Pedro Ostiano Quithe De Vasconcelos x Wilson Sales Belchior
Número do Processo:
0805922-09.2025.8.20.5004
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRN
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELPoder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte 14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal Praça André de Albuquerque, 534 (por trás da parada metropolitana), Cidade Alta, Natal/RN, CEP: 59.025-580, fone: (84) 3673-8855, e-mail: atendimento2jec@tjrn.jus.br _________________________________________________________________________________________________________________________________________ Processo: 0805922-09.2025.8.20.5004 Parte autora: FRANCISCA PEREIRA DA SILVA Parte ré: Luizacred S/A SENTENÇA Vistos, etc. Dispensado relatório na forma do art. 38, caput, da Lei n° 9.099/95. No entanto, se faz necessária uma breve síntese acerca dos fatos narrados na exordial. FRANCISCA PEREIRA DA SILVA ajuizou a presente demanda contra LUIZACRED S.A, narrando que: I) é pessoa idosa de e titular de cartão de crédito luizacred, sendo 77 anos vítima de fraude com cobranças indevidas desde a fatura de vencimento em 04/07/2024, sendo incluso também a cobrança por envio mensagem automática; II) as cobranças são referentes a reiteradas transações que não foram por si realizadas; III) contestou perante a ré e nada foi resolvido, sendo obrigada a pagar as cobranças indevidas; IV) as cobranças foram realizadas nas faturas de vencimentos de 04/07/2024 a 04/03/2025, totalizando o montante de R$ 1.863,44. Com isso, requereu a declaração de ilegalidade das cobranças discutidas nos autos, a condenação para restituição, em dobro, dos valores indevidamente debitados, totalizando a quantia de R$ 3.726,88, (três mil, setecentos e vinte e seis reais e oitenta e oito centavos), bem como ao pagamento de compensação a título de danos morais. Instada a se manifestar, a ré, preliminarmente, suscitou ausência de pretensão resistida. No mérito, aduziu, em síntese, pela inexistência de danos morais e materiais. Inicialmente, REJEITO a preliminar de ausência de interesse de agir. Registra-se que não há obrigatoriedade da tentativa prévia de solução extrajudicial da controvérsia, sob pena de limitação injusta do exercício do direito ao acesso à justiça, ofendendo à garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional, nos termos do inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal. Superada a preliminar, passo ao exame do mérito. Pois bem. Antes de adentrar no estudo do caso, ressalto que a relação jurídica existente entre as partes, por obediência à Constituição de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n.º 8.078/90), caracteriza-se como uma relação de consumo, disciplinada por normas de ordem pública e interesse social, justificadas pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado. Assim, considerando-se a natureza negativa da prova imposta ao autor, e, considerando-se a sua hipossuficiência técnica, bem como a verossimilhança da narrativa autoral, com fulcro no art. 6°, VIII, CDC, INVERTO o ônus da prova em desfavor da ré. Como é notório, trata-se de medida prevista no art. 6º, VIII, do CDC, consoante já exposto, com arrimo, ainda, na hipervulnerabilidade técnica do consumidor. Cinge-se a controvérsia desta demanda em aferir a suposta falha do serviço pelas cobranças indevidas sem prévia autorização expressa do consumidor. Diante da desnecessidade de produção de mais provas em audiência, procedo ao julgamento antecipado da lide, com fulcro no artigo 355, I, do Código de Processo Civil. Nessa esteira, caberia à requerida o ônus de comprovar a existência de fatos ou circunstâncias capazes de caracterizar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil ou qualquer hipótese de exclusão de responsabilidade prevista no art. 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor. O CDC, em seu art. 6º, III e IV, impõe ao fornecedor de serviços os deveres de garantir: Art. 6º, CDC: São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços." No caso em exame, observa-se que a ré agiu de forma abusiva ao cobrar quantias vultosas nas faturas de cartão de crédito, sem qualquer aviso ou autorização expressa. Tal prática infringe diretamente o princípio da transparência e da boa-fé objetiva, pilares do sistema consumerista, tornando a cobrança ilegítima. Segundo Cláudia Lima Marques, em sua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor” (11. ed., São Paulo: RT, 2016, p. 388): “No sistema do CDC, o dever de informação é elemento central da boa-fé objetiva, sendo essencial para a preservação do equilíbrio contratual. A ausência de informação adequada e a surpresa para o consumidor configuram prática abusiva e desequilibrada.” Além disso, o art. 51, IV e §1º, II do CDC estabelece a nulidade de cláusulas que: Art. 51, CDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. §1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: II – restrinja direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato. Ademais, importa reforçar que, mesmo existindo cláusula contratual genérica permitindo a cobrança de tarifas, tal