Claro S/A x Maria De Lourdes De Araujo Varandas Eireli - Me
Número do Processo:
0816922-42.2019.8.15.2001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPB
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
3ª Câmara Cível
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0816922-42.2019.8.15.2001 ORIGEM: 14ª Vara Cível da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau APELANTE: Claro S/A ADVOGADA: Paula Maltz Nahon (OAB RS 51657) APELADO: Maria de Lourdes de Araújo Varandas Eireli ADVOGADO: Ramon Terroso Carneiro (OAB/PB 28910) e Bruno Feigelson (OAB/RJ 64272) Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TELEFONIA MÓVEL. COBRANÇA INDEVIDA DE DADOS MÓVEIS. EMPRESA DE PEQUENO PORTE COMO DESTINATÁRIA FINAL. ABUSIVIDADE CONTRATUAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por CLARO S/A contra sentença proferida pela 14ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa, que julgou procedente em parte a ação ajuizada por MARIA DE LOURDES DE ARAÚJO VARANDAS EIRELI – ME, declarando a inexigibilidade de débitos relativos a consumo de dados móveis nas faturas de julho e agosto de 2018, no valor de R$ 14.899,27, e condenando a ré à restituição do montante de R$ 20.432,06, pagos indevidamente pela autora. A sentença também reconheceu a relação de consumo, aplicou a inversão do ônus da prova e fixou sucumbência recíproca. A apelante sustenta inaplicabilidade do CDC, inexistência de cobrança indevida, validade contratual e impugna os critérios de correção monetária e juros aplicados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se é aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica entre as partes; (ii) determinar se houve abusividade na cobrança por consumo excedente de dados móveis, com consequente restituição dos valores pagos; (iii) fixar o termo inicial adequado para a incidência dos juros moratórios sobre a indenização por danos materiais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação da teoria finalista mitigada, reconhecendo a existência de relação de consumo quando empresa de pequeno porte figura como destinatária final dos serviços, como no caso em análise. 4. A inversão do ônus da prova é válida quando verificada a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência técnica do consumidor, especialmente em contratos de telefonia com estrutura técnica complexa e desequilíbrio informacional. 5. Os documentos constantes dos autos demonstram discrepância injustificada entre os valores habitualmente cobrados e os lançados nas faturas questionadas, sem comprovação de comunicação clara ou bloqueio automático por parte da operadora, caracterizando falha na prestação do serviço e abusividade contratual. 6. A cláusula que impõe ao consumidor a responsabilidade exclusiva pela gestão da franquia de dados, sem mecanismos eficazes de controle fornecidos pela operadora, fere os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, sendo, portanto, abusiva nos termos do CDC. 7. Os boletos e faturas emitidos por sistemas automatizados possuem presunção relativa de veracidade, que pode ser elidida por indícios de cobrança indevida, como verificado na espécie. 8. A restituição do valor pago pela autora encontra respaldo nos documentos apresentados e na ausência de prova da legalidade da cobrança pela ré. 9. Quanto ao termo inicial dos juros de mora, prevalece o entendimento de que, sendo a responsabilidade de natureza contratual, incidem a partir da citação, nos termos da jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da Paraíba. 10. A majoração dos honorários de sucumbência decorre da aplicação do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, ante o não provimento integral do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à empresa de pequeno porte quando configurada sua condição de destinatária final dos serviços. 2. A cláusula contratual que transfere exclusivamente ao consumidor a responsabilidade pelo controle de consumo de dados, sem bloqueio automático ou informação clara sobre custos adicionais, é abusiva. 3. A inversão do ônus da prova exige a verossimilhança das alegações e hipossuficiência técnica ou informacional do consumidor, a ser verificada no caso concreto. 4. Em caso de responsabilidade contratual, os juros moratórios incidem a partir da citação. 5. A majoração dos honorários advocatícios em grau recursal é cabível quando o recurso é parcialmente provido. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, III, IV e VIII, 14 e 22; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1.413.889/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 27.03.2014, DJe 02.05.2014; STJ, AgInt no REsp 1.648.948/RJ, j. 03.12.2018, DJe 05.12.2018; TJPB, Apelação Cível nº 0802866-68.2021.8.15.0211, 3ª Câmara Cível, j. 01.12.2022. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por CLARO S/A contra a sentença proferida nos autos do Processo nº 0816922-42.2019.8.15.2001, oriundo da 14ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa, que julgou procedente a ação proposta por MARIA DE LOURDES DE ARAUJO VARANDAS EIRELI - ME, declarando a inexigibilidade de valores cobrados a título de pulsos excedentes em contrato de telefonia, condenando a parte ré ao pagamento de danos materiais e estabelecendo a sucumbência recíproca entre as partes, com arbitramento de verba honorária proporcional às respectivas derrotas processuais. A sentença recorrida, lançada sob o ID 34732071, reconheceu a abusividade na cobrança de serviços supostamente utilizados em excesso ao plano de franquia contratado pela parte autora, considerando ausência de transparência e falha na prestação de informações essenciais pela operadora CLARO S/A. Restou determinada, ainda, declaração de inexistência do débito relativo aos uso de dados móveis das faturas dos meses de julho e agosto de 2018, no valor de R$ 14.899,27 e fixado o valor da reparação material com base nos comprovantes apresentados, no importe de R$ 20.432,06, com corrreção monetária pelo INPC do IBGE e juros de mora de 1¢ ao més, tudo a partir do efetivo desembolso, bem como estipulado percentual de 10% sobre o valor da condenação a título de honorários advocatícios, rateado conforme sucumbência