo da fatura, o que a levou a acreditar que estaria pagando as parcelas do maculado “empréstimo consignado”, acarretando a incidência de encargos rotativos cumulativos e com aumento progressivo, sem data fim, o que se mostra abusivo e coloca o consumidor em exagerada desvantagem. Informou que contraiu o valor de R$ 1.609,20 em 22/04/2022 e, até a presente data, adimpliu o montante de R$ 848,40, sem qualquer previsão de término, sendo o valor atualmente descontado em folha de R$ 60,60. Assim, requereu, preliminarmente, a concessão da justiça gratuita, tendo em vista auferir renda no valor de R$ 1.302,00, e informou o desinteresse na realização de audiência de conciliação. No mérito, pleiteou a declaração de inexistência da relação jurídica e a consequente anulação do contrato 90127019030000000001; a condenação do banco réu à restituição, de forma dobrada, do valor indevidamente descontado do benefício da parte autora a título de RMC, totalizando R$ 1.696,80, em razão da má-fé empregada na conduta; bem como indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00. A inicial veio acompanhada de documentos (EPs. 1.1/1.8). A justiça gratuita foi concedida à parte autora (EP 7). Citada, a parte ré apresentou contestação no EP 21, onde aduziu, em síntese, que a contratação se deu de forma legítima e consensual, estando a demandante ciente de todos os termos, bem como do valor que seria liberado no ato da contratação. Juntou o contrato de RMC objeto da lide (EP 21.2). Em razão do IRDR Tema n. 5 (processo n° 9002871-62.2022.8.23.0000), os autos foram suspensos no EP 10, permanecendo nessa condição até o julgamento definitivo da questão, cujo acórdão foi juntado aos autos no EP 22. Réplica foi apresentada no EP 34. Decisão saneadora no EP 37, anunciando-se o julgamento antecipado do mérito, nos termos do inciso I do art. 355 do Código de Processo Civil, por entender que os elementos constantes nos autos, especialmente o contrato de adesão ao cartão RMC, são suficientes para permitir a apreciação do mérito da demanda, não havendo necessidade de produção de outras provas. É o relatório. Decido. Como visto, trata-se de ação anulatória de contrato (n° 90127019030000000001), ajuizada em virtude de suposta violação aos deveres de informação e transparência contratuais. A parte autora alegou que pretendia contratar empréstimo na modalidade consignado, mas, ludibriada pelo réu, teria sido induzida a contratar um cartão de crédito com Reserva de Margem de Crédito (RMC). Ademais, sustentou que os descontos em sua folha de pagamento, sempre no mínimo da fatura, não abatem o saldo devedor, fazendo com que a dívida seja eternizada. Em se tratando de ação em que busca a autora declarar a inexistência de débito e a indenização por dano moral, decorrente de sua relação com a instituição financeira ré, aquela ostenta a condição de consumidora propriamente dita, nos termos do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor: Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Assim, estando a matéria afeita ao diploma protetivo, é possível a inversão do ônus da prova nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, como meio de facilitação da defesa dos direitos do consumidor, verbis: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Pois bem, cabe consignar que o cartão de crédito consignado, também conhecido como cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), é uma modalidade híbrida que reúne características do cartão de crédito tradicional e do empréstimo consignado. Esse modelo permite ao usuário tanto realizar compras parceladas quanto efetuar saques dentro do limite de crédito disponível. Ao contratar esse tipo de cartão, o consumidor concede autorização prévia e expressa para que o pagamento do valor mínimo da fatura seja descontado diretamente de seu benefício previdenciário ou contracheque, respeitando o limite da margem consignável. Caso o titular não efetue o pagamento integral da fatura, a quantia mínima devida é automaticamente descontada na folha de pagamento. O saldo remanescente, por sua vez, é refinanciado para o mês seguinte, sendo reajustado conforme a taxa de juros vigente no momento do inadimplemento. Isso significa que, no momento da adesão ao cartão, não há como prever exatamente a taxa de juros que incidirá sobre eventuais atrasos futuros. Diferente do empréstimo consignado, que consiste em um crédito pessoal cujas parcelas são deduzidas diretamente da folha de pagamento ou do benefício previdenciário, o cartão de crédito consignado funciona com um modelo de amortização diferente. No caso do empréstimo consignado, a instituição financeira responsável pelo pagamento do salário ou benefício transfere automaticamente uma parte do valor devido à entidade credora. Além disso, o cartão de crédito consignado se distingue do cartão de crédito convencional, que concede um limite de crédito para compras, cujo pagamento