Processo nº 08027248920238100031
Número do Processo:
0802724-89.2023.8.10.0031
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJMA
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
1ª Vara de Chapadinha
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
-
30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 1ª Vara de Chapadinha | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL1º VARA DA COMARCA DE CHAPADINHA/MA Processo nº 0802724-89.2023.8.10.0031 Autor (a): ANA CELIA DA SILVA DA CUNHA Réu: BANCO BMG SA SENTENÇA I – Relatório Trata-se de ação declaratória de nulidade de relação jurídica c/c repetição de indébito c/c indenização por danos morais e pedido liminar promovida por Ana Celia da Silva da Cunha em desfavor do Banco BMG S.A, ambos já qualificados. Narra a inicial que a Requerente tomou conhecimento de cartão de crédito contratado na modalidade de RMC, vinculado ao seu benefício previdenciário, cujo pagamento das faturas eram deduzidos diretamente de conta bancária na qual recebe seu benefício previdenciário. Sustenta que desconhece a contratação, motivo pelo qual promove a presente ação (id 97244867). Devidamente citada, a parte requerida ofereceu contestação sustentando preliminares e, no mérito, arguiu a legitimidade da relação jurídica, motivo pelo qual requereu a improcedência dos pedidos autorais (id 132405357). Intimada, a parte requerente não apresentou réplica, Vieram-me os autos conclusos. É o breve relatório. Decido. II – Fundamentação II.1. Do julgamento antecipado da lide Inicialmente, é sabido que o ordenamento jurídico brasileiro permite que o magistrado conheça diretamente do pedido, proferindo sentença, nos casos em que a controvérsia gravite em torno de questão eminentemente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência, sendo este o caso dos autos (CPC, art. 355, I c/c e art. 702, § 1º). Outrossim, à luz do art. 370, caput e parágrafo único, do CPC, cabe ao magistrado determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo aquelas que considerar inúteis ou meramente protelatórias. Assim, prestigia-se o princípio da razoável duração do processo, consagrado no art. 5, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) e no art. 4 do CPC, sem prejuízo do contraditório e da ampla defesa (art. 5, LV, da CF/88). Deste modo, o presente feito encontra-se suficientemente instruído, tratando-se de questão eminentemente de direito, pelo que, com fundamento no art. 355, I, do CPC, promovo o julgamento antecipado do mérito. II.2. Das preliminares Inicialmente, quanto à preliminar arguida pela parte requerida, acerca de suposto defeito de representação processual em razão de a procuração ter sido outorgada em data anterior ao ajuizamento da presente demanda, não merece prosperar. Com efeito, a procuração juntada aos autos confere poderes expressos e amplos ao patrono para o ajuizamento de ações judiciais em nome da parte autora, nos exatos termos do art. 105 do Código de Processo Civil, sendo instrumento válido, eficaz e vigente, não havendo qualquer previsão legal que condicione sua validade à proximidade temporal entre a outorga e a distribuição da ação. O fato de a procuração ser anterior à propositura da ação não é, por si só, causa de nulidade, tampouco caracteriza fraude ou defeito de representação. A jurisprudência já consolidou o entendimento de que, desde que a procuração contenha poderes suficientes para a prática dos atos processuais necessários, inexiste qualquer vício que justifique a extinção do feito. Ademais, a alegação de que o advogado poderia estar atuando sem ciência ou consentimento da parte outorgante é mera especulação desprovida de qualquer respaldo fático ou indício de irregularidade concreta nos autos. A presente ação foi assinada e proposta por advogado regularmente constituído, com instrumento de mandato válido e eficaz, inexistindo qualquer prova ou indício de vício na relação entre outorgante e outorgado, motivo pelo qual se faz imperativa a REJEIÇÃO da preliminar suscitada. Adiante, rejeita-se também a preliminar de inépcia da inicial por ausência de comprovante de endereço em nome próprio, haja vista que a matéria já foi, inclusive, discutida no Tribunal de Justiça do Maranhão, firmando-se o entendimento de que a ausência de comprovante de endereço não dá causa à extinção do processo sem resolução do mérito, uma vez que o rol de requisitos da inicial prevê apenas o apontamento do domicílio e da residência do autor e do réu (CPC, art. 319 II), não havendo exigência de prova do endereço em nome da parte. Quanto à carência da ação decorrente da falta de interesse de agir por ausência de prévio requerimento administrativo e ausência de pretensão resistida, deve ser pontuado que a necessidade dessa medida como pressuposto para uma ação judicial apenas é pertinente nas hipóteses legais, podendo, em caso