proporcional. Em suas razões recursais (ID 34732074), a CLARO S/A, ora apelante, sustenta preliminarmente a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica subjacente, alegando que a parte autora não seria consumidora final, pois contratou os serviços de telecomunicação como meio de fomento à atividade empresarial. Aduz, ainda, que não haveria justa razão para inversão do ônus probatório, por inexistirem os requisitos cumulativos de verossimilhança das alegações e hipossuficiência técnica ou informacional No mérito, alega a inexistência de cobrança indevida, asseverando que os valores contestados referem-se a uso excedente de dados móveis após o término da franquia contratada, cuja tarifação está prevista em cláusula contratual clara e acessível. Sustenta que eventual controle de consumo poderia ter sido realizado pela própria contratante por meio do sistema "Gestor Online", cuja operacionalização seria de responsabilidade do cliente. Argumenta pela validade e regularidade das faturas apresentadas, confeccionadas por sistema automatizado e com respaldo contábil. Pleiteia, ao final, a reforma total da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais, com inversão da sucumbência em favor da apelante. Subsidiariamente, requer a modificação do termo inicial dos juros incidentes sobre o dano material para a data da citação e a adoção dos parâmetros de atualização e juros previstos na Lei nº 14.905/2024 (IPCA como índice de correção e SELIC deduzido do IPCA para juros compensatórios). Não houveram contrarrazões. Desnecessidade de remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, porquanto ausente interesse público primário a recomendar a intervenção obrigatória do Ministério Público, nos termos dos arts. 178 e 179 do CPC, ficando assegurada sustentação oral, caso seja de seu interesse. É o relatório. VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque – Relator Inicialmente, destaco que o preparo foi efetivado, conforme comprova o id nº. 34732077. Presentes os respectivos pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso, passando à análise das razões recursais. Emerge dos autos que a parte autora ajuizou a presente Ação Declaratória de inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais afirmando que sempre se utilizou da prestação dos serviços de telefonia móvel da demandada e a sua fatura habitualmente teve o seu valor na média de aproximadamente R$ 1.756,20 (um mil setecentos e cinquenta e seis reais e vinte centavos). Aduz ainda que no mês de julho de 2018, a empresa autora foi surpreendida com o valor da fatura com vencimento para o --dia 15/07/2018 (correspondente ao período de uso de 19/05/2018 a 18/06/2018), recebendo uma cobrança no valor de R$ 6.382,48 (seis mil, trezentos e oitenta e dois reais e quarenta e oito centavos). Informa que ao receber a fatura em questão, no dia 08/07/2018, a promovente percebeu a realização de cobrança no uso de plano de dados de internet, no valor de R$ 3.454,58 (três mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e oito centavos), na linha de nº (83) 99113-1323. Diante desta cobrança, a parte autora, no dia 09/07/2018, administrativamente, contestou os valores cobrados, vindo à parte ré reconhecer o erro e, consequentemente, corrigiu o valor da cobrança, sendo emitida uma nova fatura no valor de R$ 1.745,00 (um mil, setecentos e quarenta e cinco reais). Acontece que, no mês de agosto deste ano, a autora foi novamente surpreendida com a fatura com vencimento para 15/08/2018, pois está sendo cobrado o valor de R$ 15.358,27 (quinze mil, trezentos e cinquenta e oito reais e vinte sete centavos). Por fim, ao analisar a fatura com vencimento para o mês de agosto de 2018, a promovente novamente percebeu a realização de uma cobrança excessiva no tocante ao uso de plano de dados de internet, só que dessa vez em duas linhas - (83) 99113-1323 e (83) 99106- 7448 -, que somados totalizam a quantia estratosférica de R$ 14.899,27 (quatorze mil, oitocentos e noventa e nove reais e vinte e sete centavos). Salienta que para não ficar prejudicada por ocasião de novo corte na prestação de serviços da ré, a empresa demandante negociou a dívida de modo que houvesse a continuação dos serviços que lhe eram prestados, considerando seu caráter essencial para suas atividades. Nessa ocasião da celebração do acordo, a empresa promovida só retornava os serviços se a autora a fizesse um acordo somando a absurda cobrança por consumo de planos de dados com as faturas que ainda está para vencer, totalizando a quantia de R$ 20.432,06 (vinte mil, quatrocentos e trinta e dois reais e seis centavos), devendo ser pagos em 10 parcelas, sendo a entrada na quantia de R$ 4.086,41 (quatro mil e oitenta e seis reais e quarenta e um centavos) e 09 (nove) parcelas iguais no valor de R$ 1.816,19 (um mil, oitocentos e dezesseis reais e dezenove centavos). Assim, requer que seja declarado inexistente o débito cobrado e que a empresa promovida seja condenada a restituir toda a quantia paga indevidamente no transcurso do processo, bem como uma justa indenização por danos morais. Os pedidos autorais foram julgados parcialmente procedentes para: “a) Declarar a inexistência do débito relativo ao uso de dados móveis das faturas dos meses de julho e agosto de 2018, no valor de R$ 14.899,27; e b) Condenar a ré à restituição dos valores pagos indevidamente pela autora, no importe de R$ 20.432,06, conforme os comprovantes de pagamento de id 55118638, com correção monetária pelo INPC do IBGE e juros de mora de 1% ao mês, tudo a partir do efetivo desembolso.” No caso, a relação havida entre as partes se trata de relação de consumo, porquanto a apelada, embora se trate de pessoa jurídica, utiliza o serviço como destinatária final, caracterizando-se como consumidora, e a empresa fornecedora de serviços de internet e telefonia, presta serviços, no mercado de consumo, mediante remuneração direta, qualifica-se como fornecedora, atraindo, por conseguinte, a regra do Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos artigos 2º e 3º, do referido Diploma Legal. Confira: CDC – Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Em relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor