Gilbert Silva Botelho e outros x Globo Comunicacao E Participacoes S/A

Número do Processo: 0745855-83.2023.8.07.0001

📋 Detalhes do Processo

Tribunal: TJDFT
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau: 1º Grau
Órgão: 6ª Vara Cível de Brasília
Última atualização encontrada em 11 de julho de 2025.

Intimações e Editais

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  2. 27/05/2025 - Intimação
    Órgão: 6ª Vara Cível de Brasília | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 6VARCIVBSB 6ª Vara Cível de Brasília Número do processo: 0745855-83.2023.8.07.0001 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: JUCELIA DA ROCHA MESQUITA, GILBERT SILVA BOTELHO REQUERIDO: GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A SENTENÇA I - RELATÓRIO Cuida-se de ação de conhecimento, sob o rito comum, proposta em 07/11/2023, por Jucélia da Rocha Mesquita e Gilbert Silva Botelho em desfavor de Globo Comunicação e Participações S/A, mediante a qual os autores pleiteiam reparação por danos materiais e morais. Discorrem que a primeira autora, funcionária pública lotada na Diretoria de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, foi surpreendida, em 07 de abril de 2022, com uma reportagem da empresa ré intitulada "AGENTE DE TRÂNSITO DO DF FAZ HOME OFFICE NA EUROPA", link da reportagem: Vídeo: Agente de trânsito do DF faz home office direto da Suécia | DF1 | G1 Afirmam que a reportagem sugeriu à opinião pública que a primeira autora estaria ilegalmente cumprindo expediente como agente de trânsito na Europa, como se precisasse pedir licença sem remuneração para cumprir seu trabalho em home office, o que asseveram ser informação falsa, uma vez que estava autorizada pelo Detran/DF a trabalhar em regime de home office, desde 5 de outubro de 2021, fora da localidade da sede do órgão empregador. Sustentam que a reportagem incluiu fotos pessoais retiradas de redes sociais privadas de ambos os autores, causando-lhes constrangimentos e danos psicológicos, razão pela qual pedem a condenação do réu a reparação por danos morais. Esclarecem que a primeira autora precisou interromper suas atividades de home office em 20 de novembro de 2022, devido à revogação das autorizações pelo governo do Distrito Federal, motivada pela reportagem da ré e, em consequência, solicitou dias de férias e licença-prêmio para permanecer no país até o término da atividade laboral do segundo autor no exterior. Ao final, requerem a condenação da parte ré: a) ao pagamento de reparação por danos morais para a 1ª autora no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais; (b) reparação por danos morais ao 2º autor, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); (c) indenização por danos materiais em quantia equivalente a 6 (seis) meses de licença prêmio, que perfaz a quantia de R$ 76.697,10 (setenta e seis mil seiscentos e noventa e sete reais e dez centavos), bem como indenização de férias no valor de R$ 8.436,68 (oito mil, quatrocentos e trinta e seis reais e sessenta e oito centavos); (d) publicação de nota de retratação; e (e) retirada da matéria jornalística da rede mundial de computadores. A inicial veio instruída com documentos, entre outros, certidão de casamento, autorização para teletrabalho publicada em diário oficial, pareceres da Diretoria de Administração Geral do Detran-DF, avaliação de desempenho da autora, e acompanhamento psicológico devido aos danos causados. Decisão de ID 178362485 recebeu a demanda, determinando a citação do réu e a realização de audiência de conciliação. Audiência de conciliação realizada, sem acordo (ID 187326272). A parte ré, devidamente citada, apresentou defesa de mérito (ID 189812895 - Pág. 1-21), requerendo a improcedência dos pedidos formulados pelos autores, sustentando que a reportagem teve caráter informativo e não violou direitos da personalidade dos autores, ao entendimento de que: a) Em 07 de abril de 2022, o programa DFTV1 veiculou uma reportagem informando que Jucelia da Rocha Mesquita, servidora do DETRAN/DF, trabalhava em home office a partir da Suécia. A reportagem mencionou que a autorização formal para o teletrabalho foi publicada no DODF em 27 de julho de 2022. Esclarece que a autora Jucelia mudou-se para acompanhar seu marido, Gilbert Silva Botelho, segundo autor. A matéria esclareceu que servidores públicos podem acompanhar cônjuges no exterior com licença não remunerada formal. O DETRAN/DF confirmou que a primeira autora continuava desempenhando suas funções administrativas regularmente, sem impedimentos para trabalhar de outro país, contudo, o Diretor-Geral do DETRAN/DF havia determinado o retorno ao trabalho presencial em junho de 2021. Aponta que a autora Jucelia não respondeu às mensagens do repórter para apresentar sua versão. A ré afirma que apenas informou o público sobre a prática do teletrabalho no DETRAN/DF; b) a inexistência de dano moral reflexo, ao argumento de que o dano moral reflexo apenas se configura em eventos extraordinariamente graves, o que não é o caso presente, pois a matéria jornalística retratou fatos verídicos sem ofender a honra ou imagem de Gilbert Silva Botelho. Além disso, a Ré exerceu seu direito de imprensa e liberdade de expressão, garantidos constitucionalmente, e o autor não comprovou a gravidade da situação decorrente da reportagem; c) Pede também a improcedência do pedido de retratação dos autores, pois não houve comprovação de ato ilícito ou abuso de direito por parte da Ré. Além disso, os autores não seguiram o rito da Lei nº 13.188/2015 para o direito de resposta e não realizaram procedimento administrativo antes da ação judicial. Afirma que não há informação falsa que exija retratação e que a retirada da reportagem configuraria censura, vedada no ordenamento jurídico, já que a liberdade de expressão possui posição preferencial em relação a outros direitos, e o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos formulados pelos autores. Em réplica, a parte autora pugnou pela procedência da ação (ID 192479384 - Pág. 1-9). Em especificação de provas, a parte autora requereu (ID 192481757 - Pág. 1-3) a produção da prova testemunhal, o depoimento pessoal do responsável pela matéria, ao tempo em que a parte ré nada requereu. Na sequência, foi proferida