Leonardo Dias Pedrosa Sobrinho
Leonardo Dias Pedrosa Sobrinho
Número da OAB:
OAB/PI 023311
📊 Resumo do Advogado
Processos Únicos:
64
Total de Intimações:
79
Tribunais:
TJDFT, TJPI, TJMA, TJSC, TJSP, TJPA, TRF1, TRT22, TJMS
Nome:
LEONARDO DIAS PEDROSA SOBRINHO
Processos do Advogado
Mostrando 10 de 79 intimações encontradas para este advogado.
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Tribunal: TJPA | Data: 19/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Perdas e Danos] 0801532-77.2024.8.14.0063 AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO Nome: FLORIZALVA SOEIRO Endereço: Rua do Lava Jato, sn, Santa Rosa, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO PAN S/A. Nome: BANCO PAN S/A. Endereço: Avenida Paulista, 1374, Bela Vista, SãO PAULO - SP - CEP: 01310-100 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO em face deREU: BANCO PAN S/A. . ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 16 (dezesseis) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 04 e 07/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801537-02.2024.8.14.0063, 0801536-17.2024.8.14.0063, 0801535-32.2024.8.14.0063, 0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063, 0801523-18.2024.8.14.0063, 0801511-04.2024.8.14.0063, 0801510-19.2024.8.14.0063, 0801509-34.2024.8.14.0063, 0801508-49.2024.8.14.0063, 0801507-64.2024.8.14.0063 e 0801506-79.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 7 processos (0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063 e 0801523-18.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito, vale dizer, R$ 30,80 (0801508-49.2024.8.14.0063). O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). Vê-se que nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 19/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Perdas e Danos] 0801533-62.2024.8.14.0063 AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO Nome: FLORIZALVA SOEIRO Endereço: Rua do Lava Jato, sn, Santa Rosa, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO PAN S/A. Nome: BANCO PAN S/A. Endereço: Avenida Paulista, 1374, Bela Vista, SãO PAULO - SP - CEP: 01310-100 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO em face deREU: BANCO PAN S/A. . ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 16 (dezesseis) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 04 e 07/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801537-02.2024.8.14.0063, 0801536-17.2024.8.14.0063, 0801535-32.2024.8.14.0063, 0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063, 0801523-18.2024.8.14.0063, 0801511-04.2024.8.14.0063, 0801510-19.2024.8.14.0063, 0801509-34.2024.8.14.0063, 0801508-49.2024.8.14.0063, 0801507-64.2024.8.14.0063 e 0801506-79.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 7 processos (0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063 e 0801523-18.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito, vale dizer, R$ 30,80 (0801508-49.2024.8.14.0063). O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). Vê-se que nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 19/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Perdas e Danos] 0801531-92.2024.8.14.0063 AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO Nome: FLORIZALVA SOEIRO Endereço: Rua do Lava Jato, sn, Santa Rosa, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO PAN S/A. Nome: BANCO PAN S/A. Endereço: Avenida Paulista, 1374, Bela Vista, SãO PAULO - SP - CEP: 01310-100 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO em face deREU: BANCO PAN S/A. . ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 16 (dezesseis) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 04 e 07/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801537-02.2024.8.14.0063, 0801536-17.2024.8.14.0063, 0801535-32.2024.8.14.0063, 0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063, 0801523-18.2024.8.14.0063, 0801511-04.2024.8.14.0063, 0801510-19.2024.8.14.0063, 0801509-34.2024.8.14.0063, 0801508-49.2024.8.14.0063, 0801507-64.2024.8.14.0063 e 0801506-79.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 7 processos (0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063 e 0801523-18.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito, vale dizer, R$ 30,80 (0801508-49.2024.8.14.0063). O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). Vê-se que nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 19/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Perdas e Danos, Empréstimo consignado] 0801537-02.2024.8.14.0063 AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO Nome: FLORIZALVA SOEIRO Endereço: Rua do Lava Jato, sn, Santa Rosa, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: CONAFER CONFEDERACAO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND.FAMI.RURAIS DO BRASIL Nome: CONAFER CONFEDERACAO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND.FAMI.RURAIS DO BRASIL Endereço: Quadra SCS Quadra 6, 240, Asa Sul, BRASíLIA - DF - CEP: 70306-000 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO em face deREU: CONAFER CONFEDERACAO NACIONAL DOS AGRICULTORES FAMILIARES E EMPREEND.FAMI.RURAIS DO BRASIL . ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 16 (dezesseis) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 04 e 07/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801537-02.2024.8.14.0063, 0801536-17.2024.8.14.0063, 0801535-32.2024.8.14.0063, 0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063, 0801523-18.2024.8.14.0063, 0801511-04.2024.8.14.0063, 0801510-19.2024.8.14.0063, 0801509-34.2024.8.14.0063, 0801508-49.2024.8.14.0063, 0801507-64.2024.8.14.0063 e 0801506-79.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 7 processos (0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063 e 0801523-18.