Processo nº 00407785220244058000
Número do Processo:
0040778-52.2024.4.05.8000
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TRF5
Classe:
PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
9ª Vara Federal AL
Última atualização encontrada em
27 de
junho
de 2025.
Intimações e Editais
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27/06/2025 - IntimaçãoÓrgão: 9ª Vara Federal AL | Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVELSENTENÇA Trata-se de ação pelo rito do juizado especial cível proposta por LUCIA MARIA DA CONCEIÇÃO em desfavor do INSS e da COBAP, todos qualificados na inicial. Relatório dispensado, tendo em vista o que dispõe o art. 38 da Lei n.º 9.099/95, aplicável neste Juizado Especial Federal por força do artigo 1º da Lei Federal nº 10.259 de 2001. Fundamento e decido. De início, afasto a preliminar suscitada pelo INSS, visto que a referida autarquia é o ente público diretamente responsável pela consumação material do comportamento classificado como contrário ao direito, isto é, é quem, de fato, efetua os descontos mensais sobre o benefício da parte autora. Além disso, o INSS tem aptidão para sofrer os efeitos da sentença, notadamente quanto ao eventual acolhimento do pedido de suspensão dos descontos discutidos, enquanto destinatário direto da correspondente ordem judicial. Acerca da renúncia de mandato, temos que a devida comunicação do patrono ao seu constituinte prescinde de determinação judicial para a intimação da parte com o propósito de regularizar a representação processual nos autos, incumbindo à parte o ônus de constituir novo advogado (Processo em segredo de justiça, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, unanimidade, j. 26/2/2024, DJe 28/2/2024) (Info 808 – STJ). No mérito, temos que a responsabilidade civil no direito privado contemporâneo vem paulatinamente abandonando a chamada teoria da culpa na mesma e inversa proporção em que vem crescendo a teoria do risco, cuja consolidação tem levado a responsabilidade civil subjetiva a ceder cada vez mais espaço em favor da expansão da responsabilidade civil objetiva. É nesta perspectiva que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 14 da Lei n.º 8.078/1990), em consonância com a cláusula geral da teoria do risco prevista expressamente Código Civil (art. 927, parágrafo único, da Lei nº 10.406/2002), consagrou a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços, fundada na teoria do risco criado. Com efeito, este juízo entende que a eficácia da legislação consumerista (Lei nº 8.078/1990) abrange e disciplina as ações da demandada, mesmo quando no exercício de função delegatária do Poder Público Federal, por enquadrá-la de forma clara e inequívoca no conceito de “fornecedor”, previsto em seu artigo 3º, abaixo transcrito: “Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” Neste mesmo passo, tem-se por incontroversa a afirmação de que os serviços prestadas por entidades bancárias são abrangidos pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990), a teor do que dispõe o § 2º de seu artigo 3º. Firmada, desta forma, a premissa de que a responsabilidade civil ora investigada tem natureza objetiva e prescinde de demonstração de culpa (cf. art. 14 do CDC), o foco deve voltar-se à verificação da existência de provas da ocorrência de seus elementos essenciais (ou pressupostos), ou seja, (1º) o fato jurídico, omissivo ou comissivo, contrário a direito (ilícito, lato senso), (2º) o dano patrimonial ou extrapatrimonial, “isto é, desvantagem no corpo, na psique, na vida, na saúde, da honra, ao nome, no crédito, no bem estar, ou no patrimônio”, e (3º) a relação de causalidade (nexo causal) entre o fato contrário a direito e a lesão a direito. No caso dos autos, como prova material da conduta reputada ilícita, a parte autora anexou cópia do “histórico de empréstimo consignado” (id. 54681871), onde se vê o registro do desconto mensal no valor de R$ 29,65, sob a rubrica 219, a título de ‘CONTRIBUIÇÃO SINDICATO COBAP’. A corré, em sua defesa, apresentou uma suposta ficha de autorização e termo de filiação, ambos contidos no id 63002049. Contudo, tal documento é desprovido de validade, vez que a assinatura é grosseiramente divergente da assinatura aposta pela autora na procuração e no contrato de id's 54681864/65. Também não há demonstração