Luis Inacio Lucena Adams

Luis Inacio Lucena Adams

Número da OAB: OAB/DF 029512

📋 Resumo Completo

Dr(a). Luis Inacio Lucena Adams possui 25 comunicações processuais, em 17 processos únicos, com 4 comunicações nos últimos 7 dias, processos entre 2016 e 2025, atuando em STJ, TJRJ, TRF1 e outros 2 tribunais e especializado principalmente em AGRAVO DE INSTRUMENTO.

Processos Únicos: 17
Total de Intimações: 25
Tribunais: STJ, TJRJ, TRF1, TRF4, TJSP
Nome: LUIS INACIO LUCENA ADAMS

📅 Atividade Recente

4
Últimos 7 dias
16
Últimos 30 dias
25
Últimos 90 dias
25
Último ano

⚖️ Classes Processuais

AGRAVO DE INSTRUMENTO (16) RECLAMAçãO (3) IMPUGNAçãO DE CRéDITO (1) AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL (1) PROCEDIMENTO COMUM CíVEL (1)
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Processos do Advogado

Mostrando 10 de 25 intimações encontradas para este advogado.

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  2. Tribunal: TRF1 | Data: 26/06/2025
    Tipo: Intimação
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1043035-22.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL POLO PASSIVO:INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, LUIZ GUSTAVO ESCORCIO BEZERRA - RJ127346-A, LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133 e GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882 RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1043035-22.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Transcrevo o relatório da decisão agravada: "1. Em ID 1767795565 - Petição intercorrente , O Ministério Público Federal reitera pedido anterior formulado de suspensão de licenciamento do empreendimento, alegando e pleiteando que: i) Que, em consonância com recomendação da FUNAI seja suspenso todo e qualquer ato administrativo, licenciamento e, consequentemente, a respectiva consulta da Convenção 169 da OIT em relação a tais atos no âmbito do Projeto Potássio Autazes, que sejam sobrepostos ao território indígena Soares / Urucurituba, bem como que impactem potencialmente outros territórios indígenas e tradicionais, enquanto não finalizados os estudos e publicado o RCID referente ao território indígena Soares / Urucurituba (momento no qual haverá maior clareza sobre os locais de sobreposição e proibição de mineração, já que os elementos atuais demonstram sobreposição direta da pretensão de exploração com o território indígena); Tal suspensão, além do motivo territorial claro, da proibição constitucional, também se faz urgente considerando que as incertezas e pressões em relação ao empreendimento tem aumentado a insegurança, pressões e ameaças às lideranças Mura, cenário este que pode ser mitigado a partir da posição clara do Poder Judiciário sobre o tema. ii) Mesmo após tal suspensão judicial , em caso de eventual possibilidade de continuidade da consulta e do licenciamento do empreendimento sobre áreas não indígenas, que qualquer ato administrativo, licenciamento ou medida afim sobre o Projeto Potássio Autazes que impacte potencialmente território indígena ou tradicional seja licenciado pelo IBAMA e não pelo órgão estadual (IPAAM), conforme expressa disposição constitucional. 2. Em petição de ID 1761459580 - Petição intercorrente (Petição valores depositados completa), a empresa requerida reitera levantamento de valores. Defiro o pleito, devendo a secretaria adotar as providências. 3. Em ID 1737496073 - Manifestação (manifestação consulta), as organizações de direito privado CONSELHO INDÍGENA MURA – CIM, e ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA – OLIMCV, apresentam novo advogado, pleiteiam adiamento da inspeção judicial pautada anteriormente. 4. Passo a deliberar abaixo". O Juízo a quo decidiu nos seguintes termos: "15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente". Por meio do presente agravo de instrumento, a União impugna a referida decisão. Inicia o recurso aduzindo que a controvérsia central do processo diz respeito à validade da licença prévia concedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (IPAAM) para o empreendimento minerário, sem que houvesse, à época, a devida consulta às comunidades indígenas afetadas. Diversas instituições figuram como partes interessadas, incluindo a FUNAI, o IBAMA, a ANM e organizações indígenas locais, além de o próprio Estado do Amazonas e o Instituto Pacto Amazônico. Assevera que, durante o curso processual, a questão da competência para o licenciamento ambiental gerou embates. O juízo de primeira instância, com base em decisões anteriores e fundamentações constitucionais e internacionais, reafirmou que, em casos de grandes empreendimentos que afetem povos indígenas (inclusive aqueles em fase de demarcação), a competência para o licenciamento é do IBAMA. Diz também que a decisão também sustentou que qualquer licenciamento nessas condições dependeria de autorização prévia do Congresso Nacional, como previsto no art. 231 da Constituição. A União, por sua vez, entende que a decisão judicial agravada violou dispositivos legais, em especial o art. 505 do Código de Processo Civil, ao reiterar e reforçar fundamentos já decididos anteriormente, criando, na visão do ente federativo, obstáculos ilegítimos ao prosseguimento do licenciamento ambiental. E sustenta que o juízo de origem adentrou em matéria de mérito de forma antecipada, interferindo indevidamente na atuação dos órgãos administrativos competentes, sem respaldo legal para tanto. Outro ponto de crítica refere-se à interpretação do juízo de que a simples constituição de Grupo Técnico pela FUNAI para estudo de demarcação da Aldeia Soares e Urucurituba já implicaria o reconhecimento daquela área como Terra Indígena, atraindo, automaticamente, o regime jurídico correspondente. Para a União, esse entendimento extrapola o devido processo legal, uma vez que a demarcação formal ainda não foi concluída. Além disso, a União destaca a existência de decisões anteriores proferidas pela Presidência do TRF1, nos autos de Suspensões de Liminar, que afastam a necessidade de autorização judicial para que os órgãos administrativos competentes possam prosseguir com o licenciamento ambiental, desde que respeitados os direitos das comunidades afetadas. Diante de todos esses fundamentos, a União requer a cassação da decisão agravada, buscando garantir segurança jurídica ao processo e o prosseguimento regular do licenciamento ambiental, em observância à legislação vigente e à competência dos órgãos técnicos. A OLIMCV e a Comunidade Indígena do Largo do Soares (ID 423015011), o MPF e (ID 414820634) e o IPAAM (ID 380746140) apresentaram contrarrazões. O Ministério Público Federal peticionou opinou pelo desprovimento do agravo de instrumento (ID 423663082). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. A peça, subscrita por Advogado Geral da União, poderes ex lege, foi protocolada no prazo legal. Preparo dispensado. II. A decisão agravada, datada de 25.8.2023, no que interessa (id. 1769860076): III. Este agravo foi protocolado pela União e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1039810-91.2023.4.01.0000, protocolado pela Potássio do Brasil Ltda. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1037175-40.2023.4.01.0000, protocolado pelo Conselho Indígena Mura. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". III.a. A Relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira III.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Liderenças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios " III.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. A Abrangência do Dever de Consulta, a Inexistência do Poder de Veto e o Momento Adequado Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciálo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequencia lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. O Processo de Consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presesente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plentamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF , na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aciete no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): Além disso, é importante destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judical constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Não houve juntada de documento de aprovação ou de rejeição do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso porque, pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Adicionalmente, é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha". Por fim, é importante ter em mente que tanto os povos originários representados pela OLIMCV e pela Organização dos Mura do Lago do Soares tiveram amplo tempo e conhecimento do Projeto Autazes e podem ainda se pronunciar formalmente nos autos de origem sobre o que pensam a respeito do assunto. A circunstância de que houve uma ruptura do formato conjunto de todas as organizações de deliberação do Protocolo de Consulta em nada impede que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares emitam qualquer opinião sobre o Projeto nesses autos judiciais, tampouco que apresentem essa manifestação de vontade a qualquer órgão estatal. Há, ao meu sentir, um deslocamento do debate, como se a circunstância de a alteração do Protocolo represente a inviabilização de que essa emissão de vontade não possa mais ocorrer, o que não faz qualquer sentido. Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão. III.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Também importante destacar que, quanto ao último ponto supracitado, este Tribunal já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) IV. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que há omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena , mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A duas, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos: A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Cabe lembrar o art. 20 da Lei nº 6.001/1973: Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio. Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. V. Conclusão Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) válidos a consulta e o consentimento emanado pelo CIM, como representativo do Povo Mura de Autazes e, em consequência, o requisito da Convenção 169 da OIT; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciar o empreendimento e a validade de todos os atos até agora praticados; (iii) afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e autorizar o prosseguimento do projeto; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588 [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1043035-22.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição dos agravos de instrumento em apreço. De início, registro que o presente voto-vista abarca as discussões trazidas nos agravos de instrumento nº 1042776-27.2023.4.01.000 (interposto pelo Ibama), 1043035-22.2023.4.01.0000 (manejado pela União) e 1039810-91.2023.4.01.0000 (interposto por Potássio do Brasil Ltda.), todos voltados à suspensão dos efeitos da mesma decisão proferida pelo juízo agravado em 25/08/2023. No agravo de instrumento 1042776-27.2023.4.01.000 o Ibama alega, em resumo, não possuir competência para analisar o processo de licenciamento ambiental vinculado ao empreendimento em discussão nos autos principais, aduzindo ainda que “tanto a causa de pedir como o pedido possuem objetos claros e específicos, quais sejam, atacar licenças emitidas no licenciamento ambiental que estariam inquinadas de nulidade pela falta de oitiva livre, prévia e informada das comunidades indígenas afetadas, com consectária condenação em indenização por danos morais coletivos”, de modo que a decisão agravada teria se excedido ao inovar na lide com o reconhecimento de sua competência para o licenciamento. No agravo nº 1043035-22.2023.4.01.0000, a União questiona inicialmente a prolação de uma decisão em caráter reiterativo de comando anterior, por constituir violação ao art. 505, do CPC. Afirma também que a decisão agravada “aduziu novos argumentos impeditivos/condicionantes do licenciamento debatido”, concluindo que esse comando “prejudicou a devida compreensão dos integrantes da relação processual” acerca das medidas a serem realizadas pela Administração. Segue dizendo que a decisão agravada “aparentemente estaria proibindo a concessão de título minerário ou estabelecendo que o juízo não irá permitir mineração na aldeia Soares sem autorização do Congresso Nacional” e que, ao assim estabelecer, desconsiderou a decisão proferida nos autos da SLS nº 1038484-33.2022.4.01.0000, nos quais foi suspensa a decisão “que havia vedado a emissão de qualquer licença sem autorização judicial”. Por fim, no agravo de instrumento nº 1039810-91.2023.4.01.0000 a empresa Potássio do Brasil Ltda. sustenta não haver competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento discutido, por estar situado fora de área indígena, pertencendo ao IPAAM essa atribuição para o licenciamento do Projeto Potássio Autazes. Discorda também da compreensão de que haveria necessidade de autorização do Congresso Nacional para a implementação do empreendimento, pela mesma razão de não estar inserido em terras indígenas. A empresa recorrente também defende a legitimidade da consulta prévia realizada ao Povo Mura, para tanto ressaltando a realização de assembléia nos dias 21 e 22/09/2023, da qual teriam participado 34 das 36 aldeias de Autazes, “havendo APROVAÇÃO do Projeto Potássio Autazes pelos indígenas”. Esclarecidas as controvérsias devolvidas a esta Corte, anoto inicialmente que no julgamento do AI 1037175-40.2023.4.01.0000 esta Turma decidiu pela ausência de perda de seu objeto como consequência da prolação de comando posterior tratando de alguns dos temas decididos na decisão agravada (a mesma a que se referem os recursos em exame). Por essa razão, deixo de mais uma vez me manifestar sobre a perda do objeto também das insurgências ora analisadas. Quanto ao mais, tomo como essencial, à partida, a fixação dos pontos que são incontroversos nos autos principais a que os agravos em apreço se vinculam, isso porque o reconhecimento desse contexto (de concordância quanto a determinadas questões) reforça a formação de meu convencimento. Em primeiro lugar, é fato incontroverso que a eventual implementação do Projeto Potássio Autazes repercutirá em terras indígenas ocupadas pelo Povo Mura, tanto assim que, com o objetivo de se assegurar a regularidade do mencionado empreendimento, foi levado a efeito procedimento de consulta prévia – que também tem sua validade discutida – aos indígenas que seriam afetados. Observe-se, nesse sentido, que o próprio Relator reconhece a existência da repercussão sobre as comunidades indígenas (ainda que questione a caracterização como tal de parte das que assim consideradas pelo juízo a quo), vindo a concluir pela desnecessidade de autorização do Congresso Nacional e da atuação licenciadora do Ibama sob a premissa de que as atividades a serem desenvolvidas não ocorrerão no interior de terras indígenas, considerando assim tratar-se de repercussão que apenas indiretamente sobre elas recairia. É ainda incontroverso que o empreendimento em discussão tem o potencial de afetar diversas aldeias do Povo Mura, consoante implicitamente reconhecido pela própria agravante Potássio do Brasil ao defender, em sua insurgência, a validade da consulta prévia realizada, fazendo-o sob o fundamento de que a assembleia realizada no âmbito da mencionada consulta prévia teria contado com a participação de 34 das 36 aldeias do Povo Mura. O que se tem, portanto, é que não há necessidade de revolvimento fático-probatório para a constatação de que o empreendimento em debate, caso implementado, produzirá efeitos em terras indígenas e que essa repercussão não será confinada a uma ou outra aldeia, senão a várias delas. Diante desses fatos, repita-se, incontroversos, tenho como evidente a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a autorização da exploração minerária debatida na ação principal. Nesse sentido, a questão central para a análise desse ponto reside na definição do critério hermenêutico mais adequado para as disposições presentes no art. 231, § 3º, da Constituição Federal[1], tendo o Exmo. Relator entendido pela interpretação literal do referido dispositivo, para assim decidir no sentido de que apenas as atividades ali descritas que desenvolvidas no interior de terras indígenas é que desafiaram a autorização legislativa nele prevista. Com a devida vênia, entendo não ser essa a interpretação mais adequada, e assim concluo devidamente respaldada pelas emblemáticas manifestações do STF no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 e no RE 1379751, no sentido de que, em situações como a que nos agravos em apreço verificadas, a posição pela desnecessidade da mencionada autorização legislativa viola o art. 231, caput, e § 3º, da Constituição Federal. Na mesma linha, e também lastreada na ratio decidendi presente nas decisões em comento, bem assim no art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, entendo ser do Ibama a competência para o licenciamento ambiental, sendo tal atribuição ainda realçada pelas claras disposições contidas na Portaria Interministerial nº 60/2015, norma que o Ibama, com sua estranha recusa em assumir o múnus que lhe pertence, implicitamente se recusa dar cumprimento. Passo a explicitar as razões que justificam as conclusões acima adiantadas. Do Tema de Repercussão Geral nº 1.031 (RE1017365) e do do RE 1379751 (Ag. Reg. nos terceiros Embargos de Declaração) No paradigmático julgamento da questão relativa ao marco temporal para a demarcação das terras indígenas, o pleno do STF consignou o caráter declaratório do processo respectivo, nos termos do voto proferido pelo Ministro Edson Fachin, em relação ao qual, quanto ao mérito, houve apenas uma divergência (Min. Kássio Nunes Marques)[1]. Nesse sentido, a pedra de toque para a construção das teses fixadas no referido julgamento foi expressamente anunciada no cabeçalho da respectiva ementa, consistindo na definição das “POSSIBILIDADES HERMENÊUTICAS DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA”. Já no corpo da ementa assentou-se que (destaquei): “4. Ao reconhecer aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos povos indígenas direitos fundamentais, com as consequentes garantias inerentes à sua proteção, quais sejam, consistir em cláusulas pétreas, anteparo em face de maiorias eventuais, interpretação extensiva e vedação ao retrocesso.” Tratando do tema em seu voto vencedor, o Ministro Edson Fachin expressamente consignou (destaquei): “Finalmente, em consonância com o entendimento acima manifestado, entendo que, por se tratar de direito fundamental, a interpretação adequada à aplicação do artigo 231 deve levar em consideração o princípio da máxima eficácia das normas constitucionais, pois se nos termos do artigo 5º, §2º do texto constitucional, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, faz-se necessário manter coerência com uma hermenêutica que cumpra os objetivos da Constituição.” Também acerca do critério mais adequado de interpretação do art. 231 da Constituição, o Ministro Luiz Fux traz como suporte de seu posicionamento – concorde com o voto do Relator – os ensinamentos de Pontes de Miranda, indicativos de que a interpretação finalística do art. 231 da CF/88 confirma linha hermenêutica que já era observada desde a Constituição de 1946. A Ministra Rosa Weber igualmente reconheceu a prevalência do critério finalístico ou prático na interpretação do art. 231, § 1º, da CF/88: “Ao delimitar dessa forma o conjunto das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, o art. 231, § 1º, da Lei Maior adota critério que pode ser considerado finalístico ou prático...” (...) “Os direitos dos povos indígenas às terras por eles tradicionalmente ocupadas traduzem, sobretudo, direitos fundamentais. Não é demais lembrar, portanto, que, diante de norma constitucional assim qualificada, exorta a doutrina se evite “método interpretativo que reduza ou debilite, sem justo motivo, a máxima eficácia possível dos direitos fundamentais.” Observa Jorge Miranda que “a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de capacidade de regulamentação...”. É certo que o Tema 1.031 de Repercussão Geral trata de questão disciplinada por dispositivo distinto do que ora analisado. Todavia, o reconhecimento da coerência sistêmica presente no texto constitucional revela o despropósito na adoção de critérios hermenêuticos distintos para dispositivos presentes no mesmo artigo (231) da Constituição, em um contexto no qual ambos veiculam normas de conteúdo protetivo em favor de seus beneficiários. A também repelir qualquer possibilidade de utilização de critérios díspares na interpretação do art. 231 e seus incisos, o próprio STF deliberou de forma expressa acerca da necessidade de interpretação finalística do § 3º desse dispositivo. Tal manifestação, com efeito, teve lugar no julgamento do RE 1379751, que tem como pano de fundo o exame da constitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, mediante o qual o Congresso Nacional autorizou o aproveitamento dos recursos hídricos de terras indígenas que seriam afetadas pela Usina de Belo Monte. Na oportunidade, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o acerto do acórdão proferido por este TRF1 acerca da inconstitucionalidade do mencionado ato normativo, porquanto editado antes da imprescindível consulta (prévia) aos povos indígenas interessados. Registre-se, por importante, que a Corte Suprema veio concluir pela inviabilidade da anulação do licenciamento ambiental irregularmente concedido – diante da ausência de consulta prévia oportunamente instaurada – unicamente por conta do cenário fático divisado à época do julgamento da causa, no qual a Usina de Belo Monte já se encontrava em pleno funcionamento. Assim – é importante que seja esclarecido –, o STF deixou de anular Decreto Legislativo 788/2005 e o licenciamento ambiental na hipótese então examinada tão somente em razão da consolidação fática verificada, é dizer, apenas porque os prejuízos advindos da suspensão das atividades já iniciadas da Usina de Belo Monte traria prejuízos maiores do que os ganhos que seriam proporcionados. Feito este registro, passo aos termos do julgado proferido pelo STF, de logo pontuando a irrelevância atribuída pelo Tribunal Constitucional ao fato de a Usina de Belo Monte não ter sido construída dentro de terras indígenas, para fins de reconhecimento da obrigatoriedade de aplicação do art. 231, § 3º, da Constituição Federal. Lapidar e esclarecedora, nesse sentido, a seguinte passagem da decisão do Ministro Alexandre de Moraes que veio a ser confirmada à unanimidade pela Primeira Turma (destaquei): “Destaco, ainda, que não se sustenta o argumento do IBAMA, igualmente sustentado pela UNIÃO, de que o empreendimento não se localiza em terras indígenas, pois, conforme muito bem destacado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mostra-se inegável que, embora o empreendimento em si não esteja totalmente localizado em áreas indígenas, os seus impactos os quais abrangem área muito superior à do próprio empreendimento indiscutivelmente abrangeram terras indígenas.” E de forma ainda mais enfática o Relator prosseguiu (destaquei): “Além disso, uma interpretação sistemática e finalística do art. 231, § 3º, da Constituição Federal não impõe como requisito que o empreendimento propriamente dito esteja situado em terras indígenas, mas apenas que estas terras venham a ser efetivamente por ele afetadas. Do contrário, caso o referido dispositivo constitucional seja interpretado de forma literal e restritiva, como proposto pelos recorrentes, admitir-se-ia o absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” Como bem se vê, a decisão monocrática reiterada no voto condutor do julgamento do agravo interno tomou como absurda, nas palavras do Relator, qualquer interpretação que constringisse o sentido finalístico da norma constitucional examinada. Na mesma oportunidade, o Ministro Alexandre de Moraes também perfilhou expressamente o substancioso parecer do MPF, este que pode ser condensado nas seguintes passagens (destaquei): "Nenhuma norma jurídica existe isoladamente por si mesma. Ela deve ser entendida como elemento parcial de uma ordem jurídica geral", nota Rüthers. Cuida-se então de pesquisar o sentido dos diversos níveis contextuais onde inserido o art. 231. [...] Daí o sentido imputado aos réus ao art. 231, § 3º, não se ajustar ao restante da Constituição. Na verdade, agride os objetivos fundamentais da República. A necessidade de se colher a autorização protetiva do Congresso Nacional apenas para obras no interior de terras indígenas exporia um grupo social definido por sua raça a ter revogada sua concepção milenar de bem comum por decisão executiva. Para tanto, basta que efeitos igualmente devastadores das terras indígenas sejam provocados por causa contígua às reservas. [...]” E em mais uma oportunidade o posicionamento firmado na decisão chancelada pelo órgão fracionário do STF foi registrado nos seguintes termos: “Não há dúvida de que o Congresso Nacional, ao editar o famigerado Decreto Legislativo 788/2005, assim o fez com um insanável vício material desse decreto, porque não havia elementos de consulta para poder editar a autorização. E a Constituição Federal, no seu art. 231, § 3º, quando determina a competência do Congresso Nacional para autorizar qualquer empreendimento em terras indígenas, só poderá fazê-lo ouvidas as comunidades afetadas, antes, a fim de que lhe seja assegurada, inclusive, a participação nos lucros do empreendimento. Ora, a interpretação aqui tem que ser sistêmica e não meramente literal, como fizera o douto voto condutor do acórdão embargado. E, para que o Congresso Nacional possa se desincumbir da sua missão constitucional autorizativa desse empreendimento, através do pré-falado Decreto Legislativo, teria necessariamente que se realizar antes o estudo prévio de impacto ambiental com o seu relatório conclusivo, nos termos da Resolução 1-CONAMA, de 23/1/86, que assim determina em seu art. 6º: (destaquei) É de clareza solar, portanto, o posicionamento do STF no sentido de ser incompatível com o ordenamento constitucional sistemicamente valorado aquilo que se mostraria como uma interpretação mutilada do § 3º do art. 231 da Constituição Federal. Diante do exposto, o reconhecimento sobre a inexistência de controvérsia quanto à afetação de terras indígenas pelo empreendimento na espécie debatido reforça a necessidade de aplicação da ratio decidendi fixada pelo STF nos precedentes invocados, ante a evidente constatação de que esse tribunal superior valorou, como não poderia deixar de ser, o conteúdo finalístico do art. 231, § 3º, da Constituição Federal. A propósito, embora não tenha havido menção expressa no julgamento do RE 1379751, a linha hermenêutica nele sufragada também encontra respaldo no princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, segundo o qual a interpretação constitucional, nomeadamente no que se refere às normas protetivas de direitos, não deve ser reduzida pela literalidade do texto analisado, sendo imperiosa a valoração de seu contexto, finalidade e dos valores nela implícitos. Cuida-se, com efeito, de axioma pacífico, o de que a norma constitucional deve ser interpretada com o sentido que lhe confira maior eficácia. De igual modo, as normas de caráter protetivo devem atender aos fins sociais a que se destinam, daí porque hão de ser interpretadas e aplicadas com base nessa exata perspectiva. Trata-se, a propósito, de premissa que substancia os princípios in dubio pro reo, in dubio pro misero, in dubio pro natura e in dubio pro persona, este último com sua relevância no contexto da proteção conferida pelo Direito Internacional aos Direitos Humanos. Na espécie, cuidando-se de interpretação relativa a normas protetivas dos povos indígenas, teria lugar o que poderia ser concebido como um princípio in dubio pro indigna (aplicável, ressalve-se, como critério hermenêutico de normas dessa específica natureza protetiva). Além do julgamento do RE 1379751, é oportuno registrar a decisão proferida pelo Ministro Flávio Dino em 11/03/2025 em sede de medida cautelar no Mandado de Injunção nº 7490, no qual se discute a existência de omissão legislativa na regulamentação dos arts. 176, §1º, e 231, §§ 3º e 6º, da Constituição Federal. Na referida decisão, a interpretação finalística das disposições presentes no art. 231 da Constituição Federal foi mais uma vez a mola propulsora da conclusão externada, senão, vejamos (destaques em negrito acrescidos): “45. Acerca da participação nos resultados (art. 231, §3º), em que pese a literalidade do texto constitucional restringir-se à participação dos resultados da lavra, a interpretação que mais se coaduna com a proteção integral dos direitos e garantia da dignidade aos povos indígenas é a que também assegura o direito à participação nos resultados do aproveitamento dos recursos hídricos e dos potenciais energéticos, inclusive à vista do caráter amplo do art. 176, § 1º, CF. (...) 