a casos como o dos presentes autos, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento sedimentado: Mas, a teoria finalista vem sofrendo abrandamentos na jurisprudência do STJ, surgindo, assim, a teoria finalista aprofundada (ou mitigada), segundo a qual pe possível considerar consumidor aquele que, mesmo não sendo “ tecnicamente o destinatário final” do produto ou serviço, se encontra em situação de vulnerabilidade frente ao outro contratante, traindo, assim a incidência das normas do direito consumerista. (AgRg no Resp 1.413.889/SC, Relator o Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, Dje 02/05/2014/Edcl no AREsp 265.845/SP, Relator o Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/16/2013, DJe 01/08/2013). Sendo assim, quando vislumbrada vulnerabilidade da empresa adquirente dos serviços com a fornecedora, pela teoria finalista mitigada ou aprofundada, serão aplicáveis as normas consumeristas. O art. 6º, VIII, do CDC, determina que é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Insta frisar que o instituto apenas será aplicado quando o juiz reconhecer como verossímil a alegação do consumidor ou quando for ele hipossuficiente para a produção de prova. O referido dispositivo legal é vocacionado à elucidação dos fatos narrados pelo consumidor, transferindo tal incumbência a quem, em tese, possua melhores condições de fazê-lo. Tanto é assim que a inversão do ônus da prova está ancorada na assimetria técnica e informacional existente entre as partes em litígio. Por essa razão, destaca-se aqui que a inversão do ônus da prova, com base nesse dispositivo, não ocorre ope legis, mas ope iudicis, ou seja, é o juiz que, de forma prudente e fundamentada, deve vislumbrar o cabimento da inversão. O exame da igualdade no processo civil pressupõe a comparação entre as posições exercidas pelas partes no particular, sendo observada a efetiva possibilidade que cada uma tem de provar determinada alegação de fato, prevenindo que não haja desvantagem de quaisquer dos lados na possibilidade de produção de determinada prova. Assim, a distribuição do ônus probatório deve ser realizada individualmente, de acordo com cada hipótese fática colocada sub judice, pois, indispensável à verossimilhança da alegação do beneficiário, somada à sua eventual hipossuficiência. Sobre o tema, leciona Bruno Miragem: Neste sentido, é necessário distinguir entre vulnerabilidade e hipossuficiência, ambas expressões presentes no CDC. No caso da hipossuficiência, presente no artigo 6º, VIII, do CDC, a noção aparece como critério de avaliação judicial para a decisão sobre a possibilidade ou não de inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Refere a norma em comento, indicando direito básico do consumidor:" A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência ". Ou seja, nem todo o consumidor será hipossuficiente, devendo esta condição ser identificada pelo juiz no caso concreto. Trata-se, portanto, de um critério que depende, segundo duas linhas de entendimento: a) da discricionariedade do juiz, 359 permitindo que ele identifique, topicamente, a existência ou não de debilidade que dificulte ao consumidor, no processo, sustentar suas alegações com provas que demonstrem a veracidade das suas alegações; b) de conceito indeterminado, cujo preenchimento de significado deve se dar segundo critérios objetivos, porém, sem espaço de escolha para o juiz, senão de mera avaliação dos fatos da causa e sua subsunção à norma. De qualquer sorte, a impossibilidade de realizar a prova no processo, a nosso ver, não se restringe apenas à falta de meios econômicos para tanto, mas pode se caracterizar também pela ausência de meios para obtê-la (por exemplo, o fornecedor que se recusa a oferecer a cópia do contrato para o consumidor, ou simplesmente a realização do contrato meramente verbal, com ausência de um documento escrito). (MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do consumidor. 6a ed. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2019.) KAZUO WATANABE discorre sobre conceito de hipossuficiência: A hipossuficiência, característica integrante da vulnerabilidade, demonstra uma diminuição de capacidade do consumidor, não apenas no aspecto econômico, mas a social, de informações, de educação, de participação, de associação, entre outros. (...) Ocorrendo, assim, situação de manifesta posição de superioridade do fornecedor em relação ao consumidor, de que decorra a conclusão de que é muito mais fácil ao fornecedor provar a sua alegação, poderá o juiz proceder à inversão do ônus da prova. (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Forense, 7ª edição, 2001, p. 735). É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a inversão do ônus da prova fica a critério do juiz, cabendo-lhe apreciar a verossimilhança das alegações do consumidor e/ou a sua hipossuficiência. (AgInt no REsp 1648948/RJ, julgado em 03/12/2018, DJe 05/12/2018; AgInt no AREsp n. 1.939.416/RS, Quarta Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 10/6/2022). O objetivo do legislador com o CDC não foi necessariamente privilegiar o consumidor, mas tão somente igualá-lo ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços. Justamente na busca deste equilíbrio entre as partes envolvidas na relação de consumo, foi instituído o mecanismo da inversão do ônus da prova. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - PROVA NEGATIVA - IMPOSSIBILIDADE. - A inversão do ônus probatório não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência - Não se aplica a inversão do ônus da prova em favor do consumidor quando inexiste verossimilhança de suas alegações, nos termos do art. 6º, VIII, CDC. A inversão do ônus da prova é concedida quando restarem evidenciadas as alegações do consumidor, ou quando clara sua dificuldade em conseguir determinado meio probatório, ou seja, reste comprovada sua hipossuficiência probatória - Não há de ser deferida a inversão do ônus da prova quando atribuído à parte contrária o dever de comprovação de fato negativo, conhecido no âmbito jurídico como "prova diabólica", haja vista a impossibilidade da sua produção.