previsão não supre a necessidade de manifestação expressa, específica e individualizada do consumidor quanto a cada operação de débito efetuada. Em contratos bancários de adesão, a interpretação deve sempre se dar de forma restritiva, em benefício do aderente, como determina o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: Art. 47, CDC: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. A prática adotada pelo banco, ao realizar cobranças de serviços sem comunicação prévia e sem consentimento específico, configura violação ao dever de transparência e à boa-fé objetiva, fundamentais nas relações de consumo. A transparência exige não apenas a existência de cláusula contratual, mas também a efetiva ciência do consumidor sobre o ato concreto que impactará sua esfera patrimonial, especialmente em montante expressivo. A previsão contratual genérica, nestes moldes, não possui eficácia plena para legitimar o ato praticado, sendo necessário que o banco, previamente à realização do débito, disponibilizasse informação clara, destacada e específica acerca da operação. A ausência de tal comunicação implica ofensa ao direito básico do consumidor à informação adequada, previsto no art. 6º, III, do CDC, configurando prática abusiva, nos termos do art. 39, IV, do CDC, que veda ao fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor condições desfavoráveis. Importante salientar que, em contratos de adesão, o princípio da interpretação mais favorável ao aderente visa a corrigir o desequilíbrio natural existente na relação contratual, em que o consumidor não possui margem de negociação das cláusulas. Portanto, em caso de dúvida ou omissão quanto aos limites da autorização concedida, deve-se presumir em favor do consumidor a inexistência de autorização válida para práticas que restrinjam seus direitos fundamentais. A conduta da instituição financeira comprometeu a confiança na relação contratual e gerou desequilíbrio evidente, sendo de rigor o reconhecimento da prática abusiva, impondo-se a repetição do indébito nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC: Art. 42, § único, CDC: O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. No tocante à necessidade de comprovação de má-fé, importante destacar que o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que, no âmbito das relações de consumo, a repetição em dobro independe da demonstração de má-fé do fornecedor. Basta a configuração da cobrança indevida para se fazer jus à devolução em dobro, conforme sedimentado no julgamento do Tema 929/STJ: “A devolução em dobro do indébito prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, prescinde da demonstração de má-fé do credor.” (REsp 1.355.573/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/08/2015, DJe 24/08/2015). Além disso, verifica-se que a instituição financeira não comprovou a voluntariedade, regularidade ou legitimidade das cobranças, considerando que deixou de anexar aos autos contrato ou qualquer devidamente assinado que justificasse cobrança das tarifas de serviços discutidas nos autos. No presente caso, foram comprovados as sucessivas cobrança em fatura de cartão de crédito e os respectivos pagamentos (ID 147816377), estando preenchidos todos os requisitos do artigo supracitado. Portanto, a procedência do pleito de restituição em dobro do valor indevidamente pago é medida que se impõe. . Quanto ao pedido de indenização por danos morais, não se vislumbra nos autos situação a justificar sua procedência. A jurisprudência consolidada exige, para o cabimento do dano moral, que o ato ilícito atinja profundamente a esfera da dignidade da pessoa, afetando valores como honra, imagem ou integridade psíquica, o que não ocorreu no caso. Ainda que o episódio tenha causado desconforto e aborrecimento à autora, especialmente em momento delicado de sua vida pessoal, tais situações, conforme a moderna orientação doutrinária e jurisprudencial, não ultrapassam o limiar do mero dissabor cotidiano. Nesse sentido, leciona Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil” (14ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 109): “O dano moral, para ser indenizável, há de ser grave, capaz de romper o equilíbrio psicológico da pessoa, não bastando o simples dissabor, o aborrecimento ou a irritação própria do cotidiano.” Destarte, no presente caso, importante destacar que, embora reconhecida a prática irrazoável e desproporcional do banco, não se pode concluir de imediato pela prática de ato ilícito caracterizador de dano moral, pois a conduta, embora reprovável sob a ótica consumerista, não se revela manifestamente abusiva a ponto de atingir de forma grave os direitos da personalidade da parte autora. O entendimento consolidado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, é no sentido de que o simples inadimplemento contratual ou a cobrança indevida, desacompanhada de publicidade vexatória ou inscrição em cadastros de inadimplentes, não configura dano moral indenizável, mas sim mero aborrecimento decorrente das relações obrigacionais. Assim, apesar da prática do banco ser considerada inadequada e violadora dos princípios da boa-fé e