Processo nº 08034036120248100029

Número do Processo: 0803403-61.2024.8.10.0029

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJMA
Classe: APELAçãO CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em 25 de junho de 2025.

Intimações e Editais

  1. 25/06/2025 - Intimação
    Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVEL
    TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Gabinete Desembargador Luiz de França Belchior Silva APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0803403-61.2024.8.10.0029 - Caxias APELANTE: JOANA ALVES DE ARAUJO Advogado: AMANDA RUTYELLEN FERREIRA MARTINS - MA26288-A APELADO: BANCO CETELEM S.A. Advogados: AMANDA ALVARENGA CAMPOS VELOSO - MG99054-A, ANDRE RENNO LIMA GUIMARAES DE ANDRADE - MG78069-A Relator : Desembargador Luiz de França Belchior Silva DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Apelação Cível interposta por Joana Alves de Araújo contra sentença proferida pelo NÚCLEO DE JUSTIÇA 4.0 - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Relação Contratual c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais, ajuizada em face de Banco Cetelem S.A. A sentença recorrida julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, reconhecendo a validade do contrato de empréstimo consignado impugnado, com fundamento na documentação apresentada pelo Banco. O juízo considerou demonstrado o depósito dos valores contratados em conta de titularidade da Autora e, diante da reiterada propositura de ações semelhantes, entendeu configurada a litigância de má-fé. Condenou a parte autora ao pagamento de multa no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais), nos termos dos arts. 80, II e V, e 81 do CPC, além das custas e honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade foi suspensa em razão da gratuidade de justiça deferida. Determinou, ainda, o envio de cópia da decisão à OAB/MA, para análise de eventual infração ética pelo patrono da parte autora. A Apelante sustenta, preliminarmente, que não houve má-fé em sua conduta processual, sendo pessoa idosa, aposentada e hipossuficiente, o que justificaria sua busca por esclarecimentos quanto à contratação questionada. Argumenta que não se recorda de ter autorizado o empréstimo consignado e que tentou resolver administrativamente a questão, sem sucesso. Defende que a simples improcedência da demanda não caracteriza, por si, má-fé processual. Requer, com fundamento no art. 98, § 3º do CPC, a suspensão da exigibilidade da multa, dada sua condição de beneficiária da justiça gratuita. No mérito, reitera os pedidos formulados na petição inicial, sustentando que não contratou o empréstimo objeto da lide, nem recebeu qualquer valor correspondente. Argumenta que não houve prova suficiente da regularidade da contratação, e que a mera assinatura ou depósito não é hábil a suprir a ausência de consentimento. Pugna pela declaração de nulidade do contrato, devolução dos valores descontados indevidamente, com repetição em dobro, e a condenação do Banco ao pagamento de indenização por danos morais. Requer, ainda, a cassação da sentença para afastar a multa por litigância de má-fé, bem como a não remessa dos autos à OAB/MA para apuração de eventual infração ética por parte de seu patrono. O Apelado, em suas contrarrazões, requer o desprovimento do recurso para manter integralmente a sentença por seus próprios fundamentos. Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento do recurso, e no mérito, pelo PROVIMENTO do apelo. É o relatório. Decido. ADMISSIBILIDADE RECURSAL Presentes os requisitos de admissibilidade recursal, tanto intrínsecos, concernentes ao cabimento, legitimidade e interesse recursais, como extrínsecos, relativos à tempestividade e regularidade formal. Logo, o recurso deve ser conhecido. MÉRITO Inicialmente, cumpre ressaltar que, nos termos do artigo 932, inciso IV, alínea c, do Código de Processo Civil (CPC) e do artigo 319, § 1º, do Regimento Interno deste TJMA, o presente recurso deve ser julgado em decisão monocrática, por existir entendimento firmado neste Tribunal acerca do tema em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR nº 53.983/2016). Quanto ao mérito recursal, a controvérsia cinge-se acerca da validade de contrato de empréstimo consignado firmado entre o Apelante e a instituição bancária Apelada. Sobre o caso em análise, o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, quando do julgamento do IRDR nº 53.983/2016, firmou as seguintes teses: IRDR nº 53.983/2016: a) 1ª TESE: Independentemente da inversão do ônus da prova - que deve ser decretada apenas nas hipóteses autorizadas pelo art. 6º VIII do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consumidor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do contrato ou de outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio jurídico, permanecendo com o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do empréstimo, o dever de colaborar com a Justiça (CPC, art. 6º) e fazer a juntada do seu extrato bancário, embora este não deva ser considerado, pelo juiz, como documento essencial para a propositura da ação. Nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante do contrato juntado ao processo, cabe à instituição financeira/ré o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429 II), por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 369). b) 2ª TESE: A pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado, de sorte que eventual vício existente na contratação do empréstimo deve ser discutido à luz das hipóteses legais que autorizam a anulação por defeito do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158). c) 3ª TESE: É cabível a repetição do indébito em dobro nos casos de empréstimos consignados quando a instituição financeira não conseguir comprovar a validade do contrato celebrado com a parte autora, restando configurada má-fé da instituição, resguardadas as hipóteses de enganos justificáveis. d) 4ª TESE : Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vício na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre os defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158) e dos deveres legais de probidade, boa-fé (CC, art. 422) e de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, especificando corretamente as características do contrato (art. 4º, IV e art. 6º, III, do CDC), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170). Analisando os autos, a despeito das argumentações recursais e com esteio no IRDR (TJMA) nº 53.983/2016, observa-se que a sentença merece ser parcialmente reformada. AUSÊNCIA DE CONTRATO No presente caso, a instituição financeira não apresentou nos autos o contrato questionado, razão pela qual foi equivocada a conclusão da sentença no sentido de reconhecer a existência/validade do negócio jurídico. Por outro lado, a parte autora da ação, que nega a realização de contratação, demonstrou que as parcelas referente ao empréstimo consignado foram descontadas de sua conta bancária. Portanto, nos termos firmados no entendimento do IRDR nº 53.983/2016, merece reparos a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. DANOS MATERIAIS E MORAIS Conforme explicitado, a instituição financeira não apresentou documentação capaz de comprovar a validade do contrato de estipulação de tarifas supostamente firmado com a parte autora. Diante dessa omissão, configura-se o dever de indenizar pelos danos materiais suportados pelo consumidor, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê a repetição do indébito em dobro quando há cobrança indevida, salvo hipótese de engano justificável. Quanto ao abalo moral sofrido pela falha na prestação do serviço, no caso concreto, vislumbra-se que é o caso de mero aborrecimento. Essa conclusão decorre do valor total descontado indevidamente da conta bancária da Apelante R$ 205,60 (duzentos e cinco reais e sessenta centavos). A propósito, colhe-se o seguinte precedente em caso semelhante: DUAS APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. TARIFA BANCÁRIA. MANUTENÇÃO DE CONTA CORRENTE. ALEGAÇÃO DE NÃO CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE UTILIZAÇÃO. ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. IRDR. DEVER DE INFORMAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. CABIMENTO. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO. I. A instituição financeira não apresentou instrumento que comprovasse a contratação questionada ou outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade da consumidora, no sentido de firmar o negócio jurídico, não se desincumbindo de comprovar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado pela autora (CPC, 373, II). II. Na vertente hipótese, não constato a presença de erro justificável, em especial quanto ao procedimento padrão que deve ser adotado pela instituição financeira ao estabelecer relação negocial onerosa com pessoa idosa sem a cautela devida, tal como a plena informação. Assim, deve ser reconhecido o direito da autora à devolução em dobro do valor descontado, à ausência de prova da própria existência do contrato (convergência de vontades), com ressalva às parcelas prescritas anteriores ao quinquídio da judicialização. III. Não caracterizado dano moral apto de reparação pecuniária. Isso porque os descontos impugnados são de baixa monta, não sendo possível presumir qualquer dano aos direitos de personalidade de um fato que a vítima desconhece, e assim, que não pode lhe causar abalos psicológicos. Também não foram demonstrados outros fatores, a exemplo de restrição creditícia, que poderiam justificar a presunção de dano moral. IV. Desprovimento de ambos os