Antonio Neto Soares x Banco Bmg Sa
Número do Processo:
0805100-80.2025.8.23.0010
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJRR
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
4ª Vara Cível
Última atualização encontrada em
18 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
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18/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 4ª Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPágina 1 de 13 Processo n.º: 0805100-80.2025.8.23.0010 Autor(a): ANTÔNIO NETO SOARES Réu: BANCO BMG SA SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO I - Relatório: 1. A parte autora ANTÔNIO NETO SOARES ajuizou “ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais”, em desfavor do BANCO BMG SA, ambas as partes devidamente qualificadas nos autos. 2. A parte autora, beneficiária do INSS (Benefício nº 554.165.909-0), com renda líquida mensal de R$ 1.766,29 (mil, setecentos e sessenta e seis reais e vinte e nove centavos), alega ter realizado um contrato de empréstimo consignado com o Banco BMG S.A. A requerente aduz que foi informada de que o pagamento seria feito mediante descontos mensais diretos em seu benefício, como é praxe em empréstimos consignados convencionais, e que o banco realizou a transferência eletrônica do valor obtido para sua conta bancária. 3. Afirma que meses após a contratação teria notado que o desconto em seu benefício se tratava de "RESERVA DE MARGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO", o que seria diferente de um empréstimo consignado comum, que era o que almejava. A requerente enfatiza que esses serviços "jamais foram solicitados ou contratados", pois ela apenas requereu e autorizou um empréstimo consignado e não um empréstimo via cartão de crédito com RMC. 4. A parte autora argumenta que o banco teria simulado uma contratação de cartão de crédito consignado, sem sequer lhe dar a oportunidade de escolher a porcentagem a ser reservada. O que mais teria lhe surpreendido seria o fato de que os descontos mensais efetuados (atualmente R$ 187,82 - cento e oitenta e sete reais e oitenta e dois centavos) não abatem o saldo devedor, cobrindo apenas juros e encargos, o que caracteriza uma "DÍVIDA ETERNA" e "IMPAGÁVEL". A requerente afirma que o banco jamais informou sobre a constituição da RMC, inclusive sobre o percentual de 5% (cinco porcento) a ser averbado em seu benefício, e que nunca recebeu ou Página 2 de 13 desbloqueou o cartão, nem o utilizou de alguma forma, o que afastaria qualquer alegação de contratação e uso. 5. A parte autora alega que, ao perceber os descontos teria acreditado estar quitando mensalmente seu contrato, pois a sistemática do pagamento e do valor disponibilizado foi idêntica à de empréstimos anteriores. A requerente informa que já teve descontado de seu benefício o valor total de R$ 19.157,64 (dezenove mil, cento e cinquenta e sete reais e sessenta e quatro centavos), mas que não houve redução do saldo devedor, que permanece no patamar inicialmente contratado. A parte autora sustenta ainda que essa prática seria um "verdadeiro GOLPE" aplicado a milhares de aposentados e pensionistas em todo o país. 6. Ao final requereu: a) os benefícios da Justiça gratuita; b) que seja dispensada a audiência de conciliação; c) a citação da requerida; d) julgar totalmente procedente o pedido formulado na inicial; e) na hipótese de comprovação de contratação do cartão de crédito consignado (RMC) via apresentação de contrato, seja declarada sua nulidade caso formalizado em descompasso com a legislação específica ou que se enquadre nos casos estabelecidos no art.51 e art. 39, ambos do CDC; f) Alternativamente, que seja realizada a readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) a parte autora, desprezando-se o saldo devedor atual, ou seja, não deverá ser considerado para o cálculo o valor acrescido de juros e encargos; g) condenar a Requerida a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente da Requerente a título de ‘RMC’, cujo valor apurado até o momento perfaz a quantia de R$ 38.315,28 (Trinta e oito mil, trezentos e quinze reais e vinte e oito centavos); h) condenar a Requerida ao pagamento de indenização por danos morais, sugerindo a Vossa Excelência seja fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), devidamente corrigidos pelas variações positivas do INPC a partir do arbitramento e acrescidos de juros moratórios a partir do evento danoso; i) condenar à parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, que deverão ser fixados nos parâmetros do artigo 85, § 2.º, I ao IV, do CPC; j) a inversão do ônus da prova; k) Página 3 de 13 Pretende provar o alegado pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos; etc. 7. No EP.06, foram deferidos os benefícios da justiça gratuita e determinada a inspeção judicial. 8. O Banco BMG S.A, devidamente citado, apresentou sua contestação no EP.16, refutando as alegações do autor sobre a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado. O banco afirma que o contrato, de nº 6123053, foi celebrado em 29/07/2016 com a plena ciência da parte autora, que teria utilizado o cartão para compras. A defesa sustenta que o produto é legal, com taxas de juros regulamentadas e que a alegação de "dívida infinita" é falsa, pois o pagamento mínimo é suficiente para amortizar o saldo devedor ao longo do tempo. 9. Preliminarmente, o banco alega a inépcia da inicial por ausência de prova mínima do direito, falta de pretensão resistida e não comprovação de tentativas de solução extrajudicial. O BMG também impugna a gratuidade de justiça e a validade da procuração. No mérito, argumenta que não houve vício de consentimento ou falha no dever de informação, e que a demora do autor em ajuizar a ação configura "supressio" e "venire contra factum proprium". 