Processo nº 07165486620238070007
Número do Processo:
0716548-66.2023.8.07.0007
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJDFT
Classe:
PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
19ª Vara Cível de Brasília
Última atualização encontrada em
02 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
-
02/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: 19ª Vara Cível de Brasília | Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVELPoder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 19VARCVBSB 19ª Vara Cível de Brasília Número do processo: 0716548-66.2023.8.07.0007 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: PAULO OCTAVIO INVESTIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA RECONVINTE: MARIZETE GOUVEIA DAMASCENO SCOTT REQUERIDO: MARIZETE GOUVEIA DAMASCENO SCOTT RECONVINDO: PAULO OCTAVIO INVESTIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA SENTENÇA Trata-se de ação de resolução contratual c/c reintegração de posse e perdas e danos proposta por PAULO OCTAVIO INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. em face de MARIZETE GOUVEIA DAMASCENO SCOTT, partes qualificadas nos autos. A autora alega que celebrou com a ré contrato de compra e venda da Sala 2303, no JK Shopping, em Taguatinga/DF, sem registro nem lavratura de escritura pública, e entregou as chaves em 16/06/2015. Sustenta que, embora tenha cumprido suas obrigações, a ré está inadimplente desde dezembro de 2016, acumulando dívida no valor de R$ 201.515,66 (duzentos e um mil, quinhentos e quinze reais e sessenta e seis centavos), já atualizada. Afirma que tentou, sem sucesso, obter o pagamento extrajudicialmente. Argumenta que a conduta da ré caracteriza inadimplemento contratual e má-fé, violando os princípios da boa-fé objetiva e do pacta sunt servanda, justificando a resolução do contrato com base no art. 475 do Código Civil. Requer, ainda, indenização por perdas e danos e lucros cessantes pela posse do imóvel desde 2015, no percentual de 1% ao mês sobre o valor atualizado do bem. Ao final, formula pedidos de citação da ré, declaração de resolução contratual com reintegração de posse, condenação ao pagamento de lucros cessantes, honorários e custas processuais. Audiência de conciliação realizada (ID 181767422), não houve acordo. Na contestação com reconvenção, a ré, preliminarmente, suscita a prescrição, com base no art. 206, § 5º, I, do Código Civil, ao argumento de que as parcelas vencidas entre 2016 e 2018 estão fora do prazo de cinco anos. Alega também a inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir adequada, destacando que o contrato firmado entre as partes é regido pela Lei nº 9.514/97, sendo irrevogável e irretratável, com alienação fiduciária, o que impede a rescisão contratual pleiteada. No mérito, sustenta a aplicação da teoria do adimplemento substancial, afirmando que já quitou aproximadamente 92% do valor do contrato, no total de R$ 228.500,87 (duzentos e vinte e oito mil, quinhentos reais e oitenta e sete centavos), não se justificando a rescisão do contrato nem a reintegração de posse. Impugna os pedidos de lucros cessantes e alega que houve inadimplemento por parte da autora, inclusive com atraso na entrega do imóvel e ausência de habite-se, o que desvalorizou o bem e impossibilitou sua locação. Na reconvenção, pede o reconhecimento da relação de consumo e requer a declaração de propriedade do imóvel em seu favor, com o cancelamento da alienação fiduciária, ou, alternativamente, a rescisão contratual com devolução integral dos valores pagos, de forma imediata e em parcela única, com fundamento na súmula 543 do STJ. Por fim, requer a condenação da autora por litigância de má-fé e o deferimento da justiça gratuita. Na réplica e contestação à reconvenção, a autora impugna o pedido de gratuidade de justiça formulado pela ré/reconvinte, alegando ausência de comprovação efetiva da hipossuficiência econômica, uma vez que a parte apenas juntou declaração genérica, sem apresentar contracheques, extratos bancários ou declaração de imposto de renda. Quanto à alegação de prescrição, sustenta que se aplica o prazo decenal do art. 205 do Código Civil, por se tratar de pretensão de rescisão contratual fundada em inadimplemento, afastando, portanto, a prescrição quinquenal invocada pela ré. Argumenta ainda que, embora o contrato previsse alienação fiduciária, esta não foi registrada, o que torna aplicáveis as normas gerais de compra e venda e permite a rescisão contratual, conforme entendimento pacífico da jurisprudência. Rebate a tese de adimplemento substancial, afirmando que o valor pago pela ré, mesmo representando 92% do valor nominal inicial do contrato, não considera os encargos contratuais de juros, correção e multa, pactuados livremente e aceitos pela ré, sendo indevido o argumento de adimplemento substancial após onze anos de inadimplemento. Esclarece que eventual atraso na entrega do imóvel foi devidamente indenizado por meio de ação anterior (processo nº 0016154-65.2016.8.07.0001), com pagamento de R$ 89.983,12 (oitenta e nove mil, novecentos e oitenta e três reais e doze centavos), e que tal fato não impede o direito da autora de rescindir o contrato atual. Por fim, requer a improcedência da reconvenção e a procedência da ação principal, com a decretação da rescisão contratual, reintegração de posse e posterior apuração dos valores devidos a título de indenização pela utilização do imóvel. O pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita da ré havia sido indeferido, mas a decisão foi reformada em sede de agravo de instrumento (ID 213274069). Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Decido. Procedo ao julgamento conforme o estado do processo, nos moldes do artigo 354 do CPC, pois não há a necessidade de produção de outras provas. Ademais, as partes não demonstraram interesse na produção de outras provas. Assim, julgo antecipadamente o mérito, a teor do disposto no artigo 355, inciso I, do CPC. No mais, o Juiz, como destinatário final das provas, tem o dever de apreciá-las independentemente do sujeito que as tiver promovido, indicando na decisão as razões da formação de seu convencimento consoante disposição do artigo 371 do CPC, ficando incumbido de indeferir as provas inúteis ou protelatórias consoante dicção do artigo 370, parágrafo único, do mesmo diploma normativo. A sua efetiva realização não configura cerceamento de defesa, não sendo faculdade do Magistrado, e sim dever, a corroborar com o princípio constitucional da razoável duração do processo – artigo 5º, inciso LXXVIII da CF c/c artigos 1º e 4º do CPC. Rejeito, inicialmente, a alegação de inépcia da petição inicial. A exordial preenche os requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil, apresentando causa de pedir clara e pedidos juridicamente possíveis, estando acompanhada de documentos essenciais à compreensão da controvérsia. A controvérsia quanto à natureza jurídica do contrato — se regido ou não pela Lei nº 9.514/97 — trata-se de matéria de mérito, e não de vício formal da peça inaugural, não configurando hipótese de inépcia nos moldes do art. 330 do CPC. No que tange à alegada prescrição, assiste razão parcial à ré. A presente ação tem como objeto principal a resolução contratual fundada em inadimplemento, e não mera cobrança de parcelas vencidas. Nessa hipótese, aplica-se o prazo prescricional de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil. Considerando que o contrato foi firmado em 2012 e o inadimplemento se consolidou a partir de 2016, a ação ajuizada em 2023 encontra-se dentro do prazo legal. Contudo, quanto ao pedido de lucros cessantes, trata-se de pretensão de natureza reparatória, sujeita ao prazo prescricional de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Diante disso, deve ser reconhecida a prescrição parcial dos lucros cessantes relativos ao período anterior a 15 de agosto de 2020, data correspondente a três anos antes do ajuizamento da ação. Assim, eventual condenação por lucros cessantes deverá se limitar ao período posterior a essa data. Passo à análise do mérito. A relação contratual estabelecida entre as partes envolve a aquisição de unidade imobiliária por pessoa física para fins pessoais, frente a empresa incorporadora e vendedora profissional, sendo, portanto, indiscutível a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor. Conforme amplamente demonstrado nos autos, a ré manteve-se inadimplente quanto às obrigações contratuais assumidas desde 2016, sem comprovar o pagamento das parcelas vencidas, tampouco justificar a mora de forma juridicamente válida. Ainda que tenha alegado ter quitado percentual significativo do valor do contrato, é certo que permaneceu inadimplente por longo período, comprometendo a finalidade do pacto e frustrando a legítima expectativa da parte autora quanto ao recebimento integral da contraprestação. Nos termos do art. 475 do Código Civil, “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”. Assim, restando configurado inadimplemento substancial, a rescisão contratual é medida que se impõe. Ainda sob a ótica consumerista, a manutenção do vínculo contratual diante da mora prolongada do consumidor implicaria onerosidade excessiva à fornecedora, o que contraria o princípio da boa-fé objetiva e o equilíbrio nas relações de consumo, previsto no art. 6º, V, do CDC. Dessa forma, preenchidos os requisitos legais e contratuais, e verificada a mora da ré sem purgação da dívida ou proposta concreta de regularização, impõe-se a procedência do pedido de rescisão contratual. No mérito, é procedente o pedido de indenização por lucros cessantes, ressalvada a parte atingida pela prescrição. Restou incontroverso nos autos que a ré permaneceu na posse do imóvel mesmo após longo período de inadimplemento, sem adotar qualquer providência concreta para regularização da dívida ou devolução do bem. Tal conduta impediu a autora de exercer plenamente seus direitos de propriedade e de explorar economicamente o imóvel, presumindo-se, portanto, o prejuízo pela perda de renda potencial, especialmente tratando-se de unidade comercial situada em centro empresarial. Nos termos do art. 402 do Código Civil, os lucros cessantes correspondem ao que razoavelmente se deixou de lucrar em razão do inadimplemento. Ainda que não tenha sido comprovado o valor exato de eventual aluguel de mercado, admite-se, conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, a fixação estimativa da indenização com base em percentual do valor do bem. No caso, o pedido de fixação dos lucros cessantes no percentual de 1% ao mês sobre o valor atualizado do imóvel mostra-se razoável e proporcional, diante da natureza comercial da unidade e da ocupação indevida prolongada pela ré. Entretanto, conforme fundamentado anteriormente, incide a prescrição trienal sobre a pretensão de indenização por lucros cessantes, de modo que apenas os valores correspondentes ao período posterior a 15 de agosto de 2020 são exigíveis. Impõe-se, assim, a procedência parcial do pedido de lucros cessantes, limitada à parte não atingida pela prescrição. Passo à análise