Carlos Augusto Tortoro Junior x Zacharias Augusto Do Amaral Vieira
Número do Processo:
0050959-42.2021.8.06.0051
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJCE
Classe:
RECURSO INOMINADO CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
3º Gabinete da 5ª Turma Recursal Provisória
Última atualização encontrada em
30 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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30/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 3º Gabinete da 5ª Turma Recursal Provisória | Classe: RECURSO INOMINADO CíVELRecurso Inominado nº 0050959-42.2021.8.06.0051 Origem: 1ª Vara da Comarca de Boa Viagem Recorrente: PICPAY INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO S/A Recorrida: MARIA FERNANDA TORRES BESERRA Juiz de Direito Relator: Raimundo Ramonilson Carneiro Bezerra SÚMULA DE JULGAMENTO (ART. 46 DA LEI N° 9.099/1995) RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. COMPRAS CONTESTADAS. CARTÃO VIRTUAL. RECLAMAÇÃO FORMALIZADA JUNTO AO SAC. CONDICIONAMENTO DA ANÁLISE A CANAL ESPECÍFICO. CONDUTA ABUSIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA REGULARIDADE DAS COMPRAS REALIZADAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO (ART. 14 DO CDC). DÉBITO INEXISTENTE. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MANTIDO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. VOTO 1. Dispensado o relatório, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. 2. Anoto, no entanto, que se trata de recurso inominado interposto por PicPay Instituição de Pagamento S.A. contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Boa Viagem, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela parte autora, nos seguintes termos: "Ante todo o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados pela autora, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade do Contrato de Empréstimo Pessoal, deferir a restituição dos valores indevidamente pagos, em dobro, bem como condenar a instituição financeira ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a título de danos morais, com correção a partir da data da fixação." (ID 7562199) 3. Presentes os requisitos de admissibilidade, pressupostos objetivos e subjetivos, conheço do recurso interposto. 4. A parte ré, ora recorrente, alega: (a) a inexistência de falha na prestação do serviço; (b) a ocorrência de culpa exclusiva da consumidora pelas transações impugnadas; e (c) a ausência de dever de indenizar, tanto a título de danos materiais (repetição do indébito), quanto por danos morais. 5. A controvérsia dos autos cinge-se à análise da responsabilidade da instituição financeira recorrente por compras não reconhecidas pela parte autora, realizadas com cartão virtual vinculado à sua conta PicPay. 6. Trata-se de relação de consumo, atraindo a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto à responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, nos termos do art. 14 do CDC, nos termos da Súmula n° 479 do STJ. 7. Conforme dispõe o caput do art. 14 do CDC, o fornecedor responde, independentemente de culpa, pelos danos causados ao consumidor por defeitos relativos à prestação do serviço, somente se eximindo de tal responsabilidade nas hipóteses previstas no § 3º do mesmo dispositivo. 8. A parte autora sustenta não reconhecer duas compras realizadas com seu cartão virtual, ambas na loja virtual "Apple.com/bill", nos valores de R$ 134,90 e R$ 129,90 (ID 7562036), e afirma ter formalizado reclamação junto à instituição financeira, sem, contudo, obter qualquer providência efetiva, permanecendo as cobranças. 9. A parte ré admite o registro da reclamação, mas alega que a contestação não foi devidamente formalizada por meio do canal específico previsto contratualmente, conforme orientações repassadas pelo próprio SAC. Assevera, ainda, que não foram identificadas irregularidades nas transações impugnadas. 10. O juízo de origem entendeu, contudo, que a conduta adotada pela instituição financeira revela-se abusiva, tanto por proceder à cobrança de valores decorrentes de transações não reconhecidas pela consumidora, quanto por condicionar a análise da contestação à utilização exclusiva de canal interno específico, circunstância que configuraria imposição de obrigação excessivamente onerosa e desproporcional ao consumidor. 11. Embora o primeiro fundamento - consistente na mera negativa da consumidora - não se revele, por si só, suficiente para ensejar a declaração de inexistência do débito, sob pena de conferir presunção absoluta à alegação unilateral da parte autora, o segundo fundamento adotado pela sentença, que embasou a condenação imposta, sequer foi objeto de impugnação específica pela recorrente em suas razões recursais. 12. No caso em apreço, a recorrente limita-se a alegar que a contestação não foi dirigida ao setor competente (Central de Atendimento), sem, contudo, apresentar qualquer prova de que tal exigência foi comunicada de forma clara e acessível à consumidora. Tampouco esclarece a razão pela qual o canal oficial utilizado - o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) - não seria apto a registrar e processar a reclamação formulada. 