Gilberto Barbosa Ferreira x Banco Bradesco Financiamento S.A. e outros
Número do Processo:
0807543-35.2023.8.19.0026
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRJ
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª Vara da Comarca de Itaperuna
Última atualização encontrada em
13 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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13/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Vara da Comarca de Itaperuna | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca de Itaperuna 1ª Vara da Comarca de Itaperuna Av. João Bedim, 1211, Cidade Nova, ITAPERUNA - RJ - CEP: 28300-000 SENTENÇA Processo: 0807543-35.2023.8.19.0026 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: GILBERTO BARBOSA FERREIRA RÉU: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTO S.A., BANCO MASTER S.A., BANCO SANTANDER (BRASIL) S A I. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIAproposta por GILBERTO BARBOSA FERREIRAem face do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTO S.A, BANCO MASTER S.A, BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A, ambos devidamente qualificados nos autos. Petição inicial no ID.87651819 na qual o demandante narra que celebrou diversos contratos de empréstimo consignado com os réus, os quais comprometem de maneira substancial sua subsistência, bem como a de sua família. Alega que o montante atualmente descontado de seus vencimentos a título de empréstimos consignados totaliza R$ 2.519,71 (dois mil quinhentos e dezenove reais e setenta e um centavos), o que representa cerca de 47,8% (quarenta e sete vírgula oito por cento) de sua renda mensal líquida. Ao final, pleiteia a condenação dos réus à obrigação de fazer, consistente na abstenção de descontos em seu contracheque e conta corrente a título de empréstimos consignados que excedam o limite de 30% (trinta por cento) de seus rendimentos mensais líquidos, após dedução dos descontos legais. Requer, ainda, que seja observada a ordem cronológica dos contratos, com a suspensão dos descontos referentes aos contratos mais recentes até a quitação dos mais antigos, sem a incidência de juros e encargos durante o período de suspensão. Decisão no ID.88575486, onde foi deferida a gratuidade de justiça ao autor, contudo foi indeferido o pedido de tutela provisória, sob o fundamento de que não havia nos autos comprovação suficiente de que todos os empréstimos mencionados seriam, de fato, consignados. O réu BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., em contestação apresentada no ID.91915259, alegou, em preliminar, a incorporação da instituição Olé Consignado pelo Santander e rechaçou a gratuidade de justiça deferida ao autor. No mérito, impugnou os fatos narrados, sustentando que os contratos foram livremente firmados pelo demandante e que, no caso de servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro, o limite legal para descontos consignados seria de até 55% (cinquenta e cinco por cento). Ao final, requereu a total improcedência da ação. O autor, por sua vez, apresentou réplica à referida contestação (ID. 95239467), reiterando os argumentos constantes da exordial e impugnando as alegações do réu, requerendo, ao final, a procedência integral da demanda. O réu BANCO MASTER S.A., apresentou contestação no ID.100380875, alegando que o autor contratou cartão de benefício consignado, denominado CREDCESTA, e não empréstimo consignado comum. Requereu, ao final, a improcedência da demanda. O autor, por outro lado, apresentou réplica sob o ID.101272050, impugnando as alegações do réu e reiterando os fundamentos da inicial. O réu BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., em sua contestação de ID.101436815, suscitou, preliminarmente, a ausência de interesse de agir. No mérito, impugnou os fatos narrados na exordial e apresentou detalhamento dos contratos ativos, a saber:contrato nº 488392611: refinanciamento dos contratos 450197608, 470697950 e 480116487, celebrado em 27/10/2023, no valor de R$ 41.851,87 (quarenta e um mil, oitocentos e cinquenta e um reais e oitenta e sete centavos), a ser quitado em 96 (noventa e seis) parcelas de R$ 745,02 (setecentos e quarenta e cinco reais e dois centavos); contrato nº 488936758: refinanciamento dos contratos 488727592, 488729518, 488730250 e 488731226, celebrado em 07/11/2023, no valor de R$ 27.027,87 (vinte e sete mil, vinte e sete reais e oitenta e sete centavos), a ser pago em 96 (noventa e seis) parcelas de R$ 508,17 (quinhentos e oito reais e dezessete centavos); contrato nº 489859609: refinanciamento dos contratos 489531003 e 489531277, firmado em 23/11/2023, no valor de R$ 21.516,49 (vinte e um mil, quinhentos e dezesseis reais e quarenta e nove centavos), com pagamento em 96 (noventa e seis) parcelas de R$ 399,31 (trezentos e noventa e nove reais e trinta e um centavos). Ao final, requereu a total improcedência da pretensão autoral. Após, o autor apresentou réplica no ID.106778811, reiterando os argumentos da exordial e impugnando os fatos trazidos na contestação. Posteriormente, foi proferida decisão saneadora no ID.109935825. Por fim, as partes manifestaram-se em provas, nos ID’s.110627826, 111050390, 113790658 e 116583749, declarando o desinteresse na produção de novas provas e requerendo o julgamento antecipado da lide. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir, com fulcro no art. 93, inc. IX, da Constituição da República. II. FUNDAMENTAÇÃO Em sede de contestação, o réu BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., impugnou preliminarmente a gratuidade de justiça concedida ao autor, ao argumento de que não haveria o preenchimento dos requisitos necessários à sua concessão. Não assiste razão ao réu. Os documentos apresentados pelo autor (ID.88122877) comprovam sua hipossuficiência de recursos para pagar as despesas processuais, nos termos exigidos pelos artigos 98 e 99 do Código de Processo Civil. Demais, o réu não apresentou prova suficiente para afastar a presunção de hipossuficiência do autor, devendo prevalecer, neste caso, seu direito de acesso à justiça, derivado do princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV, da CRFB/88) e materializado pelo dever de o Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem a hipossuficiência de recursos (artigo 5º, LXXIV, da CRFB/88). Dessa forma, JULGO IMPROCEDENTEa impugnação à justiça gratuita. Após, o réu BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.Asuscitou a preliminar de fata de interesse de agir, sob o argumento de que o requerente, antes de propor a presente ação, não buscou resolver o problema administrativamente junto à empresa ré. Pois bem. O interesse de agir, ao lado da legitimidade, é uma das condições para o exercício legítimo do direito de ação, positivadas no artigo 17 do Código de Processo Civil. Subdivide-se em dois elementos: a necessidade da tutela jurisdicional (interesse-necessidade) e a adequação da via eleita (interesse-adequação). No presente caso, as alegações apresentadas pelo réu não merecem acolhimento, uma vez que a solução administrativa prévia não constitui requisito obrigatório para o exercício do direito de ação. Ademais, mesmo que assim fosse, restou amplamente demonstrado nos autos o esforço contínuo do autor em buscar a resolução administrativa e amigável da controvérsia junto ao réu, evidenciando a presença do binômio necessidade-adequação, que justifica a adoção da via judicial para a solução do litígio. Destarte, REJEITOa preliminar de falta de interesse de agir e dos pressupostos processuais. Isto posto, inexistem questões processuais pendentes, outros preliminares ou prejudiciais de mérito a serem analisadas. A seu turno, presentes os pressupostos processuais de existência e validade, bem como as condições para o exercício regular do direito de ação, positivadas no artigo 17 do Código de Processo Civil (interesse e legitimidade). A presente ação não demanda dilação probatória, sendo suficientes as provas colacionadas aos autos para a formação do convencimento do Juízo, estando o processo, portanto, apto a ter seu mérito julgado antecipadamente, nos termos do art. 355, inc. I, do CPC. Passo, pois, ao exame do mérito da demanda. Inicialmente, verifico que há relação de consumo entre as partes, eis que presentes os requisitos subjetivos (consumidor em sentido estrito e fornecedor, na forma dos arts. 2º caput, e 3º caput, ambos do CDC) e objetivo (prestação de serviços, nos termos do art. 3º, §2º, do CDC). A relação jurídica em questão se submete, pois, ao arcabouço normativo do Código de Defesa do Consumidor. Tratando-se de relação de consumo, a responsabilidade dos fornecedores de serviços é objetiva, pautada na teoria do risco do empreendimento, pelo que independe da comprovação de culpa e somente será afastada nos casos de excludentes do nexo de causalidade, como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, nos moldes preconizados pelo art. 14 do CDC. Destarte, a lei consumerista, especialmente em seu art. 14, §3º, estabelece hipótese de inversão do ônus da prova "ope legis", cuja incidência independe de decisão judicial. Saliente-se que a hipótese narrada não se confunde com a inversão do ônus da prova "ope judicis", prevista no art. 6º, inc. VIII, do CPC, tratando-se de fixação abstrata do ônus da prova operada por força da própria norma jurídica. Contudo, saliente-se que, não obstante a inversão "ope legis" do ônus da prova, a responsabilidade objetiva supracitada e a revelia do réu, cabe ao consumidor produzir prova mínima de suas alegações fáticas. Neste sentido, dispõe o Enunciado nº 330 da Súmula do TJRJ que "os princípios facilitadores da defesa do consumidor em juízo, notadamente o da inversão do ônus da prova, não exoneram o autor do ônus de fazer, a seu encargo, prova mínima do fato constitutivo do alegado direito". Pois bem. No presente caso, após minuciosa análise dos documentos constantes nos autos, verifica-se que o autor alega ter firmado múltiplos contratos de empréstimo consignado com as instituições rés, os quais, segundo sua narrativa, comprometem de forma substancial sua subsistência e a de sua família. Alega, para tanto, que os descontos incidentes sobre sua remuneração líquida alcançam aproximadamente 47,8% (quarenta e sete vírgula oito por cento) de sua renda mensal disponível. Contudo, iniciando-se pela impugnação específica apresentada pelo autor em face do contrato celebrado com o BANCO MASTER S.A., constata-se, a partir da análise do contracheque anexado aos autos (ID.87651847), que o contrato questionado não corresponde a um empréstimo consignado convencional, mas sim a um cartão de benefício consignado, identificado comercialmente como CREDCESTA. Tal modalidade de desconto possui amparo legal expresso no artigo 6º, inciso