a decisão saneadora de ID 206422380, na qual foram fixados os pontos controvertidos, bem como invertido o ônus da prova em favor da parte autora, além de deferida a prova oral postulada pelos autores. Juntada aos autos a mídia relativa à reportagem veiculada pela ré, ID 216342946. Realizada audiência de instrução, consoante ata e mídias de IDs 216512904 / 217641159. Na decisão de ID 219576589 foi deferida a contradita de uma testemunha arrolada pela parte autora e dispensada a oitiva da outra testemunha por ela indicada, tendo este juízo encerrado a instrução. Noticiado o indeferimento do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento nº 0737354-12-2024.8.07.0000, apresentado pela ré em face da decisão saneadora que determinou a inversão do ônus da prova. As partes apresentaram alegações finais, ID 223855313 (parte autora) e ID 224896693 (parte ré). Em seguida, vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO De início, analiso as questões processuais pendentes e preliminares suscitadas. Questão processual pendente A ré arguiu a preclusão temporal para a apresentação do rol de testemunhas pela parte autora. Contudo, conforme já decidido ao ID 219576589, embora a apresentação do rol tenha ocorrido após o prazo inicialmente previsto, não houve impacto relevante sobre o contraditório e a ampla defesa da ré, que teve oportunidade de se manifestar e apresentar contradita. A flexibilização do prazo, neste caso, visou garantir a efetividade da produção probatória sem prejuízo às partes, em consonância com os princípios da cooperação e da busca pela verdade real. De toda sorte, a apresentação tardia do rol em nada impactou o direito de defesa da ré, já que a oitiva das testemunhas restou posteriormente dispensada, conforme decisão de ID 219576589. Questão preliminar Em sede preliminar, a ré alegou a ausência de interesse de agir dos autores quanto ao pedido de retratação, por não ter observado o rito da Lei nº 13.188/2015. Conquanto relevante a tese defensiva, os seus contornos se relacionam com o mérito e, portanto, relego a análise para o capítulo meritório, em conjunto com os pontos controvertidos. Saneado o feito (ID 206422380) e encerrada a instrução probatória (ID 219576589), passo ao julgamento do mérito. Mérito A controvérsia central reside na licitude da reportagem veiculada pela Globo Comunicação e Participações S/A e na ocorrência de danos morais e materiais aos autores, bem como na pertinência da obrigação de fazer pleiteada. Inicialmente, cumpre reiterar a inversão do ônus da prova determinada em saneamento (ID 206422380) e mantida em sede recursal (ID 223434945). A Globo Comunicação e Participações S/A, na qualidade de empresa jornalística, detém todos os meios para comprovar a veracidade e a licitude das informações publicadas, bem como a adequação do uso das imagens dos autores. Assim, recai sobre a ré o encargo de demonstrar que sua conduta se deu dentro dos limites da liberdade de imprensa e não configurou abuso de direito. Prossigo com a análise dos pontos controvertidos fixados. a) Da Concessão do Regime de Teletrabalho e a Difusão da Informação O primeiro e o segundo pontos controvertidos fixados em saneamento se interligam: se a veiculação da reportagem antes da autorização formal exclui a imputação de danos e a que título a informação sobre a primeira autora foi reproduzida. A reportagem, veiculada em 07/04/2022, intitulava-se "AGENTE DE TRÂNSITO DO DF FAZ HOME OFFICE NA EUROPA" e afirmava que a primeira autora "não pediu licença para se afastar do país" e que "fontes do DETRAN relatam que a agente de trânsito não pediu nenhum afastamento formal para ir pra Suécia". Essa narrativa, como bem apontado pelos autores, sugeria uma conduta ilegal e desonesta. As provas documentais trazidas aos autos pelo próprio DETRAN/DF (ID 200244708 e 200244711) demonstram que, embora a Instrução nº 465 que formalizou a autorização do teletrabalho da primeira autora tenha sido publicada no DODF apenas em 25/07/2022, o processo administrativo para tal autorização estava em trâmite desde 17/06/2021. O processo tinha por objeto: a concessão de teletrabalho, em caráter excepcional e temporário para acompanhamento de cônjuge militar que cumprirá missão no exterior. Existiam pareceres favoráveis de diversas instâncias do DETRAN/DF e, em 09/02/2022, o Núcleo de Atenção ao Servidor do DETRAN/DF declarou a instrução do processo como regular (ID 202549805). A ré argumenta que a ausência de publicação formal no DODF à época da reportagem justificaria sua narrativa. Contudo, a inversão do ônus da prova impõe à ré demonstrar que a informação veiculada era integralmente verídica e não induzia a erro os interlocutores. A reportagem não se limitou a informar a ausência de publicação oficial, mas insinuou a inexistência de qualquer formalidade ou autorização, o que se revela inverídico diante do processo administrativo em curso e da declaração de regularidade da instrução. Ainda que a publicação oficial seja o marco para a validade plena de atos administrativos, a ré, ao afirmar que a servidora "não pediu licença" ou "não pediu nenhum afastamento formal", distorceu a realidade dos fatos. O pedido formal existia, e o processo estava em andamento, com pareceres favoráveis. A ré, ao que tudo indica, teve acesso a informações do DETRAN/DF, mas optou por uma narrativa que, embora tecnicamente pudesse se apegar à ausência de publicação oficial, ignorou o contexto de um processo regular e em curso, induzindo o público a uma conclusão de ilegalidade. A testemunha Lúcio Ziegelmann Lahm, embora sua oitiva tenha sido dispensada por este Juízo por já haver provas documentais suficientes, foi qualificado como superior hierárquico da primeira autora à época dos fatos. Sua potencial contribuição, se ouvida, seria corroborar a regularidade do processo interno, o que já se depreende dos documentos. Portanto, a ré não se desincumbiu do ônus de provar que a difusão da informação foi totalmente verídica e imparcial. A reportagem, ao invés de esclarecer a complexidade do processo administrativo, optou por uma abordagem que sugeria uma irregularidade, configurando um animus diffamandi disfarçado de animus narrandi. b) Do Abuso do Direito à Liberdade de Imprensa e Violação do Direito de Imagem e Privacidade Os pontos controvertidos tratam do abuso da liberdade de imprensa e do uso indevido de imagens. A liberdade de imprensa, embora fundamental em um Estado Democrático de Direito, não é absoluta e encontra limites nos direitos da personalidade, como a honra e a imagem. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 130, ao afastar a Lei de Imprensa, reafirmou que o uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado. Sobre esse ponto, vale destacar que a divulgação de fatos pela mídia não presume a veracidade da informação veiculada, nem exime o propagador da verificação da autenticidade daquilo que é noticiado, podendo levar à responsabilização civil das empresas jornalísticas em caso de divulgação de falsas notícias. Nesse sentido, inclusive, é a tese de repercussão geral recentemente fixada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1075412 (Tema 995). Confira-se: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO-DEVER DE INFORMAR. REPRODUÇÃO DE ENTREVISTA. RESPONSABILIDADE ADMITIDA NA ORIGEM. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A responsabilização civil de veículo de imprensa pela publicação de declarações feitas por outra pessoa em uma entrevista prejudica gravemente a contribuição da imprensa para a discussão de questões de interesse público. 2. Exigir que os jornalistas se distanciem sistemática e formalmente do conteúdo de uma declaração que possa difamar ou prejudicar uma terceira parte não é conciliável com o papel da imprensa de fornecer informações sobre eventos atuais, opiniões e ideias. 3. Caso não seja feita declaração de isenção de responsabilidade (disclaimer), pode haver ofensa a direito da personalidade por meio de publicação, realizada em 1993, de entrevista de político anti-comunista na qual se imputa falsamente a prática de ato de terrorismo, ocorrido em 1966, a pessoa formalmente exonerada pela justiça brasileira há mais de 13 anos. Tese de julgamento fixada após debates na sessão de julgamento: “1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. 2. Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios". (RE 1075412, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29-11-2023, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 07-03-2024 PUBLIC 08-03-2024) No caso em tela, a reportagem não se limitou a informar um fato de interesse público (o teletrabalho de uma servidora no exterior), mas o fez de forma a imputar uma conduta ilegal e desonrosa à primeira autora. A linguagem utilizada ("caso surpreendente", "burlando a lei e passeando") e a insinuação de que não havia pedido formal, quando o processo administrativo estava em curso e declarado regular em sua instrução, demonstram um claro desvio da finalidade informativa. Ademais, a utilização de fotos pessoais dos autores, retiradas de suas redes sociais, agrava a situação. Embora a ré alegue que as fotos eram públicas, os autores afirmam que eram de um perfil privado. A ré, com o ônus da prova invertido, não comprovou que as fotos eram de acesso público irrestrito ou que sua utilização era indispensável ao caráter informativo da matéria. Mesmo que fossem públicas, o uso em um contexto difamatório ou que induza a erro configura abuso do direito de imagem. A privacidade e a intimidade dos indivíduos devem ser resguardadas, e a exposição de imagens pessoais em um contexto que macula a reputação dos envolvidos, sem o devido consentimento ou justificativa imperiosa, é ilícita. c) Do Dano Moral Neste ponto controvertido deve-se aferir se a reportagem ensejou dano moral a ambos os autores. Diante da análise precedente, é inegável que a conduta da ré, ao veicular uma reportagem com informações distorcidas e insinuando ilegalidade na conduta da primeira autora, causou-lhe dano moral. A exposição pública, a imputação de conduta desonesta e a repercussão negativa em seu ambiente profissional e social são elementos suficientes para configurar o abalo à honra e à imagem. O fato de a primeira autora ter buscado acompanhamento psicológico (ID 177358850), embora não seja prova cabal do nexo causal exclusivo, corrobora o sofrimento e o impacto emocional gerado pela situação. Quanto ao segundo autor, Gilbert Silva Botelho, o dano moral reflexo se faz presente. Sua imagem, como militar da Força Aérea Brasileira em missão diplomática no exterior, foi diretamente afetada pela associação com a suposta conduta ilegal de sua esposa. A reportagem, ao mencionar que ela o acompanhava, lançou uma sombra sobre sua própria reputação e integridade, gerando constrangimentos e a necessidade de prestar esclarecimentos a seus superiores. No mais, entendo que o dano moral ao segundo autor também se deu diretamente, com a divulgação desautorizada de sua imagem, uma vez que a reportagem, ao divulgar fotos privadas das redes sociais da autora, acabou por expor fotografias em que o marido da funcionária pública também aparecida, mesmo não tendo relação direta com o fato da autora estar ou não indevidamente em teletrabalho. Verificado o ato ilícito e o dano moral sofrido, o valor da indenização deve se adequar às circunstâncias do caso, a fim de que corresponda à reprimenda necessária a evitar novas reportagens difamatórias, mas não represente enriquecimento ilícito da outras parte. Conquanto tenha havido exagero e omissão de informações na matéria veiculada pela ré, fato é que, do que se depreende da prova dos autos, naquele momento, a autora ainda não possuía autorização formal do Detran/DF para realizar o seu ofício em teletrabalho e de outro país. Nesse ponto, há que se balizar o dano moral verificado com a função de servidora pública desempenhada pela primeira autora. Os agentes públicos em geral, pela posição que ocupam e em razão de suas funções, estão expostos às mais diversas críticas sobre a sua atuação na administração da máquina pública, devendo conviver e aceitar as insurgências do povo e das pessoas que o representam de alguma forma, como é o caso dos meios de comunicação social. E, na hipótese em tela, as imagens publicadas pela própria autora, ainda que em suas redes sociais privadas, em período pós pandêmico de retorno às atividades presenciais, sem que tivesse ainda regulamentado o seu trabalho “home office”, deram margem ao