Processo nº 08098341420248100029
Número do Processo:
0809834-14.2024.8.10.0029
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Núcleo de Justiça 4.0 - Empréstimo Consignado
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Núcleo de Justiça 4.0 - Empréstimo Consignado | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA 4.0 - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO Proc. nº. 0809834-14.2024.8.10.0029 Requerente: FRANCISCO SIMAO NUNES MENDES Advogado do(a) AUTOR Advogado do(a) AUTOR: ENZO DIAS ANDRADE - PI6907 Requerido: BANCO PAN S/A Advogado do(a) REQUERIDO: S E N T E N Ç A Trata-se de AÇÃO CÍVEL proposta em face de instituição financeira, que versa sobre empréstimo consignado, sob argumento, em resumo, de fraude na contratação, visando a anulação do negócio jurídico, repetição do indébito e condenação em danos morais. I – DO ACESSO A JUSTIÇA E INTERESSE PROCESSUAL A doutrina das condições da ação, desenvolvida por Enrico Tullio Liebman e apresentada em 1949 na Universidade de Turim na Itália, enfatiza a existência de um direito constitucional que garante que todos os cidadãos podem levar as suas pretensões ao Poder Judiciário, contudo, esse direito de acesso ao judiciário, garantido no art. 5º, XXXV do nosso atual texto constitucional, não se confunde com a ação. A ação constitui-se como direito ao processo e a um julgamento de mérito, e importa para a sua existência a presença das suas condições, delineadas na teoria final de Liebman como o interesse de agir e a legitimidade (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo, Bestbook, 2004). A doutrina das condições da ação foi adotada pelo Código de Processo Civil, o qual prevê no art. 17 que “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. De igual modo, o diploma processual também prevê, no art. 485, VI, que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual. Diante destas considerações, a parte que propõe uma ação só terá o mérito de seu processo julgado se comprovar a legitimidade e o interesse processual. Ressalto que o interesse de agir que possui três aspectos: a necessidade de buscar o Poder Judiciário; a utilidade do provimento judicial ao demandante; e a adequação entre o meio processual escolhido pelo requerente e a tutela jurisdicional pretendida. Tal medida é necessária para verificar a necessidade da propositura da ação. Por força da massificação de demandas e da utilização do Poder Judiciário como primeira via de solução de conflitos, o princípio do amplo acesso à justiça vem sendo objeto de estudos constantes. “É necessário prévio requerimento administrativo para o acesso ao Poder Judiciário? Seria essa uma condicionante legítima para o acesso ao sistema de Justiça?” questiona o processualista e professor Fernando Gajardoni. O autor inicia sua resposta considerando que esta questão, durante longos anos, foi respondida no Brasil de modo negativo, mas tem ganhado novos contornos a partir de diversos precedentes de Tribunais Superiores, em releitura das condições para o exercício do direito de ação, especialmente do interesse processual (interesse de agir). (GAJARDONI, Fernando. In:http://genjuridico.com.br/2020/05/14/previo-requerimento-plataforma-consumidor/). A sociedade civil não pode suportar o custo de que Judiciário seja a primeira instituição a ser procurada para resolver os mais diversos problemas da vida de relação. Isso porque há um custo orçamentário enorme para a manutenção do Judiciário, que não pode e não deve ser ultrapassado. Essa moderna visão, cujo principal objetivo é reservar a via judicial para as lides que realmente não comportem solução diversa da contenciosa, já era respaldada, inclusive antes mesmo da vigência da Lei nº. 13.105/15, pelo próprio Supremo Tribunal Federal. A Corte Suprema já firmou entendimento afirmando que o estabelecimento de condições para o exercício do direito de ação é compatível com o princípio do livre acesso ao Poder Judiciário, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Nas palavras do Ministro Luiz Fux no julgamento do RE 839.353 “A ameaça ou lesão a direito aptas a ensejarem a necessidade de manifestação judiciária do Estado só se caracterizam após o prévio requerimento administrativo, o qual não se confunde com o esgotamento das instâncias administrativas”. Tal entendimento foi firmado em relação às demandas envolvendo seguro DPVAT, em que era comum às partes provocar o Poder Judiciário antes de qualquer tentativa de solução administrativa do conflito. O mesmo acontecia com demanda envolvendo benefícios previdenciários do INSS, conforme firmado pelo Plenário da Corte no julgamento de repercussão geral reconhecida nos autos do RE 631.240, Rel. Min. Roberto Barroso, Sessão do dia 03/9/2014, nestes termos: “A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo”. Inclusive deste segundo julgado destaco um trecho do voto do Ministro Relator Roberto Barroso: Como se percebe, o interesse em agir é uma condição da ação essencialmente ligada aos princípios da economicidade e da eficiência. Partindo-se