da transparência, a sua realização com base em cláusula contratual genérica — ainda que de interpretação restrita — afasta a configuração automática de dano à honra, imagem ou dignidade do consumidor, exigindo-se, para tanto, prova concreta do prejuízo moral efetivamente sofrido, o que não se verifica no presente caso. Portanto, a ausência de demonstração de repercussão grave na esfera íntima da autora, associada à existência de previsão contratual, ainda que genérica, afasta o dever de indenizar por danos morais, restando apenas o reconhecimento da prática abusiva para fins patrimoniais, com a consequente condenação à repetição do indébito. Expostas as considerações supracitadas, conclui-se que as circunstâncias fáticas não exprimem qualquer fato/ato desabonador dos direitos da personalidade nem qualquer dano direto oriundo das cobranças, de modo que as constatações fáticas e jurídicas da presente lide levam à improcedência do pleito compensatório de danos morais. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão encartada na inicial apenas para: a) CONDENAR a ré a restituir, em dobro, os valores cobrados e pagos indevidamente, totalizando a quantia de R$ 3.726,88, (três mil, setecentos e vinte e seis reais e oitenta e oito centavos), acrescidos de juros moratórios com base na Taxa Legal (art. 406, §1º, do Código Civil), a contar da citação (art. 405 do Código Civil) e correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a partir do efetivo prejuízo, segundo o teor da Súmula 43 do STJ; b) JULGAR IMPROCEDENTES os danos morais pleiteados. Sem custas e sem honorários advocatícios sucumbenciais, em observância às determinações dos arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Submeto, nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95, o presente projeto de sentença para fins de homologação por parte do Juízo de Direito. PEDRO ROBERTO PINTO DE CARVALHO Juiz Leigo SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA Trata-se de projeto de sentença ofertado por juiz leigo, nos moldes previstos no art. 98, I, da CF, Leis nº 9.099/1995 e 12.153/2009, e Resoluções nº 174/2013, do CNJ, e 036/2014, do TJRN. Verifico que o projeto está em consonância com o entendimento deste juiz, razão pela qual merece homologação. Isto posto, com fulcro no art. 40, da Lei nº 9.099/1995, HOMOLOGO, por sentença o projeto acima em seu inteiro teor, para que surtam seus jurídicos e legais efeitos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Natal/RN, 28 de junho de 2025. JOSÉ MARIA NASCIMENTO Juiz de Direito em substituição legal (documento assinado digitalmente na forma da Lei n° 11.419/06)
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01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELPoder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte 14º Juizado Especial Cível da Comarca de Natal Praça André de Albuquerque, 534 (por trás da parada metropolitana), Cidade Alta, Natal/RN, CEP: 59.025-580, fone: (84) 3673-8855, e-mail: atendimento2jec@tjrn.jus.br _________________________________________________________________________________________________________________________________________ Processo: 0805922-09.2025.8.20.5004 Parte autora: FRANCISCA PEREIRA DA SILVA Parte ré: Luizacred S/A SENTENÇA Vistos, etc. Dispensado relatório na forma do art. 38, caput, da Lei n° 9.099/95. No entanto, se faz necessária uma breve síntese acerca dos fatos narrados na exordial. FRANCISCA PEREIRA DA SILVA ajuizou a presente demanda contra LUIZACRED S.A, narrando que: I) é pessoa idosa de e titular de cartão de crédito luizacred, sendo 77 anos vítima de fraude com cobranças indevidas desde a fatura de vencimento em 04/07/2024, sendo incluso também a cobrança por envio mensagem automática; II) as cobranças são referentes a reiteradas transações que não foram por si realizadas; III) contestou perante a ré e nada foi resolvido, sendo obrigada a pagar as cobranças indevidas; IV) as cobranças foram realizadas nas faturas de vencimentos de 04/07/2024 a 04/03/2025, totalizando o montante de R$ 1.863,44. Com isso, requereu a declaração de ilegalidade das cobranças discutidas nos autos, a condenação para restituição, em dobro, dos valores indevidamente debitados, totalizando a quantia de R$ 3.726,88, (três mil, setecentos e vinte e seis reais e oitenta e oito centavos), bem como ao pagamento de compensação a título de danos morais. Instada a se manifestar, a ré, preliminarmente, suscitou ausência de pretensão resistida. No mérito, aduziu, em síntese, pela inexistência de danos morais e materiais. Inicialmente, REJEITO a preliminar de ausência de interesse de agir. Registra-se que não há obrigatoriedade da tentativa prévia de solução extrajudicial da controvérsia, sob pena de limitação injusta do exercício do direito ao acesso à justiça, ofendendo à garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional, nos termos do inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal. Superada a preliminar, passo ao exame do mérito. Pois bem. Antes de adentrar no estudo do caso, ressalto que a relação jurídica existente entre as partes, por obediência à Constituição de 1988 e ao Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei n.