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito, vale dizer, R$ 30,80 (0801508-49.2024.8.14.0063). O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). Vê-se que nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 19/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Empréstimo consignado] 0801663-52.2024.8.14.0063 AUTOR: MARIA LINDALVA FERREIRA Nome: MARIA LINDALVA FERREIRA Endereço: Rua Brasil Castanheira, 35, centro, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO BMG S.A Nome: BANCO BMG S.A Endereço: Avenida Presidente Juscelino Kubitschek 1830, 1830, torre 2, 10 andar, Vila Nova Conceição, SãO PAULO - SP - CEP: 04543-900 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: MARIA LINDALVA FERREIRA em face de REU: BANCO BMG S.A ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 39 (trinta e nove) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 11 a 18/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 09 (nove) partes requeridas (0801665-22.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801569-07.2024.8.14.0063, 0801568-22.2024.8.14.0063, 0801567-37.2024.8.14.0063, 0801566-52.2024.8.14.0063, 0801565-67.2024.8.14.0063, 0801564-82.2024.8.14.0063, 0801563-97.2024.8.14.0063 e 0801562-15.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 9 processos (0801611-56.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063 e 0801578-66.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito. O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). A título de exemplo, nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 17/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Perdas e Danos] 0801510-19.2024.8.14.0063 AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO Nome: FLORIZALVA SOEIRO Endereço: Rua do Lava Jato, sn, Santa Rosa, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. Nome: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. Endereço: Rua Alvarenga Peixoto, 974, Prédio, 8º Andar, Santo Agostinho, Lourdes, BELO HORIZONTE - MG - CEP: 30180-120 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: FLORIZALVA SOEIRO em face deREU: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. . ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 16 (dezesseis) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 04 e 07/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801537-02.2024.8.14.0063, 0801536-17.2024.8.14.0063, 0801535-32.2024.8.14.0063, 0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063, 0801523-18.2024.8.14.0063, 0801511-04.2024.8.14.0063, 0801510-19.2024.8.14.0063, 0801509-34.2024.8.14.0063, 0801508-49.2024.8.14.0063, 0801507-64.2024.8.14.0063 e 0801506-79.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 7 processos (0801534-47.2024.8.14.0063, 0801533-62.2024.8.14.0063, 0801532-77.2024.8.14.0063, 0801531-92.2024.8.14.0063, 0801525-85.2024.8.14.0063, 0801524-03.2024.8.14.0063 e 0801523-18.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito, vale dizer, R$ 30,80 (0801508-49.2024.8.14.0063). O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). Vê-se que nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 17/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Empréstimo consignado] 0801851-45.2024.8.14.0063 AUTOR: VIDENCIO MONTEIRO DE SOUSA Nome: VIDENCIO MONTEIRO DE SOUSA Endereço: Rua Ezidório castro, 160, sol nascente, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. Nome: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. Endereço: AV JERONIMO PIMENTEL, SN, VILA DOS CABANOS, VILA DOS CABANOS (BARCARENA) - PA - CEP: 68447-000 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: VIDENCIO MONTEIRO DE SOUSA em face de REU: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 8 (oito) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos em 30/12/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801853-15.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063 e 0801846-23.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 4 processos (0801851-45.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063 e 0801846-23.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito. O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). A título de exemplo, nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 17/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Empréstimo consignado] 0801849-75.2024.8.14.0063 AUTOR: VIDENCIO MONTEIRO DE SOUSA Nome: VIDENCIO MONTEIRO DE SOUSA Endereço: Rua Ezidório castro, 160, sol nascente, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: BANCO ITAÚ CONSIGNADO S/A Nome: BANCO ITAÚ CONSIGNADO S/A Endereço: "FAZENDA ÁGUA BOA", ZONA RURAL DE BOM JESUS DO TOCANTINS, Zona Rural, BOM JESUS DO TOCANTINS - PA - CEP: 68525-000 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: VIDENCIO MONTEIRO DE SOUSA em face de REU: BANCO ITAÚ CONSIGNADO S/A ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 8 (oito) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos em 30/12/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 07 (sete) partes requeridas (0801853-15.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063 e 0801846-23.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 4 processos (0801851-45.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063 e 0801846-23.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito. O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). A título de exemplo, nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJPA | Data: 17/06/2025Tipo: IntimaçãoTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA ÚNICA DA COMARCA DE VIGIA DE NAZARÉ Avenida Barão do Guajará, nº 1140, Castanheira, CEP 68780-000 Fones: (91) 3731-1444 [Empréstimo consignado] 0801616-78.2024.8.14.0063 AUTOR: MARIA LINDALVA FERREIRA Nome: MARIA LINDALVA FERREIRA Endereço: Rua Brasil Castanheira, 35, Centro, VIGIA - PA - CEP: 68780-000 REU: CETELEM - BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A Nome: CETELEM - BANCO BNP PARIBAS BRASIL S.A Endereço: AL RIO NEGRO, 161, Andar 17, ALPHAVILLE INDUSTRIAL, BARUERI - SP - CEP: 06454-000 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS formulada por AUTOR: MARIA LINDALVA FERREIRA em face de REU: CETELEM - BANCO BNP PARIBAS BRASIL S/A ante a suposta existência de fraude na