integral pode ser realizado na fatura seguinte sem juros. No cartão convencional, se o consumidor optar por não quitar o valor total da fatura, entra em vigor o crédito rotativo, que envolve a incidência de juros. Esse montante pode ser quitado integralmente no mês seguinte ou ser negociado em parcelas com a instituição financeira. No que tange à alegada ilegalidade e abusividade da contratação, importante ressaltar que o cartão de crédito consignado encontra previsão na Lei nº 10.820/2003. Vejamos: Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos § 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 40% (quarenta por cento), sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado. (Redação dada pela Lei nº 14.431, de 2022) Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do benefício de prestação continuada de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, poderão autorizar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) proceda aos descontos referidos no art. 1º desta Lei e, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam os seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, na forma estabelecida em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS e ouvido o Conselho Nacional de Previdência Social.(Redação dada pela Lei nº 14.431, de 2022) § 5º Para os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social, os descontos e as retenções referidos no caput deste artigo não poderão ultrapassar o limite de 45% (quarenta e cinco por cento) do valor dos benefícios, dos quais 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, a financiamentos e a arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023). Além disso, a autorização para desconto das prestações relativas a este tipo de contratação em folha de pagamento encontra respaldo nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS: Instrução Normativa n.º 28/2008 do INSS Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que: § 1º Os descontos de que tratam o caput não poderão exceder o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor da renda mensal do benefício, considerando que o somatório dos descontos e/ou retenções não exceda, no momento da contratação, após a dedução das consignações obrigatórias e voluntárias: I - até 30% (trinta por cento) para as operações de empréstimo pessoal; e II - até 5% (cinco por cento) para as operações de cartão de crédito. Instrução Normativa n.º 138/2022 do INSS Art. 1º O desconto no valor da aposentadoria e da pensão por morte pagas pelo Regime Geral de Previdência Social, bem como no valor do Benefício de Prestação Continuada - BPC, de que trata o art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, das parcelas referentes ao pagamento de empréstimo pessoal consignado, cartão de crédito consignado e cartão consignado de benefício, concedido por instituições consignatárias acordantes, obedecerão ao disposto nesta Instrução Normativa. Em relação aos servidores públicos federais, a Lei n.º 14.509/2022 dispõe o seguinte: Art. 2º Os servidores públicos federais regidos pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, poderão autorizar a consignação em folha de pagamento em favor de terceiros, a critério da Administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento. (...) II - 5% (cinco por cento) serão reservados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou para a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício. Assim, tem-se que o cartão de crédito com reserva de margem consignável possui previsão legal. Ademais, cumpre salientar que foi instaurado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas no 9002871-62.2022.8.23.0000, de modo que o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Roraima fixou a seguinte tese: DIREITO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LEGALIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. 1. O cartão de crédito consignado constitui modalidade contratual lícita que encontra amparo legal nos arts. 1o, § 1o e 6.o, § 5.o, da Lei Federal n.o 10.820/2003, assim como nas instruções Normativas n.o 28/2008 e 138/2022 do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, aplicável aos empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS. 2. Apesar da existência de regulamentação que legitima o cartão de crédito consignado sob a perspectiva jurídica, a controvérsia reside no possível abuso na disponibilização do produto e na alegada violação do dever de informação por parte das instituições financeiras. 3. Diante da inversão do ônus da prova nas relações consumeristas, compete às instituições financeiras comprovar, de maneira inequívoca, que o consumidor foi devidamente informado sobre os termos do contrato. 4. Nesse sentido, é imprescindível que os contratos destaquem, de forma clara, objetiva e em linguagem fácil, as reais condições do contrato (meios de quitação da dívida; acesso às faturas; cobrança integral do valor do saque no mês subsequente; débito direto do valor mínimo da fatura e incidência de encargos rotativos em caso de não pagamento integral). 