da premissa de que os recursos públicos são escassos, o que se traduz em limitações na estrutura e na força de trabalho do Poder Judiciário, é preciso racionalizar a demanda, de modo a não permitir o prosseguimento de processos que, de plano, revelem-se inúteis, inadequados ou desnecessários. Do contrário, o acúmulo de ações inviáveis poderia comprometer o bom funcionamento do sistema judiciário, inviabilizando a tutela efetiva das pretensões idôneas. No julgado supracitado, a Corte Suprema explicitou que a ausência de prévio requerimento extrajudicial se encaixa no plano da necessidade, tendo em vista que tal elemento do trinômio consiste na demonstração de que a atuação do Estado-Juiz é imprescindível para a satisfação da pretensão da parte. O entendimento sobre o prévio requerimento também se aplica à exibição de documentos junto a bancos. O STJ tem decidido que sem a prévia solicitação junto à agência bancária não há o interesse processual/necessidade e, tal exigência, não viola o princípio do acesso à Justiça (STJ, Resp. 1.349.453-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.12.2014). Em acórdão proferido no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1.0000.22.157099-7/002 (Tema 91), publicado em 25/10/2024, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais decidiu que, nas ações judiciais de natureza consumerista, é necessária prova de tentativa de solução extrajudicial do conflito, sob pena de a ação ser julgada extinta sem resolução de mérito. Veja-se a tese: “(i) A caracterização do interesse de agir nas ações de natureza prestacional das relações de consumo depende da comprovação da prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia. A comprovação pode ocorrer por quaisquer canais oficiais de serviço de atendimento mantido pelo fornecedor (SAC); pelo PROCON; órgão fiscalizadores como Banco Central; agências reguladoras (ANS, ANVISA; ANATEL, ANEEL, ANAC; ANA; ANM; ANP; ANTAQ; ANTT; ANCINE); plataformas públicas (consumidor.gov) e privadas (Reclame Aqui e outras) de reclamação/solicitação; notificação extrajudicial por carta com Aviso de Recebimento ou via cartorária. Não basta, nos casos de registros realizados perante os Serviços de Atendimento do Cliente (SAC) mantidos pelo fornecedor, a mera indicação pelo consumidor de número de protocolo. (ii) Com relação ao prazo de resposta do fornecedor à reclamação/pedido administrativo, nas hipóteses em que a reclamação não for registrada em órgãos ou plataformas públicas que já disponham de regramento e prazo próprio, mostra-se razoável a adoção, por analogia, do prazo conferido pela Lei nº. 9.507/1997 ("Habeas Data"), inciso I, do parágrafo único do art. 8º, de decurso de mais de 10 (dez) dias úteis sem decisão/resposta do fornecedor. A partir do referido prazo sem resposta do fornecedor, restará configurado o interesse de agir do consumidor para defender os seus direitos em juízo. (iii) Nas hipóteses em que o fornecedor responder à reclamação/solicitação, a referida resposta deverá ser carreada aos documentos da petição inicial, juntamente com o pedido administrativo formulado pelo consumidor. (iv) A exigência da prévia tentativa de solução extrajudicial poderá ser excepcionada nas hipóteses em que o consumidor comprovar risco de perecimento do direito alegado (inclusive na eventualidade de iminente transcurso de prazo prescricional ou decadencial), situação em que o julgador deverá aferir o interesse de agir de forma diferida. Nesses casos, caberá ao consumidor exibir a prova da tentativa de solução extrajudicial em até 30 (trinta) dias úteis da intimação da decisão que analisou o pedido de concessão da tutela de urgência, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC”. Encampando a teoria moderna do Acesso à Justiça, e também a necessidade de combate à litigância predatória, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Recomendação Nº 159 de 23/10/2024 elencou medidas para identificar, tratar e sobretudo prevenir a litigância abusiva. Dentre as inúmeras disposições apresentadas, dispõe o normativo acima que a parte que almeja obter a tutela jurisdicional deve demonstrar seu interesse de agir, sendo pois, tal requisito condição para a postulação de direito em Juízo, conforme itens 17 e 18 da referida recomendação . A necessidade de demonstração da pretensão resistida , caracterizadora do interesse processual, já vem sendo exigida há anos por esta magistrada, enquanto titular do 2º Juizado Especial Cível da Comarca de Imperatriz, tendo sido, finalmente, chancelada pelo Conselho Nacional de Justiça. Cabe à parte que ingressa com uma ação a efetiva demonstração do interesse processual com a comprovação de que minimamente tentou resolver o imbróglio por meios extraprocessuais, tais como: a plataforma pública digital www.consumidor.gov.br, PROCON, canais de intermediação das agências reguladoras (ANEEL, ANATEL, ANS, BACEN, …), Centros de Mediação (CEJUSC), e-mail, SAC com o atendimento degravado, requerimento no próprio órgão/instituição por meios oficiais de comunicação