contratação de empréstimo em seu nome. Em suma, o requerente alega que não realizou junto ao Réu, nem autorizou ninguém a fazer em seu nome, a contratação de empréstimo/refinanciamento consignado ou cartão de crédito com margem consignada em seu benefício previdenciário. Informa que não recebeu o valor do empréstimo em sua conta bancária. Decido. Passo à análise da presença das condições da ação, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício pelo julgador, a qualquer tempo, conforme entendimento pacífico do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ - AgInt no REsp: 1801734 PR 2019/0071532-7, Data de Julgamento: 25/04/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/04/2022). Registre-se que, à luz do disposto no art. 489, §1º, IV, do CPC e da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça (v. STJ, REsp n. 1.957.408/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 10/2/2023), o julgador não é obrigado a se manifestar sobre todas a teses apresentadas pelas partes nos autos quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A ação movida pela parte autora se soma a diversas outras em trâmite neste Juízo relacionadas ao questionamento judicial de contratos com instituições financeiras, em que a parte demandante alega jamais ter celebrado o negócio jurídico ou recebido qualquer valor em seu favor. Deve-se esclarecer, desde logo, que há um considerável número de ações nas quais se discutem empréstimos consignados e outros contratos bancários envolvendo pessoas vulneráveis e de pouca instrução, as quais devem ser devidamente apreciadas pelo Poder Judiciário, de acordo com o caso concreto. Por outro lado, não se desconhece a existência de demandas predatórias no âmbito do estado do Pará, embora sejam minoria, pois inúmeros são os casos praticamente idênticos de ações declaratórias de inexistência de relação jurídica que chegam diariamente, em massa, às unidades judiciais, especialmente nas Comarcas do interior, nas quais as partes autoras afirmam jamais terem firmado contrato ou recebido qualquer valor/vantagem, não apresentam todos os documentos ao seu alcance, valendo-se do custo zero para o ajuizamento da ação e contando com a inversão ope legis prevista no art. 6º, VIII, do CDC. É importante destacar alguns conceitos consensuais sobre demanda/litigância predatória apresentados por Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, e Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani, juiz do TJSP: “As demandas tidas como predatórias são as ações ajuizadas em massa, em grande quantidade e, geralmente, em várias comarcas ou varas, sempre com um mesmo tema, com petições quase todas idênticas, onde apenas o nome da parte e o endereço são modificados e, prioritariamente, estão vinculadas a demandas consumeristas” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) "A litigância predatória ou advocacia predatória é uma prática que infelizmente existe no nosso sistema de Justiça. Ela consiste no ajuizamento de ações em massa, através de petições padronizadas, artificiais e recheadas de teses genéricas, em nome de pessoas vulneráveis e com o propósito de enriquecimento ilícito." (ZULIANI, Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. Litigância predatória: Juiz explica modus operandi dos profissionais. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/348830/litigancia-predatoria-juiz-explicamodus-operandi-dos-profissionais). Não é incomum se observar na prática, por exemplo, nesses casos, a existência de ajuizamento de ações em comarcas distintas do domicílio da parte autora, o desconhecimento do processo pela parte demandante, ou até mesmo o abandono de processos e o não comparecimento de requerentes à audiência UNA, mormente quando a parte requerida apresenta a contestação e a documentação correlata ao caso. A parte autora possui 39 (trinta e nove) processos vinculados a este Juízo, todos distribuídos nos dias 11 a 18/11/2024, os quais possuem procurações genéricas, pedidos (declaração de nulidade de negócio jurídico e reparação de danos) e causa de pedir (“desconhecimento” de negócio jurídico) semelhantes e são movidos contra instituições financeiras, sendo 09 (nove) partes requeridas (0801665-22.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801569-07.2024.8.14.0063, 0801568-22.2024.8.14.0063, 0801567-37.2024.8.14.0063, 0801566-52.2024.8.14.0063, 0801565-67.2024.8.14.0063, 0801564-82.2024.8.14.0063, 0801563-97.2024.8.14.0063 e 0801562-15.2024.8.14.0063). Nos feitos mencionados, dentro da relação jurídica havida com as instituições financeiras, sequer junta-se extrato bancário da parte autora para discutir os descontos ocorridos em sua conta bancária a título de empréstimos consignados, refinanciamento de empréstimos consignados e parcelas de cartão de crédito. Some-se a isso, o autor fraciona as demandas, chegando a ter contra um mesmo réu 9 processos (0801611-56.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063 e 0801578-66.2024.8.14.0063). Dessa forma, chega a requerer valores irrisórios a título de danos materiais com repetição de indébito. O seu patrono, por sua vez, cujo escritório é localizado em Teresina-PI, possui neste Juízo de Vigia de Nazaré 164 (cento e sessenta e quatro), sendo as partes pessoas idosas, com o valor da causa médio 13 mil reais, o que corresponde a uma parcela relevante do acervo processual desta unidade, tendo sido as ações ajuizadas nos meses de novembro e dezembro de 2024 e no mês de janeiro de 2025, conforme dados extraídos do Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias do TJPA. Registre-se que essas poucas pessoas representam grande fatia das ações em trâmite nesta unidade, em um município que conta com a população de 53.806 (cinquenta e três mil e oitocentos e seis) habitantes, conforme dados do IBGE (v. https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pa/vigia.html). A título de exemplo, nos últimos 3 meses (novembro e dezembro de 2024 e janeiro de 2025 foram distribuídas pelo causídico 87 (oitenta e sete) ações relativas