contrário, violar o princípio constitucional do acesso à justiça, estipulado no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal. Deste modo, o caso em análise não está enquadrado no rol de hipóteses que necessitam de prévio requerimento administrativo para que seja preenchido o requisito do interesse de agir, tornando-se imperativa a REJEIÇÃO desta preliminar. Ultrapassada a análise das preliminares e verificados os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, bem como as condições para o legítimo exercício do direito de ação, avanço ao exame do mérito. II.4. Do Mérito Inicialmente, salienta-se que a incidência do Código de Defesa do Consumidor, em observância às peculiaridades do caso concreto, é indubitável. Isto porque as partes guardam, entre si, relação jurídica de consumo, nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), figurando a parte autora como consumidora, porquanto destinatária final dos serviços prestados pela parte ré, fornecedora. Com efeito, os bancos, a exemplo do requerido, prestam serviços remunerados aos seus correntistas, subsumindo-se, assim, ao conceito contido no §2º, do art. 3º da Lei 8.078/90, motivo pelo qual têm responsabilidade civil objetiva em relação aos danos que decorrerem de defeito na prestação de serviços, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Pois bem. A controvérsia restringe-se à legitimidade dos descontos atinentes à fatura mensal de cartão de crédito na modalidade de RMC, efetuados mensalmente na conta bancária em que a parte requerente aufere seu benefício previdenciário. Em virtude do exposto, o enquadramento jurídico da discussão nestes autos é a existência ou não de defeito no serviço prestado pelo banco requerido, pois não teria fornecido a segurança e cautela que legitimamente o consumidor esperava, nos termos do art. 14 do citado diploma legal, com falha na prestação do serviço. Nesse sentido, o dispositivo supracitado dispõe que o fornecedor de serviços responde de forma objetiva, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos seus serviços, responsabilidade que somente será excluída se comprovada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro ou, ainda, nos casos fortuitos/força maior. É necessário pontuar que, sobre o tema desta ação (contratos de empréstimos consignados), o Tribunal de Justiça deste Estado julgou o mérito do Incidente de Demandas Repetitivas - IRDR nº 53.983/2016 e fixou 04 (quatro) teses jurídicas. Fulcrado na necessidade de uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, o art. 985 do CPC impõe a aplicação da tese firmada em incidentes repetitivos nos processos que versem sobre idêntica questão de direito. Nesse cenário, verificada a identidade do objeto jurídico aqui em debate com o IRDR acima, as quatro teses firmadas incidirão sobre esta demanda, haja vista tratar-se de serviços e contratos bancários. O teor das teses fixadas pode ser verificado no site da Corte por meio do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes – NUGEPNAC. Para maior elucidação da lide, transcrevo a seguir, veja-se: 1º TESE: “Independentemente da inversão do ônus da prova - que deve ser decretada apenas nas hipóteses autorizadas pelo art. 6º VIII do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consumidor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do contrato ou de outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio jurídico, permanecendo com o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do empréstimo, o dever de colaborar com a Justiça (CPC, art. 6º) e fazer a juntada do seu extrato bancário, embora este não deva ser considerado, pelo juiz, como documento essencial para a propositura da ação. Nas hipóteses em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante do contrato juntado ao processo, cabe à instituição financeira/ré o ônus de provar essa autenticidade (CPC, art. 429 II), por meio de perícia grafotécnica ou mediante os meios de prova legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 369).” 2º TESE: “ Pessoa analfabeta é plenamente capaz para os atos da vida civil (CC, art. 2º) e pode exarar sua manifestação de vontade por quaisquer meios admitidos em direito, não sendo necessária a utilização de procuração pública ou de escritura pública para a contratação de empréstimo consignado, de sorte que eventual vício existente na contratação do empréstimo deve ser discutido à luz das hipóteses legais que autorizam a anulação por defeito do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158)”. (grifos nossos) 3ª TESE (Aclarada por Embargos de Declaração): " Nos casos de empréstimos consignados, quando restar configurada a inexistência ou invalidade do contrato celebrado entre a instituição financeira e a parte autora, bem como, demonstrada a má-fé da instituição bancária, será cabível a repetição de indébito em dobro, resguardadas as hipóteses de enganos justificáveis". 