10. Ao final, requereu: a) No mérito, seja reconhecida a validade do contrato celebrado entre as partes, com a consequente improcedência dos pedidos iniciais, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil; b) Na remota hipótese de se entender pela procedência do pedido de ressarcimento de danos morais, requer, em homenagem ao Princípio da Eventualidade, que o quantum indenizatório seja fixado em seu patamar mínimo, evitando-se, por conseguinte, o enriquecimento da parte autora em detrimento do patrimônio do Réu; c) Em relação aos danos materiais, restou demonstrado que todas as cobranças realizadas pelo Réu se deram em exercício regular de direito, não havendo, pois, que se falar em qualquer tipo de ressarcimento. Entretanto, caso assim não entenda este d. Juízo, requer que eventual restituição se limite aos prejuízos efetivamente comprovados pela parte autora, bem como que ela seja deferida apenas em sua modalidade simples, sobretudo porquanto não restou materialmente demonstrado qualquer tipo de má-fé nos atos praticados pelo Réu; d) Além Página 4 de 13 disso, em havendo saldo devedor apurado em desfavor da parte autora, requer que tal quantia seja atualizada e decotada de eventual valor a ser restituído pelo Banco Réu, sob pena de restar configurado o enriquecimento sem causa na hipótese em análise; e) produção de todas os meios de prova em direito admitidas, etc. 11. A parte autora apresentou réplica no EP. 23. Decisão saneadora no EP.24. 12. Os autos vieram conclusos no EP.30. 13. É o breve relato. Decido. II - Fundamentação: 14. O feito prescinde de outras provas, pois bastam aquelas existentes nos autos para a formação da convicção do julgador. Aliás as partes tiveram o tempo necessário para apresentação das suas respectivas provas, portanto, foi respeitado o contrário e a ampla defesa, na forma do art. 5º, LV da CF/88, e arts. 9º e 10 do Código de Processo Civil, razão pela qual, passo ao julgamento da lide no estado em que se encontra o processo, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil. 15. Como é sabido, cabe ao juiz o exame e valoração judicial dos elementos probantes, em vista dos fatos expostos na inicial. 16. As partes são legítimas e estão devidamente representadas, não havendo vedação legal ao pedido e causa de pedir. Outrossim, é necessária a prestação jurisdicional pretendida por via processual adequada. 17. Não houve arguição de preliminares pela parte requerida. Assim, passo ao julgamento do mérito. Do Mérito: 18. Cuida-se de “ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais”, sob o argumento de que não teria autorizado a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) emitido em seu favor pelo banco requerido. Página 5 de 13 19. O banco requerido, por sua vez, em contestação rechaçou as informações da exordial, bem como aduziu que a requerente teria contratado e utilizado os seus serviços de cartão de crédito. 20. Pois bem, o objeto da celeuma é verificar se houve regular contratação de Cartão de Crédito na modalidade Reserva de Margem Consignável - RMC e, em caso negativa, se a contratação de serviço em nome da autora, em atitude possivelmente fraudulenta, gera responsabilidade civil da instituição financeira. Portanto, vejo que o ponto controverso que se discute nos autos, está em saber se a autora de fato teria ou não autorizado/realizado empréstimo (RMC) objeto desta lide, digo por livre e espontânea vontade. 21. Sucede, no entanto, que na peça exordial a parte autora nega a realização da contratação de cartão de crédito bancário com a empresa ré. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: 22. Com efeito, consigno inicialmente que a relação discutida nos autos enseja a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, vez que presente a figura do fornecedor de produtos/serviços de um lado e do autor como consumidor de outro, ainda que de forma equiparada (art. 17 do CDC), sendo aplicável, especialmente, a norma que estabelece a inversão do ônus da prova como critério de julgamento da causa, quando possível, ao fornecedor dos produtos/serviços a produção de prova destinada a refutar os argumentos da parte autora, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. Evidente a vulnerabilidade como fator determinante para a caracterização do consumidor e consequente aplicação do regime jurídico da lei consumerista,consoante orientação do C. STJ (Recurso Especial n° 476.428-SC), nos termos dos artigos 2º e 3ºdo Código Consumerista, não se olvidando da Súmula 297 do STJ que já assentou o entendimento que o CDC é aplicável às instituições financeiras. 23. Portanto, tratando-se de relação de consumo, assevera-se ser nula de pleno direito a cláusula assumida pelo consumidor, presumidamente vulnerável (art. 4º, I, CDC), se abusiva conforme a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes contratantes, as circunstâncias especiais do caso em concreto (art. 51 e § 1º, CDC) e os limites impostos pelo fim econômico ou social do objeto contratual, os bons Página 6 de 13 costumes e a boa-fé subjetiva e objetiva (arts. 113, 187 e 422,CC), que impõe a todos um dever geral de cuidado, segurança, cooperação, informação, proteção à confiança, à aparência e à justa expectativa, vedado, portanto, o comportamento desarrazoado,descuidado, negligente, abusivo ou contraditório. 24. Outrossim, é de se destacar a responsabilidade objetiva da parte ré (art. 12 do CDC), mesmo para a situação em que o evento danoso não surgir em virtude de contratação advinda da vontade expressa do consumidor, mas por conduta unilateral do fornecedor que venha a causar danos ao consumidor ou a terceiros, ocasião em que estes últimos, na qualidade de vítimas do evento, terão sua condição equiparada a consumidores, nos termos do art. 17 do CDC. 25. No presente caso, verifica-se que a autora se encontra em condição de vulnerabilidade, não apenas sob o aspecto econômico, mas também técnico e de saúde, uma vez que é beneficiária do Benefício de Prestação Continuada (BPC) (EP.01), nos termos do artigo 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 26. Dessa forma, cabe ao fornecedor apresentar prova irrefutável de que adotou todas as medidas necessárias para aferir a real manifestação de vontade da autora, observando a boa-fé objetiva contratual, especialmente diante de sua condição pessoal, que demanda uma proteção legal reforçada. 