da reconvenção. Não merece acolhimento o pedido reconvencional de declaração de quitação contratual com reconhecimento da propriedade do imóvel em favor da ré. Conforme demonstrado nos autos, a obrigação principal da compradora — o pagamento integral das prestações pactuadas — não foi devidamente cumprida, restando incontroverso o inadimplemento contratual desde o ano de 2016, com dívida atualizada superior a duzentos mil reais. A pretensão de obter declaração de quitação pressupõe a demonstração do adimplemento integral das obrigações contratuais, nos termos do art. 319 do Código Civil. No caso em exame, embora a ré tenha efetivado o pagamento da maior parte do valor contratado, subsiste parcela relevante inadimplida por tempo considerável, o que afasta a alegação de quitação ou de adimplemento substancial. Logo, não há que se falar em declaração de quitação contratual, tampouco em reconhecimento de domínio em favor da ré, sendo improcedente o pedido reconvencional neste ponto. No que tange ao pedido reconvencional de rescisão contratual com devolução integral dos valores pagos, assiste razão parcial à ré. Embora tenha restado demonstrado nos autos que o inadimplemento contratual é de responsabilidade da parte ré, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça autoriza, em tais hipóteses, a resolução do contrato com a restituição das parcelas efetivamente pagas, desde que observada a possibilidade de retenção de percentual razoável para cobertura dos prejuízos do promitente vendedor. Conforme consolidado pela Súmula 543 do STJ, é válida a cláusula contratual que prevê a retenção de parte das quantias pagas pelo comprador inadimplente, desde que tal percentual não seja abusivo. Considerando o tempo de ocupação do imóvel, a inadimplência prolongada e os encargos assumidos pela autora, fixo a retenção em 20% (vinte por cento) sobre o montante efetivamente pago pela ré, a título de compensação pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento e do uso do imóvel durante o período. Assim, julgo procedente em parte o pedido reconvencional, para declarar a rescisão do contrato por inadimplemento da ré, com devolução de 80% (oitenta por cento) do valor pago, devidamente atualizado, observada a retenção de 20% (vinte por cento) em favor da autora. A restituição deverá ser feita em parcela única, conforme entendimento consolidado do STJ. No mais, julgo improcedentes os demais pedidos reconvencionais, notadamente quanto ao reconhecimento de quitação contratual com transferência de propriedade do imóvel, à declaração de relação de consumo como fundamento autônomo de direito de domínio, à condenação da autora por litigância de má-fé. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para: a) decretar a rescisão do contrato de compra e venda firmado entre as partes, com fundamento no inadimplemento da parte ré; b) determinar a reintegração de posse do imóvel objeto do contrato à autora; c) condenar a ré ao pagamento de lucros cessantes à autora, no percentual de 1% (um por cento) ao mês sobre o valor atualizado do imóvel, a contar de 15 de agosto de 2020 até a efetiva desocupação, observada a prescrição trienal quanto ao período anterior ao ajuizamento da ação. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na reconvenção para: a) declarar a rescisão do contrato por inadimplemento da parte ré, com condenação da autora à devolução de 80% (oitenta por cento) do valor total pago pela ré, devidamente corrigido monetariamente pelo INPC da data dos pagamentos até 29 de agosto de 2024 e, a partir de 30 de agosto de 2024, pelo IPCA, com incidência de juros de 1% ao mês desde a citação até 29 de agosto de 2024 e, a partir de 30 de agosto de 2024, de juros pela taxa SELIC, descontado o IPCA, nos termos do art. 406, § 1º do Código Civil, com redação da Lei nº 14.905/24, devendo a restituição ser efetuada em parcela única. JULGO IMPROCEDENTES os demais pedidos formulados na reconvenção. Em relação à ação principal, condeno as partes ao pagamento das custas processuais, rateadas na proporção de 80% (oitenta por cento) a cargo da parte autora e 20% (vinte por cento) a cargo da parte ré, em razão da sucumbência predominante da autora. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor dos pedidos julgados procedentes, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, a serem pagos pela parte ré em favor dos procuradores da parte autora. Ademais, tendo em vista o reconhecimento da prescrição parcial do pedido de lucros cessantes, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da parcela prescrita, em favor dos procuradores da parte ré, conforme o art. 85, §2º, do CPC. Na reconvenção, considerando que apenas um dos quatro pedidos foi julgado parcialmente procedente, condeno as partes ao pagamento das custas processuais da reconvenção na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) pela parte reconvinte e 25% (vinte e cinco por cento) pela parte reconvinda. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação reconvencional (referente à devolução parcial dos valores pagos), a serem rateados na proporção de 75% (setenta e cinco por cento) em favor dos procuradores da parte reconvinda e 25% (vinte e cinco por cento) em favor dos procuradores da parte reconvinte, observada a proporção da sucumbência. Nos termos do art. 487, I, do CPC, dou por extinto o processo com resolução de mérito. Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. PATRICIA VASQUES COELHO Juíza de Direito Substituta BRASÍLIA/DF. (datado e assinado eletronicamente)