51. À vista das normas jurídicas citadas - Constituição Federal e legislação internacional - e de tudo o quanto já foi decidido pelo STF no RE 1379751, não restam dúvidas de que os povos indígenas são titulares do direito à participação nos resultados da exploração de recursos hídricos e da lavra de minerais que ocorram ou repercutam diretamente em suas terras.” Ainda para demonstrar a pertinência da aplicação das premissas fixadas pelo STF no RE 1379751 – apesar de a esta altura já se mostrar tautológica essa argumentação –, cabe trazer à baila o contexto no qual veio a ser editado o Decreto Legislativo nº 788/2005, ato que em sua essência foi considerado nulo pelo STF, mas que foi juridicamente preservado apenas em razão dos graves prejuízos que, àquela altura, resultariam de sua anulação. Nesse sentido, diante da evidente repercussão que as atividades da Usina de Belo Monte provocaria em terras indígenas, conquanto o empreendimento não tivesse sido construído em seu interior, este Tribunal Regional Federal negou provimento a agravo de instrumento interposto pela União contra decisão pela qual havia sido sustada a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para implantação, no Rio Xingu, da referida usina hidrelétrica. No julgamento do mencionado agravo (Nº 2001.01.00.030607-5/PA), esta Sexta Turma a um só tempo consignou a necessidade de avaliação, a cargo do Ibama, sobre o impacto ambiental potencialmente resultante do empreendimento, bem assim a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a sua implementação, e isso não pelo fato de que ele estaria sediado dentro de terras indígenas, mas pela suficiente razão de que nelas repercutiria. Confira-se, a propósito, a seguinte passagem do voto condutor do julgado então Juiz Federal e agora Desembargador Alexandre Vasconcelos: “ Impende ressaltar, outrossim, ter o autor-agravado informado a existência de várias áreas de terras indígenas na região atravessada pelo Rio Xingu, impondo-se a conclusão preliminar de que a construção da usina hidrelétrica influirá no volume de água do rio, afetando as aludidas reservas. Desse modo, em face da qualidade do bem afetado e da dimensão do impacto ambiental, bem assim ante a possibilidade de o empreendimento atingir reservas indígenas, conclui-se ser imprescindível a intervenção do IBAMA — órgão executor que integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) —, em todas as etapas, inclusive naquelas que antecedem o empreendimento. In casu, portanto, a atuação da autarquia federal não haverá de ser supletiva.” Note-se, portanto, que esta Turma considerou como causa suficiente para a avaliação do DL 788/2005 e da necessidade de atuação do Ibama na hipótese então em apreço o fato de que o empreendimento “afetaria” e “atingiria” terras indígenas. Inconformada com o referido julgado, a União e a Eletronorte apresentaram, sem êxito, a Pet 2604, cuja pretensão de suspensão dos efeitos do acórdão deste Regional veio a ser indeferida pelo então Ministro Marco Aurélio, o que foi feito inclusive com valoração – e rejeição – dos argumentos de que a Usina não afetaria diretamente terras indígenas. De modo que em momento posterior à prolação das mencionadas decisões judiciais o Congresso Nacional veio a editar o controverso Decreto Legislativo nº 788/2005, este que possui a seguinte dicção (destaquei): Art. 1º É autorizado o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu, denominado "Volta Grande do Xingu", localizado no Estado do Pará, a ser desenvolvido após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessários. Art. 2º Os estudos referidos no art. 1º deste Decreto Legislativo deverão abranger, dentre outros, os seguintes: (...) IV - estudo de natureza antropológica, atinente às comunidades indígenas localizadas na área sob influência do empreendimento, devendo, nos termos do § 3º do art. 231 da Constituição Federal, ser ouvidas as comunidades afetadas. Pois bem, ainda que abstratamente invalidado pelo STF em razão de ter autorizado os procedimentos inerentes ao aproveitamento hídrico de Belo Monte antes da realização de consulta prévia às comunidades afetadas, o mencionado ato legislativo traz em seu conteúdo a expressa consignação de que a autorização nele concedida teve como premissa a repercussão causada nas comunidades indígenas localizadas “na área sob influência” do empreendimento, adotando, portanto, o mesmo critério finalístico do art. 231, §3º, da Constituição Federal. Assim, por qualquer ângulo que se examine a questão, a única interpretação que se mostra compatível com a finalidade presente nas disposições do dispositivo apontado é a de que a autorização do Congresso Nacional será imprescindível sempre que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais causar impacto relevante em terras indígenas, sendo a toda prova desnecessária a demonstração de que as atividades em questão sejam desenvolvidas no interior destas. No caso concreto, como inclusive registrado no voto do Exmo. Relator, não há dúvidas quanto à envergadura (e a relevância) do Projeto Potássio Autazes, sendo igualmente incontroverso o fato de que ele repercutirá em diversas aldeias indígenas, daí porque, em respeito ao que foi estatuído pelo STF no julgamento definitivo do RE 1379751, na decisão proferida na Pet. 2604, bem assim no precedente acima mencionado desta mesma Sexta Turma, a decisão agravada deve ser mantida no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional. Além do julgado desta Turma acima referido, este tribunal também se pronunciou em outras oportunidades sobre a questão ora examinada. Exemplificadamente, no julgamento da apelação 1999.01.00.068811-3/MT, a Quinta Turma desta Corte considerou necessária a autorização Congresso Nacional também para a realização de estudos ou implementação da Hidrovia Paraguai-Paraná na forma prevista no art. 231, § 3º da Constituição Federal. Na ocasião, a então relatora, Desembargadora Selene Maria de Almeida, bem observou: “A Constituição Federal prevê, em seu art. 231, § 3º, o seguinte: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.” (...) Deveras, para que se apreenda o significado de uma norma é preciso buscar sua finalidade, a ratio legis. A interpretação teleológica do artigo em comento (e de todo o Capítulo em que se insere) consiste em indagar-se qual a intenção objetivada pelo dispositivo. Qual é o bem ou interesse jurídico que se pretende proteger? A resposta, sem dúvida, é a proteção das comunidades indígenas contra modificações predatórias no meio em que vivem. E sua excelência prosseguiu: “A União, por sua vez, não logrou desconstituir tais afirmações sobre os fatos mencionados no parecer técnico do IPHAN. Limitou-se a minimizar os efeitos dos estudos e a afirmar que o Rio Paraguai “apenas margeia a área indígena”, como se isso não viesse a afetar as populações indígenas de modo a fazer necessária a autorização do Congresso Nacional (fl. 654). As observações do parecer técnico acima mencionadas são extremamente preocupante.” E mais uma vez tratando da questão, a Quinta Turma desta Corte externou o seguinte posicionamento: “Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental” (AG 0018341-89.2012.4.01.0000, Desembargador Federal Souza Prudente, TRF1 - Quinta Turma, e-DJF1 10/08/2012). E no mesmo julgado foi ainda abordada a questão referente à competência para o licenciamento ambiental – a ser melhor tratada no tópico seguinte –, no sentido de que, tal qual em relação à Usina de Belo Monte, “idêntica consideração se deve fazer em relação ao Projeto Volta Grande de Mineração, a meio caminho, por assim dizer, da Usina Belo Monte e das terras indígenas, de modo que a mesma entidade licenciadora da usina (IBAMA) deve ser também a do empreendimento de mineração, como decorrência, por sua relação ambiental com as terras indígenas”. “O licenciamento deve estar a cargo da autarquia federal, que, ainda que por decisão judicial, licenciou a UHE Belo Monte, e, portanto, pode adequadamente avaliar as interações entre os empreendimentos e suas repercussões nas comunidades indígenas vizinhas, afetadas pelo primeiro empreendimento e cuja situação pode agravar-se pelo projeto de mineração.” (AC 0001813-37.2014.4.01.3903, Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, TRF1 - Sexta Turma, PJe 11/09/2023) O que se observa, portanto, é que, ressalvados os pontos de vista divergentes também encontrados em outros julgados, este Tribunal possui longevo posicionamento que se mostra convergente com a necessidade de observância do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, daí porque, data vênia, a fixação de linha decisória distinta substanciará o que se pode denominar como um injustificável retrocesso jurisprudencial. Da competência do Ibama para o licenciamento ambiental No que se refere à competência para o licenciamento ambiental, do mesmo modo que já esclarecido em relação à necessidade de autorização do Congresso Nacional, a análise da questão deve ser feita com base no aspecto finalístico das normas que tratam do tema, também sendo reclamada, nessa situação, a aplicação do princípio hermenêutico da máxima efetividade, este que obviamente deve ser aplicado não somente às normas presentes no corpo da Constituição, como também às de hierarquia inferior que tenham sido editadas com a finalidade de realização de direitos e garantias naquela previstos. Por outro lado, a interpretação das normas jurídicas deve ser feita de modo a assegurar a coerência do sistema no qual estão inseridas, não se mostrando possível, portanto, a atribuição de sentidos e alcances teleologicamente conflitantes para dispositivos inseridos dentro de um mesmo conjunto normativo. Não há razão, portanto, para que se entenda pela necessidade de consulta prévia quando se tratar de empreendimentos realizados no entorno de terras indígenas, com o potencial de afetá-las e, ao mesmo tempo, rechaçar-se a competência do Ibama para o licenciamento do empreendimento. Aplica-se ao ponto em exame, com efeito, o mesmo sentido da manifestação do Ministro Alexandre de Moraes quando referiu-se ao “absurdo de considerar constitucional a realização de empreendimento que, por não estar incluído em terras propriamente indígenas, venha a torná-las inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudicar drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam na região.” De modo que a definição sobre a competência do Ibama para o licenciamento em terras indígenas deve ser pautada por seu conteúdo finalístico e não por sua literalidade semântica. Pensar diferente significaria, por exemplo, afastar a competência da autarquia federal para o licenciamento de um empreendimento de impacto situado a apenas 1 metro de distância de uma determinada terra indígena, ainda que sobre ela causasse relevante repercussão. Em sentido concorde com essa compreensão, no julgamento do RESP 1.390.476 o STJ manteve hígido acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região no qual a Corte Regional decidiu pela competência do Ibama para o licenciamento ambiental de empreendimentos realizados em áreas contíguas a terras indígenas. A Corte da Legalidade assim resumiu seu entendimento: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. (...) II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de “(...)" que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) Observe-se, por importante, que embora o STJ tenha invocado sua Súmula 07 como fator elemento impeditivo da admissibilidade do Recurso especial em comento, o fez à premissa da inviabilidade do revolvimento fático que envolve a controvérsia para se saber se os aspectos dessa natureza (fáticos) encontravam amparo na prova produzida. Assim, a premissa jurídica contida na decisão do TRF da 4ª Região – qual seja, a de que a competência para o licenciamento deve ser do IBAMA quando se tratar de empreendimento realizado em áreas contíguas a terra indígena que, por essa razão, será por ele afetado, – não é alcançada pela Súmula 07 do STJ. É dizer, caso dessa premissa jurídica discordasse, o STJ poderia, se assim entendesse correto, conhecer e dar provimento ao recurso especial em referência, fundando-se na conclusão de que empreendimentos realizados fora de terra indígena, ainda que nela repercutam, devem ser licenciados pelo órgão ambiental estadual. Trata-se, com efeito, de precedente que lastreou a prolação de diversas decisões monocráticas em casos semelhantes, à exemplo das que exaradas no RESp 2180955, Min. Ministro Francisco Falcão (04/04/2025), no AREsp 2059895, Min. Paulo Sérgio Domingues (04/11/2024) e no AREsp 2510802, Min. Sérgio Kukina (03/09/2024 - nesse último caso, a propósito, foi o IBAMA quem interpôs o recurso especial, sustentando sua incompetência para o licenciamento, o que foi rejeitado pelo tribunal de origem e pelo relator), entre outras. Por outro lado, o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011 dispõe ser da União a atribuição para o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, localizados ou desenvolvidos em terras indígenas. Ora, apesar da referência genérica à União, é intuitivo que o referido ditame em verdade dispõe sobre a competência de sua entidade descentralizada vocacionada para essa finalidade, qual seja o Ibama, entidade que é executora do Sisnama, conforme explicitado no art. 4º da Resolução Conama 237/97, dispositivo que em seu inciso I igualmente assinala a atribuição da autarquia ambiental federal para o licenciamento em terras indígenas. De todo modo, ao disciplinar sobre a competência do Ibama para o licenciamento ambiental das atividades desenvolvidas em terras indígenas, a Lei Complementar nº 140/2011 visa dar concretude, dentro de seu escopo, à obrigação imposta pelo legislador constituinte à União de proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas (art. 231, caput). Em outras palavras, a máxima efetividade da norma protetiva constitucional em exame pressupõe que também a norma jurídica que seja dela derivada deva ser interpretada com idêntico balizamento hermenêutico. Em par com toda essa constatação, cabe agora registrar que no julgamento da Pet 3388 (Relator: Min. Carlos Ayres Britto) no qual foi analisado o paradigmático caso da demarcação da terra indígena Raposa Terra do Sol, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 19/03/2009, consignou a relação de pertinência temática entre terras indígenas e o meio ambiente, tendo fixado no resumo de seu julgado a compreensão de que “há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envolvam áreas de "conservação" e "preservação" ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental”. Esse posicionamento, com efeito, foi reiterado no multirreferido acórdão do RE 1379751 ED-terceiros-AgR/PA, no qual a alusão ao julgado anterior teve como motivo a necessidade de observância do princípio da precaução também no trato das questões que se refiram às terras indígenas. De sorte que a competência do Ibama para o licenciamento ambiental também deve ser reconhecida pela perspectiva do princípio da precaução, em um contexto no qual o empreendimento em discussão afetará cerca de doze mil indígenas que residem em mais de trinta aldeias diferentes. Ainda a propósito, na decisão de ID 2128569975, a julgadora da origem menciona: “[E]m conexão com o presente processo está Ação com pedido de tutela cautelar impugnando doze licenças concedidas pelo IPAAM para o funcionamento do projeto que trata da exploração do mineral potássio (silvinita) dos Municípios de Autazes e Careiro da Varzea, inclusive em terras indígenas Mura. Como se vê, a existência de doze licenças ambientais (!!!) para o que se tem como um único empreendimento de exploração mineral ao menos indica que não se trata de atividade de pequeno impacto, podendo ser ainda questionada, neste momento de exame da competência para o licenciamento, a razão para o que se afigura como um disfarçado fracionamento da licença ambiental pertinente. Claro, portanto, que a envergadura do projeto em apreço é proporcional à envergadura da afetação que ele produzirá em tantas pessoas e localidades, fato que não apenas justifica, mas em verdade impõe que, dado o caráter precaucional que deve permear a avaliação ambiental, a competência para a sua realização, na espécie, deve se dar em conformidade com o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011. Não bastasse tudo isso, veja-se ainda que as disposições presentes na Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental no caso presente. Referido normativo estabelece os procedimentos administrativos que disciplinam a atuação da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde nos processos de licenciamento ambiental de competência do IBAMA. (cf. art. 1º) O mencionado normativo dispõe no caput de seu art. 3º, que “No início do procedimento de licenciamento ambiental, o IBAMA deverá, na FCA, solicitar informações do empreendedor sobre possíveis intervenções em terra indígena, em terra quilombola, em bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária.” Já o § 2º do art. 3º prevê que, “[P]ara fins do disposto no caput, presume-se a intervenção: I - em terra indígena, quando a atividade ou o empreendimento submetido ao licenciamento ambiental localizar-se em terra indígena ou apresentar elementos que possam ocasionar impacto socioambiental direto na terra indígena, respeitados os limites do Anexo I”. O referido anexo I possui o seguinte feitio: Como se vê, em áreas inseridas na Amazônia Legal, o anexo em comento considera a distância de 10 quilômetros lineares como aquela na qual podem ser ocasionados os impactos socioambientais mencionados no § 2º do art. 3º. Portanto, um simples exercício de lógica induz à óbvia conclusão de que o Ibama é o responsável pelo licenciamento dos empreendimentos localizados a menos de dez quilômetros de terras indígenas e que sobre elas possam repercutir. Especificamente quanto a tal aspecto fático, reporto-me ao voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000 (destaquei): “... a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas).” Além disso, há nos autos principais diversos documentos no sentido de que várias aldeias distam menos de dez quilômetros do empreendimento debatido, inclusive com manifestação da Funai pela ocorrência de sobreposição em uma delas. Portanto, o que em última análise se tem é que, ao recusar sua competência para o licenciamento ambiental no caso concreto, o Ibama, mais que tudo, também nega cumprimento à Portaria Interministerial nº 60/2015. A propósito, o teor da aludida portaria também deixa clara a obrigatoriedade de participação da Funai na análise do empreendimento em causa. Encerrando o exame do ponto, refiro-me a mais um precedente desta Sexta Turma no sentido de que “é imprescindível a intervenção do IBAMA nos licenciamentos e estudos prévios relativos a empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, que afetarem terras indígenas ou bem de domínio da União (artigo 10, caput, e § 4º, da Lei nº 6.938/81, c/c artigo 4º, I, da Resolução nº 237/97, do CONAMA)”. - Destaquei. (REO 0098728-48.1999.4.01.0000, Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (CONV.), TRF1, DJ 29/01/2007). Dos argumentos processuais da União O ente público traz inicialmente em seu agravo a alegação de violação ao art. 505 do CPC. A tese, contudo, não pode ser acolhida, na medida em que, além de serem caracterizadas por sua natureza precária, as decisões incidentalmente proferidas ao longo do processo são evidentemente pautadas pela cláusula rebus sic stantibus, podendo assim ser revisadas pelo condutor do processo na hipótese em que novas circunstâncias nele verificadas assim o justificarem. Exatamente por isso que o julgador pode revogar uma decisão anteriormente proferida para, por exemplo, indeferir pedido de tutela antecipada anteriormente concedida ou, com base em novos elementos de convicção, externar novo posicionamento acerca da necessidade ou desnecessidade da produção de determinado tipo de prova. Assim, diversamente do que sustenta a União, inexiste óbice processual para que o condutor do processo, diante de novos elementos de prova que considere relevantes, realize nova avaliação de uma questão outrora examinada, seja para decidir em sentido diverso, seja para confirmar seu posicionamento anterior agora com nova fundamentação. Pensar diferente, com efeito, seria manietar do condutor do processo o exercício de seu poder geral de cautela – este deve ser exercitado levando-se em conta atualidade do cenário processual divisado –, a partir de uma equivocada desconsideração da natureza dinâmica do processo, tomando-o como algo estanque e refratário às atualizações naturais resultantes do aglutinamento dos novos elementos de prova que nele aportam. Em suma, inexiste impedimento para que o julgador, depois de deferir tutela de urgência com base em determinado fundamento e de que essa medida antecipatória seja sustada em razão da superação da premissa utilizada, possa novamente examinar a questão com base em novos elementos de convicção. No caso concreto, a inspeção judicial e a superveniência de novas informações acerca da assembleia realizada municiaram a julgadora da origem com novas informações que justificaram a prolação de um novo comando, inexistindo ilegalidade nesse proceder. Tal o contexto, igualmente não se há de falar em dificuldade de compreensão acerca do conteúdo, alcance e balizas da decisão agravada, esta que, como visto, revisitou em parte questões anteriormente analisadas, fazendo-o, contudo, com base em argumentação lastreada nos novos elementos de convicção trazidos aos autos. Na mesma linha, tratando-se de decisão lastreada em novos elementos probatórios, é equivocado cogitar-se de confronto à decisão proferida na SLS 1038484-33.2022.4.01.0000, esta atrelada ao contexto processual verificado mais de um ano antes da prolação da decisão agravada, contexto este que, como adiantado, veio a ser substancialmente alterado. Também não deve ser acolhida a alegação de que ter havido prejuízo à compreensão das partes acerca das medidas adotadas com vista ao licenciamento debatido. A decisão, com efeito, é clara e coesa tanto sobre as razões que justificaram sua prolação quanto em relação às diretrizes nela fixadas. Do recurso da Empresa Potássio do Brasil Considerando-se já terem sido apreciadas as questões referentes à necessidade de autorização do Congresso Nacional e à competência do Ibama, apenas o ponto concernente à consulta prévia realizada remanesce pendente de exame. Sobre o ponto, transcrevo, como razões decidir, a seguinte passagem do voto por mim proferido no AI 1037175-40.2023.4.01.0000: “Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias distorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um dos encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os royalties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho[1], tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante.” Conclusões: a) É fato incontroverso que o empreendimento Projeto Potássio Autazes está sendo implementado no entorno de Terras Indígenas ocupadas pelo Povo Mura e que, caso concretizado, nelas e nas respectivas comunidades irá repercutir; b) o art. 231, § 3º, da Constituição Federal, impõe a autorização do Congresso Nacional sempre que a pesquisa e a lavra das riquezas minerais causar impacto relevante em terras indígenas, sendo a toda prova desnecessária a demonstração de que as atividades em questão sejam desenvolvidas no interior destas. É obrigatória, portanto, a observância do referido dispositivo no caso concreto; c) o art. 7º, XIV, c, da Lei Complementar nº 140/2011, o art. 4º da Resolução Conama 237/97 e a Portaria Interministerial nº 60/2015 evidenciam a competência do Ibama para o licenciamento ambiental objeto do empreendimento em discussão; d) os elementos probatórios presentes nos autos principais põem em dúvida a validade do procedimento de consulta prévia levado a efeito, sem prejuízo de sua aparente regularidade durante boa parte do período em que teve curso. Ante o exposto, nego provimento aos agravos de instrumento nº 1042776-27.2023.4.01.000, nº 1043035-22.2023.4.01.0000 e nº 1039810-91.2023.4.01.0000. É como voto. Des(a). Federal KATIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1043035-22.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: CONSELHO INDIGENA MURA, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL, FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), ORGANIZACAO DE LIDERANCAS INDIGENAS MURA DE CAREIRO DA VARZEA OLIMCV, POTASSIO DO BRASIL LTDA., INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA ASSISTENTE: ESTADO DO AMAZONAS EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. 1. Agravo de instrumento interposto pela União contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, formalizada pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de manifestação de outras comunidades não invalida a consulta, uma vez que tais comunidades adequadamente receberam todas as informações sobre o projeto, inclusive nos autos de origem, e mantiveram-se inertes. Mantida a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos que forem considerados afetados. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A proximidade entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura deslocamento de competência ao IBAMA, não atraindo a incidência do art. 7º da referida lei complementar. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
  3. Tribunal: TJSP | Data: 23/06/2025
    Tipo: Intimação
    Processo 1101129-56.2022.8.26.0100 - Recuperação Judicial - Concurso de Credores - Rossi Residencial S.A. - - Avinon Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Dranci Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Piracanta Empreendimentos S/A - - Recreio Desenvolvimento Imobiliário Ltda - - Rossi América Gerenciadora Ltda - - Rubrum Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Santa Fidelmia Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Santa Giana Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Santa Olga Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Santa Susana Empreendimentos Imobiliários S/A - - Santo Eduardo Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Santo Ildefonso Empreendimentos Imobiliários Ltda - Spe - - São Basilio Empreendimentos Imobiliários Ltda - - São Crisanto Empreendimentos Imobiliários Ltda - - São Fidelis Empreendimentos Imobiliários Ltda - - São Mauricio Empreendimentos Imobiliários Ltda - - São Tranquilino Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Spe Accordes do Horto Empreendimentos Imobiliários "t" Ltda - - Spe Vilas da Aruana Empreendimentos Imobiliários "t" Ltda - - Trombeta Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Zaraza Empreendimentos Imobiliários Ltda - - Santa Maura Empreedimentos Imobiliarios Ltda - - Abrotano Empreendimentos Imobiliários Ltda. e outros - Jader Maciel de Oliveira - - Flauciglene Moreno Gonçalo - - Alcyone de Godoy - - Giovana Galan Próspero - - Andressa Pimentel - - Luciana Aparecida da Cruz Costa - - Luciana Pinheiro Schiedt Biaggi - - Rentcon Locação e Comércio de Equipamentos Ltda. - - Adriano Ferraz Lacerda - - Allan Danny Monteiro das Chagas - - Chaves e Maran ADVS. - - Neuro Jucelino Antonio Recarcati - - Ana Bel Brandão Murta D Emidio - - Pietro Basile Cianciarullo - - Bruno Lopesda Silva - - Antonio Cesar da Silva SAntos - - Aldemar Norek de Oliveira Lima - - Daniel Petrini de Moraes - - Paola Beatriz Guerreiro Chiodo - - Moacyr da Silva - - Marcelo Cánio - - Anderson Garcia Costa - - Denia Marcia Duarte - - David Farias de Assis - - Iran Mendonça da Silva - - Nélia Gonçalves de Paiva - - Alexandre Garbelotto - - Carlos Alberto Gomes dos Santos - - Claudia ALessandra Costa de Araújo Lorenzoni - - Viviane da Silva Brites Munhoz - - Lucimar Rodolfo Silveira - - Claudio Boaventura Martins - - Alexandre Volpe Pinheiro Silva - - Michele Moreno Palomares - - Daniel Barros de Carvalho - - Rodrigo Canella Gabbi - - Município do Rio de Janeiro - - Fábio Augusto Costa Martins - - Osias Pinheiro de Castro - - Rafael Augusto de Carvalho e outros - Vistos. 1. Última decisão às fls. 86086/86092, ainda não publicada. 2. As habilitações e divergências de crédito deverão ser interpostas pelo peticionamento eletrônico inicial, por dependência ao processo principal, nos termos do Comunicado CG nº 219/2018, disponibilizado no DJe de 05.05.2018, respeitando-se o rito previsto nos arts. 7º a 20 da Lei 11.101/2005. Pedidos de habilitação e divergências protocolizados nos autos principais serão desconsiderados, independentemente de menção específica a cada um deles que constarem dos autos, em razão da absoluta inadequação da via eleita, nos termos da Lei 11.101/2005, por não ser possível discussão sobre natureza e valor de crédito nos autos principais da recuperação judicial ou do processo falimentar. Em relação aos créditos já habilitados por meio do incidente proposto pelo credor, a inclusão no Quadro Geral de Credores é automática após o julgamento, sendo desnecessário pedido neste sentido nos autos principais. Atentem-se os credores, ainda, que os pagamentos devem observar a forma, a ordem e o prazo previsto no Plano de Recuperação Judicial homologado. 3. Deverá a serventia promover o cadastramento das procurações juntadas aos autos, bem como eventuais renúncias comunicadas, independentemente de nova determinação. 4. Fls. 86107/86111: ofício oriundo da 5ª Vara Cível da Comarca de Niterói, processo nº 0012240-88.2015.8.19.0002, requerendo a habilitação de crédito do patrono do credor. Dê-se ciência ao juízo oficiante de que as habilitações de crédito devem observar o disposto no item 2 desta decisão. Às recuperandas para ciência e à administradora Judicial, com urgência, para fins de cumprimento do artigo 22, I, "m" da Lei 11.101/2005, comprovando-se no prazo de 15 dias. 5. Fls. 86112/86125: ofício encaminhado em reiteração pelo juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Itaboraí, oriundo do processo nº 0024453-92.2017.8.19.0023, indagando se há impossibilidade de penhora do imóvel indicado, em cumprimento de sentença de crédito de honorários sucumbenciais extraconcursais. Digam as recuperandas e a Administradora Judicial. 6. Fls. 86126/86128: o credor Condomínio Rossi Mais Santos informa que, em recente decisão do C. Superior Tribunal de Justiça, foi reconhecida a extraconcursalidade de seu crédito. Requer a reforma da decisão que impediu o prosseguimento de suas execuções individuais de cobrança de cotas condominiais em atraso (Condomínio Rossi Mais Santos x Liepaja Empreendimentos Imobiliários Ltda), inclusive permitindo os atos de constrição patrimonial. Digam as recuperandas e a Administradora Judicial. 7. Fls. 86134/86141: ofício oriundo da 30ª Vara Cível de Recife, processo nº 0030311-34.2023.8.17.2001, requerendo informações sobre o atual estágio da recuperação judicial. Às recuperandas para ciência e à administradora Judicial, com urgência, para fins de cumprimento do artigo 22, I, "m" da Lei 11.101/2005, comprovando-se no prazo de 15 dias. 8. Fls. 86144/86145: cumpra-se a r. Decisão monocrática proferida no agravo de instrumento nº 2112614-40.2025.8.26.0000, que sustou os efeitos da decisão que reconheceu o Lote 20 como ativo não-circulante das recuperandas, até ulterior deliberação. 9. Aguarde-se o cumprimento das determinações da última decisão. Intime-se. - ADV: PAULO JOSÉ DA SILVA (OAB 208787/RJ), PAULO JOSÉ DA SILVA (OAB 208787/RJ), PAULO JOSÉ DA SILVA (OAB 208787/RJ), PAULO JOSÉ DA SILVA (OAB 208787/RJ), MARCOS VIANA GABRIEL DE SOUZA E SILVA (OAB 394/SE), GLAUCO MATIAS DE SOUZA (OAB 15296/AL), MICHELLE MELLO DE OLIVEIRA (OAB 453387/SP), LILLIAN JORGE SALGADO (OAB 84841/MG), LILIAN BRANDT STEIN (OAB 109232/RS), LILIAN BRANDT STEIN (OAB 109232/RS), MARIANA CORTAT LUCINDO RODRIGUES (OAB 451635/SP), MARIANA CORTAT LUCINDO RODRIGUES (OAB 451635/SP), ISADORA VIEIRA RIBEIRO KANEDA (OAB 75675/PR), ANDRÉ FABIANO BATISTA LIMA (OAB 10658/ES), NATHÁLIA GALERA TAHA (OAB 453403/SP), FRANCISCO CHARLES CUNHA GARCIA JUNIOR (OAB 4563/AM), CATIA FERNANDA MOREIRA DE PAULA (OAB 139863/MG), CAROLINA SOARES DOS SANTOS (OAB 107374/RS), RENAN ALVES DE ASCENCAO (OAB 228611/RJ), EMERSON CORAZZA DA CRUZ (OAB 41655/PR), GLAUCO MATIAS DE SOUZA (OAB 15296/AL), KAROLINE SILVA HOFFMANN (OAB 458661/SP), JOSÉ AMAURI SALES (OAB 9189/AM), MURILO ZERRENNER (OAB 466775/SP), MURILO ZERRENNER (OAB 466775/SP), LAURA DANIELI DA SILVA AFONSO (OAB 467038/SP), LAURA DANIELI DA SILVA AFONSO (OAB 467038/SP), TAIRLAN DA CRUZ BARBOSA (OAB 464701/SP), TAIRLAN DA CRUZ BARBOSA (OAB 464701/SP), GUILHERME AUGUSTO SANTANA FERREIRA (OAB 459884/SP), RUBENS ORFANI DE FIGUEIREDO (OAB 459229/SP), WILLIAMS COSTA DA SILVA (OAB 11376AM/), MARCOS VIANA GABRIEL DE SOUZA E SILVA (OAB 394/SE), THAIS DE DEUS AUGUSTO HABIB (OAB 230514/RJ), JOSE EDUARDO DE SANTANA MACEDO (OAB 1634/SE), JOSE EDUARDO DE SANTANA MACEDO (OAB 1634/SE), JOSE EDUARDO DE SANTANA MACEDO (OAB 1634/SE), SAMANTA AMARAL COLBEICH (OAB 86336/RS), CARLOS AUGUSTO BOTTA (OAB 45754RS/), ALEXANDRA BERNARDES SOARES DE OLIVEIRA (OAB 86260/MG), ALEXANDRA BERNARDES SOARES DE OLIVEIRA (OAB 86260/MG), ALEXANDRA BERNARDES SOARES DE OLIVEIRA (OAB 86260/MG), JACQUELINE FREIRE BITAR (OAB 8810/AM), ANTONIO GIOVANE VIEIRA (OAB 468535/SP), RODRIGO SANTOS PEREGO (OAB 38956/DF), ISADORA HENRICH DOS SANTOS (OAB 104330/RS), ISADORA HENRICH DOS SANTOS (OAB 104330/RS), ISADORA HENRICH DOS SANTOS (OAB 104330/RS), ARIANA SOUZA RIBEIRO (OAB 201242/RJ), ISABELLA MARIA DA SILVA MARCON (OAB 443096/SP), KASSIA ROBERTA CHAGAS DE MORAES (OAB 445511/SP), FÁBIO LINDOSO E LIMA (OAB 7417/AM), KARINE MARANHÃO LOBO DA ROSA (OAB 149689/RJ), KARINE MARANHÃO LOBO DA ROSA (OAB 149689/RJ), LUIS ROBERTO AHRENS (OAB 32047/PR), DANIEL DE PINHO ARGOU (OAB 84912/RS), MARIA ROSA CALIFRER DE LIMA (OAB 157140/RJ), CARLOS HENRIQUE KLASER NETO (OAB 64911/RS), MONALISA MICHEL (OAB 33687PR/), JOSE HENRIQUE CANCADO GONCALVES (OAB 57680/MG), SAULO NASCIMENTO COUTINHO (OAB 13765/ES), BRUNO DE ABREU FEIJO (OAB 76347/RS), BRUNO DE ABREU FEIJO (OAB 76347/RS), BRUNO DE ABREU FEIJO (OAB 76347/RS), BRUNO DE ABREU FEIJO (OAB 76347/RS), MAURÍCIO DUPONT GOMES DE FREITAS (OAB 41723/SC), THIAGO JOSÉ DE ARAÚJO PROCÓPIO (OAB 11126/RN), DANIELA ANDRADE DE SOUZA (OAB 189789/RJ), MARIO HENRIQUE MARCON (OAB 102290/PR), ROBERTA VALIATTI FERREIRA (OAB 14569/ES), RAFAEL ROMAN (OAB 95041/RS), RAFAEL ROMAN (OAB 95041/RS), PAULO ROBERTO PIORUNNECK (OAB 22689/PR), GUILHERME DE SANTANA BORGES (OAB 163598/MG), HELIO EDUARDO RICHTER (OAB 23960/PR), HELIO EDUARDO RICHTER (OAB 23960/PR), ÉRICK DE OLIVEIRA BRISSOW (OAB 15268/AM), RODRIGUES DA SILVA (OAB 45398/PR), ROBSON LUIS S. 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  4. Tribunal: TJRJ | Data: 17/06/2025
    Tipo: Intimação
    *** SECRETARIA DA 12ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 14ª CÂMARA CÍVEL) *** ------------------------- DESPACHOS ------------------------- - AGRAVO DE INSTRUMENTO - CÍVEL 0011576-14.2025.8.19.0000 Assunto: Tutela de Urgência / Tutela Provisória / DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO Origem: CAPITAL 3 VARA EMPRESARIAL Ação: 0949032-04.2024.8.19.0001 Protocolo: 3204/2025.00110339 AGTE: USINA TERMELETRICA NORTE FLUMINENSE S A ADVOGADO: ANTONIO CESAR ROCHA ANTUNES DE SIQUEIRA OAB/RJ-037297 ADVOGADO: LUISA CRISTINA BOTTREL SOUZA OAB/RJ-028109 ADVOGADO: MARIANA RIBEIRO SIQUEIRA OAB/RJ-162054 ADVOGADO: PEDRO AUGUSTO TEIXEIRA SALARINI OAB/RJ-166628 ADVOGADO: PEDRO PEDROSA DE ANDRADE FIGUEIRA OAB/RJ-227817 ADVOGADO: FELIPE BARRETO MARÇAL OAB/RJ-185775 ADVOGADO: FELIX COHEN OAB/RJ-210957 ADVOGADO: GUSTAVO FERNANDES DE ANDRADE OAB/RJ-087989 ADVOGADO: LUIS INACIO LUCENA ADAMS OAB/DF-029512 ADVOGADO: JOÃO LUIZ COPLE LOUREIRO OAB/RJ-147030 ADVOGADO: LIV MACHADO OAB/SP-285436 ADVOGADO: GUILHERME SANTOS SILVEIRA OAB/RJ-221271 ADVOGADO: LETÍCIA SANTOS CORRÊA OAB/RJ-233272 AGDO: LIGHT S A - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL AGDO: LIGHT SERVICOS DE ELETRICIDADE S A ADVOGADO: LUIZ ROBERTO AYOUB OAB/RJ-066695 ADVOGADO: LUIS FELIPE SALOMÃO FILHO OAB/RJ-234563 Relator: DES. JOSE CARLOS PAES Funciona: Ministério Público DESPACHO: Fls. 187-191 (000187): À parte embargada, na forma do artigo 1.023, §2º, do Código de Processo Civil.