13. Nesse contexto, verifica-se que a recorrente não apresentou justificativa satisfatória para a ausência de análise da reclamação registrada junto ao Suporte PicPay em 27 de setembro de 2021. Reconhecido o contato tempestivo por parte da consumidora, incumbia à instituição demonstrar a existência de impedimento técnico ou procedimental que inviabilizasse o regular processamento da demanda, o que não se verificou nos autos. 14. A ausência de resposta a tais questionamentos fragiliza a tese defensiva e evidencia falha no dever de informação e transparência por parte da PicPay. Importa destacar, ainda, que a própria autora conseguiu resolver, pelo mesmo canal (SAC), o estorno de uma compra cancelada (compra na loja Tm Confecções), circunstância que reforça a inexistência de justificativa plausível para a recusa em processar a contestação relativa às compras não reconhecidas. 15. Nessa linha, mostra-se inviável a reforma da sentença ante a ausência de prova que comprove: (i) a análise efetiva da reclamação apresentada pela autora; (ii) sua ciência acerca da suposta incompetência do canal utilizado; e (iii) a prestação de atendimento adequado e diligente. A mera alegação quanto à necessidade de contato com outro setor, desacompanhada de qualquer demonstração de que tal orientação foi transmitida de forma clara e eficaz, não satisfaz o ônus probatório que recai sobre a instituição financeira. 16. Ademais, a recorrente não apresentou qualquer elemento probatório concreto que comprove a regularidade das transações impugnadas, limitando-se a sustentar a inexistência de irregularidades. Não há nos autos comprovação de diligências efetivadas junto à loja virtual da Apple, nem demonstração inequívoca de que os dados utilizados nas operações pertenciam à titular do cartão. 17. Nesse cenário, não se sustenta a alegação de culpa exclusiva da consumidora, por inexistir prova de que a ausência de contestação decorreu de sua inércia. Ao revés, a própria recorrente admite que a consumidora formalizou reclamação no mesmo mês em que ocorreram as compras, ainda que por meio considerado "inadequado". 18. Assim, deve ser mantida a declaração de inexistência do débito, uma vez que a instituição financeira não se desincumbiu do ônus que lhe competia (art. 373, II, do CPC, e art. 6º, VIII, do CDC), ao deixar de comprovar: (a) a justificativa técnica ou legal para desconsiderar a contestação apresentada via SAC; e (b) os procedimentos efetivamente adotados para aferir a legitimidade das transações. 19. Quanto à alegada omissão da sentença em relação ao estorno de R$ 233,10 referente à compra cancelada na loja "TM CONFECCAO", observa-se que tal valor foi mencionado pela parte autora em sua inicial apenas como exemplo da má prestação do serviço, com o intuito de reforçar o pleito indenizatório. Não houve pedido de restituição dessa quantia, que, ademais, foi efetivamente estornada. 20. Ato contínuo, no que tange aos pedidos de repetição do indébito e de indenização por danos morais, o recurso também não merece provimento. 21. Na oportunidade, a parte ré admitiu, em sua contestação, que "diante da ausência de contestação [da compra], o PicPay seguiu com a cobrança dos referidos valores, até o novembro de 2022, quando houve o pagamento integral da fatura.", isto é, de que a consumidora adimpliu o débito cobrado irregularmente, o que enseja a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC, independente de comprovação de má-fé do credor na cobrança do débito (EAREsp n. 676.608/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). 22. Além disso, a parte autora comprovou que houve negativação do débito nos órgãos de proteção ao crédito (ID 7562149), o que configura dano moral indenizável, na medida em que a inscrição derivada de débito inexistente demanda reparação pelos danos morais suportados pelo consumidor. 23. No que se refere ao quantum indenizatório, fixado em R$ 2.000,00 (dois mil reais), entendo que se mostra adequado, por se revelar compatível com a extensão do dano, o grau de culpa da parte demandada, o valor do débito indevido e as funções compensatória, punitiva e pedagógica da indenização por danos morais. 24. Ressalte-se que a instância revisora deve adotar, sempre que possível, postura de autocontenção, prestigiando a decisão do juízo de origem. A revisão do valor fixado a título de dano moral somente se justifica quando irrisório ou exorbitante, o que não se verifica na hipótese. 25. Ante o exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento, para manter íntegra a sentença proferida. 26. Condeno a parte ré/recorrente ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995. 27. Por fim, no que tange aos consectários legais, ressalto que, a partir de 1° de setembro de 2024, os juros moratórios devem observar a taxa legal equivalente à Selic deduzida do IPCA (art. 406, §1°, do Código Civil), enquanto a correção monetária o IPCA (art. 389, parágrafo único, do Código Civil), conforme disposto na Lei n° 14.905/2024. É como voto. Local e data da assinatura eletrônica RAIMUNDO RAMONILSON CARNEIRO BEZERRA Juiz de Direito Relator