(TJ-MG - AI: 10000200304137001 MG, Relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 29/10/2020, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/10/2020) No presente caso, a parte autora, empresa de pequeno porte, comprovou a contratação de pacote de telefonia com a ré para viabilizar comunicação com seus clientes e funcionários. Em razão dessa constatação, impõe-se, igualmente, o reconhecimento da possibilidade de inversão do ônus da prova, desde que presentes os pressupostos do art. 6º, inciso VIII, do CDC, a saber: verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor. Verifica-se nos autos que a autora apresentou documentos que denotam cobrança expressiva e desproporcional de consumo de dados, sem o devido controle, transparência ou bloqueio, conquanto existente cláusula contratual genérica. Tal circunstância é suficiente para ensejar a verossimilhança das alegações. No tocante à hipossuficiência técnica, é inequívoca diante da complexidade tecnológica envolvida na medição do consumo de dados móveis e da gestão do plano contratado. De outra parte, a ré não logrou êxito em comprovar que prestou adequadamente as informações necessárias ao consumidor sobre os limites e consequências do uso excedente do pacote contratado, tampouco comprovou que a ferramenta de controle (“Gestor Online”) foi corretamente operacionalizada pela contratante, nem que houve suporte técnico para tanto. Cabe destacar que a cláusula contratual que transfere exclusivamente ao consumidor a responsabilidade integral pela limitação e gestão da franquia, sem qualquer bloqueio automático do serviço ou aviso eficaz e tempestivo, caracteriza-se como abusiva, por contrariar os princípios da boa-fé e da transparência (art. 6º, III e IV, do CDC). Quanto à alegação de inexistência de ato ilícito e de que as faturas são documentos hábeis a demonstrar a legalidade da cobrança, não se desconhece a presunção relativa de veracidade dos extratos e boletos emitidos por sistemas automatizados. No entanto, tal presunção cede diante de alegação específica e fundamentada de vício na prestação do serviço, o que se verifica no caso, ante a disparidade entre o serviço contratado e o volume de dados faturado, o que sugere falha sistêmica ou desequilíbrio contratual. Não havendo demonstração segura da legalidade e da clareza contratual quanto ao modelo de cobrança avulsa após o término da franquia, e existindo dúvida razoável sobre a higidez da cobrança, deve prevalecer o entendimento da sentença de primeiro grau que declarou inexigível o valor e condenou a ré ao ressarcimento do montante efetivamente desembolsado a título de cobrança indevida. Assim como reconheceu o juízo de piso, cujo teor reitero: “A demandante, como consumidora, demonstrou que as cobranças nas faturas de julho e agosto de 2018 destoam significativamente dos valores anteriormente praticados e da média de consumo usual. Verifica-se que, embora a ré tenha ajustado a fatura de julho após a contestação administrativa, houve nova cobrança excessiva no mês de agosto, indicando uma falha na prestação do serviço ao não prevenir cobranças desproporcionais e ao condicionar a continuidade dos serviços ao pagamento de valores indevidos. A situação fática demonstra, ainda, que a demandante firmou acordo por coação econômica, evidenciando-se a abusividade das práticas da ré ao impor condições onerosas para um serviço essencial ao funcionamento da empresa.”. Quanto à atualização monetária e incidência de juros, conquanto a Lei nº 14.905/2024 tenha promovido alteração nos arts. 389 e 406 do Código Civil, estabelecendo a adoção do IPCA como índice de correção monetária e a SELIC (subtraído o IPCA) como taxa de juros moratórios na ausência de convenção diversa, tal diploma legal possui caráter de norma material e não possui aplicação retroativa. Aplica-se, pois, a regra vigente ao tempo da constituição da obrigação. No entanto, no presente caso, a indenização por danos materiais é decorrente de responsabilidade contratual, contando-se os juros de mora a partir da citação. Nesse sentido cito julgado deste Egrégio Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. IRRESIGNAÇÃO. COBRANÇA INDEVIDA DE ANUIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO. TARIFA "CART CRED ANUID". INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS, TAMPOUCO UTILIZADOS PELA CONSUMIDORA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL CARACTERIZADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. DANOS MATERIAIS. TERMO INICIAL DOS JUROS CORRETAMENTE FIXADOS. DATA DA CITAÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL. PROVIMENTO PARCIAL. Caracterizado o dano moral, há de ser fixada a indenização mediante prudente arbítrio do juiz, de acordo com o princípio da razoabilidade, observados a finalidade compensatória, a extensão do dano experimentado, bem como o grau de culpa. Simultaneamente, o valor não pode ensejar enriquecimento sem causa, nem pode ser ínfimo, a ponto de não coibir a reincidência em conduta negligente. Como a relação estabelecida entre as partes ostenta natureza contratual, e não extracontratual, o termo inicial dos juros de mora da condenação por danos materiais fixada pelo juízo a quo (data da citação) e a aplicação do índice de correção monetária, não carecem de retoque. (0802866-68.2021.8.15.0211, Rel. Gabinete 13 - Desembargador (Vago), APELAÇÃO CÍVEL, 3ª Câmara Cível, juntado em 01/12/2022) Nesse contexto, a alteração do decisum objurgado se dará apenas quanto a contagem dos termo inicial dos juros de mora. DISPOSITIVO Isso posto, VOTO no sentido de que este Colegiado conheça do Apelo e DE-LHE PARCIAL PROVIMENTO para, determinar que o termo inicial para contagem dos juros de mora seja a data da citação, mantendo-se inalterado os demais termos da sentença recorrida. De ofício, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios de sucumbência fixados no 1º Grau, que ficam agora fixados em 15% do valor atualizado da causa. É como voto. João Pessoa/PB, data do registro eletrônico. Dr. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque Relator