questionamento público da legalidade do exercício de suas atividades fora do país, fato que abala a credibilidade do funcionalismo público. Assim, faz parte do papel da mídia o controle social das instituições públicas, instando o governo a uma prestação de contas aos cidadãos (accountability social), o que é inerente ao regime democrático. Nesse contexto, considerando ainda o porte e o alcance das publicações veiculadas pela ré e a sua capacidade econômico-financeira, considero razoável e suficiente a reparar os danos extrapatrimoniais experimentados o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a autora e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o autor. d) Do Dano Material Os autores pleiteiam indenização por danos materiais decorrentes da revogação do teletrabalho da primeira autora, que a obrigou a utilizar licença-prêmio e férias para continuar residindo no exterior. A ré argumenta que a revogação do teletrabalho foi um ato discricionário da administração pública, sem nexo causal direto com a reportagem. Os danos materiais, conforme artigos 402 e 403 do Código Civil, consistem na diminuição patrimonial gerada pelo ato ilícito, devendo ser cabalmente comprovados – não se admitem danos materiais hipotéticos – e a sua causalidade deve ser analisada a partir da teoria dos danos diretos e imediatos. Em outras palavras, para que haja o dever de indenizar, o dano precisa ser a consequência imediata e necessária do ato que o causou, sem a interferência de outras causas ou fatores. Conforme publicação no DODF, de 27 de julho de 2022, a formalização do teletrabalho da primeira autora tinha prazo determinado de 180 (cento e oitenta) dias. Ou seja, a autorização não foi concedida “até o fim da missão de seu esposo no exterior”. Além disso, o documento de ID 177358849 indica que a revogação do regime de teletrabalho para os servidores se deu por motivos administrativos mais amplos, como o avanço da vacinação e o retorno gradual ao trabalho presencial. O despacho assinado pelo Diretor-Geral do Detran/DF atingiu a todos os servidores da autarquia que estivessem em teletrabalho, determinado o retorno imediato de todos às atividades presenciais, a partir de 24 de outubro de 2022. Portanto, a ordem foi emanada por superior hierárquico da autora e dirigida a todos os servidores, de modo que não vislumbro preenchido o nexo de causalidade com a reportagem veiculada pela ré. Inclusive porque, conforme consta do próprio despacho mencionado, o teletrabalho não é direito dado ao servidor público, sendo deferido à critério da Administração, por motivos de conveniência e oportunidade. Assim, cabia à autora retornar às atividades presenciais a partir da revogação da autorização para o seu teletrabalho. No entanto, optou, por razões pessoais, por utilizar seus períodos de férias e licença prêmio para estender a sua permanência no exterior, ficando afastada por quase um ano mais, até agosto de 2023. Com efeito, improcedente o pleito de reparação por danos materiais. e) Da Obrigação de Fazer (Retirada da Matéria e Retratação) No último ponto controvertido cumpre verificar se a ré deve ser obrigada a retirar a reportagem da internet e publicar uma retratação. A ré invoca a vedação à censura e a preferência por outras formas de reparação, conforme precedentes do STF. No entanto, a liberdade de imprensa não pode ser escudo para a veiculação de informações falsas ou distorcidas que causem dano à honra e à imagem, devendo eventual excesso no direito à informação ser analisado caso a caso. Quando a informação é comprovadamente inverídica ou induz a erro, a manutenção da matéria no ar perpetua o dano. No caso concreto, a reportagem, ao insinuar ilegalidade onde havia um processo administrativo regular em curso, e ao utilizar linguagem sensacionalista, ultrapassou os limites da informação. A divulgação do nome e das imagens dos autores com incompletude de informações relevantes e com a utilização de linguagem condenatória, extrapolaram os limites da liberdade jornalística. Embora o contexto da matéria não se dissocie da realidade fática, no que tange ao fato da autora, funcionária pública, estar em teletrabalho de um outro país, afasta-se da verdade quando omite informações indispensáveis para o entendimento do contexto pelos interlocutores, insinuando não haver nenhum pedido de afastamento formal ou autorização para tanto, se utilizando de imagens privadas e de linguagem altamente opinativa e sensacionalista, o que inegavelmente abala sua esfera íntima, isto é, sua honra, imagem e privacidade. Por outro lado, considerando a ausência de contemporaneidade dos fatos, dado o lapso de tempo já decorrido, entendo que a supressão da matéria não acarretará afronta ao direito de liberdade de expressão, informação ou o direito à memória de toda a sociedade. Além da retirada da matéria do ar, a parte autora pleiteia seja a ré condenada, nos termos da inicial: “A obrigação de fazer consistente publicar matéria nos mesmos termos da que ensejou a presente ação esclarecendo os fatos”. O direito de resposta é um direito conferido ao ofendido de esclarecer, de mão própria, no mesmo veículo de imprensa, os fatos divulgados a seu respeito na reportagem questionada, apresentando a sua versão da notícia ao público. Regulado atualmente pela Lei 13.188/2015, o direito de resposta garantido ao ofendido em razão de notícia incorreta, inexata ou abusiva possui rito e prazos próprios, e não se confunde com outros mecanismos, como a publicação de eventual condenação pela divulgação de notícia ofensiva. O artigo 3º da Lei 13.188/2015 afirma que o direito de resposta ou retificação deve ser exercido no prazo decadencial de 60 dias, contados da data de cada divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva, mediante correspondência com aviso de recebimento encaminhada diretamente ao veículo de comunicação social ou, inexistindo pessoa jurídica constituída, a quem por ele responda, independentemente de quem seja o responsável intelectual pelo agravo. Ainda, o interesse de agir para o processo judicial apenas estará caracterizado se o veículo de comunicação social, instado pelo ofendido a divulgar a resposta ou retificação, não o fizer no prazo de 7 (sete) dias (art. 5º). No REsp 1867286 / SP , julgado pela 4ª Turma do C. STJ, o eminente relator, Min. Marco Buzzi, explicou que o direito de resposta é a faculdade reconhecida ao afetado por uma informação inverídica, inexata ou abusiva de retificar ou contestar, pelo mesmo meio, consistindo em uma modalidade de integração da informação e de esclarecimento de seu conteúdo. Denota-se dos autos que houve a decadência do direito dos autores de promoverem a instauração do procedimento extrajudicial/administrativo prévio. Com efeito, não foi preenchido o requisito para a formulação do pleito em juízo, faltando aos autores, portanto, o interesse processual para formular o pedido de retratação, consoante estabelece o artigo 5º. Diante disso, o referido pedido deverá ser extinto sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir, nos termos do art. 485, VI, do CPC. III. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Jucelia da Rocha Mesquita e Gilbert Silva Botelho, resolvendo o mérito com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, para: i) CONDENAR a Globo Comunicação e Participações S/A ao pagamento de reparação por danos morais à Jucelia da Rocha Mesquita no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Este valor deverá ser acrescido de juros de mora pela taxa Selic, desde a data do evento danoso (07/04/2022) (Súmula 54 do STJ) e corrigido monetariamente pelo IPCA, desde a presente data (Súmula 362 do STJ); ii) CONDENAR a Globo Comunicação e Participações S/A ao pagamento de reparação por danos morais a Gilbert Silva Botelho no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Este valor deverá ser acrescido de juros de mora pela taxa Selic, desde a data do evento danoso (07/04/2022) (Súmula 54 do STJ) e corrigido monetariamente pelo IPCA, desde a presente data (Súmula 362 do STJ); iii) CONDENAR a Globo Comunicação e Participações S/A na obrigação de fazer consistente em retirar do ar, de todos os seus canais e plataformas (incluindo, mas não se limitando a sites, redes sociais e serviços de streaming), o vídeo e a matéria jornalística intitulada "AGENTE DE TRÂNSITO DO DF FAZ HOME OFFICE NA EUROPA", veiculada em 07 de abril de 2022, sob pena de fixação de multa diária, a ser estabelecida em cumprimento de sentença. Ainda, JULGO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO o pedido de direito de resposta/retificação da matéria, nos termos da fundamentação supra, com fulcro no art. 485, VI, do código de Processo Civil. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao rateio das custas processuais, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada. Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido (valor da causa diminuído do valor da condenação), nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Transcorrido o prazo recursal, arquivem-se, com as cautelas de estilo. Sentença registrada eletronicamente nesta data. Publique-se e intimem-se. Bruna Araujo Coe Bastos Juíza de Direito Substituta * documento datado e assinado eletronicamente
  3. 27/05/2025 - Intimação
    Órgão: 6ª Vara Cível de Brasília | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
    Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 6VARCIVBSB 6ª Vara Cível de Brasília Número do processo: 0745855-83.2023.8.07.0001 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: JUCELIA DA ROCHA MESQUITA, GILBERT SILVA BOTELHO REQUERIDO: GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A SENTENÇA Cuida-se de ação de conhecimento sob o rito comum proposta em 07/11/2023 por Jucélia da Rocha Mesquita e Gilbert Silva Botelho em desfavor de Globo Comunicação e Participações S/A, mediante a qual os autores pleiteiam indenização por danos materiais e morais. Discorrem que a primeira autora, funcionária pública lotada na Diretoria de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, foi surpreendida em 07 de abril de 2022, com uma reportagem da empresa ré intitulada "AGENTE DE TRÂNSITO DO DF FAZ HOME OFFICE NA EUROPA", Link da reportagem: Agente de trânsito do DF faz home office direto da Suécia | DF1 | G1 (globo.com) Afirmam que a reportagem sugeriu à opinião pública que a primeira autora estaria ilegalmente cumprindo expediente como agente de trânsito na Europa como se precisasse pedir licença sem remuneração para cumprir seu trabalho em home office, o que asseveram ser informação falsa, uma vez que estava autorizada pelo Detran-DF a trabalhar em regime de home office desde 5 de outubro de 2021 fora da localidade da sede do órgão empregador. Sustentam que a reportagem incluiu fotos pessoais retiradas de redes sociais privadas de ambos os autores, causando-lhes constrangimentos e danos psicológicos, razão pela qual pedem a condenação do réu a indenização por danos morais. Esclarecem que a primeira autora precisou interromper suas atividades de home office em 20 de novembro de 2022, devido à revogação das autorizações pelo governo do Distrito Federal, motivada pela reportagem da ré e, em consequência, solicitou dias de férias e licença-prêmio para permanecer no país até o término da atividade laboral do segundo autor no exterior. Ao final, requerem a condenação da parte ré: a) ao pagamento de indenização por danos morais para a 1ª autora no valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais; (b) indenização por danos morais ao 2º autor, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais); (c) indenização por danos materiais em quantia equivalente a 6 (seis) meses de licença prêmio, que perfaz a quantia de R$ 76.697,10 (setenta e seis mil seiscentos e noventa e sete reais e dez centavos), bem como indenização de férias no valor de R$ 8.436,68 (oito mil, quatrocentos e trinta e seis reais e sessenta e oito centavos); (d) publicação de nota de retratação; e (e) retirada da matéria jornalística da rede mundial de computadores. A inicial veio instruída com documentos, entre outros, certidão de casamento, autorização para teletrabalho publicada em diário oficial, pareceres da Diretoria de Administração Geral do Detran-DF, avaliação de desempenho da autora, e acompanhamento psicológico devido aos danos causados. Decisão de ID 178362485 recebeu a demanda, determinando a citação do réu e a realização de audiência de conciliação. Audiência de conciliação realizada, sem