III, do Decreto Estadual nº 45.563/2016, com redação atualizada pelo Decreto Estadual nº 47.625/2021. O referido dispositivo normativo estabelece que: “Art. 6º - Excluindo-se os descontos obrigatórios previstos em lei, a soma das consignações facultativas não poderá exceder a (35%) — trinta e cinco por cento — da remuneração mensal ou benefício previdenciário do servidor público da Administração Pública estadual direta ou indireta (...), sendo: (...) III - Poderá ser utilizado na forma de cartão de benefícios o limite máximo de (20%) — vinte por cento — do valor líquido, excluindo os descontos previstos em lei, bem como as consignações facultativas mencionadas nos incisos III ao XI do artigo 4º deste decreto.” Ademais, o §1º do mesmo artigo é ainda mais claro ao dispor que: “O cartão de benefícios não compõe a margem consignável prevista neste artigo.” No caso concreto, o desconto referente ao “Benefício Credcesta” representa quantia inferior a 10% — (dez por cento) dos rendimentos líquidos do autor, conforme comprova o documento de ID.87651847. Dessa forma, encontra-se em plena conformidade com o limite legalmente estabelecido de 20% (vinte por cento) para tal modalidade de consignação, inexistindo, portanto, qualquer ilicitude ou violação ao princípio do mínimo existencial ou ao disposto no artigo 6º, inciso XI, do Código de Defesa do Consumidor. Importa destacar que a Súmula nº 200 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, invocada pelo autor, restringe-se aos casos de descontos realizados diretamente em conta corrente, não se aplicando aos descontos consignados diretamente em folha de pagamento. Assim, diante do quadro normativo e fático apresentado, conclui-se que os valores correspondentes ao cartão de benefício não integram a margem consignável ordinária destinada aos empréstimos consignados, e, por consequência, não há demonstração de verossimilhança do direito autoral neste ponto específico. Quanto aos demais descontos, especificamente os imputados aoBANCO BRADESCO FINANCIAMENTO S.A. e ao BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., constata-se que o desconto em favor do BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.é de R$ 497,72 (quatrocentos e noventa e sete reais e setenta e dois centavos). Por outro lado, o desconto em favor do BANCO BRADESCO FINANCIAMENTO S.A.é de R$ 408,51 (quatrocentos e oito reais e cinquenta e um centavos). O total consolidado dos descontos acima referidos perfaz a quantia de R$ 906,23 (novecentos e seis reais e vinte e três centavos). A remuneração bruta mensal do autor corresponde a R$ 5.857,27 (cinco mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e vinte e sete centavos). Subtraído o total de descontos R$ 906,23 (novecentos e seis reais e vinte e três centavos), obtém-se um comprometimento de 15,47% sobre a remuneração bruta. Ainda que se considerem os descontos obrigatórios incidentes (R$ 152,11, R$ 604,51 e R$ 427,77), totalizando R$ 1.184,39 (mil cento e oitenta e quatro reais e trinta e nove centavos), a renda líquida restante seria de R$ 4.672,88 (quatro mil, seiscentos e setenta e dois reais e oitenta e oito centavos). Aplicando-se, então, o desconto de R$ 906,23 (novecentos e seis reais e vinte e três centavos) sobre este novo montante, chega-se a um comprometimento de aproximadamente 19,39%. Neste contexto, observa-se que os descontos efetuados não extrapolam os limites legais previstos, tampouco demonstram comprometimento excessivo da renda do servidor a ponto de inviabilizar sua subsistência. Convém ressaltar que o autor é servidor público estadual vinculado à Polícia Militar, e, portanto, encontra-se submetido às normas específicas contidas na Lei Estadual nº 279/1979, que regula os descontos consignados para os integrantes da corporação. Assim, são inaplicáveis à sua situação jurídica tanto a Medida Provisória nº 2.215-10/2001 — dirigida exclusivamente aos militares das Forças Armadas — quanto o Decreto Estadual nº 25.547/1999, que rege os servidores públicos civis do Estado do Rio de Janeiro. Assim, nos termos do artigo 86 da Lei Estadual nº 279/1979, o limite legal de consignação para os militares estaduais é de até 30% da remuneração mensal, limite este que não foi ultrapassado no presente caso. Adicionalmente, a alegação de que parte dos descontos decorre de refinanciamentos de contratos já existentes não altera a natureza jurídica dos contratos firmados, os quais continuam a configurar empréstimos consignados e, portanto, submetem-se às disposições legais pertinentes. Diante do exposto, restando demonstrado que os descontos questionados respeitam os limites legais aplicáveis, bem como não se verifica lesão a direitos fundamentais ou infração a normas de defesa do consumidor, impõe-se o reconhecimento da regularidade dos descontos realizados e, por consequência, a improcedência dos pedidos formulados na exordial. III. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTESos pedidos iniciais, com fulcro no artigo 487, I, do CPC. CONDENOo autor ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios sucumbenciais, no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do CPC, observando-se as implicações da concessão da gratuidade de justiça. Publique-se. Intimem-se. Certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se. ITAPERUNA, data da assinatura digital. HENRIQUE GONCALVES FERREIRA Juiz Titular