27. Feita estas importantíssimas considerações iniciais, passo a tratar sobre a respeitável decisão do Egrégio Tribunal de Justiça Estadual sobre o tema: Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitiva - IRDR sob o número 9002871-62.2022.8.23.0000: 28. Cumpre destacar que a questão relativa à contratação de cartão de crédito na modalidade Reserva de Margem Consignável (RMC) já foi objeto de análise pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Roraima, no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), registrado sob o número 9002871-62.2022.8.23.0000, ocasião em que foram fixadas as seguintes teses jurídicas: Página 7 de 13 1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com fundamento na Lei Federal n.º 10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS. 2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável permite cobranças no contracheque, desde que a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno e inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou outras provas incontestáveis. 3. Em caso de vício na contratação causado por informações inadequadas que induziram o consumidor a erro (questão fática a ser examinada no caso específico), a anulação deve ser discutida com base nos defeitos do negócio jurídico e nos deveres legais de probidade e boa-fé, considerando-se, contudo, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, conforme os princípios da conservação dos negócios jurídicos. (Grifei) EMENTA DIREITO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LEGALIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. 1. O cartão de crédito consignado constitui modalidade contratual lícita que encontra amparo legal nos arts. 1º, § 1º e 6.º, § 5.º, da Lei Federal n.º 10.820/2003, assim como nas instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, aplicável aos empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS. 2. Apesar da existência de regulamentação que legitima o cartão de crédito consignado sob a perspectiva jurídica, a controvérsia reside no possível abuso na disponibilização do produto e na alegada violação do dever de informação por parte das instituições financeiras. Página 8 de 13 3. Diante da inversão do ônus da prova nas relações consumeristas, compete às instituições financeiras comprovar, de maneira inequívoca, que o consumidor foi devidamente informado sobre os termos do contrato. 4. Nesse sentido, é imprescindível que os contratos destaquem, de forma clara, objetiva e em linguagem fácil, as reais condições do contrato (meios de quitação da dívida; acesso às faturas; cobrança integral do valor do saque no mês subsequente; débito direto do valor mínimo da fatura e incidência de encargos rotativos em caso de não pagamento integral). 5. A falha no dever de informação capaz de induzir o consumidor a erro constitui questão a ser analisada no caso concreto e a anulação do contrato decorrente de tal hipótese deve considerar os defeitos do negócio jurídico e os deveres de probidade e boa-fé, havendo possibilidade, no entanto, de convalidação do negócio anulável. 6. Tese fixada com a seguinte redação: 6.1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com fundamento na Lei Federal n.º 10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e para beneficiários do INSS. 6.2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável permite a cobrança no contracheque, desde que a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno e inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou outras provas incontestáveis. Participaram do julgamento os Desembargadores Mozarildo Cavalcanti (Relator), Ricardo Oliveira, Almiro Padilha, Tânia Vasconcelos, Leonardo Cupello, Cristóvão Suter, Erick Linhares. (Grifei) 29. Feitas tais considerações, o cerne da presente contenda reside na verificação da higidez da contratação do cartão de crédito na modalidade RMC junto ao banco Réu, visto que, por um lado, o(a) autor(a) afirma que fora levado ao erro, pois pretendia a contratação de empréstimo consignado, e, por outro, o banco Réu alega que a parte autora, não apenas tinha ciência dos serviços bancários contratados, Página 9 de 13 como também consentiu com a contratação destes, e teria utilizado o cartão em seu favor. 30. No caso em apreço, é evidente a existência de prova inequívoca da manifestação de vontade da parte autora quanto à efetiva contratação do serviço, na medida em que, contrariando as alegações iniciais, fez uso do cartão de crédito para a realização de compras habituais, como em lojas (Sapatinho de Luxo, Asya Fashion, Dani Paixão, MJ Autos Peças, M C Variedades, Sonho e Magia, Farmácias, PMZ), entre outros estabelecimentos. Tal conduta demonstra que a autora possuía plena ciência da contratação e anuência quanto às obrigações dela decorrentes. 31. Ademais, a parte autora faltou com a verdade, quando afirmou na inicial, que: “(...)” Outro fator preponderante pé que a parte autora nunca recebeu referido cartão e, por tal motivo nunca desbloqueou e nem mesmo foi utilizado de alguma forma, o que afasta por completo qualquer possibilidade de eventual alegação de contratação e uso. “(...)” (Grifei) 32. É oportuno destacar o recorte de trechos das faturas acostadas pelo banco requerido no Evento 16, as quais evidenciam, além da realização de saques R$100,00 (cem reais); mais R$1.275,91 (mil duzentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos), mais R$1.000,00 (mil reais); R$1.000,00 (mil reais), R$1.576,17 (mil quinhentos e setenta e seis reais e dezessete centavos), totalizando o valor de R$4.952,08 (quatro mil novecentos e cinquenta e dois reais e oito centavos), a efetiva utilização do serviço de cartão de crédito contratado no comércio local da cidade, isso demonstra à adesão ao serviço de cartão de crédito bancário: Página 10 de 13 33. Posto isto, não há que se reconhecer o vício de consentimento suscitado e,consequentemente, a inexigibilidade do débito questionado, devendo prevalecer a pacta sunt servanda como força obrigatória dos contratos visando o cumprimento de suas finalidades de função social, circulação de bens e riquezas dentro da economia capitalista na forma do estipulado no art. 421 do Código Civil. 