º 8.078/90), caracteriza-se como uma relação de consumo, disciplinada por normas de ordem pública e interesse social, justificadas pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado. Assim, considerando-se a natureza negativa da prova imposta ao autor, e, considerando-se a sua hipossuficiência técnica, bem como a verossimilhança da narrativa autoral, com fulcro no art. 6°, VIII, CDC, INVERTO o ônus da prova em desfavor da ré. Como é notório, trata-se de medida prevista no art. 6º, VIII, do CDC, consoante já exposto, com arrimo, ainda, na hipervulnerabilidade técnica do consumidor. Cinge-se a controvérsia desta demanda em aferir a suposta falha do serviço pelas cobranças indevidas sem prévia autorização expressa do consumidor. Diante da desnecessidade de produção de mais provas em audiência, procedo ao julgamento antecipado da lide, com fulcro no artigo 355, I, do Código de Processo Civil. Nessa esteira, caberia à requerida o ônus de comprovar a existência de fatos ou circunstâncias capazes de caracterizar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil ou qualquer hipótese de exclusão de responsabilidade prevista no art. 14, §3º, do Código de Defesa do Consumidor. O CDC, em seu art. 6º, III e IV, impõe ao fornecedor de serviços os deveres de garantir: Art. 6º, CDC: São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços." No caso em exame, observa-se que a ré agiu de forma abusiva ao cobrar quantias vultosas nas faturas de cartão de crédito, sem qualquer aviso ou autorização expressa. Tal prática infringe diretamente o princípio da transparência e da boa-fé objetiva, pilares do sistema consumerista, tornando a cobrança ilegítima. Segundo Cláudia Lima Marques, em sua obra “Contratos no Código de Defesa do Consumidor” (11. ed., São Paulo: RT, 2016, p. 388): “No sistema do CDC, o dever de informação é elemento central da boa-fé objetiva, sendo essencial para a preservação do equilíbrio contratual. A ausência de informação adequada e a surpresa para o consumidor configuram prática abusiva e desequilibrada.” Além disso, o art. 51, IV e §1º, II do CDC estabelece a nulidade de cláusulas que: Art. 51, CDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. §1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: II – restrinja direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato. Ademais, importa reforçar que, mesmo existindo cláusula contratual genérica permitindo a cobrança de tarifas, tal previsão não supre a necessidade de manifestação expressa, específica e individualizada do consumidor quanto a cada operação de débito efetuada. Em contratos bancários de adesão, a interpretação deve sempre se dar de forma restritiva, em benefício do aderente, como determina o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: Art. 47, CDC: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. A prática adotada pelo banco, ao realizar cobranças de serviços sem comunicação prévia e sem consentimento específico, configura violação ao dever de transparência e à boa-fé objetiva, fundamentais nas relações de consumo. A transparência exige não apenas a existência de cláusula contratual, mas também a efetiva ciência do consumidor sobre o ato concreto que impactará sua esfera patrimonial, especialmente em montante expressivo. A previsão contratual genérica, nestes moldes, não possui eficácia plena para legitimar o ato praticado, sendo necessário que o banco, previamente à realização do débito, disponibilizasse informação clara, destacada e específica acerca da operação. A ausência de tal comunicação implica ofensa ao direito básico do consumidor à informação adequada, previsto no art. 6º, III, do CDC, configurando prática abusiva, nos termos do art. 39, IV, do CDC, que veda ao fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor para impor condições desfavoráveis. Importante salientar que, em contratos de adesão, o princípio da interpretação mais favorável ao aderente visa a corrigir o desequilíbrio natural existente na relação contratual, em que o consumidor não possui margem de negociação das cláusulas. Portanto, em caso de dúvida ou omissão quanto aos limites da autorização concedida, deve-se presumir em favor do consumidor a inexistência de autorização válida para práticas que restrinjam seus direitos fundamentais. A conduta da instituição financeira comprometeu a confiança na relação contratual e gerou desequilíbrio evidente, sendo de rigor o reconhecimento da prática abusiva, impondo-se a repetição do indébito nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC: Art. 42, § único, CDC: O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. No tocante à necessidade de comprovação de má-fé, importante destacar que o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que, no âmbito das relações de consumo, a repetição em dobro independe da demonstração de má-fé do fornecedor. Basta a configuração da cobrança indevida para se fazer jus à devolução em dobro, conforme sedimentado no julgamento do Tema 929/STJ: “A devolução em dobro do indébito prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, prescinde