M. L. M. C. e outros x A. P. B. D. M. e outros
Número do Processo:
0210349-33.2023.8.06.0001
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
Reconhecimento e Extinção de União Estável
Grau:
1º Grau
Órgão:
12ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 12ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza | Classe: Reconhecimento e Extinção de União Estável12ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza E-mail: for.12familia@tjce.jus.br FORUM CLÓVIS BEVILAQUA Rua Desembargador Floriano Benevides Magalhães, 220, Edson Queiroz, FORTALEZA - CE - CEP: 60811-690 0210349-33.2023.8.06.0001 IM RECONHECIMENTO E EXTINÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL (12763) [Reconhecimento / Dissolução] M. D. J. M. L. B. M. e outros (4) SENTENÇA Vistos, etc. I. Do Relatório Sob exame, uma Ação Declaratória de Reconhecimento e Dissolução de União Estável "Post Mortem", manejada por M. D. J. M., CPF 256.788.333-91, em face de B. B. M., L. B. M., D. C. B. M., A. L. M. M., Dimas Moreira Monteiro Júnior, todos herdeiros de Dimas Moreira Monteiro, CPF 299.758.837-53, e espólio de Dimas Moreira Monteiro, devidamente qualificados em exordial de ID 147044890, de lavra de advogado, acompanhada de documentos. Aduz a parte autora que vivia em união estável com Dimas Moreira Monteiro, desde 05/09/2002 até 17/04/2022, que o casal não teve filhos; no entanto, o Sr. Dimas tem 05 (cinco) filhos de outros dois relacionamentos anteriores ao período da união estável. Requer, ao final, o reconhecimento da união estável para o fim de regularizar a sucessão patrimonial do falecido companheiro, e que lhe seja assegurado o direito real de habitação de forma vitalícia do apartamento residencial deixado pelo falecido localizado na Rua Inácio Vasconcelos, nº 245, apto 122, Bairro Cambeba, Fortaleza/CE, CEP nº 60841-535. Audiência de conciliação no ID 147035656 sem acordo. Contestação dos requeridos B. B. M., L. B. M. e D. C. B. M. no ID 147035657 na qual afirmam que tinham conhecimento da existência de uma namorada do falecido que tinha domicílio em Sobral/CE e com frequência se hospedava no domicílio do falecido quando estava em Fortaleza/CE. Relatam que o Sr. Dimas era casado com a Sra. Lúcia Maria Soares Marques até 27/07/2005, data em que o divórcio fora decretado, e que a documentação apresentada pela autora é recente e diverge do período indicado na exordial, sendo produzida especificamente para a ação. Rechaça o documento de união estável, afirmando que foi produzido para fins de utilização exclusiva junto a um plano de saúde particular, foi preenchido na totalidade por uma única pessoa e aponta a data de início da união o ano de 1999 indo de encontro ao próprio pedido formulado na exordial, além de constarem, os declarantes, concomitantemente na condição de testemunhas do ato, invalidando o feito. Salienta que a documentação acostada à exordial apenas comprova que a autora e o falecido eram namorados e tiveram alguns momentos juntos, todavia, sem configurar união estável. Requereram, ao final, a improcedência do feito, e caso seja o entendimento pela configuração da união estável, que esta seja declarada a partir de 2019. Contestação dos requeridos Espólio de Dimas Moreira Monteiro, Dimas Moreira Monteiro Júnior e A. L. M. M. no ID 147035664, na qual alegam que nunca houve união estável entre a autora e o falecido, pois nunca coabitaram e o falecido nunca teve a intenção de constituir família, resumindo-se a relação em um simples namoro qualificado. Afirmam que a autora reside na cidade de Sobral/CE, e que durante o suposto período de união estável, o falecido não adquiriu nenhum bem, ao contrário da autora que adquiriu um apartamento em 2006 e duas empresas. Sustentam que o apartamento residencial em que a autora afirma na inicial que conviveu com o falecido é propriedade, em meação, do espólio do Sr. Dimas e sua ex-esposa, Sra. Lúcia Soares, e por muito tempo o imóvel esteve alugado a terceiros; portanto, o pretenso casal não moraria nele. Relatam que a autora, na realidade, reside há muito tempo em Sobral/CE e quem está ocupando o apartamento residencial mencionado na exordial é uma