de que a autora tinha ciência ou que teria concordado previamente com os descontos, seja por ligações telefônicas, troca de mensagens através de aplicativo, e-mail ou outros meios eletrônicos, o que nos permite reconhecer que não houve prévia negociação. Com efeito, a ausência de tratativas preliminares traduz forte evidência de que a contratação foi fraudulenta. Noutras palavras, a Associação demandada não conseguiu demonstrar a efetiva concordância da aposentada em autorizar os descontos. Nesse sentido, observo que as rés não demonstraram a celebração da adesão e/ou do contrato (Dossiê da Proposta, Termo Adesão e Autorização de Desconto), seja por ligações telefônicas, troca de mensagens através de aplicativo, e-mail ou outros meios eletrônicos, o que nos permite reconhecer que não houve negociação. Com efeito, a ausência de tratativas preliminares traduz forte evidência de que a contratação foi fraudulenta. Noutras palavras, a Associação demandada não conseguiu demonstrar a efetiva concordância da aposentada em autorizar os descontos. Constata-se, assim, que houve falha na segurança e defeito no serviço prestado pela ré, que, sendo especialista em operações digitais, não foi capaz de constatar a violação de identidade da autora. De outro giro, entendo que a restituição dos valores descontados indevidamente deverá ocorrer em dobro, com esteio no artigo 42, parágrafo único do CDC, eis que o réu, ao prestar serviços mediante o pagamento de contribuições, pode ser considerado fornecedor (artigo 3°, §2° do CDC). No ponto, importante destacar, para consideração do pedido de repetição em dobro, o acórdão publicado em 30/03/2021 pelo Superior Tribunal de Justiça, referente a embargos de divergência em recurso especial, onde se discutiu os critérios para a aplicação do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. In verbis, o aresto: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE TELEFONIA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES. 1. PRESCRIÇÃO TRIENAL. ART. 206, § 3º, V, DO CC/2002. 2. REPETIÇÃO, EM DOBRO, DO INDÉBITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA MÁ-FÉ DO CREDOR. 3. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. MODIFICAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 4. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA. SÚMULAS N. 282 E 356 DO STF . 4. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O entendimento da Segunda Seção desta Corte é de que o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito da cobrança de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia, é o trienal, previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil. 2. "A repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, não prescinde da demonstração da má-fé do credor" (Rcl n. 4892/PR, Relator o Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, DJe 11/5/2011). 3. Não há como modificar o entendimento do Tribunal local, tanto em relação a não ocorrência do dano moral quanto à ausência de má-fé da empresa, sem adentrar no reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento sabidamente vedado na via do recurso especial (Súmula n. 7/STJ). 4. A indicação dos dispositivos legais sem que tenham sido debatidos pelo Tribunal de origem, obsta o conhecimento do recurso especial pela ausência de prequestionamento. Incidência dos óbices dos enunciados n. 282 e 356 da Súmula do STF. 5. Agravo regimental improvido. (STJ - RE nos EDcl nos EAREsp: 676608 RS 2015/0049776-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Publicação: DJ 22/11/2021) (Destaquei). Destarte, subentende-se da decisão da corte superior, que a restituição dobrada trazida no CDC independe de a cobrança ser resultado de culpa ou dolo do fornecedor, bastando apenas a presença de uma conduta contrária a boa-fé objetiva, que como consta nos autos, restou demonstrada. Nesse mesmo sentido, está o acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, que de forma unânime disciplinou: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CESTA DE SERVIÇOS. COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 27 DO CDC. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. RELAÇÃO CONSUMERISTA DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. NOVO ENTENDIMENTO DO STJ - EARESP N. 600.663/RS: DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DOS EFEITOS PARA INDÉBITOS NÃO DECORRENTES DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE DO NOVO ENTENDIMENTO DO STJ AO CASO CONCRETO PARA OS DESCONTOS EFETIVADOS ANTES DE 30/03/2021. RESULTADO: DEVOLUÇÃO SIMPLES ATÉ 29/03/2021 (AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ) E DEVOLUÇÃO EM DOBRO A PARTIR DE 30/03/2021 (POR VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA). DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO. RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. [...] 14. Passo a examinar o pedido de devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados e pagos do serviço bancário em exame, com base na norma do parágrafo único do art. 42 do CDC, que assim dispõe: "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". 15. A jurisprudência das Turmas de Direito Privado (3a e 4a Turmas) do Superior Tribunal de Justiça tinham pacificado o entendimento de que, para existir o direito do consumidor à devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente, seria necessária a comprovação da má-fé do fornecedor. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA STF/283. COBRANÇA DE VALOR INDEVIDO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO COM BASE NO CDC. IMPOSSIBILIDADE. (...). 4. A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor. 5.Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 222.609/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 03/05/2013) 16. Ocorre que, recentemente, em 21/10/2020, a Corte Especial do STJ, ao julgar o EAREsp 600.663/RS, fixou a tese de que a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. Entretanto, houve modulação parcial dos efeitos da aludida decisão, para que o entendimento fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - somente se aplique a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão, vale dizer a partir de 30/03/2021. (TR/AL – RECURSO INOMINADO; PROCESSO Nº 0526420-25.2020.4.05.8013, Relator: Sérgio José Wanderley de Mendonça, Data de Publicação: 30/07/2021). Noutro norte, quanto ao pedido de indenização por dano moral, reputo que a conduta lesiva da instituição requerida, que levou a parte autora a experimentar descontos mensais em seu benefício previdenciário, caracteriza danos morais presumidos (in re ipsa). Demais disso, temos que a autora é pessoa idosa, e se viu indevidamente privada de quantia mensal importante e necessária à manutenção do seu sustento, comprometendo o seu orçamento familiar. Considerando os critérios da razoabilidade, proporcionalidade, extensão do dano, o caráter pedagógico, capacidade econômica das partes, princípio da investidura fática, estipulo a indenização pelo dano moral (art. 942 do CC) sofrido em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Por todo o exposto, ao tempo que JULGO PROCEDENTES os pedidos da Autora para declarar a ilegalidade dos descontos associativos discutido nos autos, bem como para condenar a parte ré a cancelar/cessar as cobranças/descontos incidentes sobre o benefício NB 128.128.454-5, e condenar a COBAP (e o INSS, subsidiariamente) à devolução dos valores indevidamente cobrados a tal título, em dobro, até a data da efetiva cessação, a ser corrigido nos termos do manual da justiça federal, cuja quantificação far-se-á na fase de liquidação, e a pagar à autora a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais sofridos, corrigidos pela SELIC (que abrange juros) a contar do arbitramento. Defiro os benefícios da assistência judiciária gratuita. Sem custas e sem honorários advocatícios (art. 55 da Lei Federal n.º 9.099 de 1995 c/c o art. 1º da Lei Federal nº 10.259 de 2001). Transitada em julgado esta sentença, intime-se: a) o INSS, por meio do CEAB-DJ, para cumprir a obrigação de fazer, no prazo de 30 dias, sob pena de imposição de multa diária; b) a autora para, após a efetiva comprovação do cumprimento da ordem supra, apresentar memorial de cálculos atualizado do crédito exequendo, no prazo de 5 dias, nos termos dos arts. 523 e 524, ambos do CPC; c) após, intime-se a parte executada (COBAP) para efetuar o pagamento do crédito exequendo, no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% e de honorários de 10%, nos termos do § 1º do art. 523 do CPC. Providências necessárias. Juíza Federal – 9ª Vara/AL