  5. Tribunal: TRF1 | Data: 09/06/2025
    Tipo: Intimação
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1037175-40.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: CONSELHO INDIGENA MURA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297 POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133, GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133 e GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882 RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Agravo de Instrumento interposto em 14.9.2023, pelo Conselho Indígena Mura (CIM), contra decisão da 1ª Vara Federal do Amazonas (id. – ID 1769860076), que suspendeu o resultado de consulta ao povo indígena Mura até que fossem cumpridos requisitos ambientais, legais e constitucionais, no contexto da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A ação, na origem, busca a anulação da Licença Prévia emitida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas- IPAAM à Potássio do Brasil Ltda. referente à exploração de silvinita/potássio em Autazes/AM, alegando incompetência do órgão emissor e ausência de consulta prévia aos povos indígenas afetados. O agravante argumenta que a decisão violou sua autonomia, destacando que a consulta foi conduzida conforme protocolo próprio e recursos próprios, com representantes de 46 aldeias. Sustenta que a suspensão judicial desrespeita o resultado soberano da consulta, gera prejuízos financeiros e configura cerceamento de defesa. O CIM defende ainda que os direitos minerários da empresa foram desmembrados de terras indígenas, afastando a necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração mineral. Ao final, requer efeito suspensivo à decisão agravada, permitindo a conclusão e consideração da consulta nos autos antes de eventual sentença. Defende a existência de prejuízos irreparáveis caso o processo seja decidido sem incorporar o resultado da consulta, e reafirma o pedido de Justiça Gratuita, por ser entidade sem fins lucrativos. Foi requerida, ainda, a gratuidade de justiça. Após a distribuição, por meio da petição id. 347816151, foram juntadas atas de reuniões realizadas nos dias 15, 16, 18 e 22.8.2023, nas quais o agravante alega que foi dado início dado procedimento de consulta para representantes de 46 aldeias. Despacho de id. 348177162 intimou os agravados a apresentar contrarrazões e sobrestou a análise do pedido de liminar. Antes de escoado o prazo, o agravante apresentou petição (id. 350573644) comunicando que o Povo Mura de Autazes, nos dias 21 e 22.09.2023, finalizou a Consulta sobre o Projeto Potássio Autazes e outras questões relevantes, de acordo com a ata anexa. Destacou que foi aprovado o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta. Informou, ainda, que foi aprovado pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil faça a mineração. Requereu, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao agravo. A Potássio do Brasil Ltda. apresentou as contrarrazões de id. 360785149. Noticiou a existência de decisão da Presidência do TRF1, a qual, nos autos da SLS nº 1040729-80.2023.4.01.0000, suspendeu a decisão original, entendendo que a paralisação antecipada do licenciamento interfere na competência administrativa e nas normas constitucionais que regulam a exploração mineral em terras indígenas. No mais, a Potássio do Brasil Ltda. adere aos argumentos do agravante, solicitando a reforma da decisão agravada. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) apresentou as contrarrazões de id. 367016144, aduzindo que o projeto e suas jazidas estão a 8 km das terras indígenas mais próximas e que a legislação atual estabelece o critério territorial para definir competências ambientais. Assim, considera desnecessária a autorização do Congresso Nacional, pois não há exploração direta em terras indígenas. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. O IBAMA apresentou a petição id. 368864139 informando carecer de interesse em apresentar contrarrazões em face do mencionado recurso de agravo de instrumento, uma vez que sua posição nos autos de origem sempre foi no sentido de que não possui competência legal para conduzir o licenciamento ambiental em questão e, tampouco, para intervir no âmbito da consulta livre, prévia e informada que deve ser realizada perante a comunidade indígena que venha a ser afetada pelo empreendimento. A FUNAI protocolou a manifestação de id. 369353129. Inicialmente, a FUNAI argumenta pela perda superveniente do objeto do agravo, uma vez que nova decisão foi proferida pelo juízo de origem, abordando fatos e fundamentos distintos, como a inexistência de consulta válida com participação de todos os indígenas afetados, especialmente da Comunidade Lago Soares. A decisão, prolatada por meio do id. 190941615, relata coações, pressões e irregularidades promovidas pela empresa Potássio do Brasil e seus representantes. Entre as medidas adotadas, destaca-se a suspensão do licenciamento ambiental pelo IPAAM e de atos vinculados ao empreendimento, além da fixação de multas e proibição de práticas coercitivas. No mérito, a FUNAI defende a manutenção da decisão agravada, ressaltando que a consulta ao povo Mura é imprescindível, mas deve observar a inclusão de todas as comunidades potencialmente afetadas. A instituição destaca a necessidade de conclusão dos estudos demarcatórios da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, conduzidos por grupo técnico da FUNAI, para garantir a legitimidade e abrangência da consulta. Por fim, a FUNAI solicita, em preliminar, o não conhecimento do agravo por perda de objeto e, subsidiariamente, o seu desprovimento, mantendo a decisão que suspendeu o resultado da consulta e os atos administrativos relacionados ao empreendimento até o cumprimento dos requisitos legais. A ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA - OLIMCV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES apresentou a manifestação de id. 357658659. Defenderam a ilegitimidade e a invalidade da consulta realizada para aprovação do Projeto Potássio Autazes, apontando graves violações ao Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea. O documento destaca que o Conselho Indígena Mura (CIM), ao conduzir a consulta, ignorou a inclusão de comunidades contrárias ao projeto, como a Aldeia Soares, e promoveu reuniões com fortes indícios de coação, pressão e manipulação, em desrespeito às diretrizes estabelecidas no protocolo previamente aprovado pelas comunidades. Além disso, aponta a participação irregular de representantes da empresa Potássio do Brasil Ltda., prática vedada no contexto das reuniões internas. As lideranças contrárias ao empreendimento denunciaram promessas de compensações financeiras, irregularidades na condução das consultas e a tentativa de impor um novo protocolo de consulta para fragmentar a representação do povo Mura, excluindo as aldeias do município de Careiro da Várzea. A defesa ressalta ainda que a consulta não foi realizada de forma ampla, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT. Em termos jurídicos, as contrarrazões pedem o reconhecimento da nulidade do resultado da consulta e a manutenção da decisão judicial de suspensão do licenciamento ambiental e de atos administrativos relacionados ao projeto até que sejam cumpridos os requisitos legais e constitucionais, com participação efetiva de todas as comunidades afetadas. O parecer id. 373711134, ofertado pelo MPF, pugna pelo desprovimento do agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura por perda superveniente do objeto. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. A peça, subscrita por profissional legalmente habilitado, (a) foi protocolada no prazo legal. O agravante requereu seja o preparo dispensado em razão da hipossuficiência, o que defiro. Conheço do Recurso. II. A decisão agravada, datada de 25.8.2023, no que interessa (id. 1769860076): III. Este agravo foi protocolado pelo Conselho Indígena Mura – CIM e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1039810-91.2023.4.01.0000, protocolado pela Potássio do Brasil Ltda. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1043035-22.2023.4.01.0000, protocolado pela União. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". III.a. A Relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira. III.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios " III.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. A Abrangência do Dever de Consulta, a Inexistência do Poder de Veto e o Momento Adequado Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciá-lo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequencia lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. O Processo de Consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plenamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF, na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Frise-se que as aldeias do Soares e Careiro receberam Oficinas, conforme acima relatado. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aceite no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): É importante perceber também que, segundo informações da FUNAI, o município de Autazes possui mais de 20 terras indígenas regularizadas ou em processo de demarcação. Ou seja, não é um município em relação ao qual já não se tenham sido feitas delimitações de áreas de tradicionalidade indígena. Além disso, é válido destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judicial constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: No caso acima a Corte também constatou que “efetivamente, dentro do território que os Povos Kaliña e Lokono alegam ser seu território tradicional, haveria, pelo menos 10 assentamentos maroons que estariam excluídos dessa queixa, a saber: 1) Albina; 2) Papatam; 3) Mankelekampu; 4) Mariakondre; 5) Eduardkondre; 6) Akoloikondre; 7) Bamboesi; 8) Koni; 9) Moengotapu; e 10) Adjoemakondre [...]. No entanto, a Corte não dispõe de informação suficiente que lhe permita esclarecer os argumentos relacionados a possíveis assentamentos maroons em: 1) Bilokondre; 2) Krontokondre; 3) Soke; 4) Pakirakondre; 5) Mopikondre; 6) Onikaikondre; 7) Manjabong; 8) Bonikondre ou Baajoebekampu; 9) Nengrekriki; 10) Solegakampu; e 11) Brunswijkkamp […]” E disse que, “sem prejuízo do exposto, sendo que é dever do Estado delimitar os territórios tradicionais, cabe a ele, mediante um processo consultivo e mediante as medidas necessárias de caráter administrativo e legais, conforme as normas internacionais na matéria, primeiramente delimitar os territórios que cabem aos Povos Kaliña e Lokono, em conformidade com o parágrafo 139 desta sentença, para assim proceder a sua demarcação e titulação, garantindo seu uso e gozo efetivo. Para isso, o Estado também deve respeitar os direitos que possam assistir aos povos tribais ou a seus membros na área. Para isso, o Estado deverá desenvolver, de comum acordo com as comunidades indígenas e maroons, regras de convivência pacíficas e harmoniosas no território em questão.” Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Em anexo, foi apresentado o Relatório das Lideranças Mura de Autazes (id. 1829380154): Não houve juntada de documento de aprovação ou de rejeição do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea, em relação à deliberação da agravante. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso, porque pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai está de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Adicionalmente , também é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha. Como uma parte pode ter êxito sem a cooperação das demais depende da regra da ação coletiva. Primeiramente, considere a regra da unanimidade. Negociações frustradas na regra da unanimidade paralisam as ações coletivas. Consequentemente, quando barganham sob a regra da unanimidade, as regiões e as coletividades com menor necessidade de cooperação podem demandar as melhores condições.[...] A força da negociação está nas mãos dos membros potenciais de uma coalizão majoritária. Quando se negocia sob uma regra de maioria, as regiões e as localidades dentro da coalizão interna podem demandar melhores condições de cooperação dos externos”. Por fim, é importante ter em mente que tanto os povos originários representados pela OLIMCV e pela Organização dos Mura do Lago do Soares tiveram amplo tempo e conhecimento do Projeto Autazes e podem ainda se pronunciar formalmente nos autos de origem sobre o que pensam a respeito do assunto. A circunstância de que houve uma ruptura do formato conjunto de todas as organizações de deliberação do Protocolo de Consulta em nada impede que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares emitam qualquer opinião sobre o Projeto nesses autos judiciais, tampouco que apresentem essa manifestação de vontade a qualquer órgão estatal. Há, ao meu sentir, um deslocamento do debate, como se a circunstância de a alteração do Protocolo represente a inviabilização de que essa emissão de vontade não possa mais ocorrer, o que não faz qualquer sentido. Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão, uma vez que procedeu adequadamente quanto à consulta destes povos. III.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Importante destacar que também esta Corte já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) IV. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena Soares/Urucurituba, mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A uma, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos tais quais confirmadas no Estudo de Componente Indígena: Observe-se que no caso Comunidades Indígenas Membros da Associação Lhaka Honhat (Nossa Terra) vs. Argentina, de 2020, a CIDH assentou que “embora a Convenção não possa ser interpretada de modo a impedir que o Estado realize, por si ou por meio de terceiros, projetos e obras sobre o território, seu impacto não pode, em nenhum caso, privar os membros dos povos indígenas e tribais da capacidade de garantir sua própria sobrevivência.” Os dados acima sobre as características do projeto afastam, ao menos em juízo cautelar, qualquer receio de que possa haver impacto na garantia dos Mura e Ribeirinhos do Lago do Soares de prosseguir com o estilo de vida que hoje levam, tampouco garantir a sua subsistência. Não há nenhum indício de que exista a preocupação exposta pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que as terras indígenas próximas ao empreendimento serão tornadas “inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudica[rão] drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam a região" (RE 1.379.751/PA, Rel. Min. Alexandre de Moraes). A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Cabe lembrar o art. 20 da Lei nº 6.001/1973: Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio. Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. V. Conclusão Em face do exposto, ante a ausência de fumus boni iuris, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) válidos a consulta e o consentimento emanado pelo CIM, como representativo do Povo Mura de Autazes e, em consequência, o requisito da Convenção 169 da OIT; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciar o empreendimento e a validade de todos os atos até agora praticados; (iii) afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional e autorizar o prosseguimento do projeto. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588. [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição do agravo de instrumento em apreço. De início, sem prejuízo de assinalar minha integral anuência com o voto do Relator quanto à relevância do Projeto Potássio-Autazes, entendo que as questões a serem dirimidas na insurgência perpassam apenas pelo juízo de adequação da decisão agravada ao contexto fático-processual que justificou a sua prolação. Feito o registro, cumpre também esclarecer que o recurso ora examinado foi interposto pelo Conselho Indígena Mura contra a decisão pela qual o juízo de origem, em caráter dispositivo, assim deliberou: “15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Tal o contexto, o agravante confronta as seguintes diretrizes decisórias: i) suspensão do procedimento de consulta aos povos indígenas levada a efeito; ii) necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração da área em que se pretende realizar o empreendimento. Passo, assim, a analisar tais questões: - Da suspensão dos procedimentos de consulta – a perda do objeto do agravo de instrumento, quanto ao ponto. O exame dos autos indica que a decisão agravada foi proferida em 25/08/2023. Por outro lado, a leitura do referido comando permite a compreensão de que a questão referente à consulta aos povos indígenas foi abordada pelo juízo a quo por um prisma abstrato de sua validade, em perspectiva com os demais requisitos tidos como necessários para a exploração em litígio (autorização do Congresso Nacional e competência do IBAMA para o licenciamento). É dizer, a julgadora da origem não se manifestou de forma concreta sobre aspectos materiais e formais afetos à consulta que o agravante tem com validamente realizada, pontuando, isto sim, que a validade do referido procedimento deve ser examinada de forma contextualizada com os demais requisitos para a implementação do empreendimento. Tanto assim, que a parte final do comando censurado dispõe (destaquei em itálico): “Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Ocorre que, após a prolação do referido decisum, a magistrada que conduz o processo principal se debruçou de forma mais aprofundada sobre a questão referente à consulta aos povos indígenas e, nos termos da decisão ID 1913974193, proferida em 16.11.2023, consignou (destaques sublinhados acrescidos): “Diante de todo o tumulto (mediante coação, intimidações, pressões indevidas e oferecimento de vantagens) causado pelo CIM e por prepostos da empresa ré, conforme depoimentos colhidos e mencionados no parecer ministerial, defiro o pleito ministerial e determino a imediata suspensão do procedimento de licenciamento ambiental por parte do IPAAM, bem como o da consulta ilegítima realizada após desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta, bem como de qualquer ato de avanço dos trâmites para a implementação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil S/A em Autazes, em razão dos vícios mencionados e dos riscos de conflitos e morte que a continuação dos trâmites do empreendimento minerário neste cenário acarretam ao povo Mura na região, ficando expresso que o juízo federal não confere qualquer validade à alteração esdrúxula do Protocolo construído de forma legítima por TODO O POVO MURA.” Como se vê, após a prolação da decisão agravada, o juízo a quo proferiu novo comando com caráter substitutivo do anterior, vindo a apresentar fundamentação mais aprofundada e amparada em elementos concretos sobre as razões de seu convencimento. Em outras palavras, a avaliação no plano concreto da consulta tida como realizada absorveu a deliberação anterior, esta fundada apenas em fatores afetos ao procedimento no plano abstrato. Assim, porque proferida decisão ulterior que a um só tempo incorporou e ampliou as razões contidas na decisão agravada, resulta demonstrada a perda do objeto do recurso tirado contra o aludido comando. Anoto, por fim, que tanto o MPF quanto a Funai já se manifestaram nos autos em sentido concorde com a compreensão ora externada (cf. ID 423687013 e ID 369353129). - Subsidiariamente, ao não conhecimento do recurso Ainda que se supere a questão preliminar já analisada, entendo que a decisão agravada deve ser mantida nos termos em que proferida, salientando, nesse ponto, que sua avaliação deve ser feita com base no exato sentido e alcance nela consignados. Melhor explicando, foi acima esclarecido que na decisão agravada o juízo a quo consignou que “eventual resultado” da consulta ficaria suspenso enquanto não houvesse “o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados” na decisão. Claro, portanto que, na decisão agravada, a julgadora de primeiro grau não empreendeu juízo de valoração da consulta efetivamente levada a efeito, tendo suspendido seus efeitos em razão da necessidade de observância concomitante de outros requisitos tidos como necessários para o licenciamento do empreendimento. Ocorre que a parte agravante não enfrentou de forma suficiente as razões externadas no comando recorrido, restringindo-se a defender a validade da consulta que alega já ter sido realizada, bem assim a desnecessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área em que será realizada a exploração mineral discutida na ação principal. Ora, a decisão agravada, como já afirmado, não positivou em nenhum momento a invalidade factual da consulta debatida (isso só foi feito na decisão posterior), tendo suspendido os respectivos efeitos em razão da necessidade de atendimento de outros requisitos que seriam com ela concorrentes. Um desses requisitos, a competência do Ibama para o licenciamento, não foi (e nem poderia ter sido, por ausência de legitimidade recursal) sequer objeto do presente agravo de instrumento. Assim sendo, ainda que superado o óbice relativo à perda do objeto do recurso, quanto ao ponto, este não pode ser conhecido, diante da ausência de enfrentamento da fundamentação decisória no sentido de que os efeitos da consulta somente poderiam ser efetivados em conjunto com o atendimento dos demais requisitos para a exploração da área, nomeadamente a autorização do Ibama. - Do exame residual do mérito da decisão agravada De todo modo, também na hipótese em que venha a ser desconsiderada a ausência de enfrentamento, pelo agravante, das razões decisórias, o recurso não deve ser provido. Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias destorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um doa encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os roylties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho, tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante. Da necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da Terra Indígena – ausência de legitimidade recursal, quanto ao ponto Como já antecipado, a decisão agravada não empreendeu exame qualitativo da consulta que a parte agravante considera legítima, restringindo-se a suspender seus efeitos ante a necessidade de observância de requisitos externos ao referido procedimento. Dentre as externalidades mencionadas na decisão agravada, a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi invocada como pressuposto para a implementação do Projeto Potássio-Autazes, que tem como principal interessado os responsáveis pelo empreendimento. Ainda que se diga que a parte agravante teria algum interesse na implementação no projeto, pelos possíveis benefícios que ele poderia proporcionar, tal não significa que, processualmente, caiba a ela defender a sua concretização. A ilustrar esse entendimento, tome-se como exemplo a hipótese em que o órgão ambiental responsável pelo licenciamento apresente alguma condicionante para o seu deferimento. Diante de tal situação, caberá apenas à agravada Potássio do Brasil Ltda. questionar judicialmente o óbice levantado, falecendo ao Conselho nestes autos agravante legitimidade para o enfrentamento da hipotética decisão administrativa. Mutatis mutandis, é exatamente essa a situação ora analisada, pois a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi levantada como óbice para o licenciamento do projeto discutido, diante do entendimento que ele seria realizado em terras indígenas. Não cabe, portanto, ao Conselho Mura, defender aquilo que em última análise se mostra como de interesse da empresa, o que seja, a implementação de seu empreendimento econômico. Por outro lado, o Conselho agravante não representa a totalidade da Comunidade Mura, mas apenas parte dela, daí porque não possui legitimidade para se manifestar sobre os efeitos do empreendimento nas áreas não alcançadas por sua representação. Em resumo, não cabe ao CIM questionar a avaliação feita pelo juízo processante acerca da repercussão de um projeto empresarial do qual não faz parte, em áreas ocupadas por comunidades que não representa. A legitimidade recursal da agravante, portanto, em relação ao que é objeto do agravo de instrumento, está adstrita à validade de sua manifestação no procedimento de consulta, tema já analisado no tópico anterior deste voto. Conclusão Diante do exposto, julgo prejudicado o agravo de instrumento em relação à suspensão dos efeitos da consulta realizada, diante da prolação de decisão judicial posterior. Na hipótese de superação desse ponto preliminar, não conheço do agravo, por deficiência de fundamentação e, se também afastado esse obstáculo, nego provimento ao recurso. De outro modo, não conheço do agravo de instrumento no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área onde será implementado o projeto, por ausência de legitimidade recursal. Por fim, deixo de me manifestar acerca da questão relativa à competência para o licenciamento do empreendimento, por se tratar de tema estranho ao objeto da insurgência em apreço. É como voto. Desa. Federal KATIA BALBINO Relatora CARVALHO, DéltonWinter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização Pelo Risco Ambiental. 2ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2013, pp. 187/202 PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: CONSELHO INDIGENA MURA AGRAVADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUCAO MINERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, POTASSIO DO BRASIL LTDA., FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO AMAZONAS EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura (CIM) contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, conduzida pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de pronunciamento de outras comunidades não invalida a consulta, mas mantém a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos afetados. A CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A distância de poucos quilômetros entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura causa de deslocamento de competência ao IBAMA, o qual, no entanto, possui o dever de vigilância em relação ao licenciamento estadual. Não há dados que permitam concluir que o órgão ambiental estadual não tem a qualificação ou a estruturação necessária para proceder ao licenciamento, tampouco foram apontadas omissões nas condicionantes fixadas na Licença Prévia, que expressamente consideraram o componente indígena. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada ou delimitada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal, ainda que se instaure processo demarcatório, enquanto não concluído. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada pelo CIM como representativo do povo indígena Mura de Autazes e considerar cumprida a obrigação de consultar; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
  6. Tribunal: TRF1 | Data: 09/06/2025
    Tipo: Intimação
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1037175-40.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: CONSELHO INDIGENA MURA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297 POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133, GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133 e GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882 RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Agravo de Instrumento interposto em 14.9.2023, pelo Conselho Indígena Mura (CIM), contra decisão da 1ª Vara Federal do Amazonas (id. – ID 1769860076), que suspendeu o resultado de consulta ao povo indígena Mura até que fossem cumpridos requisitos ambientais, legais e constitucionais, no contexto da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A ação, na origem, busca a anulação da Licença Prévia emitida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas- IPAAM à Potássio do Brasil Ltda. referente à exploração de silvinita/potássio em Autazes/AM, alegando incompetência do órgão emissor e ausência de consulta prévia aos povos indígenas afetados. O agravante argumenta que a decisão violou sua autonomia, destacando que a consulta foi conduzida conforme protocolo próprio e recursos próprios, com representantes de 46 aldeias. Sustenta que a suspensão judicial desrespeita o resultado soberano da consulta, gera prejuízos financeiros e configura cerceamento de defesa. O CIM defende ainda que os direitos minerários da empresa foram desmembrados de terras indígenas, afastando a necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração mineral. Ao final, requer efeito suspensivo à decisão agravada, permitindo a conclusão e consideração da consulta nos autos antes de eventual sentença. Defende a existência de prejuízos irreparáveis caso o processo seja decidido sem incorporar o resultado da consulta, e reafirma o pedido de Justiça Gratuita, por ser entidade sem fins lucrativos. Foi requerida, ainda, a gratuidade de justiça. Após a distribuição, por meio da petição id. 347816151, foram juntadas atas de reuniões realizadas nos dias 15, 16, 18 e 22.8.2023, nas quais o agravante alega que foi dado início dado procedimento de consulta para representantes de 46 aldeias. Despacho de id. 348177162 intimou os agravados a apresentar contrarrazões e sobrestou a análise do pedido de liminar. Antes de escoado o prazo, o agravante apresentou petição (id. 350573644) comunicando que o Povo Mura de Autazes, nos dias 21 e 22.09.2023, finalizou a Consulta sobre o Projeto Potássio Autazes e outras questões relevantes, de acordo com a ata anexa. Destacou que foi aprovado o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta. Informou, ainda, que foi aprovado pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil faça a mineração. Requereu, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao agravo. A Potássio do Brasil Ltda. apresentou as contrarrazões de id. 360785149. Noticiou a existência de decisão da Presidência do TRF1, a qual, nos autos da SLS nº 1040729-80.2023.4.01.0000, suspendeu a decisão original, entendendo que a paralisação antecipada do licenciamento interfere na competência administrativa e nas normas constitucionais que regulam a exploração mineral em terras indígenas. No mais, a Potássio do Brasil Ltda. adere aos argumentos do agravante, solicitando a reforma da decisão agravada. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) apresentou as contrarrazões de id. 367016144, aduzindo que o projeto e suas jazidas estão a 8 km das terras indígenas mais próximas e que a legislação atual estabelece o critério territorial para definir competências ambientais. Assim, considera desnecessária a autorização do Congresso Nacional, pois não há exploração direta em terras indígenas. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. O IBAMA apresentou a petição id. 368864139 informando carecer de interesse em apresentar contrarrazões em face do mencionado recurso de agravo de instrumento, uma vez que sua posição nos autos de origem sempre foi no sentido de que não possui competência legal para conduzir o licenciamento ambiental em questão e, tampouco, para intervir no âmbito da consulta livre, prévia e informada que deve ser realizada perante a comunidade indígena que venha a ser afetada pelo empreendimento. A FUNAI protocolou a manifestação de id. 369353129. Inicialmente, a FUNAI argumenta pela perda superveniente do objeto do agravo, uma vez que nova decisão foi proferida pelo juízo de origem, abordando fatos e fundamentos distintos, como a inexistência de consulta válida com participação de todos os indígenas afetados, especialmente da Comunidade Lago Soares. A decisão, prolatada por meio do id. 190941615, relata coações, pressões e irregularidades promovidas pela empresa Potássio do Brasil e seus representantes. Entre as medidas adotadas, destaca-se a suspensão do licenciamento ambiental pelo IPAAM e de atos vinculados ao empreendimento, além da fixação de multas e proibição de práticas coercitivas. No mérito, a FUNAI defende a manutenção da decisão agravada, ressaltando que a consulta ao povo Mura é imprescindível, mas deve observar a inclusão de todas as comunidades potencialmente afetadas. A instituição destaca a necessidade de conclusão dos estudos demarcatórios da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, conduzidos por grupo técnico da FUNAI, para garantir a legitimidade e abrangência da consulta. Por fim, a FUNAI solicita, em preliminar, o não conhecimento do agravo por perda de objeto e, subsidiariamente, o seu desprovimento, mantendo a decisão que suspendeu o resultado da consulta e os atos administrativos relacionados ao empreendimento até o cumprimento dos requisitos legais. A ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA - OLIMCV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES apresentou a manifestação de id. 357658659. Defenderam a ilegitimidade e a invalidade da consulta realizada para aprovação do Projeto Potássio Autazes, apontando graves violações ao Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea. O documento destaca que o Conselho Indígena Mura (CIM), ao conduzir a consulta, ignorou a inclusão de comunidades contrárias ao projeto, como a Aldeia Soares, e promoveu reuniões com fortes indícios de coação, pressão e manipulação, em desrespeito às diretrizes estabelecidas no protocolo previamente aprovado pelas comunidades. Além disso, aponta a participação irregular de representantes da empresa Potássio do Brasil Ltda., prática vedada no contexto das reuniões internas. As lideranças contrárias ao empreendimento denunciaram promessas de compensações financeiras, irregularidades na condução das consultas e a tentativa de impor um novo protocolo de consulta para fragmentar a representação do povo Mura, excluindo as aldeias do município de Careiro da Várzea. A defesa ressalta ainda que a consulta não foi realizada de forma ampla, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT. Em termos jurídicos, as contrarrazões pedem o reconhecimento da nulidade do resultado da consulta e a manutenção da decisão judicial de suspensão do licenciamento ambiental e de atos administrativos relacionados ao projeto até que sejam cumpridos os requisitos legais e constitucionais, com participação efetiva de todas as comunidades afetadas. O parecer id. 373711134, ofertado pelo MPF, pugna pelo desprovimento do agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura por perda superveniente do objeto. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. A peça, subscrita por profissional legalmente habilitado, (a) foi protocolada no prazo legal. O agravante requereu seja o preparo dispensado em razão da hipossuficiência, o que defiro. Conheço do Recurso. II. A decisão agravada, datada de 25.8.2023, no que interessa (id. 1769860076): III. Este agravo foi protocolado pelo Conselho Indígena Mura – CIM e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1039810-91.2023.4.01.0000, protocolado pela Potássio do Brasil Ltda. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1043035-22.2023.4.01.0000, protocolado pela União. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". III.a. A Relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira. III.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios " III.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. A Abrangência do Dever de Consulta, a Inexistência do Poder de Veto e o Momento Adequado Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciá-lo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequencia lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. O Processo de Consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plenamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF, na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Frise-se que as aldeias do Soares e Careiro receberam Oficinas, conforme acima relatado. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aceite no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): É importante perceber também que, segundo informações da FUNAI, o município de Autazes possui mais de 20 terras indígenas regularizadas ou em processo de demarcação. Ou seja, não é um município em relação ao qual já não se tenham sido feitas delimitações de áreas de tradicionalidade indígena. Além disso, é válido destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judicial constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: No caso acima a Corte também constatou que “efetivamente, dentro do território que os Povos Kaliña e Lokono alegam ser seu território tradicional, haveria, pelo menos 10 assentamentos maroons que estariam excluídos dessa queixa, a saber: 1) Albina; 2) Papatam; 3) Mankelekampu; 4) Mariakondre; 5) Eduardkondre; 6) Akoloikondre; 7) Bamboesi; 8) Koni; 9) Moengotapu; e 10) Adjoemakondre [...]. No entanto, a Corte não dispõe de informação suficiente que lhe permita esclarecer os argumentos relacionados a possíveis assentamentos maroons em: 1) Bilokondre; 2) Krontokondre; 3) Soke; 4) Pakirakondre; 5) Mopikondre; 6) Onikaikondre; 7) Manjabong; 8) Bonikondre ou Baajoebekampu; 9) Nengrekriki; 10) Solegakampu; e 11) Brunswijkkamp […]” E disse que, “sem prejuízo do exposto, sendo que é dever do Estado delimitar os territórios tradicionais, cabe a ele, mediante um processo consultivo e mediante as medidas necessárias de caráter administrativo e legais, conforme as normas internacionais na matéria, primeiramente delimitar os territórios que cabem aos Povos Kaliña e Lokono, em conformidade com o parágrafo 139 desta sentença, para assim proceder a sua demarcação e titulação, garantindo seu uso e gozo efetivo. Para isso, o Estado também deve respeitar os direitos que possam assistir aos povos tribais ou a seus membros na área. Para isso, o Estado deverá desenvolver, de comum acordo com as comunidades indígenas e maroons, regras de convivência pacíficas e harmoniosas no território em questão.” Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Em anexo, foi apresentado o Relatório das Lideranças Mura de Autazes (id. 1829380154): Não houve juntada de documento de aprovação ou de rejeição do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea, em relação à deliberação da agravante. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso, porque pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai está de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Adicionalmente , também é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha. Como uma parte pode ter êxito sem a cooperação das demais depende da regra da ação coletiva. Primeiramente, considere a regra da unanimidade. Negociações frustradas na regra da unanimidade paralisam as ações coletivas. Consequentemente, quando barganham sob a regra da unanimidade, as regiões e as coletividades com menor necessidade de cooperação podem demandar as melhores condições.[...] A força da negociação está nas mãos dos membros potenciais de uma coalizão majoritária. Quando se negocia sob uma regra de maioria, as regiões e as localidades dentro da coalizão interna podem demandar melhores condições de cooperação dos externos”. Por fim, é importante ter em mente que tanto os povos originários representados pela OLIMCV e pela Organização dos Mura do Lago do Soares tiveram amplo tempo e conhecimento do Projeto Autazes e podem ainda se pronunciar formalmente nos autos de origem sobre o que pensam a respeito do assunto. A circunstância de que houve uma ruptura do formato conjunto de todas as organizações de deliberação do Protocolo de Consulta em nada impede que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares emitam qualquer opinião sobre o Projeto nesses autos judiciais, tampouco que apresentem essa manifestação de vontade a qualquer órgão estatal. Há, ao meu sentir, um deslocamento do debate, como se a circunstância de a alteração do Protocolo represente a inviabilização de que essa emissão de vontade não possa mais ocorrer, o que não faz qualquer sentido. Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão, uma vez que procedeu adequadamente quanto à consulta destes povos. III.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Importante destacar que também esta Corte já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) IV. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena Soares/Urucurituba, mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A uma, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos tais quais confirmadas no Estudo de Componente Indígena: Observe-se que no caso Comunidades Indígenas Membros da Associação Lhaka Honhat (Nossa Terra) vs. Argentina, de 2020, a CIDH assentou que “embora a Convenção não possa ser interpretada de modo a impedir que o Estado realize, por si ou por meio de terceiros, projetos e obras sobre o território, seu impacto não pode, em nenhum caso, privar os membros dos povos indígenas e tribais da capacidade de garantir sua própria sobrevivência.” Os dados acima sobre as características do projeto afastam, ao menos em juízo cautelar, qualquer receio de que possa haver impacto na garantia dos Mura e Ribeirinhos do Lago do Soares de prosseguir com o estilo de vida que hoje levam, tampouco garantir a sua subsistência. Não há nenhum indício de que exista a preocupação exposta pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que as terras indígenas próximas ao empreendimento serão tornadas “inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudica[rão] drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam a região" (RE 1.379.751/PA, Rel. Min. Alexandre de Moraes). A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Cabe lembrar o art. 20 da Lei nº 6.001/1973: Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio. Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. V. Conclusão Em face do exposto, ante a ausência de fumus boni iuris, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) válidos a consulta e o consentimento emanado pelo CIM, como representativo do Povo Mura de Autazes e, em consequência, o requisito da Convenção 169 da OIT; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciar o empreendimento e a validade de todos os atos até agora praticados; (iii) afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional e autorizar o prosseguimento do projeto. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588. [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição do agravo de instrumento em apreço. De início, sem prejuízo de assinalar minha integral anuência com o voto do Relator quanto à relevância do Projeto Potássio-Autazes, entendo que as questões a serem dirimidas na insurgência perpassam apenas pelo juízo de adequação da decisão agravada ao contexto fático-processual que justificou a sua prolação. Feito o registro, cumpre também esclarecer que o recurso ora examinado foi interposto pelo Conselho Indígena Mura contra a decisão pela qual o juízo de origem, em caráter dispositivo, assim deliberou: “15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Tal o contexto, o agravante confronta as seguintes diretrizes decisórias: i) suspensão do procedimento de consulta aos povos indígenas levada a efeito; ii) necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração da área em que se pretende realizar o empreendimento. Passo, assim, a analisar tais questões: - Da suspensão dos procedimentos de consulta – a perda do objeto do agravo de instrumento, quanto ao ponto. O exame dos autos indica que a decisão agravada foi proferida em 25/08/2023. Por outro lado, a leitura do referido comando permite a compreensão de que a questão referente à consulta aos povos indígenas foi abordada pelo juízo a quo por um prisma abstrato de sua validade, em perspectiva com os demais requisitos tidos como necessários para a exploração em litígio (autorização do Congresso Nacional e competência do IBAMA para o licenciamento). É dizer, a julgadora da origem não se manifestou de forma concreta sobre aspectos materiais e formais afetos à consulta que o agravante tem com validamente realizada, pontuando, isto sim, que a validade do referido procedimento deve ser examinada de forma contextualizada com os demais requisitos para a implementação do empreendimento. Tanto assim, que a parte final do comando censurado dispõe (destaquei em itálico): “Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Ocorre que, após a prolação do referido decisum, a magistrada que conduz o processo principal se debruçou de forma mais aprofundada sobre a questão referente à consulta aos povos indígenas e, nos termos da decisão ID 1913974193, proferida em 16.11.2023, consignou (destaques sublinhados acrescidos): “Diante de todo o tumulto (mediante coação, intimidações, pressões indevidas e oferecimento de vantagens) causado pelo CIM e por prepostos da empresa ré, conforme depoimentos colhidos e mencionados no parecer ministerial, defiro o pleito ministerial e determino a imediata suspensão do procedimento de licenciamento ambiental por parte do IPAAM, bem como o da consulta ilegítima realizada após desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta, bem como de qualquer ato de avanço dos trâmites para a implementação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil S/A em Autazes, em razão dos vícios mencionados e dos riscos de conflitos e morte que a continuação dos trâmites do empreendimento minerário neste cenário acarretam ao povo Mura na região, ficando expresso que o juízo federal não confere qualquer validade à alteração esdrúxula do Protocolo construído de forma legítima por TODO O POVO MURA.” Como se vê, após a prolação da decisão agravada, o juízo a quo proferiu novo comando com caráter substitutivo do anterior, vindo a apresentar fundamentação mais aprofundada e amparada em elementos concretos sobre as razões de seu convencimento. Em outras palavras, a avaliação no plano concreto da consulta tida como realizada absorveu a deliberação anterior, esta fundada apenas em fatores afetos ao procedimento no plano abstrato. Assim, porque proferida decisão ulterior que a um só tempo incorporou e ampliou as razões contidas na decisão agravada, resulta demonstrada a perda do objeto do recurso tirado contra o aludido comando. Anoto, por fim, que tanto o MPF quanto a Funai já se manifestaram nos autos em sentido concorde com a compreensão ora externada (cf. ID 423687013 e ID 369353129). - Subsidiariamente, ao não conhecimento do recurso Ainda que se supere a questão preliminar já analisada, entendo que a decisão agravada deve ser mantida nos termos em que proferida, salientando, nesse ponto, que sua avaliação deve ser feita com base no exato sentido e alcance nela consignados. Melhor explicando, foi acima esclarecido que na decisão agravada o juízo a quo consignou que “eventual resultado” da consulta ficaria suspenso enquanto não houvesse “o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados” na decisão. Claro, portanto que, na decisão agravada, a julgadora de primeiro grau não empreendeu juízo de valoração da consulta efetivamente levada a efeito, tendo suspendido seus efeitos em razão da necessidade de observância concomitante de outros requisitos tidos como necessários para o licenciamento do empreendimento. Ocorre que a parte agravante não enfrentou de forma suficiente as razões externadas no comando recorrido, restringindo-se a defender a validade da consulta que alega já ter sido realizada, bem assim a desnecessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área em que será realizada a exploração mineral discutida na ação principal. Ora, a decisão agravada, como já afirmado, não positivou em nenhum momento a invalidade factual da consulta debatida (isso só foi feito na decisão posterior), tendo suspendido os respectivos efeitos em razão da necessidade de atendimento de outros requisitos que seriam com ela concorrentes. Um desses requisitos, a competência do Ibama para o licenciamento, não foi (e nem poderia ter sido, por ausência de legitimidade recursal) sequer objeto do presente agravo de instrumento. Assim sendo, ainda que superado o óbice relativo à perda do objeto do recurso, quanto ao ponto, este não pode ser conhecido, diante da ausência de enfrentamento da fundamentação decisória no sentido de que os efeitos da consulta somente poderiam ser efetivados em conjunto com o atendimento dos demais requisitos para a exploração da área, nomeadamente a autorização do Ibama. - Do exame residual do mérito da decisão agravada De todo modo, também na hipótese em que venha a ser desconsiderada a ausência de enfrentamento, pelo agravante, das razões decisórias, o recurso não deve ser provido. Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias destorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um doa encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os roylties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho, tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante. Da necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da Terra Indígena – ausência de legitimidade recursal, quanto ao ponto Como já antecipado, a decisão agravada não empreendeu exame qualitativo da consulta que a parte agravante considera legítima, restringindo-se a suspender seus efeitos ante a necessidade de observância de requisitos externos ao referido procedimento. Dentre as externalidades mencionadas na decisão agravada, a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi invocada como pressuposto para a implementação do Projeto Potássio-Autazes, que tem como principal interessado os responsáveis pelo empreendimento. Ainda que se diga que a parte agravante teria algum interesse na implementação no projeto, pelos possíveis benefícios que ele poderia proporcionar, tal não significa que, processualmente, caiba a ela defender a sua concretização. A ilustrar esse entendimento, tome-se como exemplo a hipótese em que o órgão ambiental responsável pelo licenciamento apresente alguma condicionante para o seu deferimento. Diante de tal situação, caberá apenas à agravada Potássio do Brasil Ltda. questionar judicialmente o óbice levantado, falecendo ao Conselho nestes autos agravante legitimidade para o enfrentamento da hipotética decisão administrativa. Mutatis mutandis, é exatamente essa a situação ora analisada, pois a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi levantada como óbice para o licenciamento do projeto discutido, diante do entendimento que ele seria realizado em terras indígenas. Não cabe, portanto, ao Conselho Mura, defender aquilo que em última análise se mostra como de interesse da empresa, o que seja, a implementação de seu empreendimento econômico. Por outro lado, o Conselho agravante não representa a totalidade da Comunidade Mura, mas apenas parte dela, daí porque não possui legitimidade para se manifestar sobre os efeitos do empreendimento nas áreas não alcançadas por sua representação. Em resumo, não cabe ao CIM questionar a avaliação feita pelo juízo processante acerca da repercussão de um projeto empresarial do qual não faz parte, em áreas ocupadas por comunidades que não representa. A legitimidade recursal da agravante, portanto, em relação ao que é objeto do agravo de instrumento, está adstrita à validade de sua manifestação no procedimento de consulta, tema já analisado no tópico anterior deste voto. Conclusão Diante do exposto, julgo prejudicado o agravo de instrumento em relação à suspensão dos efeitos da consulta realizada, diante da prolação de decisão judicial posterior. Na hipótese de superação desse ponto preliminar, não conheço do agravo, por deficiência de fundamentação e, se também afastado esse obstáculo, nego provimento ao recurso. De outro modo, não conheço do agravo de instrumento no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área onde será implementado o projeto, por ausência de legitimidade recursal. Por fim, deixo de me manifestar acerca da questão relativa à competência para o licenciamento do empreendimento, por se tratar de tema estranho ao objeto da insurgência em apreço. É como voto. Desa. Federal KATIA BALBINO Relatora CARVALHO, DéltonWinter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização Pelo Risco Ambiental. 2ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2013, pp. 187/202 PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: CONSELHO INDIGENA MURA AGRAVADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUCAO MINERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, POTASSIO DO BRASIL LTDA., FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO AMAZONAS EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura (CIM) contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, conduzida pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de pronunciamento de outras comunidades não invalida a consulta, mas mantém a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos afetados. A CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A distância de poucos quilômetros entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura causa de deslocamento de competência ao IBAMA, o qual, no entanto, possui o dever de vigilância em relação ao licenciamento estadual. Não há dados que permitam concluir que o órgão ambiental estadual não tem a qualificação ou a estruturação necessária para proceder ao licenciamento, tampouco foram apontadas omissões nas condicionantes fixadas na Licença Prévia, que expressamente consideraram o componente indígena. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada ou delimitada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal, ainda que se instaure processo demarcatório, enquanto não concluído. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada pelo CIM como representativo do povo indígena Mura de Autazes e considerar cumprida a obrigação de consultar; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
  7. Tribunal: TRF1 | Data: 09/06/2025
    Tipo: Intimação
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1037175-40.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: CONSELHO INDIGENA MURA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297 POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133, GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133 e GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882 RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Agravo de Instrumento interposto em 14.9.2023, pelo Conselho Indígena Mura (CIM), contra decisão da 1ª Vara Federal do Amazonas (id. – ID 1769860076), que suspendeu o resultado de consulta ao povo indígena Mura até que fossem cumpridos requisitos ambientais, legais e constitucionais, no contexto da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A ação, na origem, busca a anulação da Licença Prévia emitida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas- IPAAM à Potássio do Brasil Ltda. referente à exploração de silvinita/potássio em Autazes/AM, alegando incompetência do órgão emissor e ausência de consulta prévia aos povos indígenas afetados. O agravante argumenta que a decisão violou sua autonomia, destacando que a consulta foi conduzida conforme protocolo próprio e recursos próprios, com representantes de 46 aldeias. Sustenta que a suspensão judicial desrespeita o resultado soberano da consulta, gera prejuízos financeiros e configura cerceamento de defesa. O CIM defende ainda que os direitos minerários da empresa foram desmembrados de terras indígenas, afastando a necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração mineral. Ao final, requer efeito suspensivo à decisão agravada, permitindo a conclusão e consideração da consulta nos autos antes de eventual sentença. Defende a existência de prejuízos irreparáveis caso o processo seja decidido sem incorporar o resultado da consulta, e reafirma o pedido de Justiça Gratuita, por ser entidade sem fins lucrativos. Foi requerida, ainda, a gratuidade de justiça. Após a distribuição, por meio da petição id. 347816151, foram juntadas atas de reuniões realizadas nos dias 15, 16, 18 e 22.8.2023, nas quais o agravante alega que foi dado início dado procedimento de consulta para representantes de 46 aldeias. Despacho de id. 348177162 intimou os agravados a apresentar contrarrazões e sobrestou a análise do pedido de liminar. Antes de escoado o prazo, o agravante apresentou petição (id. 350573644) comunicando que o Povo Mura de Autazes, nos dias 21 e 22.09.2023, finalizou a Consulta sobre o Projeto Potássio Autazes e outras questões relevantes, de acordo com a ata anexa. Destacou que foi aprovado o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta. Informou, ainda, que foi aprovado pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil faça a mineração. Requereu, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao agravo. A Potássio do Brasil Ltda. apresentou as contrarrazões de id. 360785149. Noticiou a existência de decisão da Presidência do TRF1, a qual, nos autos da SLS nº 1040729-80.2023.4.01.0000, suspendeu a decisão original, entendendo que a paralisação antecipada do licenciamento interfere na competência administrativa e nas normas constitucionais que regulam a exploração mineral em terras indígenas. No mais, a Potássio do Brasil Ltda. adere aos argumentos do agravante, solicitando a reforma da decisão agravada. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) apresentou as contrarrazões de id. 367016144, aduzindo que o projeto e suas jazidas estão a 8 km das terras indígenas mais próximas e que a legislação atual estabelece o critério territorial para definir competências ambientais. Assim, considera desnecessária a autorização do Congresso Nacional, pois não há exploração direta em terras indígenas. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. O IBAMA apresentou a petição id. 368864139 informando carecer de interesse em apresentar contrarrazões em face do mencionado recurso de agravo de instrumento, uma vez que sua posição nos autos de origem sempre foi no sentido de que não possui competência legal para conduzir o licenciamento ambiental em questão e, tampouco, para intervir no âmbito da consulta livre, prévia e informada que deve ser realizada perante a comunidade indígena que venha a ser afetada pelo empreendimento. A FUNAI protocolou a manifestação de id. 369353129. Inicialmente, a FUNAI argumenta pela perda superveniente do objeto do agravo, uma vez que nova decisão foi proferida pelo juízo de origem, abordando fatos e fundamentos distintos, como a inexistência de consulta válida com participação de todos os indígenas afetados, especialmente da Comunidade Lago Soares. A decisão, prolatada por meio do id. 190941615, relata coações, pressões e irregularidades promovidas pela empresa Potássio do Brasil e seus representantes. Entre as medidas adotadas, destaca-se a suspensão do licenciamento ambiental pelo IPAAM e de atos vinculados ao empreendimento, além da fixação de multas e proibição de práticas coercitivas. No mérito, a FUNAI defende a manutenção da decisão agravada, ressaltando que a consulta ao povo Mura é imprescindível, mas deve observar a inclusão de todas as comunidades potencialmente afetadas. A instituição destaca a necessidade de conclusão dos estudos demarcatórios da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, conduzidos por grupo técnico da FUNAI, para garantir a legitimidade e abrangência da consulta. Por fim, a FUNAI solicita, em preliminar, o não conhecimento do agravo por perda de objeto e, subsidiariamente, o seu desprovimento, mantendo a decisão que suspendeu o resultado da consulta e os atos administrativos relacionados ao empreendimento até o cumprimento dos requisitos legais. A ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA - OLIMCV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES apresentou a manifestação de id. 357658659. Defenderam a ilegitimidade e a invalidade da consulta realizada para aprovação do Projeto Potássio Autazes, apontando graves violações ao Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea. O documento destaca que o Conselho Indígena Mura (CIM), ao conduzir a consulta, ignorou a inclusão de comunidades contrárias ao projeto, como a Aldeia Soares, e promoveu reuniões com fortes indícios de coação, pressão e manipulação, em desrespeito às diretrizes estabelecidas no protocolo previamente aprovado pelas comunidades. Além disso, aponta a participação irregular de representantes da empresa Potássio do Brasil Ltda., prática vedada no contexto das reuniões internas. As lideranças contrárias ao empreendimento denunciaram promessas de compensações financeiras, irregularidades na condução das consultas e a tentativa de impor um novo protocolo de consulta para fragmentar a representação do povo Mura, excluindo as aldeias do município de Careiro da Várzea. A defesa ressalta ainda que a consulta não foi realizada de forma ampla, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT. Em termos jurídicos, as contrarrazões pedem o reconhecimento da nulidade do resultado da consulta e a manutenção da decisão judicial de suspensão do licenciamento ambiental e de atos administrativos relacionados ao projeto até que sejam cumpridos os requisitos legais e constitucionais, com participação efetiva de todas as comunidades afetadas. O parecer id. 373711134, ofertado pelo MPF, pugna pelo desprovimento do agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura por perda superveniente do objeto. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. A peça, subscrita por profissional legalmente habilitado, (a) foi protocolada no prazo legal. O agravante requereu seja o preparo dispensado em razão da hipossuficiência, o que defiro. Conheço do Recurso. II. A decisão agravada, datada de 25.8.2023, no que interessa (id. 1769860076): III. Este agravo foi protocolado pelo Conselho Indígena Mura – CIM e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1039810-91.2023.4.01.0000, protocolado pela Potássio do Brasil Ltda. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1043035-22.2023.4.01.0000, protocolado pela União. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". III.a. A Relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira. III.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios " III.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. A Abrangência do Dever de Consulta, a Inexistência do Poder de Veto e o Momento Adequado Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciá-lo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequencia lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. O Processo de Consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plenamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF, na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Frise-se que as aldeias do Soares e Careiro receberam Oficinas, conforme acima relatado. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aceite no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): É importante perceber também que, segundo informações da FUNAI, o município de Autazes possui mais de 20 terras indígenas regularizadas ou em processo de demarcação. Ou seja, não é um município em relação ao qual já não se tenham sido feitas delimitações de áreas de tradicionalidade indígena. Além disso, é válido destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judicial constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: No caso acima a Corte também constatou que “efetivamente, dentro do território que os Povos Kaliña e Lokono alegam ser seu território tradicional, haveria, pelo menos 10 assentamentos maroons que estariam excluídos dessa queixa, a saber: 1) Albina; 2) Papatam; 3) Mankelekampu; 4) Mariakondre; 5) Eduardkondre; 6) Akoloikondre; 7) Bamboesi; 8) Koni; 9) Moengotapu; e 10) Adjoemakondre [...]. No entanto, a Corte não dispõe de informação suficiente que lhe permita esclarecer os argumentos relacionados a possíveis assentamentos maroons em: 1) Bilokondre; 2) Krontokondre; 3) Soke; 4) Pakirakondre; 5) Mopikondre; 6) Onikaikondre; 7) Manjabong; 8) Bonikondre ou Baajoebekampu; 9) Nengrekriki; 10) Solegakampu; e 11) Brunswijkkamp […]” E disse que, “sem prejuízo do exposto, sendo que é dever do Estado delimitar os territórios tradicionais, cabe a ele, mediante um processo consultivo e mediante as medidas necessárias de caráter administrativo e legais, conforme as normas internacionais na matéria, primeiramente delimitar os territórios que cabem aos Povos Kaliña e Lokono, em conformidade com o parágrafo 139 desta sentença, para assim proceder a sua demarcação e titulação, garantindo seu uso e gozo efetivo. Para isso, o Estado também deve respeitar os direitos que possam assistir aos povos tribais ou a seus membros na área. Para isso, o Estado deverá desenvolver, de comum acordo com as comunidades indígenas e maroons, regras de convivência pacíficas e harmoniosas no território em questão.” Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Em anexo, foi apresentado o Relatório das Lideranças Mura de Autazes (id. 1829380154): Não houve juntada de documento de aprovação ou de rejeição do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea, em relação à deliberação da agravante. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso, porque pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai está de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Adicionalmente , também é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha. Como uma parte pode ter êxito sem a cooperação das demais depende da regra da ação coletiva. Primeiramente, considere a regra da unanimidade. Negociações frustradas na regra da unanimidade paralisam as ações coletivas. Consequentemente, quando barganham sob a regra da unanimidade, as regiões e as coletividades com menor necessidade de cooperação podem demandar as melhores condições.[...] A força da negociação está nas mãos dos membros potenciais de uma coalizão majoritária. Quando se negocia sob uma regra de maioria, as regiões e as localidades dentro da coalizão interna podem demandar melhores condições de cooperação dos externos”. Por fim, é importante ter em mente que tanto os povos originários representados pela OLIMCV e pela Organização dos Mura do Lago do Soares tiveram amplo tempo e conhecimento do Projeto Autazes e podem ainda se pronunciar formalmente nos autos de origem sobre o que pensam a respeito do assunto. A circunstância de que houve uma ruptura do formato conjunto de todas as organizações de deliberação do Protocolo de Consulta em nada impede que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares emitam qualquer opinião sobre o Projeto nesses autos judiciais, tampouco que apresentem essa manifestação de vontade a qualquer órgão estatal. Há, ao meu sentir, um deslocamento do debate, como se a circunstância de a alteração do Protocolo represente a inviabilização de que essa emissão de vontade não possa mais ocorrer, o que não faz qualquer sentido. Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão, uma vez que procedeu adequadamente quanto à consulta destes povos. III.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Importante destacar que também esta Corte já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) IV. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena Soares/Urucurituba, mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A uma, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos tais quais confirmadas no Estudo de Componente Indígena: Observe-se que no caso Comunidades Indígenas Membros da Associação Lhaka Honhat (Nossa Terra) vs. Argentina, de 2020, a CIDH assentou que “embora a Convenção não possa ser interpretada de modo a impedir que o Estado realize, por si ou por meio de terceiros, projetos e obras sobre o território, seu impacto não pode, em nenhum caso, privar os membros dos povos indígenas e tribais da capacidade de garantir sua própria sobrevivência.” Os dados acima sobre as características do projeto afastam, ao menos em juízo cautelar, qualquer receio de que possa haver impacto na garantia dos Mura e Ribeirinhos do Lago do Soares de prosseguir com o estilo de vida que hoje levam, tampouco garantir a sua subsistência. Não há nenhum indício de que exista a preocupação exposta pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que as terras indígenas próximas ao empreendimento serão tornadas “inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudica[rão] drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam a região" (RE 1.379.751/PA, Rel. Min. Alexandre de Moraes). A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Cabe lembrar o art. 20 da Lei nº 6.001/1973: Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio. Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. V. Conclusão Em face do exposto, ante a ausência de fumus boni iuris, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) válidos a consulta e o consentimento emanado pelo CIM, como representativo do Povo Mura de Autazes e, em consequência, o requisito da Convenção 169 da OIT; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciar o empreendimento e a validade de todos os atos até agora praticados; (iii) afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional e autorizar o prosseguimento do projeto. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588. [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição do agravo de instrumento em apreço. De início, sem prejuízo de assinalar minha integral anuência com o voto do Relator quanto à relevância do Projeto Potássio-Autazes, entendo que as questões a serem dirimidas na insurgência perpassam apenas pelo juízo de adequação da decisão agravada ao contexto fático-processual que justificou a sua prolação. Feito o registro, cumpre também esclarecer que o recurso ora examinado foi interposto pelo Conselho Indígena Mura contra a decisão pela qual o juízo de origem, em caráter dispositivo, assim deliberou: “15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Tal o contexto, o agravante confronta as seguintes diretrizes decisórias: i) suspensão do procedimento de consulta aos povos indígenas levada a efeito; ii) necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração da área em que se pretende realizar o empreendimento. Passo, assim, a analisar tais questões: - Da suspensão dos procedimentos de consulta – a perda do objeto do agravo de instrumento, quanto ao ponto. O exame dos autos indica que a decisão agravada foi proferida em 25/08/2023. Por outro lado, a leitura do referido comando permite a compreensão de que a questão referente à consulta aos povos indígenas foi abordada pelo juízo a quo por um prisma abstrato de sua validade, em perspectiva com os demais requisitos tidos como necessários para a exploração em litígio (autorização do Congresso Nacional e competência do IBAMA para o licenciamento). É dizer, a julgadora da origem não se manifestou de forma concreta sobre aspectos materiais e formais afetos à consulta que o agravante tem com validamente realizada, pontuando, isto sim, que a validade do referido procedimento deve ser examinada de forma contextualizada com os demais requisitos para a implementação do empreendimento. Tanto assim, que a parte final do comando censurado dispõe (destaquei em itálico): “Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Ocorre que, após a prolação do referido decisum, a magistrada que conduz o processo principal se debruçou de forma mais aprofundada sobre a questão referente à consulta aos povos indígenas e, nos termos da decisão ID 1913974193, proferida em 16.11.2023, consignou (destaques sublinhados acrescidos): “Diante de todo o tumulto (mediante coação, intimidações, pressões indevidas e oferecimento de vantagens) causado pelo CIM e por prepostos da empresa ré, conforme depoimentos colhidos e mencionados no parecer ministerial, defiro o pleito ministerial e determino a imediata suspensão do procedimento de licenciamento ambiental por parte do IPAAM, bem como o da consulta ilegítima realizada após desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta, bem como de qualquer ato de avanço dos trâmites para a implementação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil S/A em Autazes, em razão dos vícios mencionados e dos riscos de conflitos e morte que a continuação dos trâmites do empreendimento minerário neste cenário acarretam ao povo Mura na região, ficando expresso que o juízo federal não confere qualquer validade à alteração esdrúxula do Protocolo construído de forma legítima por TODO O POVO MURA.” Como se vê, após a prolação da decisão agravada, o juízo a quo proferiu novo comando com caráter substitutivo do anterior, vindo a apresentar fundamentação mais aprofundada e amparada em elementos concretos sobre as razões de seu convencimento. Em outras palavras, a avaliação no plano concreto da consulta tida como realizada absorveu a deliberação anterior, esta fundada apenas em fatores afetos ao procedimento no plano abstrato. Assim, porque proferida decisão ulterior que a um só tempo incorporou e ampliou as razões contidas na decisão agravada, resulta demonstrada a perda do objeto do recurso tirado contra o aludido comando. Anoto, por fim, que tanto o MPF quanto a Funai já se manifestaram nos autos em sentido concorde com a compreensão ora externada (cf. ID 423687013 e ID 369353129). - Subsidiariamente, ao não conhecimento do recurso Ainda que se supere a questão preliminar já analisada, entendo que a decisão agravada deve ser mantida nos termos em que proferida, salientando, nesse ponto, que sua avaliação deve ser feita com base no exato sentido e alcance nela consignados. Melhor explicando, foi acima esclarecido que na decisão agravada o juízo a quo consignou que “eventual resultado” da consulta ficaria suspenso enquanto não houvesse “o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados” na decisão. Claro, portanto que, na decisão agravada, a julgadora de primeiro grau não empreendeu juízo de valoração da consulta efetivamente levada a efeito, tendo suspendido seus efeitos em razão da necessidade de observância concomitante de outros requisitos tidos como necessários para o licenciamento do empreendimento. Ocorre que a parte agravante não enfrentou de forma suficiente as razões externadas no comando recorrido, restringindo-se a defender a validade da consulta que alega já ter sido realizada, bem assim a desnecessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área em que será realizada a exploração mineral discutida na ação principal. Ora, a decisão agravada, como já afirmado, não positivou em nenhum momento a invalidade factual da consulta debatida (isso só foi feito na decisão posterior), tendo suspendido os respectivos efeitos em razão da necessidade de atendimento de outros requisitos que seriam com ela concorrentes. Um desses requisitos, a competência do Ibama para o licenciamento, não foi (e nem poderia ter sido, por ausência de legitimidade recursal) sequer objeto do presente agravo de instrumento. Assim sendo, ainda que superado o óbice relativo à perda do objeto do recurso, quanto ao ponto, este não pode ser conhecido, diante da ausência de enfrentamento da fundamentação decisória no sentido de que os efeitos da consulta somente poderiam ser efetivados em conjunto com o atendimento dos demais requisitos para a exploração da área, nomeadamente a autorização do Ibama. - Do exame residual do mérito da decisão agravada De todo modo, também na hipótese em que venha a ser desconsiderada a ausência de enfrentamento, pelo agravante, das razões decisórias, o recurso não deve ser provido. Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias destorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um doa encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os roylties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho, tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante. Da necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da Terra Indígena – ausência de legitimidade recursal, quanto ao ponto Como já antecipado, a decisão agravada não empreendeu exame qualitativo da consulta que a parte agravante considera legítima, restringindo-se a suspender seus efeitos ante a necessidade de observância de requisitos externos ao referido procedimento. Dentre as externalidades mencionadas na decisão agravada, a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi invocada como pressuposto para a implementação do Projeto Potássio-Autazes, que tem como principal interessado os responsáveis pelo empreendimento. Ainda que se diga que a parte agravante teria algum interesse na implementação no projeto, pelos possíveis benefícios que ele poderia proporcionar, tal não significa que, processualmente, caiba a ela defender a sua concretização. A ilustrar esse entendimento, tome-se como exemplo a hipótese em que o órgão ambiental responsável pelo licenciamento apresente alguma condicionante para o seu deferimento. Diante de tal situação, caberá apenas à agravada Potássio do Brasil Ltda. questionar judicialmente o óbice levantado, falecendo ao Conselho nestes autos agravante legitimidade para o enfrentamento da hipotética decisão administrativa. Mutatis mutandis, é exatamente essa a situação ora analisada, pois a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi levantada como óbice para o licenciamento do projeto discutido, diante do entendimento que ele seria realizado em terras indígenas. Não cabe, portanto, ao Conselho Mura, defender aquilo que em última análise se mostra como de interesse da empresa, o que seja, a implementação de seu empreendimento econômico. Por outro lado, o Conselho agravante não representa a totalidade da Comunidade Mura, mas apenas parte dela, daí porque não possui legitimidade para se manifestar sobre os efeitos do empreendimento nas áreas não alcançadas por sua representação. Em resumo, não cabe ao CIM questionar a avaliação feita pelo juízo processante acerca da repercussão de um projeto empresarial do qual não faz parte, em áreas ocupadas por comunidades que não representa. A legitimidade recursal da agravante, portanto, em relação ao que é objeto do agravo de instrumento, está adstrita à validade de sua manifestação no procedimento de consulta, tema já analisado no tópico anterior deste voto. Conclusão Diante do exposto, julgo prejudicado o agravo de instrumento em relação à suspensão dos efeitos da consulta realizada, diante da prolação de decisão judicial posterior. Na hipótese de superação desse ponto preliminar, não conheço do agravo, por deficiência de fundamentação e, se também afastado esse obstáculo, nego provimento ao recurso. De outro modo, não conheço do agravo de instrumento no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área onde será implementado o projeto, por ausência de legitimidade recursal. Por fim, deixo de me manifestar acerca da questão relativa à competência para o licenciamento do empreendimento, por se tratar de tema estranho ao objeto da insurgência em apreço. É como voto. Desa. Federal KATIA BALBINO Relatora CARVALHO, DéltonWinter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização Pelo Risco Ambiental. 2ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2013, pp. 187/202 PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: CONSELHO INDIGENA MURA AGRAVADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUCAO MINERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, POTASSIO DO BRASIL LTDA., FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO AMAZONAS EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura (CIM) contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, conduzida pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de pronunciamento de outras comunidades não invalida a consulta, mas mantém a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos afetados. A CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A distância de poucos quilômetros entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura causa de deslocamento de competência ao IBAMA, o qual, no entanto, possui o dever de vigilância em relação ao licenciamento estadual. Não há dados que permitam concluir que o órgão ambiental estadual não tem a qualificação ou a estruturação necessária para proceder ao licenciamento, tampouco foram apontadas omissões nas condicionantes fixadas na Licença Prévia, que expressamente consideraram o componente indígena. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada ou delimitada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal, ainda que se instaure processo demarcatório, enquanto não concluído. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada pelo CIM como representativo do povo indígena Mura de Autazes e considerar cumprida a obrigação de consultar; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
  8. Tribunal: TRF1 | Data: 09/06/2025
    Tipo: Intimação
    JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1037175-40.2023.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0019192-92.2016.4.01.3200 CLASSE: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) POLO ATIVO: CONSELHO INDIGENA MURA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: IVAN DE SOUZA QUEIROZ - AM4297 POLO PASSIVO:Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: CAROLINA MAR AZEVEDO - AM8627-A, LUIS INACIO LUCENA ADAMS - DF29512-A, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133, GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882, JOAO VITOR LISBOA BATISTA - AM18198, ISABELE AUGUSTO VILACA - AM18446, RAFAEL OLIVEIRA CAMPOS - AM18028, GABRIEL HENRIQUE PINHEIRO ANDION - AM19133 e GABRIEL ESPERANCA LISBOA - AM18882 RELATOR(A):FLAVIO JAIME DE MORAES JARDIM PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 RELATÓRIO Agravo de Instrumento interposto em 14.9.2023, pelo Conselho Indígena Mura (CIM), contra decisão da 1ª Vara Federal do Amazonas (id. – ID 1769860076), que suspendeu o resultado de consulta ao povo indígena Mura até que fossem cumpridos requisitos ambientais, legais e constitucionais, no contexto da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). A ação, na origem, busca a anulação da Licença Prévia emitida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas- IPAAM à Potássio do Brasil Ltda. referente à exploração de silvinita/potássio em Autazes/AM, alegando incompetência do órgão emissor e ausência de consulta prévia aos povos indígenas afetados. O agravante argumenta que a decisão violou sua autonomia, destacando que a consulta foi conduzida conforme protocolo próprio e recursos próprios, com representantes de 46 aldeias. Sustenta que a suspensão judicial desrespeita o resultado soberano da consulta, gera prejuízos financeiros e configura cerceamento de defesa. O CIM defende ainda que os direitos minerários da empresa foram desmembrados de terras indígenas, afastando a necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração mineral. Ao final, requer efeito suspensivo à decisão agravada, permitindo a conclusão e consideração da consulta nos autos antes de eventual sentença. Defende a existência de prejuízos irreparáveis caso o processo seja decidido sem incorporar o resultado da consulta, e reafirma o pedido de Justiça Gratuita, por ser entidade sem fins lucrativos. Foi requerida, ainda, a gratuidade de justiça. Após a distribuição, por meio da petição id. 347816151, foram juntadas atas de reuniões realizadas nos dias 15, 16, 18 e 22.8.2023, nas quais o agravante alega que foi dado início dado procedimento de consulta para representantes de 46 aldeias. Despacho de id. 348177162 intimou os agravados a apresentar contrarrazões e sobrestou a análise do pedido de liminar. Antes de escoado o prazo, o agravante apresentou petição (id. 350573644) comunicando que o Povo Mura de Autazes, nos dias 21 e 22.09.2023, finalizou a Consulta sobre o Projeto Potássio Autazes e outras questões relevantes, de acordo com a ata anexa. Destacou que foi aprovado o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta. Informou, ainda, que foi aprovado pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil faça a mineração. Requereu, assim, a atribuição de efeito suspensivo ao agravo. A Potássio do Brasil Ltda. apresentou as contrarrazões de id. 360785149. Noticiou a existência de decisão da Presidência do TRF1, a qual, nos autos da SLS nº 1040729-80.2023.4.01.0000, suspendeu a decisão original, entendendo que a paralisação antecipada do licenciamento interfere na competência administrativa e nas normas constitucionais que regulam a exploração mineral em terras indígenas. No mais, a Potássio do Brasil Ltda. adere aos argumentos do agravante, solicitando a reforma da decisão agravada. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) apresentou as contrarrazões de id. 367016144, aduzindo que o projeto e suas jazidas estão a 8 km das terras indígenas mais próximas e que a legislação atual estabelece o critério territorial para definir competências ambientais. Assim, considera desnecessária a autorização do Congresso Nacional, pois não há exploração direta em terras indígenas. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. A autarquia também aponta distinções entre este caso e precedentes como o da Usina de Belo Monte, afirmando que as decisões anteriores foram proferidas sob normas ultrapassadas. O IPAAM defende que as competências estaduais devem prevalecer e que decisões como a suspensão do licenciamento afrontam a separação de poderes e a ordem administrativa. No pedido, o IPAAM solicita a reforma da decisão para restabelecer sua competência e remover a exigência de autorização legislativa federal. O IBAMA apresentou a petição id. 368864139 informando carecer de interesse em apresentar contrarrazões em face do mencionado recurso de agravo de instrumento, uma vez que sua posição nos autos de origem sempre foi no sentido de que não possui competência legal para conduzir o licenciamento ambiental em questão e, tampouco, para intervir no âmbito da consulta livre, prévia e informada que deve ser realizada perante a comunidade indígena que venha a ser afetada pelo empreendimento. A FUNAI protocolou a manifestação de id. 369353129. Inicialmente, a FUNAI argumenta pela perda superveniente do objeto do agravo, uma vez que nova decisão foi proferida pelo juízo de origem, abordando fatos e fundamentos distintos, como a inexistência de consulta válida com participação de todos os indígenas afetados, especialmente da Comunidade Lago Soares. A decisão, prolatada por meio do id. 190941615, relata coações, pressões e irregularidades promovidas pela empresa Potássio do Brasil e seus representantes. Entre as medidas adotadas, destaca-se a suspensão do licenciamento ambiental pelo IPAAM e de atos vinculados ao empreendimento, além da fixação de multas e proibição de práticas coercitivas. No mérito, a FUNAI defende a manutenção da decisão agravada, ressaltando que a consulta ao povo Mura é imprescindível, mas deve observar a inclusão de todas as comunidades potencialmente afetadas. A instituição destaca a necessidade de conclusão dos estudos demarcatórios da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, conduzidos por grupo técnico da FUNAI, para garantir a legitimidade e abrangência da consulta. Por fim, a FUNAI solicita, em preliminar, o não conhecimento do agravo por perda de objeto e, subsidiariamente, o seu desprovimento, mantendo a decisão que suspendeu o resultado da consulta e os atos administrativos relacionados ao empreendimento até o cumprimento dos requisitos legais. A ORGANIZAÇÃO DE LIDERANÇAS INDÍGENAS MURA DE CAREIRO DA VÁRZEA - OLIMCV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES apresentou a manifestação de id. 357658659. Defenderam a ilegitimidade e a invalidade da consulta realizada para aprovação do Projeto Potássio Autazes, apontando graves violações ao Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura de Autazes e Careiro da Várzea. O documento destaca que o Conselho Indígena Mura (CIM), ao conduzir a consulta, ignorou a inclusão de comunidades contrárias ao projeto, como a Aldeia Soares, e promoveu reuniões com fortes indícios de coação, pressão e manipulação, em desrespeito às diretrizes estabelecidas no protocolo previamente aprovado pelas comunidades. Além disso, aponta a participação irregular de representantes da empresa Potássio do Brasil Ltda., prática vedada no contexto das reuniões internas. As lideranças contrárias ao empreendimento denunciaram promessas de compensações financeiras, irregularidades na condução das consultas e a tentativa de impor um novo protocolo de consulta para fragmentar a representação do povo Mura, excluindo as aldeias do município de Careiro da Várzea. A defesa ressalta ainda que a consulta não foi realizada de forma ampla, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT. Em termos jurídicos, as contrarrazões pedem o reconhecimento da nulidade do resultado da consulta e a manutenção da decisão judicial de suspensão do licenciamento ambiental e de atos administrativos relacionados ao projeto até que sejam cumpridos os requisitos legais e constitucionais, com participação efetiva de todas as comunidades afetadas. O parecer id. 373711134, ofertado pelo MPF, pugna pelo desprovimento do agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura por perda superveniente do objeto. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO JARDIM - Relator: I. Estão preenchidos os requisitos de admissibilidade. A peça, subscrita por profissional legalmente habilitado, (a) foi protocolada no prazo legal. O agravante requereu seja o preparo dispensado em razão da hipossuficiência, o que defiro. Conheço do Recurso. II. A decisão agravada, datada de 25.8.2023, no que interessa (id. 1769860076): III. Este agravo foi protocolado pelo Conselho Indígena Mura – CIM e visa a suspender os efeitos da decisão agravada de id. 1769860076, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0019192- 92.2016.4.01.3200, movida pelo MPF. Contra essa decisão, também foram interpostos os seguintes recursos: (i) AI nº 1039810-91.2023.4.01.0000, protocolado pela Potássio do Brasil Ltda. (ii) AI nº 1042776-27.2023.4.01.0000, protocolado pelo Ibama; (iii) Ai nº 1043035-22.2023.4.01.0000, protocolado pela União. No agravo, é postulado que a decisão agravada seja reformada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". III.a. A Relevância do Projeto Potássio-Autazes Consoante destacou a União em petição protocolizada nestes autos, "o Projeto Autazes foi habilitado, na forma do Decreto nº 10.657/2021, pelo Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos – CTAPME, para integrar a política de apoio ao licenciamento ambiental de projetos de investimento para a produção de Minerais Estratégicos – Pró Minerais Estratégicos, em 28 de setembro de 2021." [1] Segundo o que assevera a União, "[d]e acordo o que dispõe o Decreto nº 10.657/2021, os projetos minerários habilitados na Política de Pró-Minerais Estratégicos são considerados prioritários ao país em razão dos seguintes critérios (art. 2º): i) alto percentual de importação para suprimento de setores vitais da economia; ii) aplicação em produtos e processos de alta tecnologia e iii) vantagens comparativas e essencial para a geração de superavit da balança comercial do país." [id.] A União complementa que o projeto "visa a exploração de minério cloreto de potássio, fertilizante fundamental para a agricultura nacional." [id.] Pelas informações prestadas, "o Brasil importa 95% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo, ostentado o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia." [id.] A previsão da empresa é de "atender cerca de 25% do consumo nacional do minério, reduzindo a dependência interna do produto por mais de 30 anos." [id.] A União ainda aponta que a relevância do projeto foi exacerbada com o recente cenário de guerra entre Ucrânia-Rússia: "Ocorre que as recentes sanções econômicas impostas à Bielorrússia, responsável por ¼ de toda produção mundial de cloreto de potássio, gerou enorme preocupação no setor agroindustrial brasileiro em razão da possível escassez do minério, o que poderá impactar o custo de produção e, consequentemente, o aumento do preço dos alimentos. Observa-se, assim, que o desenvolvimento de projetos minerários com capacidade de aumentar significativamente a oferta de fertilizantes ao mercado interno, reduzindo a dependência estrangeira, é essencial para a proteção dos pequenos produtores de alimentos e da população mais vulnerável à variação de preço dos alimentos. [...] Além disso, há apenas três grandes players produtores no mundo, sendo que em dois deles, Rússia e Bielorrússia, há interferência dos governos na atuação internacional das empresas. As duas últimas crises mundiais de fertilizantes, em que os preços ao produtor rural aumentaram mais de 150% em menos de seis meses, ocorreram por ocasião da atuação das empresas de fertilizantes potássicos. Na atual crise de fertilizantes, o primeiro nutriente a faltar para o Brasil foi o potássio." [id.] Segundo o ente público, há altíssima dependência nacional de fertilizantes estrangeiros, o que torna o país ainda mais vulnerável, pois os grandes produtores agrícolas mundiais possuem autonomia no fornecimento de fertilizantes: "O Brasil vem presenciando, nos últimos anos, um forte aumento nas importações de fertilizantes. Estima-se que, em 2020, mais de 80% dos que foram consumidos no Brasil são de origem estrangeira, respondendo a produção nacional por menos de 20% da demanda do país. Estrategicamente, todos os países que são grandes produtores agrícolas no mundo, têm autonomia no fornecimento de fertilizantes, uma vez que produzem, no mínimo, 50% da sua demanda anual, exceto o Brasil. A dependência se agrava quando se verifica que o Brasil deverá responder por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos, aumentando proporcionalmente a demanda por fertilizantes. Atualmente, o Brasil é o quarto consumidor global de fertilizantes, responsável por cerca de 8% desse volume e é o maior importador mundial, ou seja, é o país com a maior dependência externa por fertilizantes." [id.] A variação de preços da commodity é também apontada como fator de preocupação, tendo em vista que há ciclos de crises mundiais que elevam os preços a níveis acima do padrão: "Aumentos nos preços desses insumos acontecem em ciclos de crises mundiais, como em 2008 e 2021, períodos em que foram registrados os maiores preços da história. Esse cenário impacta negativamente na competividade dos produtos agrícolas brasileiros, pois os fertilizantes já ocupam mais de 40% do custo de produção de culturas importantes como soja, milho e algodão, que compõem as principais exportações do agronegócio brasileiro, tornando o produto nacional menos competitivo." [id.] Assim, a conclusão da União é a de que "o Projeto Autazes pode proporcionar ao Brasil uma arrancada em direção à segurança do fornecimento de fertilizante potássicos para o país." [id.] Abaixo, as características físicas do projeto: Vale ressaltar que se cuida de empreendimento significativamente menor do que, por exemplo, a UHE Belo Monte, que possui dois reservatórios de regularização, com área total de 478 km², sendo 274 km² do leito original do Rio Xingu. Os dois reservatórios são o Reservatório Xingu, com 359 km², e o Reservatório Intermediário, com 119 km. É, desde já, importante destacar que no caso Comunidade Indígena Yakye vs. Paraguai, decidido em 17.6.2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a propriedade indígena pode sofrer restrições quando presente interesse social e um objetivo estatal legítimo. Confira-se trecho do voto: Constam dos autos, ainda, diversas matérias jornalísticas de 2022 informando problemas de escassez do cloreto de potássio no mercado mundial, devido à guerra na Ucrânia (id. 970735666). No volume 3, consta ainda a Nota n. 00144/2023/CONJUR-MAPA/CGU/AGU, a qual atesta que a demanda por fertilizantes potássicos aumentará bastante nos próximos anos e que a produção nacional está decaindo: O documento ainda atesta que o Projeto Autazes está intimamente ligado com caros direitos fundamentais de índole social e com os fundamentos da ordem econômica, os quais incumbe a Administração dar concretude: Por fim, requer-se a aplicação do art. 20 da LINDB no julgamento desta ACP n. 0019192-92.2016.4.01.3200: "Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas." Diante do quadro apresentado, sem resolver a questão sobre o local em que será instalado o projeto minerário é ou não terra indígena, há aparência de que o projeto possui interesse social, eis que visa a fornecer insumos para a agricultura -, e também persegue um objetivo estatal legítimo, podendo ser executado inclusive se estiver em terras indígenas, desde que obedecida a legislação brasileira. III.b. O Conselho Indígena Mura - CIM e a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV O Conselho Indígena Mura - CIM é inequivocamente a entidade representativa dos Mura que residem em Autazes. Da mesma forma, a Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea - OLIMCV é a organização que representa os Mura no município do Careiro da Várzea. Essa circunstância é inequívoca dos autos e está consignada no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Careiro da Várzea, Amazonas. Confira-se à fl. 30, no capítulo "Quem Fala Em Nome dos Mura?": "Apesar de a Constituição Federal garantir que nossas terras sejam demarcadas, o Estado ainda não demarcou todas. A demarcação é nossa maior luta. "Mas nós sabemos que temos direito à nossa autodeterminação e ao autogoverno. A Constituição Federal de 1988, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, assinadas pelo Brasil, garantem nosso direito ao autogoverno: somente nós, Mura, podemos decidir quem representa nossas aldeias e nosso povo. Por isso criamos as nossas organizações. As aldeias da região onde fica o município de Autazes se reúnem nas assembleias do Conselho Indígena Mura - CIM, e as aldeias que ficam na região onde está o município do Careiro da Várzea se reúnem nas assembleias da Organização das Lideranças Mura do Careiro da Várzea, OLIMCV. Estas nossas organizações são um direito nosso, assegurado pela Constituição Federal (art. 5º): temos o direito de nos organizar livremente e de tomar nossas decisões de maneira soberana e autônoma nas assembleias das nossas organizações. Quando os não-índios querem elaborar um projeto, medida ou lei, são obrigados a nos consultar antes, sem nos pressionar e nos informando sobre todos os detalhes da proposta. Para começar esse diálogo, que é a consulta prévia, os não-índios " III.c. As Entidades Representativas e o Poder de Fala dos Povos Originários Nos termos do art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, são as instituições representativas dos povos originários que devem falar pelos indígenas em fases de consulta. Confira-se: "1. Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o desenvolvimento ou a utilização de suas terras ou territórios e outros recursos. 