Processo nº 08029013520238100037
Número do Processo:
0802901-35.2023.8.10.0037
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
APELAçãO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Primeira Câmara de Direito Privado
Última atualização encontrada em
26 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
26/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: Primeira Câmara de Direito Privado | Classe: APELAçãO CíVELESTADO DO MARANHÃO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL N°0802901-35.2023.8.10.0037 APELANTE: MARIA DA SILVA SOUSA Advogada da APELANTE: VANIELLE SANTOS SOUSA - OAB/MA 22.466-A APELADO: BANCO PAN S/A Advogado do APELADO: ANTÔNIO DE MORAES DOURADO NETO - OAB/PE 23.255 RELATORA: DESEMBARGADORA MARIA DO SOCORRO MENDONÇA CARNEIRO EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONTRATAÇÃO INDUZIDA EM ERRO. NULIDADE DO CONTRATO E CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. PROVIMENTO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente a ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c indenização por danos morais. A parte autora alegou vício de consentimento por ter sido induzida em erro quanto à natureza e aos encargos do contrato, acreditando tratar-se de empréstimo consignado comum. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) saber se há vício de consentimento decorrente de falha no dever de informação sobre a natureza do contrato firmado na modalidade cartão de crédito consignado; e (ii) saber se tal vício justifica a nulidade do contrato, a repetição do indébito em dobro e a indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável é lícita, mas exige clareza nas informações prestadas ao consumidor sobre os encargos e a forma de amortização da dívida, conforme a tese fixada no IRDR nº 53.983/2016. O banco não demonstrou a regularidade da contratação nem a observância ao dever de informação, configurando indução a erro e prática abusiva, conforme previsão do CDC, art. 6º, III. Houve apresentação de contratos distintos daquele impugnado na inicial, impedindo a aferição da regularidade da contratação. Caracterizada a má-fé da instituição financeira, é cabível a repetição do indébito em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. O desconto indevido de valores no benefício previdenciário da autora caracteriza ofensa a direito da personalidade, justificando a indenização por danos morais. IV. DISPOSITIVO E TESE Apelação conhecida e provida para declarar a nulidade do contrato, determinar a suspensão dos descontos, reconhecer a quitação da dívida, condenar à repetição do indébito em dobro e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. Tese de julgamento: “1. A contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável exige a prestação clara e precisa das informações sobre a natureza da operação, encargos e forma de quitação. 2. A ausência de tais informações configura vício de consentimento, ensejando a nulidade do contrato, repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais.” Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157, 158, 170 e 944; CDC, arts. 4º, IV, 6º, III e VIII, e 42, parágrafo único; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada: TJCE, Apelação Cível 0200455-95.2024.8.06.0066, Rel. Des. Francisco Mauro Ferreira Liberato, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 27.11.2024; Súmula 54/STJ; Súmula 362/STJ; Súmula 43/STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Apelação Cível interposta por MARIA DA SILVA SOUSA em face de sentença proferida pelo juízo de 1º grau, que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC) c/c Indenização por Danos Morais ajuizada em desfavor do BANCO PAN S/A, julgou improcedentes os pedidos iniciais. Em suas razões recursais, a parte apelante defende a ilicitude do contrato, visto que a obtenção do empréstimo consignado via Margem de Cartão resultou na formalização diferente daquela pretendida, o que caracteriza vício de consentimento, tendo sido induzida a erro quanto à forma de quitação da dívida. Prossegue, alegando que na modalidade de empréstimo via cartão de crédito, os valores mensais retidos não são direcionados para abater o saldo devedor, e que acreditava que ao pagar as faturas, liquidaria o valor do empréstimo, enquanto que, na realidade, a dívida nunca é quitada. Expressa que a instituição financeira disponibilizou o dinheiro à consumidora como se fosse um saque ou utilização do cartão de crédito, cujas taxas de juros são significativamente mais altas que as do empréstimo consignado, pugnando, por fim, a reforma integral da sentença recorrida. Em contrarrazões, a parte apelada argumenta a regularidade da contratação, sustentando que o apelante foi devidamente informado acerca das condições do contrato e que recebeu os valores pactuados. Pontua que, considerando que a Apelante alegou que não recebeu o valor do empréstimo, possui o dever de colaborar com a justiça, fazendo a juntada do seu extrato bancário. A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do presente recurso, para que seja mantida a sentença de base. É o relatório. Decido. Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do presente recurso e passo a efetuar o seu julgamento de forma monocrática, com base no art. 932 do CPC, em razão da matéria encontrar-se disposta em tese firmada em IRDR. A questão possui entendimento dominante acerca do tema na jurisprudência desta Corte, firmado quando do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 53.983/2016, que assim fixou: TESE 4: Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vício na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre os defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158) e dos deveres legais de probidade, boa-fé (CC, art. 422) e de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, especificando corretamente as características do contrato (art. 4º IV e art. 6º, III, do CDC), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170). No caso dos autos, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, observa-se que o banco não logrou êxito em demonstrar (art. 6o, VIII, CDC c/ art. 373, II, do CPC) a validade do negócio firmado entre as partes, assim como a obediência ao dever de informação, publicidade e boa-fé (art. 6º, III, CDC), o que implica o reconhecimento de que a consumidora foi levada a erro, havendo prática abusiva. Isso porque a juntada do contrato assinado não autoriza a conclusão de que a parte recorrente teve pleno conhecimento da operação em discussão, eis que da leitura dos documentos juntados nos autos, é possível verificar que se trata de negócio jurídico diverso daquele impugnado no caso em comento. Têm-se que a autora impugnou o contrato de n° 0229014983269, e o banco réu apresentou dois contratos, com aposição de assinatura da autora conforme os documentos pessoais, porém, o primeiro contrato corresponde ao n° 709500198 (ID. 34374163) e o segundo contrato corresponde ao n° 709500355 (ID. 34374166). Nesse contexto, não se pode olvidar que as regras que norteiam o direito do consumidor exigem que a conduta das instituições bancárias esteja pautada no dever de informação e transparência, o que não se verificou na espécie. Assim, deveria o banco ter prestado todos os esclarecimentos necessários a consumidora, tendo em vista sua vulnerabilidade, ou seja, não devia se prevalecer dessa prerrogativa para prejudicar o polo vulnerável da relação jurídica em análise. Desta feita, a instituição bancária tem o dever de informar ao consumidor, de forma clara os termos exatos do contrato firmado, configurando indução a erro quando o contratante adquire empréstimo consignado modalidade cartão de crédito acreditando contrair empréstimo com taxas de juros vantajosas. Nesse cenário, entendo que na espécie restou configurada a repetição do indébito de forma dobrada, vez que a conduta do banco efetivamente configura a má-fé exigida pelo art. 42 do CDC. Os descontos no benefício previdenciário da consumidora, a título de cartão de crédito consignado, sem contratação regular, configuram ato ilícito e falha na prestação de serviço por parte da instituição financeira, o que por si, geram ofensa aos direitos da personalidade, que enseja reparação, nos termos do art. 944 do CC. A indenização deve ter o duplo caráter, a saber, reparatório ao ofendido, compensando de forma justa o sofrimento experimentado, e inibitório ao ofensor, a fim de desestimular a reiteração do ato lesivo. Nessa esteira, a fixação do quantum indenizatório deve assegurar a justa reparação do prejuízo, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como as circunstâncias do caso concreto, de forma a evitar que a condenação se traduza em enriquecimento sem causa. É o pacífico entendimento: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. PEDIDO DE MAJORAÇÃO . NÃO CABIMENTO. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO EM R$ 3.000 (TRÊS MIL REAIS) QUE SE MOSTRA RAZOÁVEL E PROPORCIONAL, EM CONGRUÊNCIA COM PRECEDENTES DESTE E. TJCE . APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros da Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade de votos, em CONHECER do presente recurso para NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, data e hora indicadas no sistema . DESEMBARGADOR FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO Relator/Presidente do Órgão Julgador (TJ-CE - Apelação Cível: 02004559520248060066 Cedro, Relator.: FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO, Data de Julgamento: 27/11/2024, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 28/11/2024) Nessas circunstâncias, considerando as peculiaridades do caso, o ato ilícito praticado contra a parte autora, o potencial econômico do ofensor e o caráter punitivo/compensatório da indenização, bem como levando em consideração o parâmetro utilizado por esta Câmara, entendo razoável e proporcional a condenação em R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais em favor da apelante. Ressalte-se que, em se tratando de responsabilidade extracontratual, como é o caso, aplicam-se juros de mora no percentual de 1% a.m. a partir do evento danoso (Súmula 54, STJ), para os danos morais e materiais; e correção monetária incide, na indenização por danos morais, desde a data do arbitramento (Súm. 362, STJ), e, na indenização por danos materiais, a partir do efetivo prejuízo (Súm. 43, STJ), pelo índice INPC/IBGE, (art. 4º da Lei no 8.177/91). Ante o exposto, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao apelo, a fim de reformar a sentença recorrida, julgando procedentes os pedidos formulados na exordial para declarar a nulidade do negócio jurídico; declarar quitado o contrato de empréstimo; determinar a suspensão dos descontos; condenar à repetição do indébito em dobro, bem como, condenar a instituição financeira a pagar a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, com incidência dos juros de mora de 1% a.m. a partir do evento danoso e a correção monetária a partir deste arbitramento, corrigidos pelo INPC. Ressalte-se que, a fim de evitar enriquecimento sem causa, determino que haja compensação do valor indevidamente creditado na conta da parte autora, a ser apurado também em sede de liquidação de sentença. Condeno, por fim, o banco apelado ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Advirto as partes que a interposição de agravo interno manifestamente inadmissível ou improcedente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. São Luís, data do sistema. Desembargadora Maria do Socorro Mendonça Carneiro Relatora