acordo (ID 187326272). A parte ré, devidamente citada, apresentou defesa direita de mérito (ID 189812895 - Pág. 1-21), requerendo a improcedência dos pedidos formulados pelos autores, sustentando que a reportagem teve caráter informativo e não violou direitos da personalidade dos autores, ao entendimento de que: a) Em 07 de abril de 2022, o programa DFTV1 veiculou uma reportagem informando que Jucelia da Rocha Mesquita, servidora do DETRAN/DF, trabalhava em home office a partir da Suécia. A reportagem mencionou que a autorização formal para o teletrabalho foi publicada no DODF em 27 de julho de 2022. Esclarece que a autora Jucelia mudou-se para acompanhar seu marido, Gilbert Silva Botelho, segundo autor. A matéria esclareceu que servidores públicos podem acompanhar cônjuges no exterior com licença não remunerada formal. O DETRAN/DF confirmou que a primeira autora continuava desempenhando suas funções administrativas regularmente, sem impedimentos para trabalhar de outro país, contudo, o Diretor-Geral do DETRAN/DF havia determinado o retorno ao trabalho presencial em junho de 2021. Aponta que a autora Jucelia não respondeu às mensagens do repórter para apresentar sua versão. A ré afirma que apenas informou o público sobre a prática do teletrabalho no DETRAN/DF; b) a inexistência de dano moral reflexo, ao argumento de que o dano moral reflexo apenas se configura em eventos extraordinariamente graves, o que não é o caso presente, pois a matéria jornalística retratou fatos verídicos sem ofender a honra ou imagem de Gilbert Silva Botelho. Além disso, a Ré exerceu seu direito de imprensa e liberdade de expressão, garantidos constitucionalmente, e o autor não comprovou a gravidade da situação decorrente da reportagem; c) Pede também a improcedência do pedido de retratação dos autores, pois não houve comprovação de ato ilícito ou abuso de direito por parte da Ré. Além disso, os autores não seguiram o rito da Lei nº 13.188/2015 para o direito de resposta e não realizaram procedimento administrativo antes da ação judicial. Afirma que não há informação falsa que exija retratação e que a retirada da reportagem configuraria censura, vedada no ordenamento jurídico, já que a liberdade de expressão possui posição preferencial em relação a outros direitos, e o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos formulados pelos autores. Em réplica, a parte autora pugnou pela procedência da ação (ID 192479384 - Pág. 1-9). Em especificação de provas, a parte autora requereu (ID 192481757 - Pág. 1-3) a produção da prova testemunhal, o depoimento pessoal do responsável pela matéria, ao tempo em que a parte ré nada requereu. Na sequência, foi proferida a decisão saneadora de ID 206422380, na qual foram fixados os pontos controvertidos, bem como invertido o ônus da prova em favor da parte autora, além de deferida a prova oral postulada pelos autores. Juntada aos autos a mídia relativa à reportagem veiculada pela ré, ID 216342946. Realizada audiência de instrução, consoante ata e mídias de IDs 216512904 / 217641159. Na decisão de ID 219576589 foi deferida a contradita de uma testemunha arrolada pela parte autora e dispensada a oitiva da outra testemunha por ela indicada, tendo este juízo encerrado a instrução. Noticiado o indeferimento do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento nº 0737354-12-2024.8.07.0000, apresentado pela ré em face da decisão saneadora que determinou a inversão do ônus da prova. As partes apresentaram alegações finais, ID 223855313 (parte autora) e ID 224896693 (parte ré). Em seguida, vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. Procedo ao julgamento antecipado, porquanto a questão é prevalentemente de direito, o que atrai a normatividade do art. 355, I, do Código de Processo Civil. A ré arguiu a preclusão temporal para a apresentação do rol de testemunhas pela parte autora. Contudo, conforme já decidido em ID 219576589, embora a apresentação do rol tenha ocorrido após o prazo inicialmente previsto, não houve impacto relevante sobre o contraditório e a ampla defesa da ré, que teve oportunidade de se manifestar e apresentar contradita. A flexibilização do prazo, neste caso, visou garantir a efetividade da produção probatória sem prejuízo às partes, em consonância com os princípios da cooperação e da busca pela verdade real. Ainda em sede preliminar, a ré alegou a ausência de interesse de agir dos autores quanto ao pedido de retratação, por não terem observado o rito da Lei nº 13.188/2015. Esta tese, embora relevante para o direito de resposta em si, confunde-se com o mérito da pretensão indenizatória e da obrigação de fazer decorrente de um suposto ato ilícito. O pedido de retratação e retirada da matéria, neste contexto, não se limita ao exercício do direito de resposta, mas configura uma reparação integral do dano alegado, sendo, portanto, uma consequência da eventual ilicitude da conduta da ré, e não uma condição para o ajuizamento da ação. Assim, a questão será analisada no mérito. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo à análise do mérito. A controvérsia central reside na licitude da reportagem veiculada pela Globo Comunicação e Participações S/A e na ocorrência de danos morais e materiais aos autores, bem como na pertinência da obrigação de fazer pleiteada. Inicialmente, cumpre reiterar a inversão do ônus da prova determinada em saneamento (ID 206422380) e mantida em sede recursal (ID 223434945). A Globo Comunicação e Participações S/A, na qualidade de empresa jornalística, detém todos os meios para comprovar a veracidade e a licitude das informações publicadas, bem como a adequação do uso das imagens dos autores. Assim, recai sobre a ré o encargo de demonstrar que sua conduta se deu dentro dos limites da liberdade de imprensa e não configurou abuso de direito. a) Da Concessão do Regime de Teletrabalho e a Difusão da Informação: O primeiro e o segundo pontos controvertidos fixados em saneamento se interligam: se a veiculação da reportagem antes da autorização formal exclui a imputação de danos e a que título a informação sobre a primeira autora foi reproduzida. A reportagem, veiculada em 07/04/2022, intitulava-se "AGENTE DE TRÂNSITO DO DF FAZ HOME OFFICE NA EUROPA" e afirmava que a primeira autora "não pediu