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01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 3ª Câmara Cível | Classe: APELAçãO CíVELPODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA TERCEIRA CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL GABINETE 18 – DES. JOÃO BATISTA BARBOSA ACÓRDÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 0816922-42.2019.8.15.2001 ORIGEM: 14ª Vara Cível da Capital RELATOR: Inácio Jário Queiroz de Albuquerque - Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau APELANTE: Claro S/A ADVOGADA: Paula Maltz Nahon (OAB RS 51657) APELADO: Maria de Lourdes de Araújo Varandas Eireli ADVOGADO: Ramon Terroso Carneiro (OAB/PB 28910) e Bruno Feigelson (OAB/RJ 64272) Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. TELEFONIA MÓVEL. COBRANÇA INDEVIDA DE DADOS MÓVEIS. EMPRESA DE PEQUENO PORTE COMO DESTINATÁRIA FINAL. ABUSIVIDADE CONTRATUAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por CLARO S/A contra sentença proferida pela 14ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa, que julgou procedente em parte a ação ajuizada por MARIA DE LOURDES DE ARAÚJO VARANDAS EIRELI – ME, declarando a inexigibilidade de débitos relativos a consumo de dados móveis nas faturas de julho e agosto de 2018, no valor de R$ 14.899,27, e condenando a ré à restituição do montante de R$ 20.432,06, pagos indevidamente pela autora. A sentença também reconheceu a relação de consumo, aplicou a inversão do ônus da prova e fixou sucumbência recíproca. A apelante sustenta inaplicabilidade do CDC, inexistência de cobrança indevida, validade contratual e impugna os critérios de correção monetária e juros aplicados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se é aplicável o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica entre as partes; (ii) determinar se houve abusividade na cobrança por consumo excedente de dados móveis, com consequente restituição dos valores pagos; (iii) fixar o termo inicial adequado para a incidência dos juros moratórios sobre a indenização por danos materiais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação da teoria finalista mitigada, reconhecendo a existência de relação de consumo quando empresa de pequeno porte figura como destinatária final dos serviços, como no caso em análise. 4. A inversão do ônus da prova é válida quando verificada a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência técnica do consumidor, especialmente em contratos de telefonia com estrutura técnica complexa e desequilíbrio informacional. 5. Os documentos constantes dos autos demonstram discrepância injustificada entre os valores habitualmente cobrados e os lançados nas faturas questionadas, sem comprovação de comunicação clara ou bloqueio automático por parte da operadora, caracterizando falha na prestação do serviço e abusividade contratual. 6. A cláusula que impõe ao consumidor a responsabilidade exclusiva pela gestão da franquia de dados, sem mecanismos eficazes de controle fornecidos pela operadora, fere os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, sendo, portanto, abusiva nos termos do CDC. 7. Os boletos e faturas emitidos por sistemas automatizados possuem presunção relativa de veracidade, que pode ser elidida por indícios de cobrança indevida, como verificado na espécie. 8. A restituição do valor pago pela autora encontra respaldo nos documentos apresentados e na ausência de prova da legalidade da cobrança pela ré. 9. Quanto ao termo inicial dos juros de mora, prevalece o entendimento de que, sendo a responsabilidade de natureza contratual, incidem a partir da citação, nos termos da jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça da Paraíba. 10. A majoração dos honorários de sucumbência decorre da aplicação do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, ante o não provimento integral do recurso. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à empresa de pequeno porte quando configurada sua condição de destinatária final dos serviços. 2. A cláusula contratual que transfere exclusivamente ao consumidor a responsabilidade pelo controle de consumo de dados, sem bloqueio automático ou informação clara sobre custos adicionais, é abusiva. 3. A inversão do ônus da prova exige a verossimilhança das alegações e hipossuficiência técnica ou informacional do consumidor, a ser verificada no caso concreto. 4. Em caso de responsabilidade contratual, os juros moratórios incidem a partir da citação. 5. A majoração dos honorários advocatícios em grau recursal é cabível quando o recurso é parcialmente provido. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 2º, 3º, 6º, III, IV e VIII, 14 e 22; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1.413.889/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 27.03.2014, DJe 02.05.2014; STJ, AgInt no REsp 1.648.948/RJ, j. 03.12.2018, DJe 05.12.2018; TJPB, Apelação Cível nº 0802866-68.2021.8.15.0211, 3ª Câmara Cível, j. 01.12.2022. VISTOS, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas. ACORDA a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que integram o presente julgado. RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por CLARO S/A contra a sentença proferida nos autos do Processo nº 0816922-42.2019.8.15.2001, oriundo da 14ª Vara Cível da Comarca de João Pessoa, que julgou procedente a ação proposta por MARIA DE LOURDES DE ARAUJO VARANDAS EIRELI - ME, declarando a inexigibilidade de valores cobrados a título de pulsos excedentes em contrato de telefonia, condenando a parte ré ao pagamento de danos materiais e estabelecendo a sucumbência recíproca entre as partes, com arbitramento de verba honorária proporcional às respectivas derrotas processuais. A sentença recorrida, lançada sob o ID 34732071, reconheceu a abusividade na cobrança de serviços supostamente utilizados em excesso ao plano de franquia contratado pela parte autora, considerando ausência de transparência e falha na prestação de informações essenciais pela operadora CLARO S/A. Restou determinada, ainda, declaração de inexistência do débito relativo aos uso de dados móveis das faturas dos meses de julho e agosto de 2018, no valor de R$ 14.899,27 e fixado o valor da reparação material com base nos comprovantes apresentados, no importe de R$ 20.432,06, com corrreção monetária pelo INPC do IBGE e juros de mora de 1¢ ao més, tudo a partir do efetivo