Bluserves Servicos Terceirizados Ltda x Companhia Municipal De Transito E Urbanizaçao - Cmtu - Ld e outros
Número do Processo:
0025969-80.2025.8.16.0014
📋 Detalhes do Processo
Tribunal:
TJPR
Classe:
MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Grau:
1º Grau
Órgão:
Vara da Fazenda Pública de Londrina
Última atualização encontrada em
01 de
julho
de 2025.
Intimações e Editais
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01/07/2025 - IntimaçãoÓrgão: Vara da Fazenda Pública de Londrina | Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVELAUTOS N. 25969-80.2025.8.16.0014 AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA VARA DA FAZENDA PÚBLICA Vistos Trata-se de mandado de segurança, com re- querimento de liminar, impetrado por BLUSERVES – Serviços Terceirizados Ltda em face do Diretor-Presidente da Compa- nhia Municipal de Trânsito e Urbanização de Londrina – CMTU-LD, com fundamento no art. 1º, caput, da Lei n. 12.016/2009. Relata, em síntese, ter sido contratada em 17/11/2023 pela CMTU-LD, após procedimento licitatório, pa- ra prestar serviços de limpeza e conservação dos terminais rodoviários da cidade de Londrina (contrato 18/2023). Aduz, porém, que em 7/4/2025 foi surpreendida com a “retenção preventiva” de 50% do valor da nota fiscal n. 996, emitida no total de R$ 273.297,01, sob a justificativa de que não comprovada pela empresa a manutenção das condições de habi- litação (leia-se: apresentação de certidão negativa de dé- bitos federais e dívida ativa da União). É contra esse ato que se volta a impetrante. Argumenta que inexiste previsão legal ou contratual que dê respaldo a retenções de pagamen- to em caso de não apresentação de certidões fiscais negati- vas. Pede, ao final, a concessão da segurança para compelir a CMTU-LD a pagar o valor total da nota fiscal n. 996, abs- tendo-se de reter sob esse fundamento pagamentos futuros. O requerimento de liminar foi indeferido (evento 16). Opostos embargos declaratórios (evento 25), este Juízo os acolheu para conceder em parte a tutela pro- visória requerida (evento 43).Notificadas, a CMTU-LD e a autoridade impe- trada prestaram informações (evento 52). Argumentam que a impetrante, ao solicitar o pagamento da nota fiscal n. 996/2025, deixou de apresentar a Certidão Negativa de Débi- tos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União, tal como se obrigara. Nessa hipótese, sustentam que o próprio contrato contém cláusulas que impõem a retenção do valor a pagar. Requerem a denegação da segurança. Decorrido o prazo para réplica (evento 71), o Ministério Público se absteve de intervir como fiscal da ordem jurídica (evento 37). Relatei. Decido. 1. Os autos dão conta de que a impetrante celebrou em 17/11/2023 com a CMTU-LD o contrato administra- tivo n. 18/2023-FUL, obrigando-se a executar serviços ter- ceirizados de limpeza e conservação dos terminais rodoviá- rios da cidade de Londrina. Sustenta, porém, que a autoridade impetrada teria determinado ilegalmente a “retenção preventiva” de 50% do valor a pagar referente à nota fiscal n. 996 (mês de fevereiro de 2025), sob o fundamento de que não apresentada certidão negativa de débito expedida pela União. Argumenta- se na inicial que a não manutenção das condições de habili- tação, embora possa ensejar aplicação de multa em regular processo administrativo, jamais legitimaria a retenção de pagamentos por serviços prestados. Na verdade, as retenções realizadas pela CMTU-LD são de duas ordens. Vejamo-las 2. Retenção de R$ 20.362,42 A retenção ordenada pelo ato impugnado, co- mo já referido, não é motivada apenas pela falta de apre-sentação de certidão negativa de débito fiscal, senão tam- bém ao descumprimento de outras obrigações contratuais. Ve- ja-se que, ao determinar a glosa de R$ 20.362,42, o despa- cho administrativo n. 5655/2025 se reporta ao contido “no Parecer Técnico da Fiscalização de Campo 017/2025 e seus anexos (15105328, 15105648 e 15105880)” (evento 1.14, p. 129), que se acham juntados nas págs. 23-31 do evento 1.13. A análise desses documentos indica que os descontos se re- ferem a materiais de limpeza e higiene que não teriam sido fornecidos, bem assim a verbas trabalhistas cujo inadimple- mento poderá onerar futuramente a CMTU-LD (FGTS, salários de alguns funcionários, vale transporte e vale alimenta- ção). Em hipóteses como essa, o próprio contrato prevê, em sua cláusula 6º, subitem 6.1.2, a possiblidade de parcial retenção: “6.1.2. Nos casos de descumprimento parcial da obrigação contratual será realizado o pagamento relativo à parcela incontroversa” (evento 1.6, p. 03). Assim já deci- diu o eg. TJRS: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. LICITAÇÃO E CON- TRATO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. REQUI- SITOS NÃO PREENCHIDOS. EMPRESA CONTRATADA PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A ÓRGÃO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE RETENÇÃO DE PAGA- MENTOS. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. EXISTÊNCIA DE IRREGULA- RIDADES NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS E DE SALDO DEVEDOR PELA CONTRATADA. - Caso em que a impetrante fora contratada para a prestação de serviços à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, alegando retenção nos pagamentos. - Situ- ação em que restou demonstrado que foram instaurados diver- sos processos administrativos para averiguação de irregula- ridades na prestação dos serviços, tendo sido verificada a existência de crédito para a instituição pública e, por con- seguinte, saldo devedor da contratada, em decorrência da apuração de cobranças anteriormente efetuadas em excesso, e pela aplicação de multa nos termos do art. 87, II, da Lei n.º 8.666/93. Como o valor não foi recolhido, restou autori-zada a retenção sobre os próximos créditos. - A contratada não apenas deixou de apresentar certidão negativa de débi- tos, mas deixou de realizar o pagamento de salários a seus funcionários nos meses anteriores, ocasionando até mesmo a falta de alguns terceirizados aos locais de trabalho, por insuficiência de meios. - Efetivamente, não houve ainda o pagamento relativo ao período reclamado pela impetrante, mas a retenção não decorreu apenas da não apresentação de certi- dão negativa de débitos, mas especialmente da existência de saldo devedor, o que revela o acerto da decisão recorrida, porque não demonstrada ilegalidade caracterizadora do direi- to líquido e certo alegado. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVI- DO” (TJRS, AI n. 70077123008, rel. Marilene Bonzanini, 22ª Câmara Cível, julg. 26/7/2018). Nesse ponto, portanto, inexiste sombra de ilegalidade ou abuso de poder no ato praticado pela Admi- nistração. 3. Retenção de 50% do valor da nota fiscal ante a falta de apresentação de certidões de débitos tribu- tários federais Já aqui, com razão a impetrante. Com efeito, ainda que se admita para argu- mentar a possibilidade de retenções do valor faturado, es- tas devem limitar-se ao total dos materiais de limpeza e higiene não fornecidos, bem como às obrigações tributárias e verbas trabalhistas cujo inadimplemento poderá onerar fu- turamente a CMTU-LD. É esse, aliás, o propósito da cláusula 6.4 do contrato administrativo invocada pela CMTU: “6.4. A CMTU-LD, quando fonte retentora, descontará dos pagamentos que efetuar, os tributos a que esteja obrigada pela legis- lação vigente, recolhendo-os nos respectivos prazos le- gais”. Reter preventivamente sem qualquer estima- tiva concreta outros valores ante a não manutenção das con-dições de habilitação configura conduta ilegal e abusiva da Administração: o cometimento dessa falta contratual, se por um lado autoriza a rescisão do contrato e a aplicação de penalidade administrativa, não legitima, ao menos em regra, a retenção de pagamentos devidos. É esse o entendimento de Marçal Justen Filho: “Além das hipóteses do art. 78, existem outras, implicitamente previstas na Lei. Assim, deve-se dar aplicação ao disposto no art. 55, inc. XIII. Verificando-se, após a contratação, que o contratante não preenchia ou não preenche mais os re- quisitos para ser habilitado, deverá promover-se a rescisão do contrato. A rescisão tanto pode fundar-se na descoberta de que o particular não detinha as condições necessárias co- mo em que, após a contratação, deixou de preencher as exi- gências legais. Os requisitos de idoneidade devem estar pre- sentes não apenas no momento anterior à contratação, mas têm de permanecer durante todo o período de execução do contra- to. Rigorosamente, poderia ser caso de nulidade da licita- ção, vício que se estenderia ao contrato. Porém, podem su- por-se situações em que teriam de ser aplicadas as regras da resolução, mormente quando existisse uma situação de fato consolidada. Imagine-se, assim, que a situação se configu- rasse relativamente a concessionário de serviço público. Aplicação rigorosa da teoria da nulidade produziria efeitos insuportáveis. Isso se passa, também e especialmente, no tocante à regularidade fiscal. Isso não significa que a Ad- ministração esteja autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob alegação