34. Arnoldo Medeiros da Fonseca, em clássica lição, assevera: “[...] o devedor,quando contrata, assume implicitamente uma obrigação de não iludir as legítimas expectativas do credor de receber a prestação prometida. Se a assume superior às próprias forças, será culpado, e, por sua culpa, é Página 11 de 13 natural que responde. [...] Nem seria justo, em relação ao credor, perante quem o devedor assumiu sem reservas a garantia de executar a obrigação, exonerar este último de responsabilidade, por suas condições pessoais, mesmo quando outro indivíduo, em análogas condições exteriores de tempo,lugar e meio, teria podido cumprir o estipulado” (FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 316) 35. Cumpre anotar, ainda, segundo ensina Antônio Junqueira de Azevedo, que “a declaração de vontade, tomada primeiramente como um todo, deverá ser: a) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade;c) escolhida com liberdade; d) deliberada sem má-fé” (Negócio jurídico - existência, validade e eficácia. 4.ed. São Paulo: 2002, p. 43); conduta ocorrida no presente caso. Do Vício de Consentimento: 36. E oportuno dizer que o vício de consentimento é um defeito da manifestação de vontade que compromete a validade do negócio jurídico. Embora a vontade tenha sido expressa, ela foi influenciada por algum fator que impediu o agente de agir com plena liberdade e consciência. Ou seja, ocorre quando a parte tem uma falsa percepção da realidade, levando-a a celebrar um negócio que não celebraria se conhecesse a verdade. 37. Todavia, para além da responsabilização oriunda da inadequação na prestação do serviço, impõe-se igualmente a análise da validade do negócio jurídico à luz das disposições do Código Civil, especialmente no que tange à manifestação da vontade e aos vícios que possam comprometê-la. 38. De fato, conforme estabelece o artigo 171, inciso II, do Código Civil, o negócio jurídico poderá ser anulado quando maculado por vícios como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Ademais, nos termos do artigo 138 do mesmo diploma legal, são passíveis de anulação os negócios jurídicos cujas declarações de vontade resultem de erro substancial, passível de identificação por pessoa de diligência comum, à luz das circunstâncias que envolvem o negócio.”. 39. A esse respeito, ensina com propriedade o eminente Nestor Duarte: Página 12 de 13 A manifestação de vontade é elemento essencial do negócio jurídico, mas se, embora ocorrente a declaração de vontade, esta se deu em desconformidade com o querer do agente, o negócio jurídico será viciado. Em regra, os motivos que impelem o agente à realização de um negócio jurídico são irrelevantes, porém o processo psíquico para a formação de vontade é relevante, de modo que, se a declaração decorrer de noção inexata ou de falsa ideia a respeito do objeto principal ou acerca de pessoa, ou ainda sobre a norma jurídica (art. 139), poderá caracterizar-se erro, que é vício capaz de levar à anulação do negócio. ( . . . ) Para anular o negócio jurídico, o erro deve ser essencial, ou seja, incidente sobre o objeto principal da declaração ou sobre qualidades substanciais do objeto ou essenciais da pessoa a que se refira. Não é necessário que o erro seja comum a ambas as partes nos negócios bilaterais, bastando que atinja a vontade de uma delas. Exige-se, todavia, que, no equívoco ou falsa representação, possa incidir pessoa de diligência normal (vir medius), mas não é pacífico que deva ser escusável." (Código Civil comentado: doutrina e Jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 5.ed. Barueri, SP: Manole, 2011, p. 117). 40. Cumpre salientar que, na petição inicial, a parte autora negou de forma peremptória ter solicitado o cartão de crédito. No entanto, verifica-se que o utilizou regularmente para a realização de compras cotidianas, o que contraria sua alegação inicial de vício de consentimento. 41. Diante disso, evidencia-se a existência de manifestação de vontade na celebração do contrato, uma vez que as provas constantes nos autos infirmam sua negativa. Assim, não há como acolher o pleito formulado, razão pela qual a demanda deve ser julgada totalmente improcedente. III - Dispositivo: 42. Dessa forma, em face do exposto, com fundamento no inciso I, do artigo 487 do Código de Processo Civil, julgo improcedente a pretensão da parte autora, extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma da fundamentação supra. Página 13 de 13 43. Prestigiando o princípio da causalidade, condeno a parte autora ao pagamento de custas processuais, na forma da lei, e honorários advocatícios, estes na ordem de 10 (dez por cento), sobre o valor da causa atualizada, nos termos do CPC: Artigo 85, § 2º, § 2º, I, II, III e IV. Por outro lado, determino a suspensão da cobrança, em razão da parte autora ser beneficiária da justiça gratuita (EP.06). 44. Certifique-se o cartório o trânsito em julgado desta decisão. 45. Na hipótese de apresentação de Embargos de Declaração por uma das partes, intime-se a parte contrária, via sistema virtual, para apresentar as contrarrazões, no prazo de 05 (cinco) dias, após retornem-me os autos conclusos para a decisão, ficam as partes advertidas que em caso de ser protelatório será condenado em multa processual, nos termos do artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. 46. Havendo recurso da presente sentença, certifique-se acerca da tempestividade e intime-se a parte contrária, via sistema Projudi, para apresentar suas contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 1.010, §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e após remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça Estadual. 47. Não havendo recurso, dê-se baixa e arquive-se. 48. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. 49. Boa Vista (RR), data constante do sistema Projudi. Jarbas Lacerda de Miranda Juiz de Direito Titular da 4ª Vara Cível (assinado digitalmente)