2. Os Estados realizarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, à utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo. 3. Os Estados estabelecerão mecanismos eficazes para a reparação justa e equitativa dessas atividades, e serão adotadas medidas apropriadas para mitigar suas consequências nocivas nos planos ambiental, econômico, social, cultural ou espiritual." Também no caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Equador, sentença de 27 de junho de 2012, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi expressamente consignado que “os Estados devem incorporar essas normas aos processos de consulta prévia, de maneira a gerar canais de diálogos sustentados, efetivos e confiáveis com os povos indígenas nos procedimentos de consulta e participação por meio de suas instituições representativas." Sendo assim, como as consultas e cooperação entre indígenas devem ser verbalizadas por meio das suas instituições representativas, não há dúvidas de que, no caso em concreto, quem deve falar sobre os interesses dos Muras de Autazes é o CIM e pelos Mura de Careiro da Várzea é a OLIMCV. A própria decisão de id. 925987687, do Juízo de origem, reconhece que o CIM é a instituição que representa parte do Povo Indígena Mura nestes autos: III.d. A Abrangência do Dever de Consulta, a Inexistência do Poder de Veto e o Momento Adequado Sobre a abrangência do dever de consulta, no document Handbook for ILO Triparte Constituents - Understanding the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), publicado pela OIT, com a finalidade de responder questões essenciais sobre a Convenção 169, é dito que um dos principais desafios da convenção é garantir que consultas apropriadas sejam realizadas antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que provavelmente afetarão diretamente os povos indígenas e tribais [2]. Segundo o que decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos em Garífuna Triunfo de La Cruz e seus membros vs. Honduras, os elementos essenciais do direito de consulta são “a) o caráter prévio da consulta; b) a boa-fé e a finalidade de chegar a um acordo; c) a consulta adequada e acessível; d) o estudo de impacto ambiental; e e) a consulta informada.” É incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública. Essa ideia é pedagogicamente explicada na obra "The Oxford Handbook of International Enviromental Law", de Lavanya Rajamani e Jacqueline Peel, ao tratar da Convenção 169 da OIT (pág. 739): "Governments shall consult, 'in good faith...with the objective of achieving agreement or consent to the proposed measures' when considering legislative or administrative measures which may affect Indigenous peoples directly. Special measures to safeguard persons, institutions, property, labour, cultures, and environment of the Indigenous peoples shall not be contrary to the freelyexpressed wishes of the peoples concerned. The Convention acknowleges Indigenous peoples to be distinct polities within states". Em tradução livre: "Os governos deverão consultar, 'de boa fé... com o objetivo de chegar a acordo ou consentimento para as medidas propostas' ao considerar medidas legislativas ou administrativas que possam afetar diretamente os povos indígenas. Medidas especiais para salvaguardar pessoas, instituições, propriedades, trabalho, culturas e meio ambiente dos povos indígenas não devem ser contrárias aos desejos livremente expressos dos povos envolvidos. A Convenção reconhece os povos indígenas como entidades políticas distintas dentro dos Estados". Portanto, devem os indígenas expressar livremente seus modos de criar, fazer e viver, nos termos do art. 216, II, da Constituição e devem ser ouvidos propriamente quando puderem ser afetados por medidas que os impactem. Mas não basta. É indispensável que suas ideias, expressadas num ambiente livre e sem intimidações, sejam consideradas pelo órgão ambiental e pelo poder público, como um todo, ao analisar o licenciamento e/ou autorização para uma obra ou empreendimento que puderem afetar tais comunidades tradicionais. Em outras palavras, esse poder de fala (livre) dos indígenas gera, em contrapartida, um dever de escuta das autoridades envolvidas. É importante esclarecer, porém, que isso não significa a existência de um poder de veto por parte da comunidade indígena. Realizar a consulta é uma obrigação convencional, com força supra legal. Acatar necessariamente a integralidade do que for demandado não parece ser, ao menos pelo que constatei da jurisprudência do STF e do que consta em documentos da própria OIT. Confira-se, nesse sentido, o que já decidiu o STF, no julgamento da PET 3388 ED/RR: "70. Por fim, conforme observado pelo Ministro Gilmar Mendes, a relevância da consulta às comunidades indígenas “não significa que as decisões dependam formalmente da aceitação das comunidades indígenas como requisito de validade” (fl. 799). Os índios devem ser ouvidos e seus interesses devem ser honesta e seriamente considerados. Disso não se extrai, porém, que a deliberação tomada, ao final, só possa valer se contar com a sua aquiescência . Em uma democracia, as divergências são normais e esperadas. Nenhum indivíduo ou grupo social tem o direito subjetivo de determinar sozinho a decisão do Estado. Não é esse tipo de prerrogativa que a Constituição atribuiu aos índios. 71. A mesma lógica se aplica em matéria ambiental, que também mereceu proteção diferenciada por parte do constituinte. Por isso mesmo, e com a devida vênia em relação à posição da embargante (fl. 16.165), não há um problema a priori no fato de que “as tradições e costumes indígenas” sejam considerados como “apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental”. Em verdade, essa é uma circunstância inerente à unidade do sistema constitucional, que promove a tutela de um conjunto variado de interesses e direitos que, em diversas situações, podem entrar em rota de colisão. Ao não instituir uma hierarquia rígida ou estática entre tais elementos, a Constituição impõe a necessidade de que a concordância entre eles seja produzida em cada contexto específico, à luz de suas peculiaridades. 72. Assim, como responsável pela administração das áreas de preservação, o Instituto Chico Mendes não pode decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, devendo levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Nesse cenário, é de fato possível – como afirma a embargante – que “o administrador da unidade de conservação, até pela sua posição institucional, ponha em primeiro plano a tutela ambiental, em detrimento do direito das comunidades indígenas”. Contudo, é igualmente possível que isso não ocorra, não cabendo a este Tribunal antecipar o erro, a negligência ou a má-fé. Em qualquer caso, os índios, suas comunidades e o próprio Ministério Público poderão recorrer ao Poder Judiciário sempre que reputarem inválida uma decisão do Instituto (ou de qualquer outra autoridade)." (Emb. Decl. na Petição 3.388/RR, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 23.10.2013) No mesmo sentido, são os comentários feitos no documento editado em 2019, pela Organização Internacional do Trabalho - OIT, intitulado Excerpts from reports and comments of the ILO Supervisory Bodies - Applying the Indigenous and Tribal Peoples Convention, 1989 (No. 169), disponível no site da organização: Confira-se o que está dito nas fls. 48-49 do referido documento: "Concerning the nature of consultation, from the review of the preparatory work concerning Convention No. 169 and from the review of the wording of the two authoritative texts of the Convention, the Committee concludes that it was the intention of the drafters of the Convention that the obligation to consult under the Convention was intended to mean that: 1) consultations must be formal, full and exercised in good faith; 26 there must be a genuine dialogue between governments and indigenous and tribal peoples characterized by communication and understanding, mutual respect, good faith and the sincere wish to reach a common accord; 2) appropriate procedural mechanisms have to be put in place at the national level and they have to be in a form appropriate to the circumstances; 3) consultations have to be undertaken through indigenous and tribal peoples’ representative institutions as regards legislative and administrative measures; 4) consultations have to be undertaken with the objective of reaching agreement or consent to the proposed measures It is clear from the above that pro forma consultations or mere information would not meet the requirements of the Convention. At the same time, such consultations do not imply a right to veto, nor is the result of such consultations necessarily the reaching of agreement or consent." [3] A tradução livre deste trecho é a seguinte: "Quanto à natureza da consulta, da revisão dos trabalhos preparatórios relativos à Convenção nº 169 e da análise dos textos das duas versões autorizadas da Convenção, o Comitê conclui que os redatores da Convenção tinham a intenção de que a obrigação de consultar sob a Convenção significasse o seguinte: as consultas devem ser formais, completas e exercidas de boa fé; deve haver um diálogo genuíno entre os governos e os povos indígenas e tribais caracterizado pela comunicação e entendimento mútuos, respeito mútuo, boa fé e o sincero desejo de alcançar um acordo comum; mecanismos procedimentais apropriados devem ser estabelecidos no nível nacional e devem estar em uma forma adequada às circunstâncias; as consultas devem ser realizadas por meio das instituições representativas dos povos indígenas e tribais no que se refere a medidas legislativas e administrativas; as consultas devem ser realizadas com o objetivo de alcançar acordo ou consentimento quanto às medidas propostas. É claro a partir do exposto que consultas meramente formais ou simples fornecimento de informações não satisfariam os requisitos da Convenção. Ao mesmo tempo, tais consultas não implicam um direito de veto, nem o resultado dessas consultas necessariamente é o alcance de um acordo ou consentimento." É essencial, assim, deixar claro que a opção pelo empreendimento, ou não, é do Poder Público e a ele compete, respeitando os termos da Constituição e da legislação, licenciá-lo. Por fim, sobre o momento da consulta, no caso Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, decidido em 27.12.2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, foi também referido que o “requisito de consulta prévia implica que essa consulta deva ser realizada antes de tomar-se a medida, ou executar o projeto suscetível de afetar as comunidades [...] e que as comunidades sejam envolvidas o quanto antes no processo”. III.e. Análise das alegações do agravo de instrumento Pois bem, apresentados estes esclarecimentos introdutórios, passa-se ao exame do agravo. Como dito, no recurso, é postulada a reforma da decisão agravada, "excluindo-se a suspensão quanto a apresentação do resultado da Consulta do Povo Mura que, sendo juntado aos autos, deverá ser considerado válido e ser respeitado, devendo ainda ser excluída da decisão questões que não são objeto da ação, como a necessidade de autorização do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas e as questões climáticas que não são objeto de discussão na ação". Ou seja, o que se deseja é que seja reconhecida como válida da consulta efetivada, bem como que seja definido que a área do projeto não é terra indígena, consequencia lógica para se afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º, CF). III.e.1. O Processo de Consulta no Caso Concreto O processo de consulta, no caso em questão, demandou anos para ser realizado. Pela análise dos autos, é possível perceber que o anúncio da descoberta das minas se deu 2010 e 2013 e o Estudo de Impacto Ambiental foi concluído em 2015 (id. 296953002), assim como a emissão da licença prévia pelo IPAAM, cuja validade é questionada na origem. Como a Ação Civil Pública nº 0019192-92.2016.4.01.3200 foi ajuizada em 2016, todo o processo de consulta foi acompanhado pelo Juízo. Antes de iniciar a fase de consulta, em 7.5.2018, foi determinada a suspensão de qualquer atividade de prospecção por parte da Potássio do Brasil Ltda., para que fosse iniciada a construção de um protocolo de consulta. O Juízo inclusive homologou a designação um antropólogo, o Dr. Bruno Walter Caporrino, para mediar, facilitar e presidir os trabalhos de construção do protocolo de consulta, tendo este sido remunerado pela Potássio do Brasil Ltda. Tanto a FUNAI, como o DNPM foram devidamente cientificados do procedimento definido. Confira-se o inteiro teor da decisão (id. 297015035): Ou seja, o presente caso apresenta uma particularidade em relação aos que normalmente são judicializados: toda a fase de consulta foi acompanhada pelo Juízo. É interessante verificar também o inteiro teor dos relatórios das oficinas realizadas nas aldeias, cuja elaboração coube ao Dr. Bruno Walter Caporrino. São trabalhos bastante extensos e ricos em em destacar o procedimento que estava sendo levado a efeito pelo perito. Por exemplo, o relatório constante do id. 297015043, protocolado nos autos em 2018, contém 169 páginas e é encaminhado por meio do ofício abaixo, com os seguintes termos: As seguintes aldeias foram visitadas: Ao todo, foram 19 atividades: Posteriormente, ainda houve a protocolização de relatórios complementares em 2019 (fls. 1255 - 1719 - id. 297031909). Após, houve uma Assembleia de Aprovação do Protocolo de Consulta e Consentimento Mura em 18.6.2019. A Lista de presença está à fl. 1.780-1.810 e a ata ás fls. 1.758-1779 - id. 297031909. Há juntada de DVDs com a audiência gravada e também de cópia impressa do protocolo (fls. 1.825-1.880 - id. 297047874). O procedimento foi plenamente aceito por todas as partes envolvidas, chegando o MPF, na petição de 11.9.2019 (fl. 1.906-1.909) a afirmar que se cuida de relevante momento para o Estado democrático de direito. Frise-se que as aldeias do Soares e Careiro receberam Oficinas, conforme acima relatado. Ficou também expresso que o princípio da vinculação ao aos termos do referido instrumento deveria reger a relação e que estava sendo inaugurado um interesse diálogo das fontes: Posteriormente, foi realizada audiência judicial na qual foi acordado que a Potássio do Brasil Ltda. entregaria até o dia 18.11.2019 a proposta do empreendimento oficialmente ao CIM e à OLIMCV. Confira-se a parte final da ata: Ato contínuo, em 18.11.2019, foi protocolada petição pela Potássio do Brasil Ltda. comunicando a entrega do material ao CIM e ao OLIMCV, as quais responderam confirmando o recebimento da documentação e dando o aceite no início do processo de consulta (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). O protocolo também foi feito perante a Justiça Federal, o MPF e o perito do juízo foi copiado nos emails. Em relação às características do empreendimento, foi informado o seguinte em documentos acostados aos autos: Após, com o início da pandemia da COVID-19, o processo sofreu atrasos e apenas foi retomado em 2021, depois da vacinação dos Mura. Foi apresentado orçamento da consulta, equivalente a R$ 1.258.687,90 (id. 637592027). Foi estabelecido um cronograma de reuniões com dos Povos Mura informado pelo CIM (id. 830734065), sendo que o plano era a conclusão até o final de maio de 2022: Após, foi realizada inspeção judicial em 29.3.2022 (Relatório - id. 1061672277) o que representou mais uma paralisação no processo. O ponto mais relevante consignado foi o seguinte: Em seguida, houve notícia de que o MPF protocolou a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200, mediante a qual pleiteia que seja concluída a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Ato contínuo, petição de 20.9.2022, o MPF relatou a existência de pressões e coações por parte da empresa sobre os povos indígenas de Autazes e região e a sobreposição da exploração minerária pretendida pela Potássio do Brasil Ltda. ao referido território tradicional indígena. Ademais, aduziu o MPF que as estruturas minerárias seriam construídas a aproximadamente dois quilômetros da área de moradia (casas da aldeia Soares), e dentro da área indígena reivindicada, território de uso tradicional do povo Mura. Nesse contexto, requer a suspensão da licença expedida quanto ao Projeto Potássio Amazonas/Autazes, bem como a suspensão do procedimento de consulta prévia até finalização do procedimento de demarcação do território (ACP 1015595-88.2022.4.01.3200), no qual haveria liminar concedida. Sobre esse pedido, a FUNAI se manifestou sobre a ausência de indícios de tradicionalidade (id. 1419622747): Após, em 16.2.2023, a FUNAI fez juntar aos autos documento intitulado Análise Cartográfica nº 138/2023, mediante a qual apresentou as seguintes conclusões (id. 1496199359): Veja-se, então, que se diz expressamente que há uma área de sobreposição, mas ao mesmo tempo afirma-se que há uma distância de 2,52 km da aldeia Soares da base de exploração. Foi também apontada uma área de influência considerada uma área de 10 km a partir da área total do “Projeto Potássio Amazonas – Autazes”, nos termos do Anexo I da Portaria Interministerial nº 60/2015 da FUNAI. O mapa trazido na inicial permite a compreensão da área: É curioso notar que a existência de indígenas e também de não indígenas na área do Lago do Soares foi identificada quando da demarcação da Terra Indígena Jauary, mas não entendeu-se que o local onde será instalado a base de exploração da Potássio do Brasil Ltda. não deveria ser abarcado no perímetro da respectiva terra. Confira-se a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): É importante perceber também que, segundo informações da FUNAI, o município de Autazes possui mais de 20 terras indígenas regularizadas ou em processo de demarcação. Ou seja, não é um município em relação ao qual já não se tenham sido feitas delimitações de áreas de tradicionalidade indígena. Além disso, é válido destacar que no Caso Povos Kaliña e Lokono VS. Suriname, decidido em 2015, ficou estabelecido que “para efeitos de delimitação, demarcação e titulação do território tradicional [...], a Corte estima que o direito à propriedade dos povos indígenas e tribais contempla garantias plenas sobre os territórios que tradicionalmente possuíram, ocuparam e utilizaram para exercer sua própria forma de vida, subsistência, tradições, cultura e desenvolvimento como povos”. No entanto a Corte assinalou que “sem prejuízo do exposto, existiriam outras áreas tradicionais complementares ou adicionais às que tenham tido acesso para suas atividades tradicionais ou de subsistência (que, caso seja conveniente, podem compartilhar outras finalidades), a respeito das quais se deve garantir, pelo menos, o acesso e uso, na medida em que seja cabível.” Ou seja, para a CIDH, nem toda área área que os indígenas utilizem para subsistência ou mesmo habitem configura necessariamente uma Terra Indígena. Chama a atenção o fato de que a própria inspeção judicial constatou a presença de populações ribeirinhas na região do Lago do Soares, as quais, ao que parece, estão lá também há muitos anos, sendo que existe uma convivência aparentemente harmoniosa: Na inicial da ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 é também reconhecida a existência de indígenas e ribeirinhos, tendo em vista que há aldeias e povoados na região: No caso acima a Corte também constatou que “efetivamente, dentro do território que os Povos Kaliña e Lokono alegam ser seu território tradicional, haveria, pelo menos 10 assentamentos maroons que estariam excluídos dessa queixa, a saber: 1) Albina; 2) Papatam; 3) Mankelekampu; 4) Mariakondre; 5) Eduardkondre; 6) Akoloikondre; 7) Bamboesi; 8) Koni; 9) Moengotapu; e 10) Adjoemakondre [...]. No entanto, a Corte não dispõe de informação suficiente que lhe permita esclarecer os argumentos relacionados a possíveis assentamentos maroons em: 1) Bilokondre; 2) Krontokondre; 3) Soke; 4) Pakirakondre; 5) Mopikondre; 6) Onikaikondre; 7) Manjabong; 8) Bonikondre ou Baajoebekampu; 9) Nengrekriki; 10) Solegakampu; e 11) Brunswijkkamp […]” E disse que, “sem prejuízo do exposto, sendo que é dever do Estado delimitar os territórios tradicionais, cabe a ele, mediante um processo consultivo e mediante as medidas necessárias de caráter administrativo e legais, conforme as normas internacionais na matéria, primeiramente delimitar os territórios que cabem aos Povos Kaliña e Lokono, em conformidade com o parágrafo 139 desta sentença, para assim proceder a sua demarcação e titulação, garantindo seu uso e gozo efetivo. Para isso, o Estado também deve respeitar os direitos que possam assistir aos povos tribais ou a seus membros na área. Para isso, o Estado deverá desenvolver, de comum acordo com as comunidades indígenas e maroons, regras de convivência pacíficas e harmoniosas no território em questão.” Por fim, o CIM, em 25.9.2023, protocolou petição comunicando que (i) aprovou o desmembramento entre as aldeias de Autazes e Careiro da Várzea, havendo o Povo Mura de Autazes aprovado o seu próprio protocolo de consulta, bem como que (ii) aprovou pela maioria das aldeias de Autazes (mais de 60%, conforme o protocolo de consulta) a realização e execução do Projeto Potássio Autazes, concordando que a Potássio do Brasil Ltda. faça a mineração. Eis a petição (id. 1829380152): Em anexo, foi apresentado o Relatório das Lideranças Mura de Autazes (id. 1829380154): Não houve juntada de documento de aprovação ou de rejeição do OLIMCV. Houve inclusive alteração do Protocolo de Consulta, excluindo a participação do OLIMCV, ou seja, dos Mura do município do Careiro da Várzea, em relação à deliberação da agravante. III.e.2. A Validade da Consulta Efetivada Cumpre examinar a validade da Consulta efetivada. Com efeito, foi devidamente reconhecido com ao CIM compete emitir manifestação de vontade sobre o Povo Mura de Autazes. Pela dicção do art. 6º da Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, “ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios diretamente”. Não parecem existir argumentos que possam permitir que, ao menos em sede de cognição sumária, que a consulta realizada ao povo CIM não tenha sido efetuada com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Como se depreendeu do histórico acima, houve um amplo debate com o Povo Mura de Autazes para entender o que significava o processo de consulta, compreender a relevância de examinar o projeto e também os direitos que terão frente a ele. O processo foi iniciado há quase 10 anos. Há notícias de oficinas, reuniões, audiências públicas. A aparência é que tenha sido um processo livre, eis que ainda houve acompanhamento judicial das etapas, algo que não é o usual. Seguiu-se, assim, o que havia determinado a FUNAI (fl. 1362 - id. 297018889): Não há notícia de que o CIM tenha alterado o posicionamento externado na petição acima. Este Relator recebeu as lideranças em seu Gabinete em Audiência e tudo foi reafirmado. Apesar de a consulta ter sido realizada após a emissão da licença prévia pelo IPAAM, ela foi feita antes de concretizado qualquer ato de instalação e exploração do empreendimento. Houve inclusive acordo judicial suspendendo as etapas, até que fosse concluída a Consulta. A licença prévia ainda continha como condicionante de que era necessária a apresentação do estudo de componente indígena à Funai. Confira-se (id. 296936996 - fl. 242): Não se pode, então, dizer que a consulta não obedeceu ao momento adequado. No caso concreto, não há realisticamente como ter existido uma consulta anterior à que foi realizada, uma vez que foi feita durante os estudos para ser decidir sobre a viabilidade ou não da obra. Ou seja, fase meramente preliminar, sem qualquer ato de execução, quando já identificados os riscos do empreendimento e quando ainda há um tempo "adequado para a discussão interna nas comunidades, para oferecer uma resposta adequada ao Estado". Além disso, os indígenas aparentemente tiveram amplo acesso à documentação do empreendimento, ao EIA/RIMA, ao Estudo de Componente Indígena e tiveram ampla chance de compreender o que está sendo proposto. Não se pode dizer que a realização de consulta por meio de audiências públicas não cumpre a obrigação de adequadamente consultar os povos. Os procedimentos apropriados exigidos pela Convenção são aqueles que os indígenas acharem apropriados. Se a audiência pública for assim considerada, não há porque concluir que não é adequado para o fim pretendido. Não há nada que imponha uma forma de consulta diversa, salvo a vontade dos indígenas. Por fim, chama a atenção de que o Protocolo de Consulta tenha sido alterado no curso do processo para separar o consentimento entre o CIM, o qual, como dito acima, inequivocamente representa os Mura que residem em Autazes, e a OLIMCV, entidade representativa que representa os Mura no município de Careiro da Várzea. Esta alteração, contudo, não tem o condão de retirar a validade da consulta efetivada. Isso, porque pela leitura dos autos, percebe-se que a própria Funai sempre se manifestou no sentido de que a população indígena potencialmente afetada era a dos Mura de Autazes. Confira-se o seguinte trecho, por exemplo (fl. 1.362 – id. 297018889), em que é dito que os indígenas que deveriam ser consultados são os da Terra Indígena Jauary e Paracuhuba, as quais, consoante a Análise Cartográfica nº 138/2023, são as que estão próximas do empreendimento: Além disso, o fato de que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, dissidência do CIM, não tenham se manifestado junto com o CIM não impede que eles expressamente se pronunciem sobre a consulta. A documentação dos autos comprova que a OLIMCV e a Organização Mura do Lago do Soares, então parte do CIM, receberam todos os documentos relativos ao empreendimento (fls. 1.993-2000 -id. 297047889). A OLIMCV inclusive confirmou o recebimento do e-mail (id. 297047889 – p. 33): Existe a comprovação de que foram recebidas diversas unidades do protocolo de consulta, requerimento de despesas para realização de reuniões (id. 297018967): Confira-se, ainda, o seguinte documento (id. 637592035): É preciso dizer que a proteção dos povos e terras indígenas é permanente para o Estado Brasileiro. A mera circunstância de que a consulta foi realizada não satisfaz a obrigação permanente de assistência e proteção desses povos, ouvindo-os sempre de boa-fé e atendendo, quando possível, as demandas pleiteadas. O que se estabelece é um diálogo permanente e não momentâneo. Se novas dúvidas surgirem, se problemas antes não imaginados forem detectados, competirá ao Estado Brasileiro lidar com as questões e sanar esses problemas, de forma a dar ampla concretude aos direitos e garantias dos povos originários. Assim, caso a OLIMCV logre comprovar que a delimitação da Funai está de que os Mura de Careiro da Várzea deveriam também ser obrigatoriamente consultados, ainda que não haja notícias de que nenhuma aldeia será diretamente impactada pelo trajeto, tal diálogo tem totais condições de ainda ser estabelecido de maneira satisfatória, com a implantação de reparações necessárias, mesmo com o projeto em curso. Adicionalmente , também é de se considerar que o fato de os Mura da aldeia do Lago de Soares, situada em Autazes, terem ficado vencidos na alteração do protocolo de consulta e, posteriormente, terem decidido romper com a autoridade constituída, qual seja, o CIM, não invalida a alteração. No modelo deliberativo adotado pelos Mura de Autazes, não há exigência de unanimidade para a aprovação da alteração, a qual, é certo, inviabilizaria a conclusão do processo. Não é possível invalidar a alteração do protocolo de consulta somente porque os Mura do Lago de Soares, submetidos, incontroversamente, à data da deliberação, à autoridade do CIM, discordam da decisão. Chancelar a nulidade da alteração diante da discordância de uma parcela dos indígenas afetados representaria a inviabilização da construção de um protocolo de consulta e de qualquer deliberação, especialmente em relação a litígios complexos, vide o caso dos autos. Na obra Constitutional Strategies, o Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, Robert Cooter, aponta as deficiências de um sistema baseado na regra da unanimidade: “O poder de barganha depende das consequências da falha na negociação. Se uma negociação é frustrada, cada parte deve fazer o seu melhor sem a cooperação dos demais. As partes que se beneficiam menos da cooperação terão o maior poder de barganha. Como uma parte pode ter êxito sem a cooperação das demais depende da regra da ação coletiva. Primeiramente, considere a regra da unanimidade. Negociações frustradas na regra da unanimidade paralisam as ações coletivas. Consequentemente, quando barganham sob a regra da unanimidade, as regiões e as coletividades com menor necessidade de cooperação podem demandar as melhores condições.[...] A força da negociação está nas mãos dos membros potenciais de uma coalizão majoritária. Quando se negocia sob uma regra de maioria, as regiões e as localidades dentro da coalizão interna podem demandar melhores condições de cooperação dos externos”. Por fim, é importante ter em mente que tanto os povos originários representados pela OLIMCV e pela Organização dos Mura do Lago do Soares tiveram amplo tempo e conhecimento do Projeto Autazes e podem ainda se pronunciar formalmente nos autos de origem sobre o que pensam a respeito do assunto. A circunstância de que houve uma ruptura do formato conjunto de todas as organizações de deliberação do Protocolo de Consulta em nada impede que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares emitam qualquer opinião sobre o Projeto nesses autos judiciais, tampouco que apresentem essa manifestação de vontade a qualquer órgão estatal. Há, ao meu sentir, um deslocamento do debate, como se a circunstância de a alteração do Protocolo represente a inviabilização de que essa emissão de vontade não possa mais ocorrer, o que não faz qualquer sentido. Em verdade, a ausência de manifestação formal sobre o tema da consulta para depois se alegar que a Consulta não ocorreu representa um veto em branco ao Projeto, pois se busca evitar a consolidação de uma etapa necessária deslocando o foco do debate. É importante ressaltar que a CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. Veja-se que essas organizações não alegam que não estão devidamente informadas, que não tiveram tempo para se reunir ou debater, que não receberam documentos, que não tiveram como debater o projeto com órgãos estatais ou com a empresa. O que se alega simplesmente é que o CIM não poderia ter aprovado isoladamente o projeto, sem que se diga se aprovam ou desaprovam e por quais razões. Veja o que disse a CIDH no caso Pueblo Indígena U’WA y sus miembros VS. Colombia: 191. Nos casos em que – tendo os Estados promovido a consulta de boa-fé e em conformidade com os padrões previamente estabelecidos (supra, parágrafos 168 a 178 e 190) – o povo indígena se recuse a participar, deverá ser considerado que o povo indígena está em desacordo com a atividade objeto da consulta e, portanto, a obrigação da consulta será considerada esgotada. Além disso, os Estados devem garantir que as medidas adotadas sejam proporcionais e respeitem o princípio da igualdade e da não discriminação, levando também em consideração a natureza da medida e seu impacto no território e na cultura. Do mesmo modo, os Estados devem garantir o acesso à justiça em relação às medidas que possam afetar diretamente um povo indígena ou tribal, a fim de verificar se a consulta prévia foi realizada em conformidade com as obrigações internacionais do Estado e com a jurisprudência desta Corte. Caso o povo indígena tenha se recusado a participar da consulta, a autoridade judicial deverá verificar se o Estado tomou medidas específicas e agiu de boa-fé para realizar a consulta prévia, livre e informada, e se, nesse contexto, a atividade restringe de forma desproporcional os direitos do povo indígena ou tribal. Tradução livre de: 191. En los casos en los que –habiendo los Estados impulsado la consulta de buena fe y conforme a los estándares previamente señalados (supra, párrs. 168 a 178 y 190)— el pueblo indígena se niegue a participar, deberá considerarse que el pueblo indígena está en desacuerdo con la actividad objeto de la consulta, y por lo tanto la obligación de la consulta se tendrá por agotada271. Además, los Estados deben garantizar que las medidas adoptadas sean proporcionales y respeten el principio de igualdad y no discriminación, tomando además en consideración la naturaleza de la medida y su impacto en el territorio y la cultura272. Asimismo, los Estados deben garantizar el acceso a la justicia frente a las medidas que puedan afectar directamente a un pueblo indígena o tribal, a fin de verificarse si la consulta previa fue realizada de conformidad con las obligaciones internacionales del Estado y la jurisprudencia de esta Corte. En caso de que el pueblo se haya negado a participar en la consulta, la autoridad judicial deberá verificar si el Estado tomó medidas específicas y de buena fe a fin de realizar la consulta previa, libre e informada, y si en ese contexto la actividad limita de forma desproporcionada los derechos del pueblo indígena o tribal. Fonte: https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_530_esp.pdf Sendo assim, deve-se considerar que a etapa de consulta foi adequadamente cumprida e que a OLIMCV e a Organização dos Mura do Lago do Soares, por não emitirem pronunciamento expresso sobre os termos da consulta, apesar de cientes dessa prerrogativa – uma vez que participaram da elaboração do protocolo de consulta –, bem como dos termos do projeto, uma vez que receberam da Potássio o e-mail contendo todas as informações -, simplesmente se recusaram a participar. Por tal razão, os órgãos estatais devem considerar que recusaram o projeto, sem que isso implique poder de veto. Frise-se que a ausência da manifestação dessas associações não exime o Estado de proteger legitimamente os indígenas que habitam nas aldeias que representam. Como disse a União no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000, “todos os impactos ambientais e socioculturais do empreendimento sobre o povo mura do Lago de Soares e da Vila de Urucurituba estão sendo devidamente tratados no licenciamento ambiental em curso. Durante o licenciamento, foi elaborado estudo do Componente Indígena, indicando as consequências sociais e ambientais do empreendimento, bem como apresentados formas de mitigação/compensação” (id. 274290022 – fl. 39). Ante esse quadro, ao menos em juízo preliminar, não há razões para concluir que o Estado Brasileiro não cumpriu os seus compromissos internacionais de respeito aos direitos humanos indígenas em relação ao projeto de aprovação da licença prévia do empreendimento em questão, uma vez que procedeu adequadamente quanto à consulta destes povos. III.e.3. A Competência para Licenciar o Empreendimento A decisão agravada ainda consignou ser o IBAMA o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto. Creio estar a compreensão equivocada e que o correto entendimento foi abordado de forma minuciosa pela União quando da interposição do Agravo de Instrumento n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que será julgado na mesma oportunidade deste recurso. Coaduno com a fundamentação exposta pela União, pelo que integro-a às razões de decidir deste agravo. A Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, regulamenta a competência dos entes federativos em questões ambientais, estabelecendo diretrizes para cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Alinhada à Constituição Federal, a norma aborda ações administrativas conjuntas relacionadas à proteção do meio ambiente, combate à poluição e preservação de recursos naturais, como florestas, fauna e flora. Essa norma promoveu uma divisão clara de competências, reduzindo conflitos especialmente no âmbito do licenciamento ambiental, que antes era regulado majoritariamente pela Resolução 237 do CONAMA. A lei determina que apenas um órgão será responsável pela aprovação, fiscalização e eventual sanção, assegurando celeridade, transparência e segurança jurídica no processo de licenciamento. A lei também prevê instrumentos de cooperação, como consórcios públicos, convênios e delegações de competências, desde que o ente delegado disponha de estrutura técnica e conselho ambiental adequados. A simplificação do licenciamento ambiental permite que empreendimentos poluidores ou potencialmente degradantes sejam licenciados pelo órgão competente de qualquer nível federativo, inclusive municipal, promovendo eficiência administrativa. Confira-se os dispositivos da norma que tratam sobre a competência de cada ente federativo, sobretudo com relação ao licenciamento ambiental: Art. 7º São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento; -.