sobrinha da autora, de forma indevida, a qual foi devidamente notificada visando à desocupação voluntária do imóvel, tendo em vista que pertence ao patrimônio do espólio do falecido em meação com a ex-esposa, conforme sentença acostada no ID 147035663. Requerem, ao final, a improcedência da ação, e caso haja o reconhecimento da união estável, que seja indeferido o pedido de habitação, pois não preenchidos os requisitos, além de tratar-se de imóvel cuja metade ideal é de propriedade da ex-esposa do falecido. Réplica no ID 147035665. Audiência de instrução no ID 147037128. Na ocasião foram ouvidas a autora e a requerida A. L. M. M., bem como foi determinado à autora que esclarecesse sobre a data de início do relacionamento e juntasse documentos. Audiência de instrução no ID 147037133 suspensa. Petição da autora no ID 147037156 no qual prestou esclarecimentos e juntou documentos. Audiência de instrução no ID 147040880 na qual foram colhidos os depoimentos pessoais dos requeridos B. B. M., Dimas Moreira Monteiro Júnior e D. C. B. M.. Audiência de instrução no ID 147040892 na qual foi realizada a oitiva das testemunhas. Memoriais da parte autora no ID 147040907. Memoriais dos requeridos Espólio de Dimas Moreira Monteiro, Dimas Moreira Monteiro Júnior e A. L. M. M. no ID 151139109. É o relatório. Decido. II. Da Fundamentação Do Reconhecimento e Dissolução da União Estável Sabe-se que a caracterização da união estável depende da averiguação de alguns requisitos, previstos no art. 1.723 da Lei Civilista, sendo assim considerada a relação pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família. Dispõe citado dispositivo: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. O princípio do livre convencimento motivado estabelece que o juiz possui liberdade na apreciação das provas apresentadas no processo, não estando adstrito a nenhuma delas. Cabe ao magistrado analisar o conjunto de provas e ponderá-las em busca da verdade real. Para o acolhimento da pretensão autoral, necessário, pois, que o conjunto probatório acostado aos presentes autos, de maneira induvidosa, ateste a configuração dos pressupostos legais da união estável, quais sejam: convivência pública e duradoura, contínua, e o objetivo de constituir família, o que ora se perquire. Pelo contexto probatório, vê-se que a autora logrou demonstrar a contento os requisitos relativos à convivência pública, contínua e duradora, demonstrados pela prova documental, depoimentos pessoais e oitiva de testemunhas, conforme será relatado. Com efeito, nas audiências realizadas (ID 147037128, 147040880, 147040892), restou demonstrado, por meio de depoimentos das partes e relato das testemunhas, que a autora e o falecido mantinham um relacionamento conhecido por todos, e que a autora viajava à cidade de Sobral/CE para trabalhar às segundas-feiras e lá permanecia até quinta-feira, quando retornava a Fortaleza/CE, onde ficava durante os finais de semana. Neste ponto, ressalte-se que a convivência sob o mesmo teto pode ser um elemento hábil a demonstrar a relação comum, todavia a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável. Efetivamente, a coabitação não é requisito indispensável para a caracterização do referido instituto. Após observar os depoimentos das partes e das testemunhas nos presentes autos, verifica-se que, embora não se fizessem constantemente presentes na vida do pai, conforme explanado pelos próprios, todos os filhos tinham pleno conhecimento do relacionamento do pai com a autora, o qual, no entanto, defendem tratar-se de um namoro. Além disso, as fotografias anexadas aos autos revelam que o relacionamento entre a autora e o extinto era de conhecimento público e duradouro. Destaco que o propósito de constituir família, pressuposto mais importante e alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Tal elemento deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. Nesse sentido, extrai-se, ainda, dos depoimentos, que a autora cuidou do falecido durante todo o período de convalescência, conforme afirmado pela própria autora, e confirmado pelos requeridos ao relatarem terem recebido ligações e mensagens informando sobre as internações