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18/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 4ª Vara Cível | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPágina 1 de 13 Processo n.º: 0805100-80.2025.8.23.0010 Autor(a): ANTÔNIO NETO SOARES Réu: BANCO BMG SA SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO I - Relatório: 1. A parte autora ANTÔNIO NETO SOARES ajuizou “ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais”, em desfavor do BANCO BMG SA, ambas as partes devidamente qualificadas nos autos. 2. A parte autora, beneficiária do INSS (Benefício nº 554.165.909-0), com renda líquida mensal de R$ 1.766,29 (mil, setecentos e sessenta e seis reais e vinte e nove centavos), alega ter realizado um contrato de empréstimo consignado com o Banco BMG S.A. A requerente aduz que foi informada de que o pagamento seria feito mediante descontos mensais diretos em seu benefício, como é praxe em empréstimos consignados convencionais, e que o banco realizou a transferência eletrônica do valor obtido para sua conta bancária. 3. Afirma que meses após a contratação teria notado que o desconto em seu benefício se tratava de "RESERVA DE MARGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO", o que seria diferente de um empréstimo consignado comum, que era o que almejava. A requerente enfatiza que esses serviços "jamais foram solicitados ou contratados", pois ela apenas requereu e autorizou um empréstimo consignado e não um empréstimo via cartão de crédito com RMC. 4. A parte autora argumenta que o banco teria simulado uma contratação de cartão de crédito consignado, sem sequer lhe dar a oportunidade de escolher a porcentagem a ser reservada. O que mais teria lhe surpreendido seria o fato de que os descontos mensais efetuados (atualmente R$ 187,82 - cento e oitenta e sete reais e oitenta e dois centavos) não abatem o saldo devedor, cobrindo apenas juros e encargos, o que caracteriza uma "DÍVIDA ETERNA" e "IMPAGÁVEL". A requerente afirma que o banco jamais informou sobre a constituição da RMC, inclusive sobre o percentual de 5% (cinco porcento) a ser averbado em seu benefício, e que nunca recebeu ou Página 2 de 13 desbloqueou o cartão, nem o utilizou de alguma forma, o que afastaria qualquer alegação de contratação e uso. 5. A parte autora alega que, ao perceber os descontos teria acreditado estar quitando mensalmente seu contrato, pois a sistemática do pagamento e do valor disponibilizado foi idêntica à de empréstimos anteriores. A requerente informa que já teve descontado de seu benefício o valor total de R$ 19.157,64 (dezenove mil, cento e cinquenta e sete reais e sessenta e quatro centavos), mas que não houve redução do saldo devedor, que permanece no patamar inicialmente contratado. A parte autora sustenta ainda que essa prática seria um "verdadeiro GOLPE" aplicado a milhares de aposentados e pensionistas em todo o país. 6. Ao final requereu: a) os benefícios da Justiça gratuita; b) que seja dispensada a audiência de conciliação; c) a citação da requerida; d) julgar totalmente procedente o pedido formulado na inicial; e) na hipótese de comprovação de contratação do cartão de crédito consignado (RMC) via apresentação de contrato, seja declarada sua nulidade caso formalizado em descompasso com a legislação específica ou que se enquadre nos casos estabelecidos no art.51 e art. 39, ambos do CDC; f) Alternativamente, que seja realizada a readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado) a parte autora, desprezando-se o saldo devedor atual, ou seja, não deverá ser considerado para o cálculo o valor acrescido de juros e encargos; g) condenar a Requerida a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente da Requerente a título de ‘RMC’, cujo valor apurado até o momento perfaz a quantia de R$ 38.315,28 (Trinta e oito mil, trezentos e quinze reais e vinte e oito centavos); h) condenar a Requerida ao pagamento de indenização por danos morais, sugerindo a Vossa Excelência seja fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), devidamente corrigidos pelas variações positivas do INPC a partir do arbitramento e acrescidos de juros moratórios a partir do evento danoso; i) condenar à parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, que deverão ser fixados nos parâmetros do artigo 85, § 2.º, I ao IV, do CPC; j) a inversão do ônus da prova; k) Página 3 de 13 Pretende provar o alegado pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos; etc. 7. No EP.06, foram deferidos os benefícios da justiça gratuita e determinada a inspeção judicial. 8. O Banco BMG S.A, devidamente citado, apresentou sua contestação no EP.16, refutando as alegações do autor sobre a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado. O banco afirma que o contrato, de nº 6123053, foi celebrado em 29/07/2016 com a plena ciência da parte autora, que teria utilizado o cartão para compras. A defesa sustenta que o produto é legal, com taxas de juros regulamentadas e que a alegação de "dívida infinita" é falsa, pois o pagamento mínimo é suficiente para amortizar o saldo devedor ao longo do tempo. 9. Preliminarmente, o banco alega a inépcia da inicial por ausência de prova mínima do direito, falta de pretensão resistida e não comprovação de tentativas de solução extrajudicial. O BMG também impugna a gratuidade de justiça e a validade da procuração. No mérito, argumenta que não houve vício de consentimento ou falha no dever de informação, e que a demora do autor em ajuizar a ação configura "supressio" e "venire contra factum proprium". 