da demonstração de má-fé do credor.” (REsp 1.355.573/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/08/2015, DJe 24/08/2015). Além disso, verifica-se que a instituição financeira não comprovou a voluntariedade, regularidade ou legitimidade das cobranças, considerando que deixou de anexar aos autos contrato ou qualquer devidamente assinado que justificasse cobrança das tarifas de serviços discutidas nos autos. No presente caso, foram comprovados as sucessivas cobrança em fatura de cartão de crédito e os respectivos pagamentos (ID 147816377), estando preenchidos todos os requisitos do artigo supracitado. Portanto, a procedência do pleito de restituição em dobro do valor indevidamente pago é medida que se impõe. . Quanto ao pedido de indenização por danos morais, não se vislumbra nos autos situação a justificar sua procedência. A jurisprudência consolidada exige, para o cabimento do dano moral, que o ato ilícito atinja profundamente a esfera da dignidade da pessoa, afetando valores como honra, imagem ou integridade psíquica, o que não ocorreu no caso. Ainda que o episódio tenha causado desconforto e aborrecimento à autora, especialmente em momento delicado de sua vida pessoal, tais situações, conforme a moderna orientação doutrinária e jurisprudencial, não ultrapassam o limiar do mero dissabor cotidiano. Nesse sentido, leciona Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil” (14ª ed., São Paulo: Atlas, 2020, p. 109): “O dano moral, para ser indenizável, há de ser grave, capaz de romper o equilíbrio psicológico da pessoa, não bastando o simples dissabor, o aborrecimento ou a irritação própria do cotidiano.” Destarte, no presente caso, importante destacar que, embora reconhecida a prática irrazoável e desproporcional do banco, não se pode concluir de imediato pela prática de ato ilícito caracterizador de dano moral, pois a conduta, embora reprovável sob a ótica consumerista, não se revela manifestamente abusiva a ponto de atingir de forma grave os direitos da personalidade da parte autora. O entendimento consolidado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, é no sentido de que o simples inadimplemento contratual ou a cobrança indevida, desacompanhada de publicidade vexatória ou inscrição em cadastros de inadimplentes, não configura dano moral indenizável, mas sim mero aborrecimento decorrente das relações obrigacionais. Assim, apesar da prática do banco ser considerada inadequada e violadora dos princípios da boa-fé e da transparência, a sua realização com base em cláusula contratual genérica — ainda que de interpretação restrita — afasta a configuração automática de dano à honra, imagem ou dignidade do consumidor, exigindo-se, para tanto, prova concreta do prejuízo moral efetivamente sofrido, o que não se verifica no presente caso. Portanto, a ausência de demonstração de repercussão grave na esfera íntima da autora, associada à existência de previsão contratual, ainda que genérica, afasta o dever de indenizar por danos morais, restando apenas o reconhecimento da prática abusiva para fins patrimoniais, com a consequente condenação à repetição do indébito. Expostas as considerações supracitadas, conclui-se que as circunstâncias fáticas não exprimem qualquer fato/ato desabonador dos direitos da personalidade nem qualquer dano direto oriundo das cobranças, de modo que as constatações fáticas e jurídicas da presente lide levam à improcedência do pleito compensatório de danos morais. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão encartada na inicial apenas para: a) CONDENAR a ré a restituir, em dobro, os valores cobrados e pagos indevidamente, totalizando a quantia de R$ 3.726,88, (três mil, setecentos e vinte e seis reais e oitenta e oito centavos), acrescidos de juros moratórios com base na Taxa Legal (art. 406, §1º, do Código Civil), a contar da citação (art. 405 do Código Civil) e correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a partir do efetivo prejuízo, segundo o teor da Súmula 43 do STJ; b) JULGAR IMPROCEDENTES os danos morais pleiteados. Sem custas e sem honorários advocatícios sucumbenciais, em observância às determinações dos arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Submeto, nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95, o presente projeto de sentença para fins de homologação por parte do Juízo de Direito. PEDRO ROBERTO PINTO DE CARVALHO Juiz Leigo SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA Trata-se de projeto de sentença ofertado por juiz leigo, nos moldes previstos no art. 98, I, da CF, Leis nº 9.099/1995 e 12.153/2009, e Resoluções nº 174/2013, do CNJ, e 036/2014, do TJRN. Verifico que o projeto está em consonância com o entendimento deste juiz, razão pela qual merece homologação. Isto posto, com fulcro no art. 40, da Lei nº 9.099/1995, HOMOLOGO, por sentença o projeto acima em seu inteiro teor, para que surtam seus jurídicos e legais efeitos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Natal/RN, 28 de junho de 2025. JOSÉ MARIA NASCIMENTO Juiz de Direito em substituição legal (documento assinado digitalmente na forma da Lei n° 11.419/06)