a apenas 04 (quatro) pessoas na Vara Única de Vigia/PA (0801569-07.2024.8.14.0063, 0801570-89.2024.8.14.0063, 0801571-74.2024.8.14.0063, 0801572-59.2024.8.14.0063, 0801577-81.2024.8.14.0063, 0801578-66.2024.8.14.0063, 0801579-51.2024.8.14.0063, 0801580-36.2024.8.14.0063, 0801606-34.2024.8.14.0063, 0801607-19.2024.8.14.0063, 0801608-04.2024.8.14.0063, 0801609-86.2024.8.14.0063, 0801610-71.2024.8.14.0063, 0801611-56.2024.8.14.0063, 0801612-41.2024.8.14.0063, 0801613-26.2024.8.14.0063, 0801614-11.2024.8.14.0063, 0801615-93.2024.8.14.0063, 0801616-78.2024.8.14.0063, 0801653-08.2024.8.14.0063, 0801654-90.2024.8.14.0063, 0801655-75.2024.8.14.0063, 0801656-60.2024.8.14.0063, 0801657-45.2024.8.14.0063, 0801658-30.2024.8.14.0063, 0801659-15.2024.8.14.0063, 0801660-97.2024.8.14.0063, 0801661-82.2024.8.14.0063, 0801662-67.2024.8.14.0063, 0801663-52.2024.8.14.0063, 0801664-37.2024.8.14.0063, 0801665-22.2024.8.14.0063, 0801846-23.2024.8.14.0063, 0801847-08.2024.8.14.0063, 0801848-90.2024.8.14.0063, 0801849-75.2024.8.14.0063, 0801850-60.2024.8.14.0063, 0801851-45.2024.8.14.0063, 0801852-30.2024.8.14.0063, 0801853-15.2024.8.14.0063, 0800009-93.2025.8.14.0063, 0800010-78.2025.8.14.0063, 0800011-63.2025.8.14.0063, 0800012-48.2025.8.14.0063, 0800013-33.2025.8.14.0063, 0800014-18.2025.8.14.0063, 0800023-77.2025.8.14.0063, 0800024-62.2025.8.14.0063, 0800025-47.2025.8.14.0063, 0800026-32.2025.8.14.0063, 0800027-17.2025.8.14.0063, 0800078-28.2025.8.14.0063, 0800079-13.2025.8.14.0063, 0800080-95.2025.8.14.0063, 0800082-65.2025.8.14.0063, 0800084-35.2025.8.14.0063, 0800087-87.2025.8.14.0063, 0800093-94.2025.8.14.0063, 0800094-79.2025.8.14.0063, 0800096-49.2025.8.14.0063, 0800097-34.2025.8.14.0063, 0800099-04.2025.8.14.0063, 0800125-02.2025.8.14.0063, 0800131-09.2025.8.14.0063, 0800132-91.2025.8.14.0063, 0800133-76.2025.8.14.0063, 0800134-61.2025.8.14.0063, 0800136-31.2025.8.14.0063, 0800138-98.2025.8.14.0063, 0800139-83.2025.8.14.0063, 0800140-68.2025.8.14.0063, 0800141-53.2025.8.14.0063, 0800142-38.2025.8.14.0063, 0800160-59.2025.8.14.0063, 0800161-44.2025.8.14.0063, 0800166-66.2025.8.14.0063, 0800169-21.2025.8.14.0063, 0800171-88.2025.8.14.0063, 0800172-73.2025.8.14.0063, 0800174-43.2025.8.14.0063) Portanto, há elementos indicativos de fragmentação de pretensões relativas à mesma relação jurídica havida a instituição financeira, com atribuição de valor excessivo à causa, visando a multiplicação de ganhos referentes à indenização por suposto dano moral e honorários, o que se distancia do dever de conduta conforme a boa-fé previsto no art. 5º do CPC e do art. 4º, III, do CDC. Vale destacar que a litigância predatória não se configura apenas pelo número excessivo de processos distribuídos no mesmo período, mas também pela distorção dos institutos processuais e do próprio acesso à Justiça, sobretudo quando possível vislumbrar o objetivo de potencialização de ganhos. Nas palavras de Felipe Albertini Nani Viaro, juiz do TJSP: “É importante observar, a litigância predatória não se estabelece apenas pelo número de processos, mas pela distorção de institutos processuais e a própria ideia de acesso à Justiça, valendo-se da massificação da conduta como forma de potencializar ganhos. Há uma aposta inerente no sentido de que, sendo vitorioso em alguns casos (o que pode se dar por inúmeras razões, inclusive pela incapacidade da parte contrária de defender-se de tantas demandas) a conduta já gerará ganhos, sendo irrelevante o número de casos em que for derrotado, já que institutos como a gratuidade isentam do custo de ingresso e responsabilidade pela sucumbência”. (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: o fenômeno das "fake lides". Disponível em: ). Sobre o “risco zero” ao litigante predatório, assim destaca o advogado Gustavo Aureliano Firmo, ao analisar uma situação ocorrida em determinado Tribunal: “O Juízo destacou que no caso concreto o causídico já é conhecido pela prática, posto que ajuíza diversas demandas que discorrem sobre os mesmos contratos, fracionam a relação jurídica para induzir o Juízo em erro com a percepção de que seriam vários negócios jurídicos quando, na verdade, os desdobramentos emanam de um único e deveriam ser postos à julgamento em uma única demanda. Por fim, corriqueiramente se aproveitam da concessão dos benefícios da justiça gratuita concedida indevidamente. Com o recebimento de referida benesse a demanda passa a ter risco zero, o que apenas impulsiona o ajuizamento diário de infindáveis demandas genéricas. Demonstrando que as demandas carecem de interesse de agir, uma vez que ele, na verdade, existe apenas para o causídico, inúmeras alegações de inexistência de celebração do negócio jurídico são desconstituídas com a realização de perícia grafotécnica ou datiloscópica, oportunidade em que se constata que a assinatura ou a digital, respectivamente, são da pessoa que afirmou nunca ter celebrado o contrato e que sequer conhece a empresa ré”. (FIRMO, Gustavo Aureliano. Advocacia Predatória: a necessidade de atuação enérgica do Poder Judiciário. Disponível em: https://www.nossodireito.com.br/2022/06/13/advocacia-predatoria-a-necessidade-deatuacao-energica-do-poder-judiciario/). Acácia Regina Soares de Sá, juíza do TJDFT, aponta algumas das inúmeras consequências negativas causadas pela litigância predatória ao Poder Judiciário, a saber: “As demandas predatórias, em razão das características acima mencionadas, trazem diversas consequências para o Poder Judiciário, entre elas, o aumento exacerbado do número de processos nas unidades judiciais e, em consequência, um tempo maior de tramitação. (...) é importante observar que o crescente volume de demandas predatórios impede uma maior celeridade nas decisões a serem tomadas, isso porque exige do magistrado uma análise mais detalhada dos referidos processos de modo a permitir que tais demandas não sigam adiante.” (DE SÁ, Acácia Regina Soares. Litigância predatória compromete garantia constitucional. Disponível em: ) O Ministro Luis Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 3.995/DF, assim destacou sobre o uso ilegítimo do Poder Judiciário: “O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade, à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária”. A Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.817.845/MS, assim se manifestou sobre o abuso do direito de ação: "(...) O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo."(STJ, REsp: 1817845/MS2016/0147826-7, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 10/10/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, DJe 17/10/2019). Para que não se fale que tais reflexões são genéricas, destaca-se constatação feita em seminário realizado no CNJ no ano de 2022: “Desde 2016, um grupo de 30 advogados moveu, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cerca de 120 mil ações judiciais em 840 unidades judiciárias, de acordo com o estudo feito pelo Núcleo de Monitoramento dos Perfis de Demandas da Corregedoria Geral da Justiça (Numopede) sobre o perfil das ações movidas por um grupo de 30 advogados na Comarca de Ribeirão Preto. O grupo, que acabou condenado, elevou a demanda de casos novos na comarca de 23 mil para 27 mil processos ingressados por ano. Por causa da ação do grupo, o tempo médio entre início do processo até a sentença aumentou de 364 dias, em 2012, para 930 dias, em 2016.” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunais-apresentam-boaspraticas-para-combater-litigancia-predatoria/) Ressalte-se que o aumento exacerbado do número de processos implica necessariamente na elevação dos custos do Poder Judiciário, considerando que, segundo Luciano Benettti Timm, advogado, cada processo em trâmite custa, por ano, aproximadamente R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais) (TIMM, Luciano Benetti. Propostas para uma reforma do Sistema de Justiça do Brasil. Disponível em: https://milleniumpapers.institutomillenium.org.br/paper/milleniumpaper-propostas-para-uma-reforma-do-sistema-de-justica-no-brasil.pdf). Em 2022, o CNJ editou a Recomendação nº 127, de 15 de fevereiro de 2022, a qual recomenda aos tribunais a adoção de cautelas visando a coibir a judicialização predatória que possa acarretar o cerceamento e defesa e a limitação da liberdade de expressão (Disponível em: ). Durante o XV Encontro Nacional do Poder Judiciário, foram aprovadas as Metas e Diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2023, dentre elas: “DIRETRIZ ESTRATÉGICA 7 – Regulamentar e promover práticas e protocolos para o combate à litigância predatória, preferencialmente com a criação de meios eletrônicos para o monitoramento de processos, bem como transmitir as respectivas informações à Corregedoria Nacional, com vistas à alimentação de um painel único, que deverá ser criado com essa finalidade”. No âmbito do TJPA, o Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Pará – CIJEPA, em atenção à Nota Técnica nº 001/2022 do CIJMG/TJMG, elaborou a Nota Técnica nº 6/2022. Ainda, em 2023, foi criado o “Painel de Monitoramento de Demandas Repetitivas ou Predatórias”. Cumpre destacar que o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF) não é absoluto, tampouco o único direito fundamental em jogo, uma vez que com ele convivem e estão em mesma hierarquia outros direitos e princípios constitucionais, como o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, da CF), a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e a eficiência (art. 37 da CF). Gilmar Ferreira Mendes e Lenio Luiz Streck, ao comentarem o art. 98 da CF, no qual há a previsão da criação dos Juizados Especiais, apresentam a seguinte reflexão sobre o “acesso à Justiça”: “Acesso à Justiça, como ensina Mauro Cappelletti, não significa mero acesso ao Judiciário, mas um programa de reforma e método de pensamento que permitam verdadeiro acesso ao “justo processo”. Nesse sentido, o mandamento constitucional de criação de Juizados Especiais pela União – no Distrito Federal e nos Territórios – e pelos Estados não deve ser entendido como mera formulação de um novo tipo de procedimento, mas, sim, como um conjunto de inovações que envolvem desde nova filosofia e estratégia no tratamento de conflitos de interesse até técnicas de abreviação e simplificação procedimental, como bem assevera Watanabe” (CANOTILHO, J. J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018 (Série IDP), p. 1.439). Ademais, não se pode olvidar do princípio infraconstitucional da encomia processual, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais (art. 2º da Lei nº 9.099/95), o qual dispõe que se deve “obter o máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo de emprego possível de atividade jurisdicional” (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, t. I, p. 170, In: MEDINA, José Miguel Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 5 ed. rev., atual. E ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 138-139). Além disso, o abuso de direito é coibido pelo ordenamento jurídico, pois configura ato ilícito, nos termos do art. 187 do CC. Nas palavras de Marcelo Lamonica Bovino, advogado: “ter acesso ao Poder Judiciário não implica no direito de abusar de demandar, e sim no direito de ter ou receber a prestação jurisdicional no seu tempo e de forma justa” (BOVINO, Marcio Lamonica. Abuso do direito de ação: a ausência de interesse processual na tutela individual. Curitiba: Juruá, 2012, p. 128). Fernando da Fonseca Garjadoni, a seu turno, ao discorrer sobre o uso responsável do sistema de Justiça, sustenta que “a judicialização dos conflitos não pode ser utilizada pelo demandante para buscar vantagem desproporcional, e nem servir ao demandado para postergar o cumprimento de obrigação que sabe ser devida” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Levando o dever de estimular a autocomposição a sério: uma proposta de releitura do princípio do acesso à Justiça à luz do CPC/15. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 112. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/50802/33446). José Miguel Garcia Medina, advogado, faz a seguinte reflexão relacionando a boa-fé objetiva e o exercício abusivo de um direito: “Como corolário da proteção à boa-fé objetiva, o exercício abusivo de uma posição jurídica deve ser reprimido. O abuso ocorre quanto se excederem manifestamente os limites próprios do exercício de um direito. A referência, em várias disposições da lei processual (p. ex. art. 80, VI e VII, 828, §5º, 918, parágrafo único, 1.021, §4º, 1.026, §§2º e 3º do CPC/;2015), ao exercício manifestamente abusivo do direito, revela que se adotou o critério objetivo, segundo o qual mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica e social” (MEDINA, José Miguel Garcia. op. cit., p. 138- 139). O art. 139, III, do CPC dispõe que incumbe ao magistrado “prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias”. Não está se falando na criação de óbices ou entraves ao acesso à Justiça, mas é necessário que este se dê de maneira adequada e eficaz, de forma que o direito de ação seja exercido dentro de um processo ético, em que as partes atuem com lealdade, honestidade, observando o padrão de conduta imposto pela boa-fé objetiva. O art. 17 do CPC dispõe que para se postular em Juízo é necessária existência de interesse processual, que consiste na adequação, necessidade e utilidade do provimento jurisdicional pretendido. Segundo Rodrigo da Cunha Lima Freire, advogado, “as ações ajuizadas com abuso direito, fins subalternos ou ilícitos não produzirão um resultado útil da jurisdição, especialmente sob a óptica do Estado” (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir no processo civil brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 102). Ao optar pela fragmentação das ações decorrentes de uma mesma relação jurídica, não é possível se verificar o interesse processual legítimo da parte autora em ter a questão resolvida, mas sim tão somente a busca pela maximização da condenação da parte requerida em verbas indenizatórias e sucumbenciais. Tal atuação se amolda no conceito de “ações ou condutas frívolas” apresentado por Felipe Viani Albertini Viaro, juiz do TJSP: “(3) Ações ou condutas frívolas [8]: litigiosidade desnecessária ou que discute de maneira propositadamente fragmentada questões de baixíssimo valor econômico ou social, como forma de gerar ou multiplicar ganhos. Dentre os exemplos de demandas frívolas, conforme a ideia aqui exposta, estão as ações preparatórias, como exibição de documentos, sem prévio pedido administrativo e fragmentação de pedidos, inclusive relacionados a um mesmo contexto fático, apostando na desorganização da parte contrária e/ou fixação de honorários em cada processo [9]” (VIARO, Felipe Albertini Nani Viaro. Litigiosidade predatória: conceitos e casos. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2022-mai-09/felipeviarolitigiosidadepredatoriaconceitos-casos>). Gustavo Aureliano Firmo, advogado, por sua vez, sobre o tema, apresenta a seguinte reflexão: “(...) Inúmeros advogados identificaram a possibilidade de ajuizamento de demandas idênticas e massivas para supostamente proteger os interesses dos seus representados, contudo, em regra, não há o real interesse em proteção dos direitos supostamente lesados e reparação de danos suportados pelos clientes. O que se busca, na verdade, é um "enriquecimento" às custas das instituições financeiras. Em muitos casos concretos às partes têm plena ciência do que foi contratado, do valor recebido, da forma em que houve essa transferência, dos valores das parcelas, sua quantidade, além de outras informações pertinentes e repassadas no momento da celebração. Contudo, em várias oportunidades são pessoas idosas, "humildes" e sem qualquer formação acadêmica que são "seduzidas" por algumas pessoas (advogados ou pessoas destacadas para a captação agressiva e ilícita de clientes) que lhes fazem as falsas afirmações de que houve ilicitude ou abusividade no contrato celebrado, que possuem valores a serem restituídos e que não terão qualquer despesa processual ou com o advogado. Com o último são sempre firmados contratos de êxito, o que torna ainda mais atrativa a oferta apresentada à pessoa. (...)” (FIRMO, Gustavo Aureliano. O benefício da justiça gratuita e a advocacia predatória. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-03/gustavo-firmo-justica-gratuita-advocaciapredatoria). Sobre o impacto gerado pelas demandas frívolas na litigiosidade, assim destacam os advogados Jean Carlos Dias e Bernardo Augusto da Costa Pereira: “(...) Quanto maior for o custo para apresentação da demanda, menor será a motivação do agente para apresentar uma demanda de baixa probabilidade de êxito; por outro lado, quanto menor o custo de apresentação, maior será estímulo para a apresentação de tal modalidade de pretensões. Em tais situações, as despesas processuais precificam inicialmente a expectativa de resultado e, quando o valor atribuído pelo autor é superior ao desencaixe, pode-se afirmar que ele proporá a demanda frívola. É importante dizer que as demandas frívolas geram uma externalidade negativa relevante, pois consomem unidades de serviço judiciário que poderiam ser destinadas às demandas de maior importância social. (...)” (DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 72) O uso indiscriminado de tais artifícios para acessar o Poder Judiciário de modo repetitivo com o uso de ações fragmentadas, que poderiam ser aglutinadas em um mesmo processo (art. 327 do CPC), além de aumentar de sobremaneira a taxa de congestionamento de demandas, causa impactos negativos tanto na organização e na qualidade dos serviços prestados pelas unidades judiciais, quanto aos demais jurisdicionados que se utilizam dos meios adequados, pois acabam tendo a prestação jurisdicional atrasada, em razão de prioridades legais, evitando a rápida solução dos litígios. Eis a reflexão feita pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ João Thiago de França Guerra em seminário no ano de 2022 por aquele órgão: “Existe uma máquina de exploração econômica do processo, da letargia e da morosidade do processo. É um fenômeno que