ou outro meio comprobatório APTO para obtenção do objeto pleiteado. A criação da plataforma acima citada foi decorrente da observância ao disposto no artigo 4º inciso V da Lei 8.078/1990 e artigo 7º, incisos I, II e III do Decreto 7.963/2013, consistente em um serviço público que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução de conflitos de consumo pela internet. Destaco que, atualmente, 80% das reclamações registradas no Consumidor.gov.br são solucionadas pelas empresas, que respondem as demandas dos consumidores em um prazo médio de 7 dias. O conflito é submetido administrativamente à empresa com o intuito de resolvê-lo de forma mais célere e eficaz. Apesar dos inúmeros benefícios de sua utilização, infelizmente, alguns profissionais do direito tem se mostrado relutantes em adotar o uso da plataforma Consumidor.gov .br para rápida resolução dos interesses dos respectivos clientes. A título de esclarecimento, destaco que não é exigido o uso exclusivo do canal Consumidor.gov.br para tentativa de solução do conflito, mas apenas que a parte demonstre minimamente que buscou de algum modo resolver a questão antes de chegar ao Poder Judiciário. II – DA CONDUTA DA PARTE AUTORA No caso dos autos, foi verificado não ter sido demonstrada a pretensão resistida, o seu interesse processual, com relação à presente demanda, pois não restou evidenciada a prévia tentativa de solução de conflitos por outros meios disponíveis ao consumidor, tais como, uso da plataforma consumidor.gov, procon, notificação extrajudical, ou qualquer outro meio de interlocução direta e oficial com a parte que supostamente lesou seu direito. Em razão disso, foi determinada a intimação do autor para a emenda da petição inicial, a fim de que comprovasse o interesse processual nos moldes destacados acima. Cabe aqui destacar que também foi alertado ao autor que, reclamações realizadas em sites como reclame aqui, proteste, ou e-mails enviados , sem que tenha ocorrido resposta do suposto causador do dano, e comprovação do seu efetivo recebimento, não demonstram a pretensão resisitida, ou a necessidade, condição para a existência da ação. Pois bem, devidamente intimado o autor apresentou petição nos autos, requerendo a reconsideração do despacho de emenda, e ainda tecendo considerações sobre a desnecessidade de demonstração da pretensão resisitida. Em resumo, não atendeu a determinação judicial. Na verdade o que vem sendo percebido é que alguns advogados utilizam de sites como reclame aqui, proteste, ou e-mails sem prova de recebimento, tão somente para cumprir uma etapa, não pretendendo verdadeiramente solucionar o problema . Pelas considerações acima aduzidas, reforço que há que se exigir o mínimo de interesse de agir, sob pena de se permitir que a parte Requerida responda a processo sem lide, sem ter resistido contra qualquer pretensão e acabe arcando com o ônus de sucumbência sem justo motivo, além de movimentar advogados e o Poder Judiciário local, como todo um custo econômico e de tempo na movimentação das pessoas que trabalham nesse processo, sem falar no incentivo à indústria do dano moral. Utilizar diretamente o Poder Judiciário como se já existisse conflito em relação ao um pedido que nunca foi formalmente feito, muito menos indeferido, é incabível. Defendendo a nova leitura do princípio do acesso à Justiça concluo que o Judiciário deve mesmo ser a ultima ratio. Sendo possível a apresentação de prévio requerimento administrativo, como por exemplo perante os órgãos oficiais constituídos (como é o caso da plataforma consumidor.gov.br, de demonstrada eficiência), sem que existam quaisquer óbices nesse sentido, ausente também qualquer prejuízo pelo tempo de resposta destes órgãos, tal requerimento deve ser considerado como condição para o exercício do direito de ação (interesse processual – necessidade) perante o Judiciário. O art. 330, III, do CPC dispõe que a petição inicial será indeferida quando o autor carecer de interesse processual. O art. 485, VI, de igual modo, prevê que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual. Diante deste cenário, a extinção é medida que se impõe. DISPOSITIVO Diante do exposto, considerando não ter ocorrido a emenda da inicial, INDEFIRO a petição inicial, nos termos dos artigos 330, III, e JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem exame de mérito, ante a ausência de interesse processual, nos termos do artigo 485, inciso I e VI do CPC. Condeno a parte autora nas custas processuais, suspensa a cobrança na forma do art. 98, §3º do CPC e gratuidade judiciária, que ora defiro. Sem honorários advocatícios, ante a ausência da triangulação processual. Publicada e Registrada com o lançamento no sistema. Intime-se as partes. Dispensada a intimação do réu caso ainda não tenha sido citado. Transitado em julgado, dê-se baixa e devolvam-se os autos ao juízo de origem, ou arquive-se em tendo ocorrido a distribuição originária neste Núcleo. Imperatriz-MA, 2 de junho de 2025. Juíza DAYNA LEÃO TAJRA REIS TEIXEIRA - Titular do 2º Juizado Especial Cível -