4ª TESE: "Não estando vedada pelo ordenamento jurídico, é lícita a contratação de quaisquer modalidades de mútuo financeiro, de modo que, havendo vício na contratação, sua anulação deve ser discutida à luz das hipóteses legais que versam sobre os defeitos do negócio jurídico (CC, arts. 138, 145, 151, 156, 157 e 158) e dos deveres legais de probidade, boa-fé (CC, art. 422) e de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos, especificando corretamente as características do contrato (art. 4º, IV e art. 6º, III, do CDC), observando-se, todavia, a possibilidade de convalidação do negócio anulável, segundo os princípios da conservação dos negócios jurídicos (CC, art. 170)". No caso, segundo a parte requerente, jamais foi firmado o contrato de cartão de crédito com a parte promovida e, quanto a este aspecto, pontuo que seria impossível àquela produzir prova negativa, no sentido de comprovar que realmente não teria firmado o referido pacto, a chamada prova diabólica. Tal encargo caberia à empresa demandada. Neste sentido, observo que a promovida colacionou aos autos cédula do contrato bancário (id 132405369), correspondente à relação contratual doravante deduzida nestes autos, no qual consta assinatura da requerente, na modalidade a rogo, não qual foram observadas todas as formalidades exigidas, de modo que restou demonstrado que a requerida se desincumbiu do ônus que lhe competia, nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil, trazendo aos autos documentos suficientes para evidenciar a existência da relação jurídica questionada. Cumpre destacar que, regularmente intimada a se manifestar sobre os fatos, argumentos e documentos apresentados pela parte requerida em sede de contestação, a parte autora permaneceu silente, não apresentando qualquer impugnação específica. Assim, não há elementos que autorizem afastar a presunção de veracidade quanto à autenticidade da assinatura aposta no instrumento contratual juntado aos autos. A apresentação da cédula do contrato, com assinatura vinculada ao requerente, reforça a autenticidade do negócio jurídico, especialmente diante da ausência de elementos concretos que infirmem sua veracidade. Dessa forma, constatada a regularidade formal da contratação, aliada à efetiva utilização do serviço e à inexistência de prova de fraude, não há como imputar à instituição financeira qualquer falha na prestação do serviço ou vício na formação do contrato. Resta, portanto, afastada a tese de inexistência de relação jurídica e, por conseguinte, improcedente o pedido de reparação por danos morais ou materiais decorrentes de suposto débito indevido Assim, não há nos autos prova robusta de fraude, falsidade ou vício de consentimento apta a desconstituir os elementos apresentados pela parte promovida, de modo que a simples alegação genérica de desconhecimento do contrato não se mostra suficiente para afastar a regularidade do pacto celebrado. Conforme dispõe o art. 373, II, do Código de Processo Civil, o ônus da prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado incumbe ao réu, especialmente quando se trata de relação de consumo, marcada pela vulnerabilidade do consumidor. Tendo a parte promovida comprovado a regular celebração do contrato e a efetiva entrega dos valores ao autor, impõe-se o reconhecimento da existência da relação jurídica e, por consequência, da regularidade dos descontos efetuados. Assim, uma vez que não restou comprovada a fraude alegada na petição inicial (art. 373, I, do CPC) e diante da regularidade das operações bancárias, que envolveram uso de credenciais para contratação, com login e senha pessoais, bem como a efetiva realização de operações com cartão de sua titularidade, conclui-se pela validade do contrato firmado. Nesse contexto, impõe-se a improcedência dos pedidos autorais, ante a ausência de elementos que desconstituam a higidez do negócio jurídico celebrado. III – Dispositivo Por todo o exposto, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais. Condeno a parte requerente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, com cobrança suspensa ante ao deferimento da gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98, § 3°, do CPC, que ora defiro. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Em caso de interposição de recurso, intime-se a parte requerida para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, conforme art. 1.010, §1º do Código de Processo Civil. Após, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado com as nossas homenagens (art. 1.010, §3º). Com o trânsito em julgado, havendo cumprimento voluntário, autorizo desde já a expedição do respectivo alvará judicial para levantamento da quantia ora imposta. Serve como mandado/ofício. Após, arquivem-se. Chapadinha/MA, data do sistema. BRUNO ARTHUR DE MATTOS Juiz de Direito Substituto