e estado de saúde do pai, além de pedido de ajuda financeira para o tratamento. Ademais, nos presentes autos, observo o acostamento de vasta documentação que corrobora o pedido da autora, atestando os fatos trazidos na inicial, entre eles: comprovante de endereço no nome da autora de 2020 no mesmo endereço do falecido (ID 147044892); seguro de vida contratado pelo falecido no qual consta a autora como uma das beneficiárias (ID 147040913); proposta de adesão a plano de saúde na qual consta o falecido como dependente da autora (ID 147044886); boleto do plano de internet no endereço comum do casal em nome da autora (ID 147044876); termo de responsabilidade assinado pela autora referente ao período de internação do Sr. Dimas em data de 06/06/2012 (ID 147044884); comprovantes de passagem e fotos em viagem (ID 147040910); fotos em momentos diversos (ID 147040924); certidão de casamento do falecido, comprovando o divórcio em 27/07/2005 (página 6 do ID 147040924); além de inúmeras fotos de diversos momentos com a família, como aniversário de 80 anos da mãe da autora, aniversário da autora, aniversário do falecido, outros momentos de confraternização e viagens. Assim, diante da documentação apresentada, ficou demonstrado que a autora e o falecido prestavam mútuo apoio um ao outro. Além disso, somado a todo o contexto fático e probatório já exposto, a compra de um imóvel em conjunto, conforme comprovante de matrícula (págs. 5 e 6 do ID 147037161) corrobora a existência de um relacionamento estável. No mais, observe-se ainda que não restou demonstrado, nos autos, que os conviventes possuíam algum impedimento para a constituição da união estável. Por todo o exposto, podemos concluir que a convivência era socialmente conhecida, sem menção a interrupções ou intervalos de tempo e com animus de constituir família. Em verdade, o acervo probatório analisado de forma sistemática aponta a existência de união estável mantida entre as partes com todas as características previstas pela lei, tratando-se de uma relação duradoura, pública, contínua e com a intenção de constituir família entre a autora e o extinto, mantendo uma relação de companheirismo com base nos direitos e deveres dos conviventes, conforme a Lei 9.278/96, que disciplina o assunto. Resta, apenas, certificar-se do marco inicial do instituto, visto que há contradições e divergência nas datas apresentadas pela parte autora, desde a narração dos fatos apresentados na exordial. Diante de tal contexto, cabe ao julgador analisar as provas em conjunto para averiguar a data correta de início e dissolução da união, haja vista que o reconhecimento e dissolução da relação more uxorio apresentam inúmeros reflexos jurídicos. Narra a parte autora, em inicial, que convivia em união estável com o Sr. Dimas Moreira desde 05/09/2002 até 17/04/2022, data de seu falecimento. Todavia, conforme se extrai da documentação acostada aos autos, depoimento das partes e relato de testemunhas, o falecido permaneceu casado até a data de 27/07/2005, conforme certidão de casamento acostada à página 6 do ID 147040924. Portanto, não é possível o reconhecimento da união estável durante este período. Ademais, em sede de depoimento pessoal, a autora informou que conheceu o Sr. Dimas no final de 2005, e que começaram a se relacionar por volta de agosto de 2006. Verifica-se, ainda, que embora instada a apresentar documentação comprobatória com data anterior para fins de comprovar o período alegado, o documento mais antigo apresentado pela autora competente a demonstrar a existência da alegada união apresenta data de 02/07/2010, conforme págs. 5 e 6 do ID 147037161, qual seja, a matrícula do imóvel localizado em Camocim/CE que foi vendido ao pretenso casal. Assim, em análise à documentação apresentada nos autos, especialmente o depoimento pessoal das partes (ID 147037128 e 147040880), oitiva de testemunhas (ID 147040892), fotos e documentos do imóvel, e certidão de óbito do Sr. Dimas, reconheço a união estável havida entre as partes a partir de 02/07/2010 até 17/04/2022. Do direito real de habitação Requer, ainda, a parte autora que seja reconhecido o seu direito real de habitação no