10. Ao final, requereu: a) No mérito, seja reconhecida a validade do contrato celebrado entre as partes, com a consequente improcedência dos pedidos iniciais, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil; b) Na remota hipótese de se entender pela procedência do pedido de ressarcimento de danos morais, requer, em homenagem ao Princípio da Eventualidade, que o quantum indenizatório seja fixado em seu patamar mínimo, evitando-se, por conseguinte, o enriquecimento da parte autora em detrimento do patrimônio do Réu; c) Em relação aos danos materiais, restou demonstrado que todas as cobranças realizadas pelo Réu se deram em exercício regular de direito, não havendo, pois, que se falar em qualquer tipo de ressarcimento. Entretanto, caso assim não entenda este d. Juízo, requer que eventual restituição se limite aos prejuízos efetivamente comprovados pela parte autora, bem como que ela seja deferida apenas em sua modalidade simples, sobretudo porquanto não restou materialmente demonstrado qualquer tipo de má-fé nos atos praticados pelo Réu; d) Além Página 4 de 13 disso, em havendo saldo devedor apurado em desfavor da parte autora, requer que tal quantia seja atualizada e decotada de eventual valor a ser restituído pelo Banco Réu, sob pena de restar configurado o enriquecimento sem causa na hipótese em análise; e) produção de todas os meios de prova em direito admitidas, etc. 11. A parte autora apresentou réplica no EP. 23. Decisão saneadora no EP.24. 12. Os autos vieram conclusos no EP.30. 13. É o breve relato. Decido. II - Fundamentação: 14. O feito prescinde de outras provas, pois bastam aquelas existentes nos autos para a formação da convicção do julgador. Aliás as partes tiveram o tempo necessário para apresentação das suas respectivas provas, portanto, foi respeitado o contrário e a ampla defesa, na forma do art. 5º, LV da CF/88, e arts. 9º e 10 do Código de Processo Civil, razão pela qual, passo ao julgamento da lide no estado em que se encontra o processo, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil. 15. Como é sabido, cabe ao juiz o exame e valoração judicial dos elementos probantes, em vista dos fatos expostos na inicial. 16. As partes são legítimas e estão devidamente representadas, não havendo vedação legal ao pedido e causa de pedir. Outrossim, é necessária a prestação jurisdicional pretendida por via processual adequada. 17. Não houve arguição de preliminares pela parte requerida. Assim, passo ao julgamento do mérito. Do Mérito: 18. Cuida-se de “ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais”, sob o argumento de que não teria autorizado a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) emitido em seu favor pelo banco requerido. Página 5 de 13 19. O banco requerido, por sua vez, em contestação rechaçou as informações da exordial, bem como aduziu que a requerente teria contratado e utilizado os seus serviços de cartão de crédito. 20. Pois bem, o objeto da celeuma é verificar se houve regular contratação de Cartão de Crédito na modalidade Reserva de Margem Consignável - RMC e, em caso negativa, se a contratação de serviço em nome da autora, em atitude possivelmente fraudulenta, gera responsabilidade civil da instituição financeira. Portanto, vejo que o ponto controverso que se discute nos autos, está em saber se a autora de fato teria ou não autorizado/realizado empréstimo (RMC) objeto desta lide, digo por livre e espontânea vontade. 21. Sucede, no entanto, que na peça exordial a parte autora nega a realização da contratação de cartão de crédito bancário com a empresa ré. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: 22. Com efeito, consigno inicialmente que a relação discutida nos autos enseja a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, vez que presente a figura do fornecedor de produtos/serviços de um lado e do autor como consumidor de outro, ainda que de forma equiparada (art. 17 do CDC), sendo aplicável, especialmente, a norma que estabelece a inversão do ônus da prova como critério de julgamento da causa, quando possível, ao fornecedor dos produtos/serviços a produção de prova destinada a refutar os argumentos da parte autora, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC. Evidente a vulnerabilidade como fator determinante para a caracterização do consumidor e consequente aplicação do regime jurídico da lei consumerista,consoante orientação do C. STJ (Recurso Especial n° 476.428-SC), nos termos dos artigos 2º e 3ºdo Código Consumerista, não se olvidando da Súmula 297 do STJ que já assentou o entendimento que o CDC é aplicável às instituições financeiras. 23. Portanto, tratando-se de relação de consumo, assevera-se ser nula de pleno direito a cláusula assumida pelo consumidor, presumidamente vulnerável (art. 4º, I, CDC), se abusiva conforme a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes contratantes, as circunstâncias especiais do caso em concreto (art. 51 e § 1º, CDC) e os limites impostos pelo fim econômico ou social do objeto contratual, os bons Página 6 de 13 costumes e a boa-fé subjetiva e objetiva (arts. 113, 187 e 422,CC), que impõe a todos um dever geral de cuidado, segurança, cooperação, informação, proteção à confiança, à aparência e à justa expectativa, vedado, portanto, o comportamento desarrazoado,descuidado, negligente, abusivo ou contraditório. 24. Outrossim, é de se destacar a responsabilidade objetiva da parte ré (art. 12 do CDC), mesmo para a situação em que o evento danoso não surgir em virtude de contratação advinda da vontade expressa do consumidor, mas por conduta unilateral do fornecedor que venha a causar danos ao consumidor ou a terceiros, ocasião em que estes últimos, na qualidade de vítimas do evento, terão sua condição equiparada a consumidores, nos termos do art. 17 do CDC. 25. No presente caso, verifica-se que a autora se encontra em condição de vulnerabilidade, não apenas sob o aspecto econômico, mas também técnico e de saúde, uma vez que é beneficiária do Benefício de Prestação Continuada (BPC) (EP.01), nos termos do artigo 39, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 26. Dessa forma, cabe ao fornecedor apresentar prova irrefutável de que adotou todas as medidas necessárias para aferir a real manifestação de vontade da autora, observando a boa-fé objetiva contratual, especialmente diante de sua condição pessoal, que demanda uma proteção legal reforçada. 