desembolso, bem como estipulado percentual de 10% sobre o valor da condenação a título de honorários advocatícios, rateado conforme sucumbência proporcional. Em suas razões recursais (ID 34732074), a CLARO S/A, ora apelante, sustenta preliminarmente a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica subjacente, alegando que a parte autora não seria consumidora final, pois contratou os serviços de telecomunicação como meio de fomento à atividade empresarial. Aduz, ainda, que não haveria justa razão para inversão do ônus probatório, por inexistirem os requisitos cumulativos de verossimilhança das alegações e hipossuficiência técnica ou informacional No mérito, alega a inexistência de cobrança indevida, asseverando que os valores contestados referem-se a uso excedente de dados móveis após o término da franquia contratada, cuja tarifação está prevista em cláusula contratual clara e acessível. Sustenta que eventual controle de consumo poderia ter sido realizado pela própria contratante por meio do sistema "Gestor Online", cuja operacionalização seria de responsabilidade do cliente. Argumenta pela validade e regularidade das faturas apresentadas, confeccionadas por sistema automatizado e com respaldo contábil. Pleiteia, ao final, a reforma total da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais, com inversão da sucumbência em favor da apelante. Subsidiariamente, requer a modificação do termo inicial dos juros incidentes sobre o dano material para a data da citação e a adoção dos parâmetros de atualização e juros previstos na Lei nº 14.905/2024 (IPCA como índice de correção e SELIC deduzido do IPCA para juros compensatórios). Não houveram contrarrazões. Desnecessidade de remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, porquanto ausente interesse público primário a recomendar a intervenção obrigatória do Ministério Público, nos termos dos arts. 178 e 179 do CPC, ficando assegurada sustentação oral, caso seja de seu interesse. É o relatório. VOTO – Inácio Jário Queiroz de Albuquerque – Relator Inicialmente, destaco que o preparo foi efetivado, conforme comprova o id nº. 34732077. Presentes os respectivos pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso, passando à análise das razões recursais. Emerge dos autos que a parte autora ajuizou a presente Ação Declaratória de inexistência de Débito c/c Indenização por Danos Morais afirmando que sempre se utilizou da prestação dos serviços de telefonia móvel da demandada e a sua fatura habitualmente teve o seu valor na média de aproximadamente R$ 1.756,20 (um mil setecentos e cinquenta e seis reais e vinte centavos). Aduz ainda que no mês de julho de 2018, a empresa autora foi surpreendida com o valor da fatura com vencimento para o --dia 15/07/2018 (correspondente ao período de uso de 19/05/2018 a 18/06/2018), recebendo uma cobrança no valor de R$ 6.382,48 (seis mil, trezentos e oitenta e dois reais e quarenta e oito centavos). Informa que ao receber a fatura em questão, no dia 08/07/2018, a promovente percebeu a realização de cobrança no uso de plano de dados de internet, no valor de R$ 3.454,58 (três mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e cinquenta e oito centavos), na linha de nº (83) 99113-1323. Diante desta cobrança, a parte autora, no dia 09/07/2018, administrativamente, contestou os valores cobrados, vindo à parte ré reconhecer o erro e, consequentemente, corrigiu o valor da cobrança, sendo emitida uma nova fatura no valor de R$ 1.745,00 (um mil, setecentos e quarenta e cinco reais). Acontece que, no mês de agosto deste ano, a autora foi novamente surpreendida com a fatura com vencimento para 15/08/2018, pois está sendo cobrado o valor de R$ 15.358,27 (quinze mil, trezentos e cinquenta e oito reais e vinte sete centavos). Por fim, ao analisar a fatura com vencimento para o mês de agosto de 2018, a promovente novamente percebeu a realização de uma cobrança excessiva no tocante ao uso de plano de dados de internet, só que dessa vez em duas linhas - (83) 99113-1323 e (83) 99106- 7448 -, que somados totalizam a quantia estratosférica de R$ 14.899,27 (quatorze mil, oitocentos e noventa e nove reais e vinte e sete centavos). Salienta que para não ficar prejudicada por ocasião de novo corte na prestação de serviços da ré, a empresa demandante negociou a dívida de modo que houvesse a continuação dos serviços que lhe eram prestados, considerando seu caráter essencial para suas atividades. Nessa ocasião da celebração do acordo, a empresa promovida só retornava os serviços se a autora a fizesse um acordo somando a absurda cobrança por consumo de planos de dados com as faturas que ainda está para vencer, totalizando a quantia de R$ 20.432,06 (vinte mil, quatrocentos e trinta e dois reais e seis centavos), devendo ser pagos em 10 parcelas, sendo a entrada na quantia de R$ 4.086,41 (quatro mil e oitenta e seis reais e quarenta e um centavos) e 09 (nove) parcelas iguais no valor de R$ 1.816,19 (um mil, oitocentos e dezesseis reais e dezenove centavos). Assim, requer que seja declarado inexistente o débito cobrado e que a empresa promovida seja condenada a restituir toda a quantia paga indevidamente no transcurso do processo, bem como uma justa indenização por danos morais. Os pedidos autorais foram julgados parcialmente procedentes para: “a) Declarar a inexistência do débito relativo ao uso de dados móveis das faturas dos meses de julho e agosto de 2018, no valor de R$ 14.899,27; e b) Condenar a ré à restituição dos valores pagos indevidamente pela autora, no importe de R$ 20.432,06, conforme os comprovantes de pagamento de id 55118638, com correção monetária pelo INPC do IBGE e juros de mora de 1% ao mês, tudo a partir do efetivo desembolso.” No caso, a relação havida entre as partes se trata de relação de consumo, porquanto a apelada, embora se trate de pessoa jurídica, utiliza o serviço como destinatária final, caracterizando-se como consumidora, e a empresa fornecedora de serviços de internet e telefonia, presta serviços, no mercado de consumo, mediante remuneração direta, qualifica-se como fornecedora, atraindo, por conseguinte, a regra do Código de Defesa do Consumidor, nos termos dos artigos 2º e 3º, do referido Diploma