apartamento residencial deixado pelo falecido, localizado no endereço da Rua Inácio Vasconcelos, nº 245, apto 122, Bairro Cambeba, onde o casal viveu, sendo essa a última residência do falecido. Inicialmente, cumpre destacar que o direito real de habitação se trata do direito do cônjuge/convivente sobrevivente de permanecer na residência da família do casal após a morte de um deles. Todavia, para tanto, o referido imóvel deve ser utilizado necessariamente para moradia e deve ser, comprovadamente, o único bem desta natureza a inventariar, conforme dispositivos do Código Civil: Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. No caso presente, verifica-se que a autora possui outro imóvel residencial na cidade de Sobral/CE, conforme declarado por ela em depoimento pessoal e demonstrado por meio do documento de ID 147035658. Além disso, extrai-se dos elementos de prova que o imóvel objeto da questão não é de propriedade exclusiva do falecido, conforme sentença de (ID 147035663), proferida em 03/04/2015, restando comprovado que o referido bem é propriedade, em meação, do espólio do falecido Dimas Monteiro e da Sra. Lúcia Maria Soares Marques. Portanto, a referida copropriedade impede o reconhecimento do direito real de habitação à parte autora, visto ser de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito. Esse, a propósito, o entendimento do STJ: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA E SUCESSÕES. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEIS. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COPROPRIEDADE PREEXISTENTE DA FILHA EXCLUSIVA DO 'DE CUJUS'. TÍTULO AQUISITIVO ESTRANHO À ATUAL RELAÇÃO HEREDITÁRIA. 1. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da cônjuge supérstite à coproprietária do imóvel em que ela residia com o falecido. 2. Consoante decidido pela 2ª Seção desta Corte, "a copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito" (EREsp 1520294/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/08/2020, DJe 02/09/2020). 3. Aplicabilidade das razões de decidir do precedente da 2ª Seção do STJ ao caso concreto, tendo em vista que o 'de cujus' já não era mais proprietário exclusivo do imóvel residencial, em razão da anterior partilha do bem decorrente da sucessão da genitora da autora. 4. Ausência de solidariedade familiar e de vínculo de parentalidade da autora em relação à cônjuge supérstite. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Portanto, indefiro o pedido de direito real de habitação formulado pela parte autora. III. Do Dispositivo Ante o exposto, nos termos do art. 1723 a 1727 do Código Civil e considerando tudo mais que dos autos consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão autoral para RECONHECER A UNIÃO ESTÁVEL havida entre a autora e o Sr. Dimas Moreira Monteiro, durante o período de 02/07/2010 até 17/04/2022. Ante a sucumbência recíproca, condeno a autora ao pagamento de metade das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos das partes adversas, os quais, considerando o tempo de tramitação processual, a complexidade do feito, o grau de zelo e o fato de possuírem escritório na sede do juízo, considerando o baixo valor atribuído à causa, por apreciação equitativa arbitro em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), sendo que metade de tal quantia tocará aos representantes dos requeridos Dimas e Alice e a outra metade aos representantes de Leonardo, Daniele e Beethowen. Por sua vez, os requeridos arcarão com a outra metade das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da requerente, os quais, levando em conta os mesmos fatores acima apontados, arbitro em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). Os honorários advocatícios arbitrados deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA a partir do presente arbitramento até o efetivo pagamento, sendo vedada a compensação, tudo nos termos do artigo 85, §§ 2º, I a IV, 8º e 14, do CPC. Publique-se. Intimem-se as partes por seus respectivos advogados (via DJe). Após o trânsito em julgado e observadas as formalidades legais, ao arquivo. FORTALEZA, 14 de junho de 2025 Giancarlo Antoniazzi Achutti Juiz de Direito