-.- Art. 8° São ações administrativas dos Estados: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7° e 9°; XV - promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); -.-.- Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); Dito isso, peço licença para transcrever a argumentação da União nos autos do AI n° 1014645-76.2022.4.01.0000, que adoto como razões de decidir: "[p]ercebe-se que a LC nº 140/2011 trouxe diferentes critérios definidores de competência para cada ente (União – localização e tipo de atividade; Município – alcance do impacto ambiental; Estado – residual). Cada critério não se confunde com os demais e não tem aplicação a outros entes federativos. Da leitura do art. 8º, XIV depreende-se que aquilo que não estiver expressamente taxado como sendo competência da União (art. 7º) ou dos Municípios (art. 9º) é competência dos Estados-membros (caráter residual). Por isso, nada mais natural do que ler as competências contidas na LC nº 140 de forma restritiva ou literal em relação a União e Municípios. Como destacou o TRF da 1ª Região, ao tratar da interpretação restritiva em caso envolvendo competência para licenciamento ambiental, assim como na Constituição, “o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal.” (TRF da 1a Região, 5a T., v.u., AC 0000267- 95.2005.4.01.3600, rel. Des. João Batista Moreira, j. em 17/08/2011, eDJF1 26/08/2011, p. 153.) Dessa forma, não cabem considerações expansivas da competência da União, devendo o intérprete trabalhar com o texto dado pela LC 140, não podendo usar argumentos não previstos expressamente na lei. Na perspectiva da LC n. 140/2011, a competência para licenciamento será federal apenas quando estiver configurada uma das hipóteses previstas no art. 7º, XIV, que estabelece apenas critério de localização e de tipo de atividade ou no caso de empreendimentos que atendam a tipologia prevista na alínea "h" (atualmente definida no Decreto nº 8.437, de 22 de abril de 2015). Percebe-se, portanto, que para que haja competência federal para licenciamento prevista no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140/2011 (Terra Indígena), deve-se atender ao critério da localização do empreendimento – não tendo aplicação o critério do alcance dos impactos: Art. 7° São ações administrativas da União: (...) XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: (...) c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; Quando o legislador quis adotar o critério do âmbito do impacto ambiental da atividade ou empreendimento, o fez de forma explícita: Art. 9° São ações administrativas dos Municípios: (...) XIV - observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade Percebe-se, claramente, que o legislador adotou o critério do alcance do impacto ambiental no art. 9º, XIV, “a” da LC nº 140 como definidor apenas da competência para licenciamento dos Municípios. Já no art. 7º, XIV, “c” da LC nº 140 constata-se que não houve menção alguma ao âmbito de impacto do empreendimento, mas apenas à localização e ao desenvolvimento da atividade: “localizados ou desenvolvidos em terras indígenas”. Se quisesse adotar o critério do impacto ambiental para competência federal, o legislador teria definido que são ações administrativas da União promover o licenciamento de empreendimentos e atividades que causem ou possam causar impacto ambiental em Terra Indígena. Não o fez. Optou pelo critério da localização. Houve, portanto, silêncio eloquente do legislador, que, em relação ao licenciamento de atividades em Terra Indígena optou por afastar o critério do alcance do impacto e adotar exclusivamente o critério da localização do empreendimento. Ou seja, a competência somente será fixada como federal quando o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena, não se aplicando o critério de impacto ambiental para fixação da competência federal. O empreendimento tratado na demanda está localizado e será desenvolvido completamente fora de Terra Indígena (demarcada e em demarcação). Em relação à INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 1, de 22 de fevereiro de 2021 da Funai, mencionada no despacho a que a Juíza faz referência na decisão agravada, destaca-se que o ato dispõe sobre os procedimentos a serem adotados durante o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades localizados ou desenvolvidos no interior de Terras Indígenas cujo empreendedor seja organização indígena. O que reforça que a competência federal se dá no caso de empreendimento localizado ou desenvolvido no interior de terra indígena – e não de atividades que possam afetar terra indígena. Ademais, as áreas de influência direta e indireta dos impactos ambientais do empreendimento devem vir definidas no EIA, que é elaborado por equipe multidisciplinar habilitada, responsável tecnicamente pelos estudos apresentados. No caso do empreendimento em tela, verifica-se que o EIA apresentado definiu a área de influência dos impactos ambientais do empreendimento em dois quilômetros quadrados (2 km²) no Projeto Autazes. O empreendimento, como demonstrado anteriormente, encontra-se a 8 km dos limites de terras indígenas demarcadas e em demarcação. Quanto à Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, imperioso tecermos alguns comentários. Inicialmente, importante destacar que a referida portaria estabelece procedimentos administrativos para oitiva da FUNAI, da Fundação Cultural Palmares, do IPHAN e do Ministério da Saúde em licenciamentos ambientais que já são de competência do Ibama. A portaria não estabelece, portanto, critério para definição de competência, mas apenas regras e procedimentos administrativos para a oitiva dos mencionados entes e órgãos. Assim, no curso de licenciamento que já está ocorrendo perante o Ibama: (a) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra quilombola, deverá haver manifestação da Fundação Cultural Palmares, (b) se constatada a ocorrência de bens culturais acautelados em âmbito federal na área de influência da atividade, deverá haver manifestação do IPHAN, (c) se constatado que pode haver impacto socioambiental em terra indígena, deverá haver manifestação da FUNAI e (d) se o empreendimento localizar-se em município pertencente à área de risco ou endêmica para malária, deverá haver oitiva do Ministério da Saúde. Percebe-se claramente que a portaria não fixa critérios de definição de competência para licenciamento pelo Ibama. Não se cogita competência do Ibama para licenciar empreendimento pelo simples fato de impactar em terra quilombola, afetar bens culturais acautelados no âmbito federal ou estar localizado em área de risco de malária. Assim, a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Do mesmo modo, a presunção de intervenção em terra quilombola, quando o empreendimento estiver no raio de 10 km (art. 3º, § 2º, II c/c Anexo I), obviamente, também não gera competência automática do Ibama, gerando apenas a necessidade de oitiva da Fundação Cultural Palmares. (...) A Portaria Interministerial n. 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, portanto, não prevê competência da União (IBAMA) para licenciar quando se presume a intervenção em terra indígena (ou em terra quilombola ou em área de risco de malária ou em área com bens culturais acautelados) pelo fato do empreendimento estar localizado no raio de 10 km. A referida norma infralegal não atrai a competência do IBAMA por ausência de previsão no art. 7º da L.C 140/11, gerando apenas a exigência de oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), e não usurpação da competência para licenciar. Nesse ponto, importante diferenciar o critério para definição de competência para licenciamento, qual seja, a localização dentro de Terra Indígena, que deve ser interpretado restritivamente (art. 7º, XIV, “c” e art. 8º XIV), do critério para realização de Estudo de Componente Indígena ou de Consulta Prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, que é qualquer medida suscetível de afetá-los, o que admite uma interpretação mais elástica e, inclusive, foi objeto de concordância entre as partes para a sua realização. Percebe-se, então, que a hipótese normativa do art. 7º, XIV, inciso “c” da Lei Complementar n. 140 se aplica exclusivamente aos projetos localizados no interior de terras indígenas. No caso de empreendimento fora de terra indígena, a competência será do órgão ambiental estadual, mesmo que haja necessidade de ECI, de Consulta Prévia e haja reflexo na TI". Entendo correta assim a conclusão a que chegou a União, a partir da leitura da legislação, de que a presunção de intervenção em terra indígena, quando o empreendimento estiver localizado no raio de 10 km de TI (art.3, § 2º, I c/c Anexo I) serve como uma cautela para proteção dos direitos dos indígenas e gera apenas a oitiva da FUNAI (art.2º, III, “c” c/c arts. 3º e 7º, caput, I), não definindo competência federal para licenciamento. Afora esse aspecto, existe precedente do STF, com eficácia vinculante, que expressamente abordou a questão e reconheceu que é possível que um órgão ambiental estadual licencie um empreendimento em um caso em que efeitos indiretos para comunidades indígenas possam ocorrer. Foi justamente a ADI 4.757, que analisou a constitucionalidade da Lei Complementar nº 140/2011. Confira-se a ementa: CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. FEDERALISMO COOPERATIVO. COMPETÊNCIA COMUM EM MATÉRIA AMBIENTAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 CF. LEI COMPLEMENTAR Nº 140/2011. FEDERALISMO ECOLÓGICO. DESENHO INSTITUCIONAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS FUNDADO NA COOPERAÇÃO. RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE. DEVERES FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO COMO PARÂMETRO NORMATIVO DE CONTROLE DE VALIDADE (ARTS. 23, PARÁGRAFO ÚNICO, 225, CAPUT, § 1º). RACIONALIDADE NO QUADRO ORGANIZATIVO DAS COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS. EFICIÊNCIA E COORDENAÇÃO DO AGIR ADMINISTRATIVO. VALORES CONSTITUCIONAIS. PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL DE LICENCIAMENTO E ATIVIDADES FISCALIZATÓRIAS. EXISTÊNCIA E CAPACIDADE INSTITUCIONAL DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS COMO REQUISITO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA INSTITUÍDA NA LEI COMPLEMENTAR. ATUAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA. TUTELA EFETIVA E ADEQUADA DO MEIO AMBIENTE. LIMITES DA COGNIÇÃO JURISDICIONAL NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATRIBUÍDA AO § 4º DO ART. 14 E AO 3º DO ART. 17. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A Lei Complementar nº 140/2011 disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, em resposta ao dever de legislar prescrito no art. 23, III, VI e VI, da Constituição Federal. No marco da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 6.938/1981, e da forma federalista de organização do Estado constitucional e ecológico, a Lei Complementar nº 140/2011 foi a responsável pelo desenho institucional cooperativo de atribuição das competências executivas ambientais aos entes federados. 2. Legitimidade ativa da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente e Pecma (ASIBAMA). Inegável a representatividade nacional da associação requerente, assim como a observância do requisito da pertinência temática para discutir questões versando alteração estrutural do sistema normativo de proteção do meio ambiente, conforme descrito no art. 3º, VI, do Estatuto Social juntado ao processo, quando do ajuizamento da presente ação. Reconhecimento da legitimidade da associação autora na ADI 4.029 (caso Instituto Chico Mendes). 3. O Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance normativo do parágrafo único do art. 65 do texto constitucional, definiu interpretação jurídica no sentido de que o retorno à Casa iniciadora apenas deve ocorrer quando a Casa revisora, em seu processo deliberativo, aprovar modificação substancial do conteúdo do projeto de lei. Afastado, no caso, o vício de inconstitucionalidade formal do § 3º do art. 17. 4. Da interpretação do art. 225 da Constituição Federal, fundamento normativo do Estado de Direito e governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira voltada ao reconhecimento do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em uma perspectiva intergeracional. A segunda relacionada aos deveres de proteção e responsabilidades atribuídos aos poderes constituídos, aos atores públicos e à sociedade civil em conjunto. A preservação da ordem constitucional vigente de proteção do meio ambiente, densificada nos seus deveres fundamentais de proteção, impõe-se, pois, como limite substantivo ao agir legislativo e administrativo. O que significa dizer que tanto a Política Nacional do Meio Ambiente, em todas as suas dimensões, quanto o sistema organizacional e administrativo responsável pela sua implementação, a exemplo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais, devem traduzir os vetores normativos do constitucionalismo ecológico e do federalismo cooperativo. 5. A Lei Complementar nº 140/2011, em face da intricada teia normativa ambiental, aí incluídos os correlatos deveres fundamentais de tutela, logrou equacionar o sistema descentralizado de competências administrativas em matéria ambiental com os vetores da uniformidade decisória e da racionalidade, valendo-se para tanto da cooperação como superestrutura do diálogo interfederativo. Cumpre assinalar que referida legislação não trata sobre os deveres de tutela ambiental de forma genérica e ampla, como disciplina o art. 225, §1º, IV, tampouco regulamenta o agir legislativo, marcado pela repartição concorrente de competências, inclusive no tocante à normatização do licenciamento em si. 6. O modelo federativo ecológico em matéria de competência comum material delineado pela Lei Complementar nº 140/2011 revela quadro normativo altamente especializado e complexo, na medida em que se relaciona com teia institucional multipolar, como o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e com outras legislações ambientais, como a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e a Lei de Infrações penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (Lei nº 9.605/1998). O diálogo das fontes revela-se nesse quadro como principal método interpretativo. 7. Na repartição da competência comum ( 23, III, VI e VII CF), não cabe ao legislador formular disciplina normativa que exclua o exercício administrativo de qualquer dos entes federados, mas sim que organize a cooperação federativa, assegurando a racionalidade e a efetividade nos encargos constitucionais de proteção dos valores e direitos fundamentais. Ademais, os arranjos institucionais derivados do federalismo cooperativo facilita a realização dos valores caros ao projeto constitucional brasileiro, como a democracia participativa, a proteção dos direitos fundamentais e a desconcentração vertical de poderes, como fórmula responsiva aos controles social e institucional. Precedentes. 8. O nível de ação do agir político-administrativo nos domínios das competências partilhadas, próprio do modelo do federalismo cooperativo, deve ser medido pelo princípio da subsidiariedade. Ou seja, na conformação dos arranjos cooperativos, a ação do ente social ou político maior no menor, justifica-se quando comprovada a incapacidade institucional desse e demonstrada a eficácia protetiva daquele. Todavia, a subsidiariedade apenas apresentará resultados satisfatórios caso haja forte coesão entre as ações dos entes federados. Coesão que é exigida tanto na dimensão da alocação das competências quanto na dimensão do controle e fiscalização das capacidades institucionais dos órgãos responsáveis pela política pública. 9. A Lei Complementar nº 140/2011 tal como desenhada estabelece fórmulas capazes de assegurar a permanente cooperação entre os órgãos administrativos ambientais, a partir da articulação entre as dimensões estáticas e dinâmicas das competências comuns atribuídas aos entes federados. Desse modo, respeitada a moldura constitucional quanto às bases do pacto federativo em competência comum administrativa e quanto aos deveres de proteção adequada e suficiente do meio ambiente, salvo as prescrições dos arts. 14, § 4º, e 17, § 3º, que não passam no teste de validade constitucional. 10. No § 4º do art. 14, o legislador foi insuficiente em sua regulamentação frente aos deveres de tutela, uma vez que não disciplinou qualquer consequência para a hipótese da omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental. Até mesmo porque para a hipótese de omissão do agir administrativo no processo de licenciamento, o legislador ofereceu, como afirmado acima, resposta adequada consistente na atuação supletiva de outro ente federado, prevista no art. 15. Desse modo, mesmo resultado normativo deve incidir para a omissão ou mora imotivada e desproporcional do órgão ambiental diante de pedido de renovação de licença ambiental, disciplinado no referido § 4º do art. 14. 11. Um dos princípios fundamentais do funcionamento do sistema legal de tutela do meio ambiente é o da atuação supletiva do órgão federal, seja em matéria de licenciamento seja em matéria de controle e fiscalização das atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores ou degradantes do meio ambiente. No exercício da cooperação administrativa, portanto, cabe atuação suplementar – ainda que não conflitiva – da União com a dos órgãos estadual e municipal. As potenciais omissões e falhas no exercício da atividade fiscalizatória do poder de polícia ambiental por parte dos órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) não são irrelevantes e devem ser levadas em consideração para constituição da regra de competência fiscalizatória. Diante das características concretas que qualificam a maioria dos danos e ilícitos ambientais de impactos significativos, mostra-se irrazoável e insuficiente regra que estabeleça competência estática do órgão licenciador para a lavratura final do auto de infração. O critério da prevalência de auto de infração do órgão licenciador prescrito no § 3º do art. 17 não oferece resposta aos deveres fundamentais de proteção, nas situações de omissão ou falha da atuação daquele órgão na atividade fiscalizatória e sancionatória, por insuficiência ou inadequação da medida adotada para prevenir ou reparar situação de ilícito ou dano ambiental. 12. O juízo de constitucionalidade não autoriza afirmação no sentido de que a escolha legislativa é a melhor, por apresentar os melhores resultados em termos de gestão, eficiência e efetividade ambiental, mas que está nos limites da moldura constitucional da conformação decisória. Daí porque se exige dos poderes com funções precípuas legislativas e normativas o permanente ajuste da legislação às particularidades e aos conflitos sociais. 13. A título de obter dictum faço apelo ao legislador para a implementação de estudo regulatório retrospectivo acerca da Lei Complementar nº 140/2011, em diálogo com todos os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, como método de vigilância legislativa e posterior avaliação para possíveis rearranjos institucionais. Sempre direcionado ao compromisso com a normatividade constitucional ambiental e federativa. Ademais, faço também o apelo ao legislador para o adimplemento constitucional de legislar sobre a proteção e uso da Floresta Amazônia (art. 225, § 4º), região que carece de efetiva e especial regulamentação, em particular das atividades fiscalizadoras, frente às características dos crimes e ilícitos ambientais na região da Amazônia Legal. 14. Improcedência dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade dos arts. 4º, V e VI, 7º, XIII, XIV, “h”, XV e parágrafo único, 8º, XIII e XIV, 9º, XIII e XIV, 14 § 3º, 15, 17, caput e §§ 2º, 20 e 21, Lei Complementar nº 140/2011 e, por arrastamento, da integralidade da legislação. 15. Procedência parcial da ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal: (i) ao § 4º do art. 14 da Lei Complementar nº 140/2011 para estabelecer que a omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação de licenças ambientais instaura a competência supletiva dos demais entes federados nas ações administrativas de licenciamento e na autorização ambiental, como previsto no art. 15 e (ii) ao § 3º do art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011, esclarecendo que a prevalência do auto de infração lavrado pelo órgão originalmente competente para o licenciamento ou autorização ambiental não exclui a atuação supletiva de outro ente federado, desde que comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023) Importante destacar que também esta Corte já decidiu no sentido de que a competência será do órgão ambiental estadual nos casos em que o empreendimento está localizado fora de terra indígena. Confira-se: DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. USINA HIDRELÉTRICA. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA, EM REGRA, DE ENTIDADE ESTADUAL. CONSTRUÇÃO FORA DE TERRA INDÍGENA E IMPACTOS REGIONAIS INDIRETOS. COMPETÊNCIA FEDERAL TAXATIVAMENTE PREVISTA EM LEI E EM RESOLUÇÃO DO IBAMA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM COMPETÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL. SENTENÇA QUE ACOLHE ORIENTAÇÃO EM SENTIDO OPOSTO. APELAÇÃO. RECEBIMENTO SÓ NO EFEITO DEVOLUTIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE SE PRETENDE TAMBÉM EFEITO SUSPENSIVO. PROVIMENTO. (...) 3. Emerge dos autos que a PCH Paranatinga II não está projetada em rio da União (o que, aliás, não seria determinante de competência do IBAMA para o licenciamento) e nem em terras indígenas, apenas encontrando-se a relativa distância de terras indígenas ("33,81 km da Terra dos Parabubure, 62,52 km da Marechal Rondon e 94,12 km do Parque Nacional do Xingu"). Também emerge claro que o impacto ambiental em outro Estado é indireto. A pouca potencialidade para atingir gravemente, mesmo de forma indireta, terras indígenas, uma região inteira ou outro Estado-membro pode ser deduzida do tamanho do lago (336,8 ha), área à qual foram reduzidos os 1.290 ha inicialmente previstos, questão esta não apreciada na sentença. 4. Algum impacto a construção da usina trará à bacia do Rio Xingu e a terras indígenas, mas esses impactos são indiretos, não afastando a competência da entidade estadual para o licenciamento. (...) justifica-se a competência do IBAMA quando o empreendimento esteja sendo desenvolvido em terras indígenas, não o que possa refletir sobre terras indígenas. O próprio juiz diz que há "prova irrefutável de que o empreendimento questionado nesta lide trará conseqüências ambientais e sociais para os povos e terras indígenas que lhe são próximos". (...) 6. Na Constituição as competências materiais da União vêm expressas (enumeradas), ficando para os Estados-membros e Distrito Federal as competências remanescentes, significando dizer que em regra (por exclusão das competências da União, taxativamente previstas) as competências são dos Estados-membros. Assim na Constituição, o mesmo critério deve ser empregado na interpretação das normas infraconstitucionais. Não há, pois, lugar para interpretação extensiva ou analógica da regra de competência da entidade federal. (...) 8. Provimento ao agravo de instrumento, com atribuição de efeito suspensivo à apelação. (TRF da 1ª Região. Processo Numeração Única: 0020981-75.2006.4.01.0000. AG 2006.01.00.020856-8 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA. Órgão: QUINTA TURMA. Publicação: 09/11/2006 DJ P. 65. Data Decisão: 20/09/2006) Com efeito, vale destacar trechos relevantes do referido julgado: "(...) Assim, conforme se extrai da legislação supracitada, não seria o caso de competência do IBAMA para conduzir o licenciamento. Isso porque as atividades do empreendimento, embora estejam localizadas a relativa proximidade das comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público Federal, não se situam em terras indígenas. (...) o empreendimento não está inserido em terras indígenas, estando dispensada a atuação do IBAMA com fundamento no disposto no inciso I do artigo 4º acima transcrito. (...) Portanto, a Lei Complementar nº 140/2011 veio reafirmar as regras de distribuição de competências trazidas pela Resolução nº 237/97 de forma que resta afastada a competência do IBAMA para licenciamento das atividades". Frise-se que não há qualquer alegação de insuficiência ou incapacidade técnica do órgão ambiental estadual do Amazonas para licenciar o empreendimento, o que justifica a manutenção da competência. Ao Ibama, no entanto, ainda que não tenha a competência para licenciar, remanesce um dever de vigilância, podendo impor condicionantes adicionais que julgue adequadas. Confira-se trecho do voto da Ministra Rosa Weber (fl. 85): Assim, considerando o empreendimento objeto da lide se encontra a cerca de 8 quilômetros dos limites de terras indígenas demarcadas, a competência para processar o licenciamento não é do ente federal. Nesse sentido, deve prevalecer o argumento do IBAMA no sentido de que "não compete ao IBAMA o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena, regra prevista no artigo 7º, inciso XIV, alínea c, da Complementar n. 140/2011 como atribuição do ente federal, razão pela qual merece reforma a decisão atacada para definir a atribuição legal do IPAAM para conduzir o licenciamento ambiental em questão". Por fim, não há alegação de que alguma condicionante específica deveria ter sido exigida pelo IPAAM e não foi, o que poderia demandar a competência supletiva do IBAMA. Aparentemente, as condicionantes foram adequadas, consoante se extrai da leitura da Licença Prévia n. 54/15: Confira-se, expressamente, a existência das condicionantes indígenas: Vale ressaltar que o caso em questão em nada se assemelha com o julgado do STF no RE 1.379.751, caso do licenciamento da Usina de Belo Monte, uma vez que lá foi discutida a ausência de consulta aos povos indígenas afetados antes da edição do Decreto Legislativo 778, de 13 de julho de 2005, o qual autorizou o Poder Executivo a implantar o Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte, localizado em trecho do Rio Xingu, no Estado do Pará, antes da necessária oitiva às comunidades afetadas. Aqui houve a oitiva e foi realizada no momento adequado, como se expôs acima. Afora esse aspecto, no caso acima, não houve discussão sobre competência para licenciamento, uma vez que este coube ao IBAMA e não ao órgão ambiental do Pará. Tampouco existe similaridade com o que decidido pelo STJ no AgInt no REsp 1.390.476/PR, citado pelo voto divergente, em que expressamente se assentou que o licenciamento de terminal portuário seria do IBAMA e não do órgão ambiental por conta de diversos fatores, como a circunstância de que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva, nos termos do art. 7º, XIV, ‘a’, da LC 140/2011. Essa situação fática não está presente neste caso. Confira-se: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. IBAMA. ATIVIDADE DE TERMINAL PORTUÁRIO QUE PODE CAUSAR SIGNIFICATIVO IMPACTO AMBIENTAL. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, "o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (...) em face do Instituto Ambiental do Paraná e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, requerendo a declaração da competência do órgão ambiental federal - IBAMA, para que assuma a presidência do procedimento do licenciamento ambiental até então conduzido pelo órgão ambiental estadual (IAP), em virtude de manifesta incompetência deste órgão". O Tribunal de origem reformou a sentença, que havia reconhecido a competência do órgão estadual para o licenciamento ambiental. III. O entendimento firmado, à luz das provas dos autos, pelo Tribunal a quo - no sentido de que, "considerando que as atividades do empreendedor serão desenvolvidas no mar continental e na zona econômica exclusiva; que o empreendimento, por situar-se em área contígua a terras indígenas, trará impactos a essa comunidade; que serão afetados bens que apresentam relevância histórica e cultural e, por fim, que há potencial de dano ambiental de caráter regional, conclui-se que a competência para o licenciamento ambiental é do IBAMA, razão pela qual deve ser reformada a sentença que julgou improcedente a ação" - não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. IV. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp n. 1.390.476/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 29/4/2020, DJe de 5/5/2020.) IV. A Reivindicação da Terra Indígena Soares/Urucurituba Como dito, o MPF propôs a ACP nº 1015595-88.2022.4.01.3200 na qual alega que omissão estatal na regularização fundiária de Terra Indígena Soares/Urucurituba, mesmo diante de robustas provas documentais e antropológicas que confirmariam a ocupação tradicional. A área encontra-se sob forte pressão devido à exploração de silvinita pela empresa Potássio do Brasil Ltda., que, segundo relatórios técnicos, ameaça o equilíbrio ambiental e o modo de vida das comunidades indígenas. O pedido se baseia na violação de direitos fundamentais dos povos indígenas e no risco iminente de danos irreversíveis ao meio ambiente e à preservação cultural. A FUNAI, apesar de reiterados ofícios e manifestações do MPF, não deu andamento ao processo demarcatório, acarretando prejuízos irreparáveis às comunidades tradicionais. O MPF requereu a suspensão deste processo para fins de aguardar o posicionamento da Diretoria de Proteção Territorial (DPT) Funai sobre o tema relativo a demarcação da Terra Indígena Soares/Urucurituba. Além disso, o MPF reiterou, de todo modo, o pedido anteriormente feito sobre a necessidade de suspensão de todo processo judicial, e consequentemente da consulta nos moldes da Convenção 169 da OIT, enquanto a questão prejudicial da demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba não for definida pelo juízo. Com todas as vênias, entendo que essa pretensão não merece prosperar. A uma, pois já foi longamente exposto que, historicamente, a posição da FUNAI foi contrária à pretensão de demarcação daquela área (1419622747): Foi ainda devidamente assinalado que aquela área já havia sido estudada quando da delimitação dos limites da Terra Indígena Jauary, bem como que a área, apesar de conter alguns indígenas, também possui população ribeirinhas, o que pode inclusive levar a se concluir não ser Terra Tradicional. Confira-se novamente a menção à população indígena Mura no Lago do Soares, constante do Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Jaurary (id 296993382 - fl. 40): A União também aduziu a inexistência de fumus boni iuris na petição de agravo protocolada no AI nº 1038777-03.2022.4.01.0000 (id. 274290019): Como aqui se está a examinar o feito em sede de cognição sumária, frente aos prejuízos que o atraso do projeto pode gerar para os objetivos estatais legítimos, é de se concluir que não se faz concretizada aparência legítima de direito a ponto de legitimar a suspensão. Se não se está diante de Terra Indígena demarcada, inclusive sequer limitada, estando o projeto em seu estágio inicial, não se pode presumir que seja Terra Indígena e, portanto, que haja necessidade de autorização do Congresso Nacional para o prosseguimento do empreendimento. Caso seja definido que se trata Terra Indígena, creio que será necessária a edição de autorização do Congresso Nacional, a qual deverá disciplinar a validade dos atos concretos praticados enquanto a demarcação ainda não havia sido concluída, consideradas, sobretudo, as peculiaridades do empreendimento expostas nos autos tais quais confirmadas no Estudo de Componente Indígena: Observe-se que no caso Comunidades Indígenas Membros da Associação Lhaka Honhat (Nossa Terra) vs. Argentina, de 2020, a CIDH assentou que “embora a Convenção não possa ser interpretada de modo a impedir que o Estado realize, por si ou por meio de terceiros, projetos e obras sobre o território, seu impacto não pode, em nenhum caso, privar os membros dos povos indígenas e tribais da capacidade de garantir sua própria sobrevivência.” Os dados acima sobre as características do projeto afastam, ao menos em juízo cautelar, qualquer receio de que possa haver impacto na garantia dos Mura e Ribeirinhos do Lago do Soares de prosseguir com o estilo de vida que hoje levam, tampouco garantir a sua subsistência. Não há nenhum indício de que exista a preocupação exposta pelo Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que as terras indígenas próximas ao empreendimento serão tornadas “inóspitas, direta ou indiretamente, ou prejudica[rão] drasticamente a cultura e a qualidade de vida das populações indígenas que habitam a região" (RE 1.379.751/PA, Rel. Min. Alexandre de Moraes). A necessidade de estabelecimento de um regime de transição é uma compreensão do texto do art. 231, § 6º, da CF/88: Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. Confiram-se, ainda, as conclusões apresentadas pelo DNPM (FL. 1.531 – id. 297015018): Cabe lembrar o art. 20 da Lei nº 6.001/1973: Art. 20. Em caráter excepcional e por qualquer dos motivos adiante enumerados, poderá a União intervir, se não houver solução alternativa, em área indígena, determinada a providência por decreto do Presidente da República. 