de que o particular encontra-se em dívida com a Fazenda Nacio- nal ou outras instituições. A administração poderá comunicar ao órgão competente a existência de crédito em favor do par- ticular para serem adotadas as providências adequadas. A re- tenção de pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusivo, passível de ataque inclusive através de mandado desegurança’ (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo, Editora Dialética, 2002, pág. 549, grifei). Também assim vem decidindo o Superior Tri- bunal, sob o entendimento de “que, ’apesar de ser exigível a Certidão de Regularidade Fiscal para a contratação com o Poder Público, não é possível a retenção do pagamento de serviços já prestados, em razão de eventual descumprimento da referida exigência’. Precedentes: REsp 1.173.735/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 9/5/2014, RMS n. 53.467/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/06/2017, dentre outros (STJ, AgInt no REsp 1.742.457/CE, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 7/6/2019)” (AgInt no AREsp n. 2.260.661/PI, rel. min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julg. 16/10/2023, DJe de 18/12/2023). Certo, objeta-se na contestação haver pre- visão contratual expressa (cláusula 6.1.1) atribuindo à CMTU-LD o poder de suspender o pagamento da fatura “caso sejam necessárias providências para regularização de docu- mento”. A objeção, entretanto, não procede. Esclareça-se, inicialmente, que os documen- tos a que alude a cláusula 6.1.1 são aqueles que, listados em no anexo I do contrato (evento 1.5, p. 14) – dentre os quais as certidões negativas de débitos tributários –, de- vem instruir a “nota fiscal/fatura” expedida mensalmente para o recebimento dos serviços prestados no mês anterior. Ocorre, porém, que a aplicação isolada des- sa cláusula não pode conduzir a situações capazes de ense- jar enriquecimento sem causa do ente contratante: isso im- plicaria ofensa aos princípios constitucionais da legalida- de e da moralidade (CF, art. 37, caput). De fato, descum-prido pela empresa contratada o dever legal de manter as condições de regularidade fiscal previstas no edital do certame licitatório, cumpre à Administração instaurar o processo administrativo para rescindir o contrato e/ou im- por a penalidade cabível. Não o fazendo, a aceitação dos serviços prestados e a continuidade da execução das obriga- ções contratuais obstam a que o poder público efetue reten- ções de pagamento, nada importando haja cláusula que as preveja. Semelhante medida, acaso implementada, assumiria natureza de pena, de resto não prevista no art. 156 da Lei n. 14.133/2021. Nesse sentido decidiu a Segunda Turma do Superior Tribunal, em acórdão de que relator o ministro Castro Meira. Colhe-se do voto condutor da lavra de Sua Ex- celência: “Pode a Administração rescindir o contrato em ra- zão de descumprimento de uma de suas cláusulas e ainda im- putar penalidade ao contratado descumpridor; todavia a re- tenção do pagamento devido não está incluído (sic) no rol do dispositivo acima citado. Assim, ao aplicar tal sanção, a despeito de constar do parágrafo segundo da cláusula dé- cima primeira do contrato (fl. 124), a autoridade coatora ofendeu o princípio da legalidade, insculpido na Carta Mag- na” (RMS n. 24.953/CE, Segunda Turma, rel. min. Castro Mei- ra, julg. 4/3/2008, DJe de 17/3/2008). Nesses limites, pois, é que concedo a or- dem. 4. Do exposto, com fundamento no art. 37, caput, da CF, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formu- lados na inicial. De conseguinte, concedo parcialmente a segurança impetrada, a fim de tornar definitiva a liminar deferida no evento 43 – aliás, já cumprida –, pela qual se determinou a liberação do pagamento da quantia incontrover- sa de R$ 73.993,88, referente à nota fiscal n. 996 (feve- reiro de 2025). Determino à autoridade impetrada que, emcaso de não apresentação de certidão negativa de débitos federais e dívida ativa da União, se abstenha doravante de efetuar futuras retenções de pagamento por serviços efeti- vamente prestados pela impetrante. Processo resolvido com exame de mérito (CPC, art. 487, inciso I). Pela sucumbência recíproca – porém majori- tária da CMTU-LD –, pagará esta última 75% das custas e despesas processuais. Os 25% restantes serão pagos pela im- petrante. Sem honorários (Lei n. 12.016/2009, art. 25). Escoado o prazo para interposição de apela- ção, subam ao eg. TJPR para o julgamento da remessa neces- sária. P.R.I. Londrina, 30 de junho de 2025. Marcos José Vieira Juiz de Direito