Legal. Confira: CDC – Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Em relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor a casos como o dos presentes autos, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento sedimentado: Mas, a teoria finalista vem sofrendo abrandamentos na jurisprudência do STJ, surgindo, assim, a teoria finalista aprofundada (ou mitigada), segundo a qual pe possível considerar consumidor aquele que, mesmo não sendo “ tecnicamente o destinatário final” do produto ou serviço, se encontra em situação de vulnerabilidade frente ao outro contratante, traindo, assim a incidência das normas do direito consumerista. (AgRg no Resp 1.413.889/SC, Relator o Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014, Dje 02/05/2014/Edcl no AREsp 265.845/SP, Relator o Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/16/2013, DJe 01/08/2013). Sendo assim, quando vislumbrada vulnerabilidade da empresa adquirente dos serviços com a fornecedora, pela teoria finalista mitigada ou aprofundada, serão aplicáveis as normas consumeristas. O art. 6º, VIII, do CDC, determina que é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. Insta frisar que o instituto apenas será aplicado quando o juiz reconhecer como verossímil a alegação do consumidor ou quando for ele hipossuficiente para a produção de prova. O referido dispositivo legal é vocacionado à elucidação dos fatos narrados pelo consumidor, transferindo tal incumbência a quem, em tese, possua melhores condições de fazê-lo. Tanto é assim que a inversão do ônus da prova está ancorada na assimetria técnica e informacional existente entre as partes em litígio. Por essa razão, destaca-se aqui que a inversão do ônus da prova, com base nesse dispositivo, não ocorre ope legis, mas ope iudicis, ou seja, é o juiz que, de forma prudente e fundamentada, deve vislumbrar o cabimento da inversão. O exame da igualdade no processo civil pressupõe a comparação entre as posições exercidas pelas partes no particular, sendo observada a efetiva possibilidade que cada uma tem de provar determinada alegação de fato, prevenindo que não haja desvantagem de quaisquer dos lados na possibilidade de produção de determinada prova. Assim, a distribuição do ônus probatório deve ser realizada individualmente, de acordo com cada hipótese fática colocada sub judice, pois, indispensável à verossimilhança da alegação do beneficiário, somada à sua eventual hipossuficiência. Sobre o tema, leciona Bruno Miragem: Neste sentido, é necessário distinguir entre vulnerabilidade e hipossuficiência, ambas expressões presentes no CDC. No caso da hipossuficiência, presente no artigo 6º, VIII, do CDC, a noção aparece como critério de avaliação judicial para a decisão sobre a possibilidade ou não de inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Refere a norma em comento, indicando direito básico do consumidor:" A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência ". Ou seja, nem todo o consumidor será hipossuficiente, devendo esta condição ser identificada pelo juiz no caso concreto. Trata-se, portanto, de um critério que depende, segundo duas linhas de entendimento: a) da discricionariedade do juiz, 359 permitindo que ele identifique, topicamente, a existência ou não de debilidade que dificulte ao consumidor, no processo, sustentar suas alegações com provas que demonstrem a veracidade das suas alegações; b) de conceito indeterminado, cujo preenchimento de significado deve se dar segundo critérios objetivos, porém, sem espaço de escolha para o juiz, senão de mera avaliação dos fatos da causa e sua subsunção à norma. De qualquer sorte, a impossibilidade de realizar a prova no processo, a nosso ver, não se restringe apenas à falta de meios econômicos para tanto, mas pode se caracterizar também pela ausência de meios para obtê-la (por exemplo, o fornecedor que se recusa a oferecer a cópia do contrato para o consumidor, ou simplesmente a realização do contrato meramente verbal, com ausência de um documento escrito). (MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do consumidor. 6a ed. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2019.) KAZUO WATANABE discorre sobre conceito de hipossuficiência: A hipossuficiência, característica integrante da vulnerabilidade, demonstra uma diminuição de capacidade do consumidor, não apenas no aspecto econômico, mas a social, de informações, de educação, de participação, de associação, entre outros. (...) Ocorrendo, assim, situação de manifesta posição de superioridade do fornecedor em relação ao consumidor, de que decorra a conclusão de que é muito mais fácil ao fornecedor provar a sua alegação, poderá o juiz proceder à inversão do ônus da prova. (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Forense, 7ª edição, 2001, p. 735). É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a inversão do ônus da prova fica a critério do juiz, cabendo-lhe apreciar a verossimilhança das alegações do consumidor e/ou a sua hipossuficiência. (AgInt no REsp 1648948/RJ, julgado em 03/12/2018, DJe 05/12/2018; AgInt no AREsp n. 1.939.416/RS, Quarta Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 10/6/2022). O objetivo do legislador com o CDC não foi necessariamente privilegiar o consumidor, mas tão somente igualá-lo ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços. Justamente na busca deste equilíbrio entre as partes envolvidas na relação de consumo, foi instituído o mecanismo da inversão do ônus da prova. AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - PROVA NEGATIVA - IMPOSSIBILIDADE. - A inversão do ônus probatório não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência - Não se aplica a inversão do ônus da prova em favor do consumidor quando inexiste verossimilhança de suas alegações, nos termos do art. 6º, VIII, CDC. A inversão do ônus da prova é concedida quando restarem evidenciadas as alegações do consumidor, ou quando clara sua dificuldade em conseguir determinado meio probatório, ou seja, reste comprovada sua hipossuficiência probatória - Não há de ser deferida a inversão do ônus da prova quando atribuído à parte contrária o dever de comprovação de fato negativo, conhecido no âmbito jurídico como "prova diabólica", haja vista a impossibilidade da sua produção.