precisa ser estudado e contemporizado para que o acesso à Justiça daquele que realmente precisa e busca a tutela do seu direito não seja inviabilizado por essa exploração econômica do serviço judiciário” (Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tribunaisapresentam-boas-praticas-para-combaterlitigancia-predatoria/) No mesmo sentido, ressalta José Laurindo de Souza Netto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no biênio 2021/2022: “(...) A litigância contumaz, que provoca a jurisdição de forma desnecessária e irresponsável, nesta linha, ao comprometer a capacidade de operabilidade sustentável da máquina judiciária representa afronta a garantia fundamental do acesso efetivo à justiça, colocando em risco a própria democracia. Também, viola os princípios constitucionalmente assegurados da igualdade material e duração razoável do processo, previstos nos artigos 5º, caput e LXXVIII, da Constituição Federal, e 3º e 4º do Código de Processo Civil. (...)” (NETTO, José Laurindo de Souza et. al. Acesso inautêntico à Justiça e a crise da jurisdição: as taxas processuais na litigância predatória. RJLB, Ano 8 (2022), nº 4. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2022/4/2022_04_1423_1462.pdf) Não se mostra razoável, portanto, que a parte opte por aforar diversas ações praticamente idênticas, resultando na repetição desnecessária de atos processuais (v.g. citação, intimações, audiências, decisões etc), quando poderia ter sua pretensão analisada em um único processo. Destarte, conclui-se que não há interesse processual no presente feito, diante do uso predatório do direito de ação, conforme acima demonstrado. Por oportuno, cumpre trazer à colação entendimentos dos Tribunais pátrios que mantiveram a extinção de processos sem resolução do mérito em casos envolvendo demandas predatórias, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – JUSTIÇA GRATUITA DEFERIDA NO JUÍZO DE ORIGEM - DESNECESSIDADE DE NOVA CONCESSÃO - BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODAS AS INSTÂNCIAS E ATOS DO PROCESSO – FRACIONAMENTO DE DEMANDAS - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. O benefício da justiça gratuita concedido no juízo de origem, desde que não seja revogado no curso da lide, estende-se a todas as instâncias e atos do processo. O fracionamento de Ações com o mesmo fundamento e contra um mesmo réu configura abuso do direito de demandar e ausência de interesse processual, de modo que a extinção da lide é medida que se impõe. (TJ-MT 10060925120208110015 MT, Relator: RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Data de Julgamento: 17/08/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/08/2022) EMENTA: AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA PREDATÓRIA. PADRÃO DE ATUAÇÃO ANORMAL DO PATRONO. ABUSO DO DIREITO DE LITIGAR. INEXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A controvérsia central travada no recurso situa-se em se estabelecer se o advogado da parte autora abusou direito de litigar por meio do ajuizamento em massa de ações predatórias, a justificar a extinção dos processos sem apreciação do mérito. 2. Aquele que pretende litigar em juízo deve atuar com respeito aos princípios da boa-fé, da eticidade e da probidade, evitando, assim, o ajuizamento de ações fraudulentas, temerárias, frívolas ou procrastinatórias. É dizer, as demandas judiciais devem estar lastreadas em interesses legítimos das partes, não se inserindo nesse conceito as ações propostas por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que veiculem pretensões ou defesas desprovidas de qualquer respaldo legal. 3. A partir de uma visão macroscópica do índice de litigiosidade do patrono da parte autora, constata-se um padrão anormal de atuação, com graves indícios de captação irregular de clientela, além de exercício abusivo do direito de litigar, bem como cometimento de infrações ético disciplinares. 4. A partir de uma visão microscópica da litigiosidade do causídico, constata-se, novamente, um padrão anormal de atuação, com graves indícios de ajuizamento de ações temerárias, sem prévia diligência sobre a viabilidade jurídica da pretensão, além da utilização abusiva e indiscriminada pelo patrono das procurações outorgadas pelos seus clientes, por meio do ajuizamento de diversas ações sem o conhecimento e livre consentimento destes. 5. Reconhecida a prática de litigiosidade predatória. Recurso desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e votados estes recursos, tombados sob o nº 0000116-12.2022.8.17.2580, ACORDAM os Desembargadores integrantes da QUARTA Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso de Apelação Cível, tudo nos termos dos votos e notas taquigráficas anexas, que passam a fazer parte integrante deste julgado. Recife, data da certificação digital. Juiz Sílvio Romero Beltrão Desembargador Substituto (TJ-PE - AC: 00001161220228172580, Relator: GABRIEL DE OLIVEIRA CAVALCANTI FILHO, Data de Julgamento: 09/08/2022, Gabinete do Des. Stênio José de Sousa Neiva Coêlho (4ª CC)) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MULTIPLICIDADE DE AÇÕES. CONDUTA TEMERÁRIA. ABUSO DE DIREITO. EXTINÇÃO DA DEMANDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. O fracionamento das ações como a presente por certo consiste em um verdadeiro abuso de direito, na medida em que ao tempo do ajuizamento de uma ação discutindo um só débito, poderia a parte requerente incluir os demais débitos que alega serem irregulares e que teriam sido indevidamente encaminhados para o cadastro negativo pelo mesmo réu. Trata-se de conduta processual temerária e abusiva, a qual o Judiciário não pode dar guarida. Manutenção da sentença extintiva. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJRS - Rac nº 70082401159, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 30.08.19). APELAÇÃO CÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. DEMANDA ARTIFICIAL E PREDATÓRIA. CABIMENTO. Para evitar a litigiosidade artificial e práticas predatórias no âmbito do Poder Judiciário, o Magistrado possui o poder-dever de tomar medidas saneadoras para coibir o uso abusivo do acesso à Justiça. (TJ-MG - AC: 10000211221684001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/08/2021) PROCESSO – Como (a) a determinação juntada de procuração com poderes firma reconhecida está de acordo com e espírito das boas práticas recomendadas pelo NUMOPEDE, de modo a coibir o uso predatório da Justiça, não se tratando de mero formalismo injustificado, considerando as peculiaridades do caso dos autos, (b) de rigor, ante o seu não atendimento pela parte autora apelante, (c) a manutenção da r. sentença, que indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com base nos arts. 321, e 485, I e IV, do CPC. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10040435720218260541 SP 1004043-57.2021.8.26.0541, Relator: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 17/01/2023, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/01/2023) JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONCLUSÃO LÓGICA ENTRE OS FATOS E OS PEDIDOS. DELIMITAÇÃO QUE PREJUDICA O DIREITO DE DEFESA E A DEVIDA ANÁLISE DO MÉRITO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pelo autor em face de sentença que indeferiu a petição inicial por inépcia e extinguiu o processo sem apreciação de mérito, bem como o condenou em custas e multa por litigância de má-fé. Em seu recurso pretende a reforma da sentença e a condenação na obrigação de não fazer para que a ré se abstenha de realizar ligações de telemarketing ao autor e indenizá-lo por danos morais, além de afastar a multa e custas por litigância de má-fé. 2. Recurso próprio, tempestivo e preparo regular (ID 29067501 e 29067502). As contrarrazões não foram apresentadas (ID 29067559). 3. O recorrente em sua inicial aduz que foi importunado por diversas ligações oferecendo empréstimos consignados e que tais contatos originavam da requerida, chegando a receber mais de 50 ligações por dia, o que justificaria indenização por danos morais. Para tanto, juntou aos autos registros de ligações e mensagens (ID 29067472). 4. Posteriormente, foi oportunizado ao autor para que emendasse a inicial para especificar o valor pretendido a título de danos morais e indicar quais chamadas originavam da requerida, a considerar que a parte autora possui diversas ações idênticas em tramite ou que já tramitaram neste Tribunal (ID 29067485). Em resposta, a parte especificou os danos morais em R$1.500,00 e informou que ?não teve o cuidado em anotar de relacionar a data e hora das ligações? (ID 29067488). 5. Diante dos fatos, o Juízo a quo entendeu que não supriu a determinação contida na decisão de ID 29067485, situação que impossibilitaria a defesa da requerida e, portanto, foi indeferida a inicial por inépcia. 6. Neste ponto, cabe consignar que a Lei dos Juizados Especiais tem como princípio implícito mestre a efetividade da Justiça, mediante ao acesso facilitado ao Judiciário. Tal princípio permeia pelos princípios da simplicidade, da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade. Não podendo a parte autora sob a guarita dos princípios norteadores do Juizado Especial prejudicar o contraditório e a ampla defesa da parte adversa, pois o não adimplir de forma satisfatória a emenda e especificar as ligações, as quais são de forma genérica à requerida inviabilizar o prosseguimento da demanda. 7. Quanto a condenação em custas arbitradas em 10% do valor da causa e multa de meio salário mínimo nos termos do art. 81, § 2º, do CPC, importante destacar que o autor/recorrente é um litigante habitual no juizado especial. Em pesquisa a sistema do Tribunal verifica-se mais de 25 (vinte e cinco) demandas no juizado especial somente no ano de 2021. Nota-se que, conforme já assinalado na sentença, o autor ajuizou diversas ações idênticas, as quais foram extintas por motivos semelhantes ao caso em tela e outras obteve sucesso. 8. Assim, formulação de acusações genéricas contra o réu, na tentativa de se aferir êxito na demanda e repetir a mesma conduta contra outros réus em demandas semelhantes, inclusive quanto aos pedidos resulta em demanda predatória. Portanto, escorreita a sentença em sua integralidade. . 9. RECURSO CONHECIDO e NÃO PROVIDO. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais. Deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 10. A súmula servirá de acórdão, consoante disposto no artigo 46 da Lei 9.099/95. (TJ-DF 07284851720218070016 DF 0728485-17.2021.8.07.0016, Relator: FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/10/2021, Primeira Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 11/11/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) Assim, a extinção do feito, sem resolução do mérito, é a medida que se impõe. Ante o exposto, com fulcro no art. 485, VI, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito. Custas suspensas em virtude da justiça gratuita, que ora vai concedida. Após o trânsito em julgado, não havendo requerimentos, certifique-se e arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Vigia de Nazaré, na data registrada pelo sistema. VICTOR BARRETO RAMPAL Juiz de Direito
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Tribunal: TJSP | Data: 17/06/2025Tipo: IntimaçãoProcesso 1000431-53.2025.8.26.0224 - Procedimento do Juizado Especial Cível - Obrigações - Noeme Batista Dea - Latam Airlines Group S/A - HOMOLOGO por sentença, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, o acordo comunicado às fls. 192, e em consequência, RESOLVO O MÉRITO do processo, nos termos do art. 487, inciso III, alínea b, do CPC. Isenção de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, nesta fase, nos termos do art. 54 da Lei 9099/95. Aguarde-se eventual manifestação da parte autora por 30 (trinta) dias, após o vencimento do prazo para cumprimento da obrigação. Com o trânsito em julgado, decorrido o prazo acima e nada sendo requerido, observadas as formalidades legais, arquivem-se os autos. P.I.C.. - ADV: FERNANDO ROSENTHAL (OAB 146730/SP), LEONARDO DIAS PEDROSA SOBRINHO (OAB 23311/PI)