licença para se afastar do país" e que "fontes do DETRAN relatam que a agente de trânsito não pediu nenhum afastamento formal para ir pra Suécia". Essa narrativa, como bem apontado pelos autores, sugeria uma conduta ilegal e desonesta. As provas documentais trazidas aos autos pelo próprio DETRAN/DF (ID 200244708 e 200244711) demonstram que, embora a Instrução nº 465 que formalizou a autorização do teletrabalho da primeira autora tenha sido publicada no DODF apenas em 25/07/2022, o processo administrativo para tal autorização estava em trâmite desde 17/06/2021. Houve pareceres favoráveis de diversas instâncias do DETRAN/DF, e em 09/02/2022, o Núcleo de Atenção ao Servidor do DETRAN/DF declarou a instrução do processo como regular (ID 202549805). A ré argumenta que a ausência de publicação formal no DODF à época da reportagem justificaria sua narrativa. Contudo, a inversão do ônus da prova impõe à ré demonstrar que a informação veiculada era integralmente verídica e não induzia a erro. A reportagem não se limitou a informar a ausência de publicação oficial, mas insinuou a inexistência de qualquer formalidade ou autorização, o que se revela inverídico diante do processo administrativo em curso e da declaração de regularidade da instrução. Ainda que a publicação oficial seja o marco para a validade plena de atos administrativos, a ré, ao afirmar que a servidora "não pediu licença" ou "não pediu nenhum afastamento formal", distorceu a realidade dos fatos. O pedido formal existia, e o processo estava em andamento, com pareceres favoráveis. A ré, ao que tudo indica, teve acesso a informações do DETRAN/DF, mas optou por uma narrativa que, embora tecnicamente pudesse se apegar à ausência de publicação final, ignorou o contexto de um processo regular e em curso, induzindo o público a uma conclusão de ilegalidade. A testemunha Lúcio Ziegelmann Lahm, embora sua oitiva tenha sido dispensada por este Juízo por já haver provas documentais suficientes, foi qualificado como superior hierárquico da primeira autora à época dos fatos. Sua potencial contribuição, se ouvida, seria corroborar a regularidade do processo interno, o que já se depreende dos documentos. Portanto, a ré não se desincumbiu do ônus de provar que a difusão da informação foi totalmente verídica e imparcial. A reportagem, ao invés de esclarecer a complexidade do processo administrativo, optou por uma abordagem que sugeria irregularidade, configurando um animus diffamandi disfarçado de animus narrandi. b) Do Abuso do Direito à Liberdade de Imprensa e Violação do Direito de Imagem e Privacidade: O quarto e o quinto pontos controvertidos tratam do abuso da liberdade de imprensa e do uso indevido de imagens. A liberdade de imprensa, embora fundamental em um Estado Democrático de Direito, não é absoluta e encontra limites nos direitos da personalidade, como a honra e a imagem. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 130, ao afastar a Lei de Imprensa, reafirmou que o uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado. No caso em tela, a reportagem não se limitou a informar um fato de interesse público (o teletrabalho de uma servidora no exterior), mas o fez de forma a imputar uma conduta ilegal e desonrosa à primeira autora. A linguagem utilizada ("caso surpreendente", "burlando a lei e passeando") e a insinuação de que não havia pedido formal, quando o processo administrativo estava em curso e declarado regular em sua instrução, demonstram um claro desvio da finalidade informativa para o sensacionalismo. Ademais, a utilização de fotos pessoais dos autores, retiradas de suas redes sociais, agrava a situação. Embora a ré alegue que as fotos eram públicas, os autores afirmam que eram de um perfil privado. A ré, com o ônus da prova invertido, não comprovou que as fotos eram de acesso público irrestrito ou que sua utilização era indispensável ao caráter informativo da matéria. Mesmo que fossem públicas, o uso em um contexto difamatório ou que induza a erro configura abuso do direito de imagem. A privacidade e a intimidade dos indivíduos devem ser resguardadas, e a exposição de imagens pessoais em um contexto que macula a reputação dos envolvidos, sem o devido consentimento ou justificativa imperiosa, é ilícita. c) Do Dano Moral: O sexto ponto controvertido questiona se a reportagem configurou dano moral a ambos os autores. Diante da análise precedente, é inegável que a conduta da ré, ao veicular uma reportagem com informações distorcidas e insinuando ilegalidade na conduta da primeira autora, causou-lhe dano moral. A exposição pública, a imputação de conduta desonesta e a repercussão negativa em seu ambiente profissional e social são elementos suficientes para configurar o abalo à honra e à imagem. O fato de a primeira autora ter buscado acompanhamento psicológico (ID 177358850), embora não seja prova cabal do nexo causal exclusivo, corrobora o sofrimento e o impacto emocional gerado pela situação. Quanto ao segundo autor, Gilbert Silva Botelho, o dano moral por ricochete é evidente. Sua imagem, como militar da Força Aérea Brasileira em missão diplomática no exterior, foi diretamente afetada pela associação com a suposta conduta ilegal de sua esposa. A reportagem, ao mencionar que ela o acompanhava, lançou uma sombra sobre sua própria reputação e integridade, gerando-lhe constrangimentos e a necessidade de prestar esclarecimentos a seus superiores. A honra e a credibilidade de um militar são bens jurídicos de extrema relevância, e a sua violação, mesmo que indireta, merece reparação. Contudo, o valor da indenização deve se adequar às circunstâncias, a fim de que corresponda à reprimenda necessária a evitar novas reportagens difamatórias, mas não represente enriquecimento ilícito da parte. Nesse contexto, considero suficiente a reparar os alegados danos extrapatrimoniais o valor de R$ 10.000,00 para a autora e de R$ 5.000,00 para o autor. d) Do Dano Material: Os autores pleiteiam indenização por danos materiais decorrentes da revogação do teletrabalho da primeira autora, que a obrigou a utilizar licença-prêmio e férias. A ré argumenta que a revogação do teletrabalho foi um ato discricionário da administração pública, sem nexo causal direto com a reportagem. De fato, os documentos do DETRAN/DF (ID 224896693, p. 17) indicam que a revogação do regime de teletrabalho para os servidores se deu por motivos administrativos mais amplos, como o avanço da vacinação e o retorno gradual ao trabalho presencial. Contudo, a reportagem, ao gerar denúncias e uma investigação do Ministério Público (DOC 16 e 17, ID 177355131, p. 22), criou um ambiente de pressão que, embora não seja a única causa, contribuiu significativamente para a decisão do governo de revogar as autorizações de teletrabalho. A parte autora argumenta que "Governos sempre optam por abafar danos e retirar direitos dos servidores" em casos polêmicos, o que, embora uma generalização, reflete a realidade da influência da mídia em decisões políticas. A investigação específica sobre a primeira autora, desencadeada pela reportagem, forçou-a a uma situação de vulnerabilidade que culminou na necessidade de utilizar seus direitos a férias e licença-prêmio para manter sua situação familiar no exterior. Assim, embora a revogação geral do teletrabalho possa ter causas multifatoriais, a reportagem atuou como um fator determinante e imediato para a situação específica da primeira autora, que se viu compelida a usar seus benefícios para evitar um prejuízo ainda maior. Há, portanto, um nexo de causalidade entre a conduta ilícita da ré e o dano material sofrido pela primeira autora, consistente na perda da oportunidade de usufruir de suas férias e licença-prêmio em momento e forma de sua escolha. e) Da Obrigação de Fazer (Retirada da Matéria e Retratação): O sétimo ponto controvertido é se a ré deve ser obrigada a retirar a reportagem da internet e publicar uma retratação. A ré invoca a vedação à censura e a preferência por outras formas de reparação, como indenização ou direito de resposta, conforme precedentes do STF. No entanto, a liberdade de imprensa não pode ser escudo para a veiculação de informações falsas ou distorcidas que causem dano à honra e à imagem. Quando a informação é comprovadamente inverídica ou induz a erro, a manutenção da matéria no ar perpetua o dano. A reportagem, ao insinuar ilegalidade onde havia um processo administrativo regular em curso, e ao utilizar linguagem sensacionalista, ultrapassou os limites da informação. A retratação é uma medida que visa restabelecer a verdade dos fatos e mitigar o dano à reputação dos autores. A retirada da matéria, por sua vez, é uma medida extrema, mas justificada quando a informação é gravemente difamatória e continua a causar prejuízos, como alegado pelos autores ("enquanto perdura sua permanência, os autores continuam tendo suas vidas atingidas diuturnamente por esse fantasma"). Considerando a gravidade da distorção dos fatos e o impacto na vida dos autores, a retratação e a retirada da matéria são medidas proporcionais e necessárias para a reparação integral do dano, não configurando censura, mas sim o exercício do poder jurisdicional para coibir o abuso de direito. 4. DISPOSITIVO III. Dispositivo Diante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por Jucelia da Rocha Mesquita e Gilbert Silva Botelho contra Globo Comunicação e Participações S/A para: - Condenar a Globo Comunicação e Participações S/A ao pagamento de indenização por danos morais à Jucelia da Rocha Mesquita no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Este valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do evento danoso (07/04/2022) até 31/08/2024, e, a partir de 01/09/2024, pelo IPCA. Sobre o valor corrigido incidirão juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a data do evento danoso (07/04/2022) até 29/08/2024, e, a partir de 30/08/2024, pela Taxa SELIC (que já engloba juros e correção monetária). - Condenar a Globo Comunicação e Participações S/A ao pagamento de indenização por danos morais a Gilbert Silva Botelho no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Este valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do evento danoso (07/04/2022) até 31/08/2024, e, a partir de 01/09/2024, pelo IPCA. Sobre o valor corrigido incidirão juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a data do evento danoso (07/04/2022) até 29/08/2024, e, a partir de 30/08/2024, pela Taxa SELIC. - Condenar a Globo Comunicação e Participações S/A ao pagamento de indenização por danos materiais à Jucelia da Rocha Mesquita no valor de R$ 85.133,78 (oitenta e cinco mil, cento e trinta e três reais e setenta e oito centavos). Este valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do efetivo prejuízo (21/11/2022) até 31/08/2024, e, a partir de 01/09/2024, pelo IPCA. Sobre o valor corrigido incidirão juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a data do efetivo prejuízo (21/11/2022) até 29/08/2024, e, a partir de 30/08/2024, pela Taxa SELIC. - Condenar a Globo Comunicação e Participações S/A na obrigação de fazer consistente em: a) Retirar do ar, de todos os seus canais e plataformas (incluindo, mas não se limitando a sites, redes sociais e serviços de streaming), o vídeo e a matéria jornalística intitulada "AGENTE DE TRÂNSITO DO DF FAZ HOME OFFICE NA EUROPA", veiculada em 07 de abril de 2022. b) Publicar em seus principais veículos de comunicação (televisão, site e redes sociais) uma nota de retratação, nos mesmos moldes e com a mesma proeminência da reportagem original, esclarecendo a verdade dos fatos e reconhecendo a regularidade do processo administrativo de teletrabalho da servidora Jucelia da Rocha Mesquita. O texto da retratação deverá ser submetido à aprovação deste Juízo no prazo de 15 (quinze) dias após o trânsito em julgado desta sentença. Por conseguinte, declaro extinto o processo, com resolução do mérito da demanda, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência mínima dos autores, condeno a Globo Comunicação e Participações S/A ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Transcorrido o prazo recursal, arquivem-se, com as cautelas de estilo. Sentença registrada eletronicamente nesta data. Publique-se e intimem-se. Bruna Araujo Coe Bastos Juíza de Direito Substituta * documento datado e assinado eletronicamente
  4. 27/05/2025 - Documento obtido via DJEN
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  5. 27/05/2025 - Documento obtido via DJEN
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