(TJ-MG - AI: 10000200304137001 MG, Relator: Rogério Medeiros, Data de Julgamento: 29/10/2020, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 29/10/2020) No presente caso, a parte autora, empresa de pequeno porte, comprovou a contratação de pacote de telefonia com a ré para viabilizar comunicação com seus clientes e funcionários. Em razão dessa constatação, impõe-se, igualmente, o reconhecimento da possibilidade de inversão do ônus da prova, desde que presentes os pressupostos do art. 6º, inciso VIII, do CDC, a saber: verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor. Verifica-se nos autos que a autora apresentou documentos que denotam cobrança expressiva e desproporcional de consumo de dados, sem o devido controle, transparência ou bloqueio, conquanto existente cláusula contratual genérica. Tal circunstância é suficiente para ensejar a verossimilhança das alegações. No tocante à hipossuficiência técnica, é inequívoca diante da complexidade tecnológica envolvida na medição do consumo de dados móveis e da gestão do plano contratado. De outra parte, a ré não logrou êxito em comprovar que prestou adequadamente as informações necessárias ao consumidor sobre os limites e consequências do uso excedente do pacote contratado, tampouco comprovou que a ferramenta de controle (“Gestor Online”) foi corretamente operacionalizada pela contratante, nem que houve suporte técnico para tanto. Cabe destacar que a cláusula contratual que transfere exclusivamente ao consumidor a responsabilidade integral pela limitação e gestão da franquia, sem qualquer bloqueio automático do serviço ou aviso eficaz e tempestivo, caracteriza-se como abusiva, por contrariar os princípios da boa-fé e da transparência (art. 6º, III e IV, do CDC). Quanto à alegação de inexistência de ato ilícito e de que as faturas são documentos hábeis a demonstrar a legalidade da cobrança, não se desconhece a presunção relativa de veracidade dos extratos e boletos emitidos por sistemas automatizados. No entanto, tal presunção cede diante de alegação específica e fundamentada de vício na prestação do serviço, o que se verifica no caso, ante a disparidade entre o serviço contratado e o volume de dados faturado, o que sugere falha sistêmica ou desequilíbrio contratual. Não havendo demonstração segura da legalidade e da clareza contratual quanto ao modelo de cobrança avulsa após o término da franquia, e existindo dúvida razoável sobre a higidez da cobrança, deve prevalecer o entendimento da sentença de primeiro grau que declarou inexigível o valor e condenou a ré ao ressarcimento do montante efetivamente desembolsado a título de cobrança indevida. Assim como reconheceu o juízo de piso, cujo teor reitero: “A demandante, como consumidora, demonstrou que as cobranças nas faturas de julho e agosto de 2018 destoam significativamente dos valores anteriormente praticados e da média de consumo usual. Verifica-se que, embora a ré tenha ajustado a fatura de julho após a contestação administrativa, houve nova cobrança excessiva no mês de agosto, indicando uma falha na prestação do serviço ao não prevenir cobranças desproporcionais e ao condicionar a continuidade dos serviços ao pagamento de valores indevidos. A situação fática demonstra, ainda, que a demandante firmou acordo por coação econômica, evidenciando-se a abusividade das práticas da ré ao impor condições onerosas para um serviço essencial ao funcionamento da empresa.”. Quanto à atualização monetária e incidência de juros, conquanto a Lei nº 14.905/2024 tenha promovido alteração nos arts. 389 e 406 do Código Civil, estabelecendo a adoção do IPCA como índice de correção monetária e a SELIC (subtraído o IPCA) como taxa de juros moratórios na ausência de convenção diversa, tal diploma legal possui caráter de norma material e não possui aplicação retroativa. Aplica-se, pois, a regra vigente ao tempo da constituição da obrigação. No entanto, no presente caso, a indenização por danos materiais é decorrente de responsabilidade contratual, contando-se os juros de mora a partir da citação. Nesse sentido cito julgado deste Egrégio Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. IRRESIGNAÇÃO. COBRANÇA INDEVIDA DE ANUIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO. TARIFA "CART CRED ANUID". INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO. SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS, TAMPOUCO UTILIZADOS PELA CONSUMIDORA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL CARACTERIZADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. DANOS MATERIAIS. TERMO INICIAL DOS JUROS CORRETAMENTE FIXADOS. DATA DA CITAÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL. PROVIMENTO PARCIAL. Caracterizado o dano moral, há de ser fixada a indenização mediante prudente arbítrio do juiz, de acordo com o princípio da razoabilidade, observados a finalidade compensatória, a extensão do dano experimentado, bem como o grau de culpa. Simultaneamente, o valor não pode ensejar enriquecimento sem causa, nem pode ser ínfimo, a ponto de não coibir a reincidência em conduta negligente. Como a relação estabelecida entre as partes ostenta natureza contratual, e não extracontratual, o termo inicial dos juros de mora da condenação por danos materiais fixada pelo juízo a quo (data da citação) e a aplicação do índice de correção monetária, não carecem de retoque. (0802866-68.2021.8.15.0211, Rel. Gabinete 13 - Desembargador (Vago), APELAÇÃO CÍVEL, 3ª Câmara Cível, juntado em 01/12/2022) Nesse contexto, a alteração do decisum objurgado se dará apenas quanto a contagem dos termo inicial dos juros de mora. DISPOSITIVO Isso posto, VOTO no sentido de que este Colegiado conheça do Apelo e DE-LHE PARCIAL PROVIMENTO para, determinar que o termo inicial para contagem dos juros de mora seja a data da citação, mantendo-se inalterado os demais termos da sentença recorrida. De ofício, nos termos do art. 85, §§ 2º e 11, do CPC, majoro os honorários advocatícios de sucumbência fixados no 1º Grau, que ficam agora fixados em 15% do valor atualizado da causa. É como voto. João Pessoa/PB, data do registro eletrônico. Dr. Inácio Jário Queiroz de Albuquerque Relator