apelos. (ApCiv 0800035-06.2023.8.10.0053, Rel. Desembargador(a) LUIZ GONZAGA ALMEIDA FILHO, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DJe 13/08/2024). Portanto, diante da falha na prestação do serviço pela instituição financeira, impõe-se a condenação à devolução dos valores indevidamente descontados na forma estabelecida no julgamento do EAResp 676.608 RS – simples para parcelas anteriores a 30.03.2021 e em dobro para as posteriores –. Contudo, dadas as circunstâncias do caso, especialmente o reduzido valor descontado indevidamente da conta bancária da parte autora, não há espaço para indenização por danos morais. ÔNUS SUCUMBENCIAIS Diante do resultado do recurso, os ônus sucumbenciais devem ser redimensionados, passando a instituição financeira a arcar com a totalidade das custas judiciais e honorários de sucumbenciais no percentual de 10% (dez por cento), sobre o valor atualizado da causa. EXCLUSÃO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Compulsando os autos, verifica-se que a Apelante insurgiu-se quanto a multa aplicada por litigância de má-fé. Com efeito, a apelante litigante de má-fé é aquele que atuando em juízo como parte autora, réu ou interveniente, o faz de maneira malévola, com intuito de prejudicar não só a parte adversa, como também, em última análise, o próprio Estado-Juiz, visto que é a este que se destina à pretensão jurisdicional. O Código de Processo Civil dispõe que: Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. Dessume-se das disposições legais bem como os fatos e circunstâncias em que se pode apurar eventual litigância de má-fé da Apelante. Verifica-se tratar de caso bastante corriqueiro, em que pessoas idosas, aposentadas ou pensionistas, geralmente semianalfabetos procuram advogados para solucionarem suposta lesão aos seus direitos, eis que se deparam com descontos de empréstimos nas mais diversas modalidades, descontados diretamente no seu benefício. Nesse contexto não há como imputar a penalidade de litigância de má-fé a pessoas que embora, em muitos casos se constate que efetivamente contrataram empréstimos junto à instituição financeira, não têm o entendimento completo acerca do que realmente contrataram, ou mesmo do seu termo final. Cabe ainda observar que na quase totalidade dos casos, a parte não tem nenhuma cópia do contrato e sequer sabem as taxas de juros aplicadas, ou seja, são pessoas leigas que têm seu direito à informação violado, pois não lhes é dada nenhum esclarecimento acercas de prazos, valores, taxas e demais informações importantes, quando o contrato existe e é válido, ou muitas das vezes realmente se trata de contrato ilícito, objeto de algum tipo de fraude. Assim, o contrato, bem como as informações pertinentes não ficam em posse dos consumidores que quando não reconhecem os descontos em seus benefícios, sem nenhuma maldade e nenhuma má-fé procuram por advogados para patrocinarem suas causas. Portanto, da análise do caso concreto não se vislumbra litigância de má-fé, de modo que tal condenação deve ser excluída da sentença. DISPOSITIVO Ante o exposto, o caso é de CONHECIMENTO e parcial PROVIMENTO do recurso (fundamentada de acordo com o artigo 93, inciso IX, da CF/88 e artigo 11, do CPC/2015), para julgar procedentes os pedidos formulados na inicial nos seguintes termos: 1) reconhecer a nulidade das cobranças do empréstimo consignado questionado nos autos; 2) condenar o banco a restituir na forma estabelecida no julgamento do EAResp 676.608 RS, ou seja, na forma simples para parcelas anteriores a 30.03.2021 e, na forma dobrada, após essa data, os valores descontados indevidamente da conta bancária da parte autora, a serem aferidos em sede de liquidação de sentença; 3) condenar o banco ao pagamento dos honorários sucumbenciais no percentual de 10% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa. Sobre as condenações devem incidir juros de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária pelo INPC. Em se tratando de responsabilidade extracontratual (contrato desconstituído), as correções serão computadas a partir do efetivo prejuízo (Súmulas 54 e 43 STJ). Advirta-se que a interposição de Agravo Interno manifestamente inadmissível ou improcedente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, situação caracterizada quando a insurgência pretende atacar decisão monocrática fundamentada em precedente firmado em sede de IRDR (arts. 927 e 985, CPC; AgInt no REsp 1718408/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/10/2019, DJe 24/10/2019). Publique-se. Cumpra-se. Com o trânsito em julgado, certifique-se e baixem os autos. São Luís, data registrada no sistema. Desembargador Luiz de França BELCHIOR SILVA Relator
Entre na sua conta ou crie uma para continuar usando o site
Faça login para continuar navegando gratuitamente.
Google Entrar com Google

ou