27. Feita estas importantíssimas considerações iniciais, passo a tratar sobre a respeitável decisão do Egrégio Tribunal de Justiça Estadual sobre o tema: Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitiva - IRDR sob o número 9002871-62.2022.8.23.0000: 28. Cumpre destacar que a questão relativa à contratação de cartão de crédito na modalidade Reserva de Margem Consignável (RMC) já foi objeto de análise pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Roraima, no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), registrado sob o número 9002871-62.2022.8.23.0000, ocasião em que foram fixadas as seguintes teses jurídicas: Página 7 de 13 1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com fundamento na Lei Federal n.º 10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS. 2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável permite cobranças no contracheque, desde que a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno e inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou outras provas incontestáveis. 3. Em caso de vício na contratação causado por informações inadequadas que induziram o consumidor a erro (questão fática a ser examinada no caso específico), a anulação deve ser discutida com base nos defeitos do negócio jurídico e nos deveres legais de probidade e boa-fé, considerando-se, contudo, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, conforme os princípios da conservação dos negócios jurídicos. (Grifei) EMENTA DIREITO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LEGALIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. 1. O cartão de crédito consignado constitui modalidade contratual lícita que encontra amparo legal nos arts. 1º, § 1º e 6.º, § 5.º, da Lei Federal n.º 10.820/2003, assim como nas instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, aplicável aos empregados regidos pela CLT e beneficiários do INSS. 2. Apesar da existência de regulamentação que legitima o cartão de crédito consignado sob a perspectiva jurídica, a controvérsia reside no possível abuso na disponibilização do produto e na alegada violação do dever de informação por parte das instituições financeiras. Página 8 de 13 3. Diante da inversão do ônus da prova nas relações consumeristas, compete às instituições financeiras comprovar, de maneira inequívoca, que o consumidor foi devidamente informado sobre os termos do contrato. 4. Nesse sentido, é imprescindível que os contratos destaquem, de forma clara, objetiva e em linguagem fácil, as reais condições do contrato (meios de quitação da dívida; acesso às faturas; cobrança integral do valor do saque no mês subsequente; débito direto do valor mínimo da fatura e incidência de encargos rotativos em caso de não pagamento integral). 5. A falha no dever de informação capaz de induzir o consumidor a erro constitui questão a ser analisada no caso concreto e a anulação do contrato decorrente de tal hipótese deve considerar os defeitos do negócio jurídico e os deveres de probidade e boa-fé, havendo possibilidade, no entanto, de convalidação do negócio anulável. 6. Tese fixada com a seguinte redação: 6.1. É lícita a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, com fundamento na Lei Federal n.º 10.820/2003 e nas Instruções Normativas n.º 28/2008 e 138/2022 do INSS para a categoria de empregados regidos pela CLT e para beneficiários do INSS. 6.2. A contratação da modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável permite a cobrança no contracheque, desde que a instituição bancária comprove que o consumidor tinha pleno e inequívoco conhecimento da operação, o que deve ser demonstrado por meio do 'Termo de Consentimento Esclarecido' ou outras provas incontestáveis. Participaram do julgamento os Desembargadores Mozarildo Cavalcanti (Relator), Ricardo Oliveira, Almiro Padilha, Tânia Vasconcelos, Leonardo Cupello, Cristóvão Suter, Erick Linhares. (Grifei) 29. Feitas tais considerações, o cerne da presente contenda reside na verificação da higidez da contratação do cartão de crédito na modalidade RMC junto ao banco Réu, visto que, por um lado, o(a) autor(a) afirma que fora levado ao erro, pois pretendia a contratação de empréstimo consignado, e, por outro, o banco Réu alega que a parte autora, não apenas tinha ciência dos serviços bancários contratados, Página 9 de 13 como também consentiu com a contratação destes, e teria utilizado o cartão em seu favor. 30. No caso em apreço, é evidente a existência de prova inequívoca da manifestação de vontade da parte autora quanto à efetiva contratação do serviço, na medida em que, contrariando as alegações iniciais, fez uso do cartão de crédito para a realização de compras habituais, como em lojas (Sapatinho de Luxo, Asya Fashion, Dani Paixão, MJ Autos Peças, M C Variedades, Sonho e Magia, Farmácias, PMZ), entre outros estabelecimentos. Tal conduta demonstra que a autora possuía plena ciência da contratação e anuência quanto às obrigações dela decorrentes. 31. Ademais, a parte autora faltou com a verdade, quando afirmou na inicial, que: “(...)” Outro fator preponderante pé que a parte autora nunca recebeu referido cartão e, por tal motivo nunca desbloqueou e nem mesmo foi utilizado de alguma forma, o que afasta por completo qualquer possibilidade de eventual alegação de contratação e uso. “(...)” (Grifei) 32. É oportuno destacar o recorte de trechos das faturas acostadas pelo banco requerido no Evento 16, as quais evidenciam, além da realização de saques R$100,00 (cem reais); mais R$1.275,91 (mil duzentos e setenta e cinco reais e noventa e um centavos), mais R$1.000,00 (mil reais); R$1.000,00 (mil reais), R$1.576,17 (mil quinhentos e setenta e seis reais e dezessete centavos), totalizando o valor de R$4.952,08 (quatro mil novecentos e cinquenta e dois reais e oito centavos), a efetiva utilização do serviço de cartão de crédito contratado no comércio local da cidade, isso demonstra à adesão ao serviço de cartão de crédito bancário: Página 10 de 13 33. Posto isto, não há que se reconhecer o vício de consentimento suscitado e,consequentemente, a inexigibilidade do débito questionado, devendo prevalecer a pacta sunt servanda como força obrigatória dos contratos visando o cumprimento de suas finalidades de função social, circulação de bens e riquezas dentro da economia capitalista na forma do estipulado no art. 421 do Código Civil. 