5. A falha no dever de informação capaz de induzir o consumidor a erro constitui questão a ser analisada no caso concreto e a anulação do contrato decorrente de tal hipótese deve considerar os defeitos do negócio jurídico e os deveres de probidade e boa-fé, havendo possibilidade, no entanto, de convalidação do negócio anulável. 6. Tese fixada com a seguinte redação: 6.1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com fundamento na Lei Federal n.o 10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.o 28/2008 e 138/2022 do INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e para beneficiários do INSS. 6.2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável permite a cobrança no contracheque, desde que a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno e inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou outras provas incontestáveis. Dessa forma, tem-se que o cartão de crédito com reserva de margem consignável é produto lícito tendo em vista sua previsão em lei e em instrução normativa do INSS aos empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS. Todavia, a instituição bancária deve comprovar que o consumidor tinha pleno e inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado por meio do Termo de Consentimento Esclarecido ou outras provas incontestáveis. Dito isso, embora a parte autora não negue a existência de avença subjacente aos referidos descontos, advoga situação de vício de consentimento quanto aos termos do que foi contratado, especialmente quanto à modalidade de crédito referida (Cartão de Crédito Consignado), sustentando que a intenção negocial restringia-se à adesão de empréstimo consignado tradicional. Negada a anuência quanto à linha de crédito que ensejou os descontos, caberia à instituição financeira, a quem lhe foi atribuído o ônus probatório, a demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, nos termos do art. 373, inciso II do CPC e art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, com a respectiva disponibilização de documento apto a inferir a legítima anuência da parte quanto aos termos avençados. No caso em tela, o Banco Agibank apresentou o "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco Agibank e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" no EP 21.2. Contudo, conforme se depreende dos autos, a parte autora é pessoa analfabeta, o que aumenta sua vulnerabilidade e a necessidade de proteção jurídica. Em casos de contratação com analfabetos, a lei exige formalidades específicas para garantir a validade do negócio jurídico e a proteção dos interesses do contratante hipossuficiente. O artigo 595 do Código Civil estabelece que, na prestação de serviço, quando o prestador não souber ler ou escrever, o contrato deverá ser assinado por outra pessoa a seu rogo e por duas testemunhas. No presente caso, o contrato de RMC (EP 21.2) não possui a assinatura a rogo, apenas as assinaturas de duas testemunhas cujos documentos pessoais sequer foram anexados ao contrato. Tal omissão configura um vício formal grave, que compromete a validade do negócio jurídico, conforme entendimento consolidado na jurisprudência pátria: E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – CONTRATANTE IDOSO, E ANALFABETO – NÃO OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS – AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO – CONTRATO NULO – RESTITUIÇÃO DOS VALORES – INEXISTÊNCIA DE MÁ -FÉ – REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O Código Civil exige que os contratos de prestação de serviço firmados por analfabetos sejam assinados a rogo e na presença de duas testemunhas (art. 595, CC). É nulo o contrato em que a parte, sendo analfabeta, apõe sua impressão digital, não havendo, porém, quem assine a seu rogo, não suprindo o vício a presença de testemunhas . Não havendo prova da má-fé ou erro injustificável, não é possível a aplicação do artigo 42 do CDC, fazendo surgir apenas a obrigação de devolver a importância recebida, indevidamente, de forma simples. Se não demonstrados os requisitos da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral.(TJ-MT 10010519820208110049 MT, Relator.: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 09/12/2021, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/12/2021) A contestação do réu, embora alegue a validade da contratação por impressão digital e a ciência da autora, não logrou êxito em demonstrar que a consumidora foi informada de forma clara, objetiva e em linguagem fácil sobre as reais condições do contrato de RMC, especialmente quanto aos meios de quitação da dívida, o acesso às faturas, a cobrança integral do valor do saque no mês subsequente e a incidência de encargos rotativos em caso de não pagamento integral. A mera apresentação de um termo de adesão genérico, sem a vinculação inequívoca ao contrato específico e sem a demonstração do cumprimento do dever de informação qualificada, não é suficiente para afastar o vício de consentimento alegado. Dessa forma, inviabilizada a análise do referido documento contratual em sua plenitude e clareza, prejudicado está o cumprimento do dever informacional, não sendo possível negar a existência de eventual falta de clareza e dubiedade do que teria sido anuído. Pelo que, impõe-se ao julgador uma interpretação favorável ao consumidor (art. 47 do CDC), parte cuja hipossuficiência decorre de mandamento ex lege, presumindo-se, portanto, a existência de vício de consentimento e, consequentemente, a própria nulidade da avença firmada. Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado: EMENTA: CIVIL, PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. EMPRÉSTIMO CONCEDIDO SOB A FORMA DE SAQUE EM CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONTRATO NÃO ACOSTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INFORMAÇÃO SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DA OPERAÇÃO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO SEU ÔNUS DE FORNECER INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA SOBRE SEUS SERVIÇOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ CONTRATUAL, TRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÃO. PATENTE A INTENÇÃO DE CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO E, RECEBIDO VALORES, A CONTRATAÇÃO DEVE SUBSISTIR COMO SE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO FOSSE. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM ARBITRADO COM RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE. APLICABILIDADE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DESTA CORTE. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0800320-28.2023.8.20.5159, Des. Dilermando Mota, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 09/03/2024, PUBLICADO em 11/03/2024). Assim, evidenciada a antijuridicidade da conduta e a impropriedade quanto à alegada subtração patrimonial (descontos indevidos), evidente o dever de reparação material e de compensação indenizatória extrapatrimonial, cuja responsabilidade dispensa a apuração de qualquer elemento subjetivo (dolo ou culpa), bastando aferir a existência de dano, nos termos do que dispõe o art. 14 do CDC. Sobre o tópico reparatório, convém assinalar que o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de o consumidor receber, em dobro, as quantias indevidamente cobradas: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". É relevante pontuar, ainda, que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a repetição em dobro é aplicável sempre que a cobrança indevida representar afronta à boa-fé objetiva, independentemente da existência de dolo ou culpa por parte do fornecedor (EREsp nº 1.413.542/RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, rel. p/ acórdão Min. Herman Benjamin, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021). Nada obstante, a tese fixada no citado precedente teve seus efeitos modulados, passando a incidir somente nas cobranças realizadas após a data da publicação do acórdão, que se deu em 30/03/2021. Confira-se: “ Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. [...]” (EREsp n. 1.413.542/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021.). Nesse contexto, impõe-se reconhecer que, para as cobranças indevidas efetuadas antes da data de publicação do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, como ocorre parcialmente no caso em análise, ainda é exigida a demonstração da efetiva afronta ao princípio da boa-fé objetiva. No caso concreto, entendo estar evidente a má-fé por parte da instituição financeira, ao impor unilateralmente uma modalidade de crédito sem a devida anuência expressa do consumidor, ou, no mínimo, sem a comprovação de que o dever de informação foi cumprido de forma plena e inequívoca, conforme a tese do IRDR. A conduta de mascarar um empréstimo consignado como cartão de crédito com RMC, com descontos mínimos que perpetuam a dívida, configura uma prática abusiva que vai além do mero engano justificável. Diante disso, conclui-se que, mesmo antes do marco temporal estabelecido, restou caracterizada não apenas a violação à boa-fé objetiva, mas também a presença de elemento subjetivo – no caso, culpa – em razão do descumprimento da forma legal exigida para a validade do contrato e do dever de informação. Não se trata, portanto, de erro justificável, sendo devida a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente. Considerando os elementos fáticos e jurídicos delineados na fundamentação, com o reconhecimento da inexistência do vínculo contratual referente ao contrato n° 90127019030000000001, as partes devem ser restituídas ao status quo ante. No caso em tela, o valor de R$ 1.126,44 (EP 21.3), creditado em favor da autora, deverá ser compensado com os valores descontados indevidamente de seu benefício previdenciário, observando-se, para tanto, a restituição em dobro do indébito. A apuração do quantum devido deverá ser realizada na fase de cumprimento de sentença, com a especificação exata do número de parcelas efetivamente descontadas. Caso o montante dos descontos ultrapasse o valor creditado, a parte autora fará jus à devolução do saldo remanescente. Em sentido contrário, se o valor creditado superar os descontos, a instituição financeira será credora da autora pelo valor excedente. No que tange ao pedido de danos morais, tenho que os descontos indevidos no benefício previdenciário do autor, perpetrado pelo banco réu, geraram risco à subsistência da parte autora e violaram a sua dignidade e integridade psíquica. A situação de ter uma dívida que se perpetua indefinidamente, com descontos mensais que não amortizam o principal, causa angústia e desequilíbrio financeiro, especialmente para um aposentado que aufere renda modesta. Dessa forma, revela-se devida a indenização por dano moral na hipótese. Ademais, este vem sendo o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. In verbis : APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVA INVERTIDO. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS DECLARADOS NULOS. AUSÊNCIA DE FATO MODIFICATIVO, IMPEDITIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO ALEGADO PELO AUTOR. ÔNUS QUE RECAÍA SOBRE O RÉU. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. POSSIBILIDADE. DISPENSA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTES. VALOR DA INDENIZAÇÃO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJRR, AC 0800181-05.2021.8.23.0005, Câmara Cível, Rel. Juiz Conv. ANTÔNIO AUGUSTO MARTINS NETO, julgado em 19/07/2021, DJe: 20/07/2021). APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$ 5.000,00. AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. VALOR QUE ATENDE AO CARÁTER PEDAGÓGICO DA PENALIDADE. VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE. (TJRR, AC 0828720-73.2015.8.23.0010, Segunda Turma Cível, Rel. Juiz Conv. LUIZ FERNANDO MALLET, julgado em 27/08/2020, DJe: 03/09/2020). Acerca do quantum indenizatório, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de considerar válida a adoção do critério bifásico para o referido arbitramento equitativo. Sob tal perspectiva, na primeira fase, tendo em vista o interesse jurídico lesado e os precedentes oriundos de casos semelhantes, estabelece-se um valor básico para a indenização. Na segunda fase, ponderam-se as circunstâncias in concreto (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes), ultimando-se o valor indenizatório, mediante arbitramento equitativo do julgador (AgInt no REsp 1608573/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019). Diante disso, considero adequado à reparação da lesão moral o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Sendo assim, pelo aspecto fático e fundamentos jurídicos expostos, acolho em parte os pedidos formulados na inicial, julgando procedente a pretensão autoral, extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma do inciso I do art. 487 do Código de Processo Civil, para: i) declarar a inexistência da relação jurídica contratual relativa ao contrato n. 90127019030000000001, determinando seu imediato cancelamento pela parte ré; ii) condenar a parte ré ao pagamento, à autora, da repetição do indébito em dobro, relativamente aos valores descontados indevidamente de seu benefício previdenciário, sob o contrato mencionado, observada a compensação com o valor creditado, conforme fundamentação; iii) condenar a parte ré ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de indenização por danos morais, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação válida, e correção monetária pelo índice oficial deste Tribunal, a contar da publicação desta decisão. A restituição de eventual saldo residual a uma das partes deverá seguir a fundamentação supra, com a liquidação em fase de cumprimento de sentença, com correção monetária pelo índice oficial deste Tribunal, a partir do desconto de cada parcela, com juros legais de mora (1% a.m.), a contar da citação válida nos autos. Oficie-se ao INSS para que proceda à suspensão dos descontos relativos ao contrato n. 90127019030000000001 em comento. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte autora, fixados em 12% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2o, do CPC. Intimem-se eletronicamente as partes. Transitada esta decisão em julgado, certifique-se e arquive-se, sem prejuízo de ulterior reabertura do trâmite, para fins de cumprimento de sentença, que ocorrerá em umas das varas de execução cível desta comarca. Boa Vista, quarta-feira, 11 de junho de 2025. Angelo Augusto Graça Mendes Juiz de Direito (Assinado Digitalmente - Sistema CNJ – PROJUDI)