1º A intervenção poderá ser decretada: a) para pôr termo à luta entre grupos tribais; b) para combater graves surtos epidêmicos, que possam acarretar o extermínio da comunidade indígena, ou qualquer mal que ponha em risco a integridade do silvícola ou do grupo tribal; c) por imposição da segurança nacional; d) para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; e) para reprimir a turbação ou esbulho em larga escala; f) para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. 2º A intervenção executar-se-á nas condições estipuladas no decreto e sempre por meios suasórios, dela podendo resultar, segundo a gravidade do fato, uma ou algumas das medidas seguintes: a) contenção de hostilidades, evitando-se o emprego de força contra os índios; b) deslocamento temporário de grupos tribais de uma para outra área; c) remoção de grupos tribais de uma para outra área. 3º Somente caberá a remoção de grupo tribal quando de todo impossível ou desaconselhável a sua permanência na área sob intervenção, destinando-se à comunidade indígena removida área equivalente à anterior, inclusive quanto às condições ecológicas. 4º A comunidade indígena removida será integralmente ressarcida dos prejuízos decorrentes da remoção. 5º O ato de intervenção terá a assistência direta do órgão federal que exercita a tutela do índio. Assim, não há aparência de necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, não sendo caso de incidência do § 3º do art. 231 da CF/88. V. Conclusão Em face do exposto, ante a ausência de fumus boni iuris, dou provimento ao agravo de instrumento para, reformando a decisão agravada de id. 1769860076, considerar (i) válidos a consulta e o consentimento emanado pelo CIM, como representativo do Povo Mura de Autazes e, em consequência, o requisito da Convenção 169 da OIT; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciar o empreendimento e a validade de todos os atos até agora praticados; (iii) afastar a necessidade de autorização do Congresso Nacional e autorizar o prosseguimento do projeto. É como voto. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator [1] Id. 904360588. [2] Cf. file:///C:/Users/DS93/Downloads/wcms_205225.pdf. [3] Cf. https://ilo.primo.exlibrisgroup.com/discovery/delivery/41ILO_INST:41ILO_V2/126506 9900002676. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 17 - DESEMBARGADORA FEDERAL KÁTIA BALBINO AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) n. 1037175-40.2023.4.01.0000 VOTO VISTA A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL KATIA BALBINO: Pedi vista dos autos para melhor examinar as questões fático-jurídicas que motivaram a interposição do agravo de instrumento em apreço. De início, sem prejuízo de assinalar minha integral anuência com o voto do Relator quanto à relevância do Projeto Potássio-Autazes, entendo que as questões a serem dirimidas na insurgência perpassam apenas pelo juízo de adequação da decisão agravada ao contexto fático-processual que justificou a sua prolação. Feito o registro, cumpre também esclarecer que o recurso ora examinado foi interposto pelo Conselho Indígena Mura contra a decisão pela qual o juízo de origem, em caráter dispositivo, assim deliberou: “15. Pelo exposto, reitero decisões anteriores de que o órgão ambiental competente para licenciamento do projeto Potássio é o IBAMA, reitero que exploração mineral em Terra Indígena depende de autorização do legislador constituinte (do Congresso Nacional) e que o IPAAM não é o órgão ambiental competente para o empreendimento que tem o poder de afetar o bioma, a biomassa, o estoque de carbono, a alteração de recursos hídricos da maior bacia nacional, e portanto tem o poder de gerar mudanças climáticas irreversíveis. 16. A Consulta aos povos indígenas afetados depende da vontade do povo, decorrente da sua autonomia de deliberar seus interesses diante desse e de qualquer empreendimento. Todavia, eventual resultado fica desde já suspenso enquanto não houver o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados na presente decisão. 17. Sem o mínimo início dos requisitos, não haverá inspeção judicial, a qual fica por ora suspensa, mas advirto que poderá ser remarcada em caso de violência ou indícios de violações que importem em ruptura da ordem. 18. Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Tal o contexto, o agravante confronta as seguintes diretrizes decisórias: i) suspensão do procedimento de consulta aos povos indígenas levada a efeito; ii) necessidade de autorização do Congresso Nacional para exploração da área em que se pretende realizar o empreendimento. Passo, assim, a analisar tais questões: - Da suspensão dos procedimentos de consulta – a perda do objeto do agravo de instrumento, quanto ao ponto. O exame dos autos indica que a decisão agravada foi proferida em 25/08/2023. Por outro lado, a leitura do referido comando permite a compreensão de que a questão referente à consulta aos povos indígenas foi abordada pelo juízo a quo por um prisma abstrato de sua validade, em perspectiva com os demais requisitos tidos como necessários para a exploração em litígio (autorização do Congresso Nacional e competência do IBAMA para o licenciamento). É dizer, a julgadora da origem não se manifestou de forma concreta sobre aspectos materiais e formais afetos à consulta que o agravante tem com validamente realizada, pontuando, isto sim, que a validade do referido procedimento deve ser examinada de forma contextualizada com os demais requisitos para a implementação do empreendimento. Tanto assim, que a parte final do comando censurado dispõe (destaquei em itálico): “Todos os atos administrativos contrários ao bloco de constitucionalidade aqui tratado, conforme farta fundamentação da presente decisão e das anteriores, são nulos e não possuem qualquer valor jurídico, pelo grave risco ambiental de um empreendimento mineral de 23 anos com afetação em terras indígenas e sem a autorização do legislador e sem o licenciamento do órgão competente.” Ocorre que, após a prolação do referido decisum, a magistrada que conduz o processo principal se debruçou de forma mais aprofundada sobre a questão referente à consulta aos povos indígenas e, nos termos da decisão ID 1913974193, proferida em 16.11.2023, consignou (destaques sublinhados acrescidos): “Diante de todo o tumulto (mediante coação, intimidações, pressões indevidas e oferecimento de vantagens) causado pelo CIM e por prepostos da empresa ré, conforme depoimentos colhidos e mencionados no parecer ministerial, defiro o pleito ministerial e determino a imediata suspensão do procedimento de licenciamento ambiental por parte do IPAAM, bem como o da consulta ilegítima realizada após desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta, bem como de qualquer ato de avanço dos trâmites para a implementação do empreendimento da empresa Potássio do Brasil S/A em Autazes, em razão dos vícios mencionados e dos riscos de conflitos e morte que a continuação dos trâmites do empreendimento minerário neste cenário acarretam ao povo Mura na região, ficando expresso que o juízo federal não confere qualquer validade à alteração esdrúxula do Protocolo construído de forma legítima por TODO O POVO MURA.” Como se vê, após a prolação da decisão agravada, o juízo a quo proferiu novo comando com caráter substitutivo do anterior, vindo a apresentar fundamentação mais aprofundada e amparada em elementos concretos sobre as razões de seu convencimento. Em outras palavras, a avaliação no plano concreto da consulta tida como realizada absorveu a deliberação anterior, esta fundada apenas em fatores afetos ao procedimento no plano abstrato. Assim, porque proferida decisão ulterior que a um só tempo incorporou e ampliou as razões contidas na decisão agravada, resulta demonstrada a perda do objeto do recurso tirado contra o aludido comando. Anoto, por fim, que tanto o MPF quanto a Funai já se manifestaram nos autos em sentido concorde com a compreensão ora externada (cf. ID 423687013 e ID 369353129). - Subsidiariamente, ao não conhecimento do recurso Ainda que se supere a questão preliminar já analisada, entendo que a decisão agravada deve ser mantida nos termos em que proferida, salientando, nesse ponto, que sua avaliação deve ser feita com base no exato sentido e alcance nela consignados. Melhor explicando, foi acima esclarecido que na decisão agravada o juízo a quo consignou que “eventual resultado” da consulta ficaria suspenso enquanto não houvesse “o cumprimento dos requisitos ambientais, legais e constitucionais tratados” na decisão. Claro, portanto que, na decisão agravada, a julgadora de primeiro grau não empreendeu juízo de valoração da consulta efetivamente levada a efeito, tendo suspendido seus efeitos em razão da necessidade de observância concomitante de outros requisitos tidos como necessários para o licenciamento do empreendimento. Ocorre que a parte agravante não enfrentou de forma suficiente as razões externadas no comando recorrido, restringindo-se a defender a validade da consulta que alega já ter sido realizada, bem assim a desnecessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área em que será realizada a exploração mineral discutida na ação principal. Ora, a decisão agravada, como já afirmado, não positivou em nenhum momento a invalidade factual da consulta debatida (isso só foi feito na decisão posterior), tendo suspendido os respectivos efeitos em razão da necessidade de atendimento de outros requisitos que seriam com ela concorrentes. Um desses requisitos, a competência do Ibama para o licenciamento, não foi (e nem poderia ter sido, por ausência de legitimidade recursal) sequer objeto do presente agravo de instrumento. Assim sendo, ainda que superado o óbice relativo à perda do objeto do recurso, quanto ao ponto, este não pode ser conhecido, diante da ausência de enfrentamento da fundamentação decisória no sentido de que os efeitos da consulta somente poderiam ser efetivados em conjunto com o atendimento dos demais requisitos para a exploração da área, nomeadamente a autorização do Ibama. - Do exame residual do mérito da decisão agravada De todo modo, também na hipótese em que venha a ser desconsiderada a ausência de enfrentamento, pelo agravante, das razões decisórias, o recurso não deve ser provido. Com efeito, os documentos encartados no processo principal revelam uma evidente divisão entre as aldeias dos indígenas Mura, tratando-se de dissenso que compromete a conclusão pela validade do procedimento de consulta que neste agravo se tem como concretizado. Nesse sentido, tomando-se como exemplo a assembleia realizada em 21 e 22/09/2023, mencionada no voto do Exmo. Relator, temos que embora registrada em seu relatório a presença de diversos integrantes da comunidade Mura para debater sobre a implementação do projeto Potássio-Autazes, inclusive com a indicação de participação de cinco entidades representativas (CIM – Conselho Indígena Mura; OASIM – Organização dos Agentes de Saúde; OPIM – Organização dos Professores Indígenas Mura; OEIMA – Organização dos Estudantes Mira de Autazes; APIMA – Associação dos Produtores Indígenas Mura de Autazes), o referido documento foi subscrito por apenas quatro pessoas, dentre elas o coordenador geral do CIM (ora agravante) e um advogado. Inexiste, no documento, a indicação nominal de quem seriam as pessoas presentes no encontro, tendo sido mencionados, tão somente, o quantitativo dessas por aldeia. Também não há registro de ata assemblear, tampouco de subscrição, nesse ou em nenhum outro documento, da alegada aprovação majoritária para a implementação do projeto em debate nos autos principais. É dizer, a referência à aprovação do projeto consta apenas do relatório confeccionado após a assembleia, no qual não se identifica a assinatura da quase totalidade das pessoas que dela teriam participado. Por outro lado, como bem observado pelo Exmo. Relator, é certo que a efetivação da consulta às comunidades indígenas não pressupõe a anuência destas com o respectivo objeto. Todavia, a efetivação plena da consulta reclama a escuta efetiva das referidas comunidades, escuta essa que há de ser valorada em sua perspectiva substancial e não simplesmente formal. Nesse sentido, reportando-me mais uma vez ao voto do Relator, “[É] incontroverso que, para ser considerada legítima, qualquer consulta deve ser capaz de verdadeiramente influenciar o poder de decisão da Administração Pública.” Ocorre que o cenário dos autos não indica a realização dessa escuta efetiva do procedimento de consulta, este que, ao que se infere inclusive da divisão verificada entre os representantes da comunidade Mura, vinha sendo protagonizada, em um primeiro momento, pelo CIM (ora agravante), entidade que vem reiterada e insistentemente se manifestando pela implementação do Projeto Potássio-Autazes. Oportuno ser registrado que os autos principais indicam a adoção de diversos procedimentos tendentes à efetivação de um processo de consulta regular, mostrando-se plausível, neste momento de exame provisório do tema, a inferência de que muitos dos atos praticados sejam efetivamente válidos. Ocorre que o entendimento – precário – da validade de parte dos atos praticados não leva, obviamente, ao reconhecimento automático da validade de todo o processo de consulta. A propósito, em sua segunda decisão proferida sobre o tema a magistrada da origem refere-se à ocorrência de uma "desconfiguração ilegítima do Protocolo de Consulta”, posicionamento indicativo de que, por sua ótica, o referido protocolo vinha sendo posto em prática de forma adequada, até que a partir de determinado momento veio a ser desconfigurado em sua essência e finalidade. Esse fato reforça, portanto, o posicionamento no sentido de que a validade de atos pretéritos do Protocolo de Consulta não pode induzir ao reconhecimento de sua validade como um todo. Isso posto, existem dúvidas no mínimo razoáveis acerca da legitimidade do procedimento sob enfoque, ao menos no que se refere à valoração do posicionamento divergente de parte significativa da comunidade Mura. Note-se que a validade (nos planos formal e substancial) desse procedimento tem como premissa a oitiva de todas as comunidades afetadas, levando-se em conta, no mais que possível, as peculiaridades de cada uma delas, além das razões que justificarem seus respectivos posicionamentos. Veja-se, em abono dessa conclusão, que a análise cartográfica 138/2023, juntada aos autos pela Funai e transcrita no voto do Relator, indica que o Projeto Potássio-Autazes encontra-se em distâncias diferentes das diversas comunidades afetadas, sendo que, especificamente em relação à “Aldeia Soares”, cujos representantes se posicionaram em sentido contrário ao do ora agravante, a indicação no mencionado documento é pela “sobreposição da área de influência” e pela distância de apenas 2,52 km entre a planta do projeto e a área em que situada a própria aldeia (a menor distância, ao que se infere, entre todas as comunidades afetadas). Na mesma linha, atente-se para o teor das seguintes passagens da decisão de ID 1913974193 dos autos principais, proferida após a decisão agravada: “O Povo Mura afetado pelo grande empreendimento Potássio, na forma do Protocolo legitimamente aprovado por sua totalidade de comunidades, sequer começou a ser consultado. Especialmente o Povo Mura da Comunidade Lago Soares, onde foi fincada a primeira perfuração para fins de pedido de concessão de lavra e licenças prévia, de instalação e de operação, o povo não foi ouvido em nenhuma das etapas da Consulta. Em inspeção judicial realizada por esta Magistrada, confirmei a tese dos autos de que é exatamente no Lago Soares que parte a pretensão de instalação do Projeto Potássio e essa comunidade não foi ouvida até a presente data, sendo ilegítima qualquer conclusão sem sua participação.” (...) “4.1. Alegam, o MPF, a organização OLIM CV e COMUNIDADE INDÍGENA DO LAGO DO SOARES, uma série de ilícitos em tese perpetrados pela empresa Requerida Potássio do Brasil. Defendem ocorrência de má fé, assédio, danos psicológicos, danos morais, coação manipulação e intimidação contra indígenas Mura. As alegações são de extrema gravidade e antes mesmo de ouvidos o MPF e a requerida, é dever do juízo adotar providências preliminares para determinar a imediata suspensão dos vícios, pois que a sua continuação pode gerar danos irreversíveis aos povos originários envolvidos, além da transfiguração do meio ambiente, cultura, tradição e do seu modo de vida. 4.2. As provas anexadas com a manifestação da parte interessada (OLIMCV e Comunidade Lago Soares) bem como aquelas referidas pelo MPF em seu Parecer, demonstram inclusive a presença do Presidente da Potássio do Brasil em reuniões com indígenas Mura, levando ideias destorcidas e contrárias ao ordenamento jurídico, além de descumprir claramente decisão constante de ata de audiência onde ficou consignado que a empresa não poderia praticar coação contra os indígenas. Desde a feitura do Protocolo, o Povo Mura assentou expressamente: "não queremos ser pressionados e coagidos". 4.3. São mais de 12 - doze- mil indígenas Mura afetados com o empreendimento, dos quais nem 1% chegou a participar da reunião onde correu uma lista de presença depois transfigurada em lista de aprovação, havendo clara pressão de cerca de dez indivíduos - alguns já identificados e ouvidos no Ministério Público Federal ( ID 1914447184 - Parecer) - no sentido de distorcer a realidade e retirar o direito de participação da imensa maioria dos indígenas nesse complexo processo de Consulta Livre e Informada. Conforme as provas anexadas, o indígena Cleber (ou Kleber) age como um doa encarregados de praticar coação e manipulação. A conduta pode vir a configurar crime, seja pelo 'modus operandi' de alteração da realidade fática e jurídica, seja por escarnecer as tradições culturais fixadas no Protocolo de Consulta ( lei 60001-73, art. 58, I). 4.4. Ainda, o senhor Kleber Mura vem afirmando que a empresa Potássio do Brasil LTDA. realizou uma promessa de pagamento de supostos royalties pela extração do minério em troca da aprovação do empreendimento, por parte das comunidades indígenas. Cumpre esclarecer que para que comunidades tradicionais ou indígenas recebam royalties por grandes empreendimentos exploradores em suas terras, é necessário primeiramente cumprir os passos da lei, não sendo faculdade de nenhuma empresa oferecer vantagens ou promessas de pagamentos, os quais já são fixados pelo legislador em casos de exploração mineral. Em síntese, na hipótese de futura operação licenciada do empreendimento, os roylties que eventualmente serão pagos decorrem de deliberação do legislador e não são mera faculdade da empresa Potássio do Brasil, a qual está causando tumulto, manipulação e pressão indevida em comunidade em situação de vulnerabilidade, o que deve cessar IMEDIATAMENTE. 4.5. Na manifestação trazida ao conhecimento do juízo, haveria indígena Mura recebendo 5 - cinco - mil reais da empresa Potássio, enquanto outros estariam recebendo 10 - dez- mil reais, tudo com o intuito de coagir e manipular as comunidades afetadas para o fim de aprovar o empreendimento, gerando uma confusão entre Consentimento Livre e Informado e licenciamento prévio, de licença de instalação e licença de operação, que a essa altura, estão fazendo parecer como um só fato jurídico quando são atos distintos. A transfiguração dos fatos jurídicos precisa imediatamente ser quebrada para evitar um dano irreversível aos povos originários, à sua cultura, modo de vida e tradição. 4.6. Dessa forma, diante de tanto vícios de consentimento explícitos, trazidos a juízo por indígenas Mura que habitam o principal Lago (Soares) a ser afetado pelo empreendimento, bem como pela organização OLIMCV, tudo isso faz-nos concluir que a tese manejada de ilegitimidade e nulidade do resultado de uma suposta consulta é inevitavelmente pertinente. Sem consulta válida, na forma do Protocolo definido POR TODO O POVO MURA ( e não por uma dúzia de pessoas com fortes indícios de estarem cooptadas) não há que falar em licença prévia válida. Isso porque a consulta depende da vontade livre do povo e decorre da sua autodeterminação em deliberar acerca de seus interesses diante de qualquer empreendimento que possa impactar seu modo de vida, conforma já definiu o STF. 4.7. Portanto, de imediato recebo a manifestação e o Parecer acima aduzidos, determino a manifestação de todas as partes em dez dias sobre o que entenderem pertinente e desde já adoto as deliberações abaixo para o fim de resguardar a dignidade e integridade do Povo Mura, alvo de um processo de coação, manipulação e intimidação. a) Determino a imediata suspensão de qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação contra indígenas Mura, praticadas pela empresa requerida ou por quem quer que haja em seu mando. Fixo desde já multa de cem mil reais por cada dia de descumprimento da presente decisão, a contar da intimação da presente decisão. b) Fixo desde já multa de um milhão de reais a ser custeada pela Empresa Potássio do Brasil Ltda, pelo descumprimento dos deveres assumidos durante as audiências de conciliação perante o Juízo, em especial por realizar pressão indevida sobre o povo Mura com o comparecimento pessoal do seu presidente em reuniões internas das comunidades sobre o assunto tratado nos autos, o que já foi vedado pelo juízo. A multa incidirá sobre o dia de comparecimento do Presidente da Potássio, em reunião vedada pelo Protocolo de Consulta e será revertida a favor da Organização requerente e comunidade Lago Soares, pro rata.” A reforçar o posicionamento da julgadora que conduz o processo na origem, as cartas abertas juntadas nos ID 1914200677, 1914200678, 1914200679 indicam a discordância de várias aldeias com os rumos do procedimento. Da mesma forma, confira-se o que foi expressamente consignado no Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Indígena Mura de Autazes e Carneiro da Várzea (ID1914200682 dos autos principais): Trata-se, com efeito, de diretrizes contidas no Protocolo de Consulta construído para o exame do Projeto Potássio-Autazes. Pois em que pese a clareza dos termos acima transcritos, há no processo principal fortes indícios da participação ativa de “não-índios” no “processo de convencimento” da comunidade Mura (inclusive na assembleia realizada nos dias 21 e 22/08/2023), bem assim de que parte das lideranças não levou em conta, como deveria ter levado segundo as normas protocolares acima transcritas, a opinião do conjunto da comunidade indígena afetada. Com todo esse cenário, tenho que o exame realizado em sede de agravo de instrumento tirado contra uma decisão marcada por seu caráter de provisoriedade e de instrumentalidade para a bom desenrolar do processo, deve ser feito com a adoção de uma postura cautelosa quanto aos riscos do reconhecimento da validade do procedimento de consulta que está na berlinda, ante a irreversibilidade das medidas que eventualmente sejam tomadas com base nessa conclusão (no mínimo precipitada). Isso quer dizer que, diante das incertezas quanto à validade do caráter conclusivo da consulta, o Poder Judiciário deve assumir uma posição preventiva quanto aos possíveis prejuízos que venham a ser causados. Aqui tomando por empréstimo – e por analogia – o ensinamento Délton Winter de Carvalho, tenho como necessária a conclusão de que a alta probabilidade de comprometimento futuro de direitos fundamentais das comunidades indígenas afetadas pelo empreendimento em causa enseja a adoção das medidas preventivas necessárias – tais como as que adotadas pelo juízo de primeiro grau –, “a fim de evitar a concretização dos danos ou minimizar as consequências futuras daqueles já efetivados”. Não procede, portanto, a compreensão de que eventuais prejuízos futuros poderão ensejar indenização por perdas e danos, na medida em que a finalidade precípua da atuação jurisdicional em casos como o presente deve ser a de evitar que o dano ocorra e não simplesmente compensá-lo. Pensar diferente, com todas as vênias, seria abrir a caixa de Pandora para uma pletora de ilegalidades que poderiam ser cometidas sob o escudo de uma incerta indenização reparatória. Não bastasse tudo isso, a eventual validade das deliberações obtidas em assembleias realizadas sob a condução do CIM não pode, em princípio, vincular as comunidades que não são pelo referido conselho representadas. Assim, a eficácia de tais deliberações, para fins de reconhecimento da oitiva real de todas as comunidades afetadas, seria condicionada à obtenção de manifestações convergentes daquelas que não vinculadas ao agravante. Da necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da Terra Indígena – ausência de legitimidade recursal, quanto ao ponto Como já antecipado, a decisão agravada não empreendeu exame qualitativo da consulta que a parte agravante considera legítima, restringindo-se a suspender seus efeitos ante a necessidade de observância de requisitos externos ao referido procedimento. Dentre as externalidades mencionadas na decisão agravada, a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi invocada como pressuposto para a implementação do Projeto Potássio-Autazes, que tem como principal interessado os responsáveis pelo empreendimento. Ainda que se diga que a parte agravante teria algum interesse na implementação no projeto, pelos possíveis benefícios que ele poderia proporcionar, tal não significa que, processualmente, caiba a ela defender a sua concretização. A ilustrar esse entendimento, tome-se como exemplo a hipótese em que o órgão ambiental responsável pelo licenciamento apresente alguma condicionante para o seu deferimento. Diante de tal situação, caberá apenas à agravada Potássio do Brasil Ltda. questionar judicialmente o óbice levantado, falecendo ao Conselho nestes autos agravante legitimidade para o enfrentamento da hipotética decisão administrativa. Mutatis mutandis, é exatamente essa a situação ora analisada, pois a necessidade de autorização do Congresso Nacional foi levantada como óbice para o licenciamento do projeto discutido, diante do entendimento que ele seria realizado em terras indígenas. Não cabe, portanto, ao Conselho Mura, defender aquilo que em última análise se mostra como de interesse da empresa, o que seja, a implementação de seu empreendimento econômico. Por outro lado, o Conselho agravante não representa a totalidade da Comunidade Mura, mas apenas parte dela, daí porque não possui legitimidade para se manifestar sobre os efeitos do empreendimento nas áreas não alcançadas por sua representação. Em resumo, não cabe ao CIM questionar a avaliação feita pelo juízo processante acerca da repercussão de um projeto empresarial do qual não faz parte, em áreas ocupadas por comunidades que não representa. A legitimidade recursal da agravante, portanto, em relação ao que é objeto do agravo de instrumento, está adstrita à validade de sua manifestação no procedimento de consulta, tema já analisado no tópico anterior deste voto. Conclusão Diante do exposto, julgo prejudicado o agravo de instrumento em relação à suspensão dos efeitos da consulta realizada, diante da prolação de decisão judicial posterior. Na hipótese de superação desse ponto preliminar, não conheço do agravo, por deficiência de fundamentação e, se também afastado esse obstáculo, nego provimento ao recurso. De outro modo, não conheço do agravo de instrumento no que se refere à necessidade de autorização do Congresso Nacional para a exploração da área onde será implementado o projeto, por ausência de legitimidade recursal. Por fim, deixo de me manifestar acerca da questão relativa à competência para o licenciamento do empreendimento, por se tratar de tema estranho ao objeto da insurgência em apreço. É como voto. Desa. Federal KATIA BALBINO Relatora CARVALHO, DéltonWinter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização Pelo Risco Ambiental. 2ª ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2013, pp. 187/202 PODER JUDICIÁRIO FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PJe/TRF1ª – Processo Judicial Eletrônico AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 1037175-40.2023.4.01.0000 Processo Referência: 0019192-92.2016.4.01.3200 AGRAVANTE: CONSELHO INDIGENA MURA AGRAVADO: DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUCAO MINERAL, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, INSTITUTO DE PROTECAO AMBIENTAL DO AMAZONAS, POTASSIO DO BRASIL LTDA., FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DO AMAZONAS EMENTA DIREITO AMBIENTAL E DIREITOS INDÍGENAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSULTA PRÉVIA AO POVO INDÍGENA MURA. EXPLORAÇÃO MINERAL. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECONHECIMENTO DE CONSULTA VÁLIDA. PROSSEGUIMENTO DO PROJETO. 1. Agravo de instrumento interposto pelo Conselho Indígena Mura (CIM) contra decisão que suspendeu os efeitos da consulta ao povo indígena Mura sobre o Projeto Potássio Autazes, condicionando sua validade ao cumprimento de requisitos ambientais, legais e constitucionais, no bojo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). 2. Pretensão do agravante de obter efeito suspensivo para reconhecer a validade da consulta realizada, conduzida pelo CIM, e afastar exigências relacionadas à autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração em terras indígenas, bem como discutir a competência do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) no licenciamento ambiental do empreendimento. 3. O debate circunscreve-se às seguintes questões: (i) validade da consulta ao povo indígena Mura de Autazes, realizada com base no protocolo próprio; (ii) competência do IPAAM para o licenciamento ambiental do empreendimento; e (iii) necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, considerando a localização do projeto em área não demarcada como terra indígena. 4. Reconhecida a legitimidade do Conselho Indígena Mura (CIM) como entidade representativa das aldeias de Autazes para conduzir a consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT, considerando que o processo observou protocolos definidos com acompanhamento judicial. A ausência de pronunciamento de outras comunidades não invalida a consulta, mas mantém a obrigação do Estado de dialogar continuamente com os povos afetados. A CIDH já se pronunciou no sentido de que a obrigação de consultar estatal se conclui quando fornece os elementos aos povos indígenas, ainda que esses se recusem a participar do processo. 5. A competência do IPAAM para licenciamento ambiental foi reafirmada, uma vez que o empreendimento está localizado fora de terras indígenas demarcadas, observando-se os critérios da Lei Complementar nº 140/2011. A distância de poucos quilômetros entre o projeto e a terra indígena mais próxima não configura causa de deslocamento de competência ao IBAMA, o qual, no entanto, possui o dever de vigilância em relação ao licenciamento estadual. Não há dados que permitam concluir que o órgão ambiental estadual não tem a qualificação ou a estruturação necessária para proceder ao licenciamento, tampouco foram apontadas omissões nas condicionantes fixadas na Licença Prévia, que expressamente consideraram o componente indígena. 6. O STF, na ADI 4.757/DF, expressamente reconheceu a existência do "dever de vigilância da União quanto aos licenciamentos de responsabilidade dos Estados, cujas atividades ou empreendimentos possam causar impactos ambientais indiretos relevantes em áreas indígenas ou unidades de conservação. A exemplo, as atividades de mineração ou empreendimentos hidrelétricos, cujas poluições sonoras ou dos leitos de rios possam impactar a preservação adequada das referidas áreas." O STF acrescentou que, "[n]esse ponto, competirá, com efeito, à União averiguar as capacidades institucionais do órgão ambiental estadual para proceder com o licenciamento, em especial as condicionalidades para a emissão da licença, considerados esses impactos indiretos, que não raras vezes demandam alta espeficiação de instrumentos técnicos e de profissionais" (ADI 4757, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 13-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-03-2023 PUBLIC 17-03-2023, p. 85 do acórdão). 7. A inexistência de terra indígena demarcada ou delimitada na área do empreendimento afasta a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional, conforme art. 231, § 3º, da Constituição Federal, ainda que se instaure processo demarcatório, enquanto não concluído. 8. Agravo de instrumento provido para: (i) considerar válida a consulta realizada pelo CIM como representativo do povo indígena Mura de Autazes e considerar cumprida a obrigação de consultar; (ii) reconhecer a competência do IPAAM para licenciamento ambiental do empreendimento; (iii) afastar a necessidade de autorização legislativa do Congresso Nacional para mineração no caso em análise; e (iv) autorizar o prosseguimento do projeto minerário, sem prejuízo de novas medidas para assegurar a proteção aos direitos indígenas e ambientais. ACÓRDÃO Decide a Sexta Turma, por maioria, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator. Brasília/DF, data e assinatura eletrônicas. Desembargador Federal FLÁVIO JARDIM Relator
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