34. Arnoldo Medeiros da Fonseca, em clássica lição, assevera: “[...] o devedor,quando contrata, assume implicitamente uma obrigação de não iludir as legítimas expectativas do credor de receber a prestação prometida. Se a assume superior às próprias forças, será culpado, e, por sua culpa, é Página 11 de 13 natural que responde. [...] Nem seria justo, em relação ao credor, perante quem o devedor assumiu sem reservas a garantia de executar a obrigação, exonerar este último de responsabilidade, por suas condições pessoais, mesmo quando outro indivíduo, em análogas condições exteriores de tempo,lugar e meio, teria podido cumprir o estipulado” (FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 316) 35. Cumpre anotar, ainda, segundo ensina Antônio Junqueira de Azevedo, que “a declaração de vontade, tomada primeiramente como um todo, deverá ser: a) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade;c) escolhida com liberdade; d) deliberada sem má-fé” (Negócio jurídico - existência, validade e eficácia. 4.ed. São Paulo: 2002, p. 43); conduta ocorrida no presente caso. Do Vício de Consentimento: 36. E oportuno dizer que o vício de consentimento é um defeito da manifestação de vontade que compromete a validade do negócio jurídico. Embora a vontade tenha sido expressa, ela foi influenciada por algum fator que impediu o agente de agir com plena liberdade e consciência. Ou seja, ocorre quando a parte tem uma falsa percepção da realidade, levando-a a celebrar um negócio que não celebraria se conhecesse a verdade. 37. Todavia, para além da responsabilização oriunda da inadequação na prestação do serviço, impõe-se igualmente a análise da validade do negócio jurídico à luz das disposições do Código Civil, especialmente no que tange à manifestação da vontade e aos vícios que possam comprometê-la. 38. De fato, conforme estabelece o artigo 171, inciso II, do Código Civil, o negócio jurídico poderá ser anulado quando maculado por vícios como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Ademais, nos termos do artigo 138 do mesmo diploma legal, são passíveis de anulação os negócios jurídicos cujas declarações de vontade resultem de erro substancial, passível de identificação por pessoa de diligência comum, à luz das circunstâncias que envolvem o negócio.”. 39. A esse respeito, ensina com propriedade o eminente Nestor Duarte: Página 12 de 13 A manifestação de vontade é elemento essencial do negócio jurídico, mas se, embora ocorrente a declaração de vontade, esta se deu em desconformidade com o querer do agente, o negócio jurídico será viciado. Em regra, os motivos que impelem o agente à realização de um negócio jurídico são irrelevantes, porém o processo psíquico para a formação de vontade é relevante, de modo que, se a declaração decorrer de noção inexata ou de falsa ideia a respeito do objeto principal ou acerca de pessoa, ou ainda sobre a norma jurídica (art. 139), poderá caracterizar-se erro, que é vício capaz de levar à anulação do negócio. ( . . . ) Para anular o negócio jurídico, o erro deve ser essencial, ou seja, incidente sobre o objeto principal da declaração ou sobre qualidades substanciais do objeto ou essenciais da pessoa a que se refira. Não é necessário que o erro seja comum a ambas as partes nos negócios bilaterais, bastando que atinja a vontade de uma delas. Exige-se, todavia, que, no equívoco ou falsa representação, possa incidir pessoa de diligência normal (vir medius), mas não é pacífico que deva ser escusável." (Código Civil comentado: doutrina e Jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 5.ed. Barueri, SP: Manole, 2011, p. 117). 40. Cumpre salientar que, na petição inicial, a parte autora negou de forma peremptória ter solicitado o cartão de crédito. No entanto, verifica-se que o utilizou regularmente para a realização de compras cotidianas, o que contraria sua alegação inicial de vício de consentimento. 41. Diante disso, evidencia-se a existência de manifestação de vontade na celebração do contrato, uma vez que as provas constantes nos autos infirmam sua negativa. Assim, não há como acolher o pleito formulado, razão pela qual a demanda deve ser julgada totalmente improcedente. III - Dispositivo: 42. Dessa forma, em face do exposto, com fundamento no inciso I, do artigo 487 do Código de Processo Civil, julgo improcedente a pretensão da parte autora, extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma da fundamentação supra. Página 13 de 13 43. Prestigiando o princípio da causalidade, condeno a parte autora ao pagamento de custas processuais, na forma da lei, e honorários advocatícios, estes na ordem de 10 (dez por cento), sobre o valor da causa atualizada, nos termos do CPC: Artigo 85, § 2º, § 2º, I, II, III e IV. Por outro lado, determino a suspensão da cobrança, em razão da parte autora ser beneficiária da justiça gratuita (EP.06). 44. Certifique-se o cartório o trânsito em julgado desta decisão. 45. Na hipótese de apresentação de Embargos de Declaração por uma das partes, intime-se a parte contrária, via sistema virtual, para apresentar as contrarrazões, no prazo de 05 (cinco) dias, após retornem-me os autos conclusos para a decisão, ficam as partes advertidas que em caso de ser protelatório será condenado em multa processual, nos termos do artigo 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil. 46. Havendo recurso da presente sentença, certifique-se acerca da tempestividade e intime-se a parte contrária, via sistema Projudi, para apresentar suas contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 1.010, §§ 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e após remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça Estadual. 47. Não havendo recurso, dê-se baixa e arquive-se. 48. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. 49. Boa Vista (RR), data constante do sistema Projudi. Jarbas Lacerda de Miranda Juiz de Direito Titular da 4ª Vara Cível (assinado digitalmente)